Homenagem ao lendário herói ancestral dos ingleses que deu título a um dos considerados "Cem Maiores Livros do Mundo" e tido como o mais antigo escrito em "Old English".

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

DECLARAÇÃO DE AMOR À ILHA QUE ME ADOTOU

Nascido em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, até o final do ano de 1976 sempre me faltou oportunidade adequada para conhecer a linda cidade de Florianópolis, capital de Santa Catarina, nosso vizinho estado. Mas quando a conheci, foi para ficar!
Com minha família morando na cidade de São Paulo, desde o ano de 1961, inicialmente solteiro e posteriormente casado e constituindo família, eu usava a BR-116 para as viagens freqüentes que fazia à Paulicéia, para visitá-los. Era uma viagem em estrada simples de mão dupla, perigosa, que por ser longa me obrigava a correr demais para evitar o pernoite no caminho; o resultado era uma média de dezessete horas de viagem (que podia chegar a mais de vinte horas), em condições bem arriscadas e nunca sem sobressaltos, se considerarmos também as condições normais (anormais?) das estradas brasileiras e, particularmente essa, que cruza várias serras conhecidas. Posteriormente, a BR-101 foi construída, o que facilitou bastante essas minhas viagens, tanto no que se refere à segurança como à duração da viagem. Entretanto, tanto por uma, como pela outra, sempre deixava ao largo a bela capital dos catarinenses. Com uma boa dose de tristeza, principalmente quando trafegando pela BR-101, quando era possível apreciar, pela proximidade da estrada, as maravilhosas praias de todo o litoral e a Ilha de Santa Catarina. Mas o objetivo, em épocas de estudante e início de carreira, era apenas chegar ao destino, fosse ele São Paulo ou Porto Alegre.
Em dezembro de 1976, por razões que aqui não cabem (quem sabe numa outra crônica?), solicitei a minha demissão da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), onde exercia as minhas atividades junto ao Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) e candidatei-me a uma vaga em um consórcio de empresas privadas de Porto Alegre e Rio de Janeiro. Na ocasião, o Consórcio vencedor da concorrência estava recrutando mão de obra especializada para trabalhar num grande projeto de controle de enchentes no Vale do rio Tubarão, que havia sofrido uma inundação catastrófica no ano de 1974. O projeto havia sido licitado pelo extinto Departamento Nacional de Obras de Saneamento (DNOS) e seria supervisionado por sua 14ª Diretoria Regional de Saneamento, em Santa Catarina, Florianópolis. Como os quadros com formação realmente cientifica do DNOS haviam ficado concentrados em sua administração central, no Rio de Janeiro, o Diretor Regional de Santa Catarina aplicou no empreiteiro recém contratado, a famosa “chave de estrela” dos militares e lá retornei eu para o serviço público federal, agora contratado em Função de Assessoramento Superior, pelo Ministério do Interior.
Fui numa espécie de “pelotão precursor”, sozinho, para sentir como seriam as coisas em Florianópolis; após alguns dias foi a vez da minha esposa e logo em seguida realizamos a mudança, quando se juntaram a nós as nossas duas filhas – o Nelson Jr. viria mais tarde, como um lindo presente extra da terra. Nos apaixonamos pela cidade e, particularmente, pela Ilha Maravilhosa. E lá ficamos pelos últimos trinta e cinco anos!
Naquela época, Florianópolis era uma pequena capital, de cuja população ninguém gostava de falar. Era sempre a população da “Grande Florianópolis”, que englobava então os municípios vizinhos de São José, Palhoça, Biguaçú e outros, e aí se conseguia chegar a números imprecisos, que variavam entre 150 mil e 350 mil habitantes. E foi nesse encanto de cidade, onde então as balconistas das lojas paravam de nos atender para conversar com uma amiga que havia chegado ao recinto, que criamos as nossas duas filhas e o filho, que lá foi gerado.
Na Florianópolis do final de 1976, ainda trafegava-se pela velha ponte pênsil Hercílio Luz e pela recém inaugurada ponte Colombo Salles. Em questão de dois anos foi inaugurada a segunda ponte de concreto e, em compensação, entrou em recesso permanente (pelo menos até os dias de hoje) a antiga ponte pênsil.
Nossas crianças tomaram seu primeiro banho de mar em Santa Catarina, na Lagoa da Conceição, um “mar” de águas claras dentro de uma ilha, dentro do mar..., em cujas margens se instalava o Lagoa Iate Club ou LIC, projetado por Oscar Niemayer, onde passamos dias maravilhosos das quatro estações, pois a pouca afluência da época fazia do LIC um lugar tranqüilo durante o ano inteiro.
Passamos nosso primeiro ano num lindo apartamento alugado, num pequeno prédio cor-de-rosa, de três andares, recém concluído, da Rua Almirante Alvim, em frente ao então Supermercado Riachuelo, de onde podia-se ir a pé ao centro da cidade. No ano seguinte compramos a nossa casa no Jardim Santa Mônica, na rua Jonas Alves Messina, esquina com a Av. Madre Benvenuta. Era uma típica casa de bairro estritamente residencial, devidamente planejado para que não faltasse nada e tampouco sobrasse alguma coisa. Nessa casa, que sofreu algumas reformas ao mesmo tempo em que as crianças cresciam e se tornavam adultas, vivemos durante vinte e três anos e vimos o progresso, inexorável, chegar a Florianópolis e ao nosso calmo bairro.
E a chegada do progresso – que trouxe junto a expansão imobiliária, o comércio, o movimento e a impessoalidade – testemunhou, no ano de 1999, a nossa “fuga” para um belo apartamento da rua Bocaiúva, primeira paralela à Av. Beira Mar Norte, próximo ao centro da cidade, novamente, onde permanecemos, vendo os filhos casarem e os netos chegarem, até o ano de 2007.
Com a aposentadoria e mais alguns anos de trabalho na consultoria independente, com as origens começando a chamar fortemente de volta, negociamos o apartamento da Bocaiúva e compramos um apartamento em Gramado, RS, mas também um na praia de Canasvieiras, para não perder o vínculo com a Ilha, onde ainda temos dois dos nossos filhos residindo.
Essa foi a curtíssima história da nossa vida em Florianópolis. Poderia escrever alguns livros sobre essa Ilha Maravilhosa, que nos acolheu tão bem e que ainda não nos mandou embora - não creio que algum um dia o faça. Não nos cobrou absolutamente nada por tudo quanto nos deu de bom. Foi nela que os nossos filhos cresceram, estudaram e se criaram, tiveram as suas alegrias e as suas tristezas e fizeram as suas vidas. Na verdade as nossas vidas! Foi nela que fizemos amizades que jamais esqueceremos e que esperamos que não nos esqueçam nunca. Foram tantas e boas as amizades que fizemos, que não mencionaremos nenhuma, pois correríamos o risco de omitir algum nome que também poderia também ter sido muito querido. Mas se algum deles ler essa pequena crônica, saberá com certeza, que o temos muito bem guardado em nossos corações.

E, por tudo isso, agradeço a Florianópolis a acolhida que nos deu e a alegria que nos proporcionou durante todos esses anos, sem fazer qualquer esforço para isso, nos transformando, dessa forma, em mais alguns entre seus muitos filhos adotivos. E presto-lhe, como também a todos os amigos que aqui fizemos, uma singela homenagem, através de uma pequena coleção de fotos e do hino que popularizou, de forma tão eloqüente, a Ilha Maravilhosa de Florianópolis. Aos que não a conhecem e aos que já tiveram o prazer e sentem saudades, convido a seguirem o link e apreciar algumas das belas paisagens de Forianópolis e de suas praias maravilhosas, regadas ao som do “Rancho de Amor à Ilha” do inesquecível Zininho. Aumentem o volume e se deliciem pois a transição dos "slides" é automática. A apresentação é muito mais eloquente do que um milhão de palavras.
Muito obrigado, querida Ilha da Magia!

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

UMA PEQUENA HISTÓRIA DA INGLATERRA CONTADA POR UM GAÚCHO DE PORTO ALEGRE, DESCENDENTE DE PORTUGUESES E RESIDENTE EM GRAMADO - A HISTÓRIA PROPRIAMENTE DITA (18) (Vigésima Sexta Parte)

O AMBIENTE ARTHURIANO (ÚLTIMA PARTE)
E o que dizer sobre Avalon, a Ilha mística e lugar do repouso eterno do Rei Arthur da fábula? O primeiro escritor a mencionar Avalon foi Geoffrey of Monmouth quando, em sua Historia, ele a chama “Insula Avallonis”, referindo-se a ela duas vezes: quando ele diz que a espada Caliburn, de Arthur foi forjada em Avalon e quando, após sua última batalha, ele foi transladado para lá para que suas feridas pudessem ser curadas em um berço de ouro, em troca de sua promessa de lá permanecer com Morganna.
Localização de Glastonbury, vizinho da Cornwall, a oeste e de Wales, ao norte
O local que imediatamente emerge à mente, sempre que Avalon é mencionado, é a cidade de Glastonbury, na região oeste da England, vizinho à Cornwall e ao Wales e sua reivindicação tem sido sujeita a muita controvérsia. Aninhando-se entre um grupo de colinas, Glastonbury, a mais antiga cidade cristã da England, foi, no início da Cristandade, quase uma ilha, quando a maior parte da área circundante era submersa. É, certamente, um local imponente, com sua mais alta colina, Glastonbury Tor, tendo em seu pico, uma solitária torre de pedra que pode ser vista a milhas de distância, de toda a fértil planície de Somerset, marcando as ruínas da Igreja de Saint Michael. A Tor (em português, um rochedo pontudo, ou outeiro) foi uma ilhota durante séculos pois as águas das enchentes levavam um tempo enorme para retroceder.
Glastonbury, com a Glastonbury Tor, na colina à direita, com a flecha verde
 Somerset, a região onde se situa Glastonbury, é uma abreviatura para ‘Summer Settlement’ (povoado de verão) em virtude de ser a área totalmente inundada e impossível de ser habitada durante o inverno, exceção feita à Tor. Esta era originalmente chamada ‘Ynys Witrin’ ou ‘Ilha de Vidro’ (ou ainda ‘Ilha da Visão’), ligada à terra principal somente por uma estreita faixa de terra durante a maré baixa. As pessoas que acreditam ainda acrescentam o poder de um lugar sagrado. Esse longo período de semi-isolamento pode ter, não somente preservado a natureza extraterrestre da Tor, mas também aumentado a sua aura de excepcionalidade através dos olhos da população.
Glastonbury Tor e o caminho que conduz à Torre da Igreja de St. Michael
E como veio Glastonbury a ligar-se à mística Avalon? Não existe qualquer evidência de que antes de 1190 alguém a tenha ligado à Ilha. William of Malmesbury, no início do século XII, compilou a história de Glastonbury e nem uma só vez a ligou a Arthur ou a conectou de alguma forma a Avalon. Cerca de 1140, Caradoc of Llancarfan, escreveu o primeiro texto conhecido ligando Arthur a Glastonbury, dizendo que o Abade de Glastonbury ajudou na libertação de Guinevere do rei Malwas de Somerset, mas nunca mencionando Avalon. A ligação do Rei Arthur com Glastonbury resultou de uma descoberta que se diz ter ocorrida ao final dos anos 1100’s, nos terrenos da Abadia de Glastonbury, destruída por incêndio em 1184, quando os monges iniciavam a reconstrução. Segundo consta, os monges teriam encontrado um túmulo contendo os ossos de um homem alto além de ossos menores e restos de cabelos loiros, junto com uma cruz de chumbo com uma inscrição latina que traduziria da seguinte forma:

“Aqui jaz o renomado Rei Arthur, na Ilha de Avalon, com sua segunda esposa Guinevere.”

Nem os ossos nem a cruz existem hoje, de forma que nada pode ser provado, mas a descoberta do túmulo foi muito oportuna, para dizer o mínimo, já que a Abadia necessitava desesperadamente de dinheiro para a reconstrução e a atração de peregrinos era uma maneira segura de conseguir dinheiro de contribuições para ver, não apenas o túmulo de uma lenda, mas também para conhecer a Ilha de Avalon. A menção à sua segunda esposa teria sido também um golpe de sorte, pois à época dizia-se que a esposa de Arthur chamava-se Guinevere ou Ganhumara; a existência de uma segunda esposa satisfaria a todos. Alguns anos mais tarde, quando se tornara aceito que Arthur tinha tido apenas uma esposa, foi alegado que a cruz tinha escrito apenas:


“Aqui jaz o renomado Rei Arthur, na Ilha de Avalon.”

Em 1962 o arqueólogo Dr. Ralegh Radford escavou o local em que os monges diziam ter cavado e, de fato, acharam indicações de um túmulo antigo que, sem a cruz para examinar serviria para muito pouco. Sobraria apenas a inscrição, ela própria muito controversa, pois, de acordo com o linguista de Oxford, James Hudson, o latim utilizado nada tinha a ver com o latim do século VI. Finalmente, os monges da época disseram também ter desenterrado St. Patrick, St. Gildas, e o Arcebispo Dunstan, que por mais de duzentos anos jazia em paz em Canterbury. Todas essas relíquias dúbias foram dispostas ao público e renderam generosas doações de seus adoradores para a construção da nova abadia. Consequentemente, este famoso local associado ao Rei Arthur pela Ilha de Avalon não suporta um escrutínio histórico científico.
A torre das ruínas da Igreja de St. Michael, no topo da Glastonbury Tor
Embora Geoffrey possa ter baseado sua Avalon em antigas lendas Celtic, muito pouco há de Celtic na sua descrição de Avalon, que muito tomou emprestado da mitologia clássica. A existência das nove mulheres, da deusa Celtic Morrigan (Morgan) e do próprio nome Avalon determinam a origem Celtic do tema, que por isso pode ter sido associado com a lenda Arthuriana original; mas tentar localizar Avalon é um assunto bem mais complexo e se tivéssemos que buscar uma ilha real, poderia ser praticamente em qualquer lugar. Existe, por exemplo a Ilha de Man, tomando o seu nome do deus Manannan, que teria sido o seu lar. Há também a própria Ireland, que o conto de Culhwch and Olwen identifica como Annwan. Ao sudoeste encontram-se as Ilhas Scilly que aparecem numa lenda datando do princípio da Idade Média, que teria Morganna como sua rainha. Na Scotland, Iona era chamada “A Ilha dos Sonhos”, um nome aplicado a Avalon em mis de um romance medieval. O disputante Welsh seria a Ilha Bardsey, por séculos o local de enterros de Santos e outros homens cristãos sagrados; uma lenda registrada no século XIII conta que Merln dorme numa caverna, preservando para sempre um calderão com os tesouros dos vencedores Britons.
Mas não vale à pena buscar por Arthur em qualquer desses lugares. De acordo com Geoffrey, Arthur vai a Avalon apenas para ser curado de suas feridas, sem que diga que ele foi enterrado lá ou pudesse inventar um local para tal. Antes de Geoffrey, William of Malmesbury escreveu que o túmulo de Arthur ainda não havia sido encontrado e o poema Welsh The Stanzas of the Graves (As Mansões dos Túmulos), que trata dos locais de enterros dos heróis Celtic, admite que o túmulo de Arthur permanece um mistério.
Sir Thomas Malory decidiu minimizar sues riscos sobre o assunto e partiu do ponto em que Geoffrey conduz Arthur em um barco para Avalon, buscando alívio para suas feridas, sem especificar que teria sido enterrado lá. Algumas linhas adiante, Bedivere chega a Glastonbury onde descobre um eremita pranteando um túmulo recente e pergunta quem estava enterrado ali, ao que lhe é respondido: ‘Nessa mesma noite, à meia-noite, aqui veio um grupo de damas trazendo um morto e rogou-me que o enterrasse’.  Bedivere então supõe que o corpo seja de Arthur embora o eremita não o confirme. Parece que Malory se empenhava em satisfazer os seus leitores no que se refere à Abadia de Glastonbury, sem estar convencido de que tal local poderia ser uma ilha. De fato, ele não se compromete com Glastonbury e inclui uma nova versão em que a sepultura de Arthur permanece incógnita. Infelizmente, os contos de Avalon poderiam conduzir a qualquer lugar e a qualquer conclusão.


EPÍLOGO

Depois de tudo o que escrevemos, após mais de um ano de postagens sobre este assunto, concluir sobre a veracidade ou não da figura do Rei Arthur nos parece uma questão totalmente supérflua e desnecessária. A verdade apresenta-se por si própria, naturalmente. O personagem certamente existiu e teve, inquestionavelmente, um papel muito importante na história da formação da nação e do povo da Britain. Se a própria história encarregou-se de supervalorizar a figura e a sua importância, é questão de somenos importância. É parte e desejo da natureza humana criar os seus mitos, porque deles necessita. Toda a humanidade usou dessa prerrogativa desde o início dos tempos e seria inevitável que uma nação da importância e com uma história tão brilhante como a que possui a Britain, também possuísse os seus próprios heróis, dos quais o Rei Arthur é, certamente, o mais potente deles. É, sem qualquer dúvida, uma figura majestosa, que encantou e continua a encantar não apenas o povo britânico, mas a população mundial de todos os tempos e épocas e para sempre permanecerá na memória desta e das futuras gerações.
Gostaria de encerrar essa imensa matéria, de cujo sucesso de publicação eu mesmo duvidei muitas vezes, dado o seu imenso escopo, com um texto que é apresentado na primeira e segunda páginas do livro “King Arthur – The True Story”, escrito por Graham Phillips e Martin Keatman. Nessas duas páginas, os autores foram, em minha opinião, de uma felicidade imensa na apresentação da essência da lenda do Rei Arthur e os Cavaleiros da Távola Redonda, tal como a conhecemos hoje e como gostaríamos que fosse lembrada essa maravilhosa história de realidade/ficção, mas sobretudo de caráter e honra, características cada vez mais raras e difíceis de serem encontradas no mundo moderno.

Em um tempo muito distante, quando a Britain era dividida e sem um rei, hordas bárbaras devastaram aquilo que havia sido um dia um fértil território. O trono apresentou-se vago para um homem certo e justo, que poderia libertar o povo do seu jugo servil e expulsar os invasores da sua terra. Mas apenas aquele, que arrancasse da pedra uma magnífica espada, provaria a si mesmo a sua herança por direito. Os anos passaram e muitos tentaram, mas a misteriosa espada permanecia firme e inflexível na velha e decomposta pedra. Então, um dia, um jovem emergiu da floresta e, para o assombro de todos, teve sucesso na missão que até o mais forte havia falhado. A multidão regozijou-se; o rei havia chegado e seu nome era Arthur!
Na ascensão do mais alto posto na terra, Arthur tomou as primeiras providências para restaurar o destroçado país. Após construir a inexpugnável fortaleza de Camelot e fundar a ordem dos destemidos cavaleiros, os Cavaleiros da Távola Redonda, o rei cavalgou adiante para varrer o demônio que havia devastado a terra. Os camponeses libertados rapidamente o tomaram em seus corações e Arthur reinou com justiça sobre seu novo e próspero reino, tomando por esposa a linda Lady Guinevere.
Até mesmo uma terrível praga que grassou pelo país foi derrotada pela recente decisão sobre os assuntos de Arthur, pois eles prepararam uma busca para descobrir o Santo Graal, um fabuloso cálice que portava o segredo da cura para todos os males. Mas como acontece frequentemente durante uma época de plenitude, sempre existem aqueles que são corrompidos pelo poder. Logo uma rebelião dividiu o reino, através de um levante armado conduzido por Mordred, o traiçoeiro sobrinho de Arthur. Contudo, havia uma, possuída pelas forças do mal, que se dispôs no coração da contenda: a misteriosa e satânica feiticeira Morganna. Na batalha final Mordred foi finalmente derrotado e Morganna destruída por Merlin, o mago da corte. Mas nem tudo correu bem, pois Arthur fora mortalmente ferido.
Enquanto jazia à morte, no campo de batalha, a última demanda feita pelo poderoso rei, foi que a Excalibur, a fonte de todo o seu poder, fosse lançada em um lago sagrado e perdida para sempre ao homem mortal. Quando a espada mágica caiu à água, o braço de uma sílfide elevou-se da superfície das águas, agarrando-a pelo punho e levando-a para baixo, nas profundezas cristalinas.
O último sono do Rei Arthur, pintura de Edward Burne-Jones, iniciada em 1881
 Quando o grande rei encontrava-se próximo da morte, ele foi, com regozijo, conduzido em uma barca à mística Ilha de Avalon, acompanhado por três misteriosas donzelas integralmente vestidas de branco. Muitos dizem que ele morreu e foi enterrado na Ilha, embora outros haja que creem que a alma de Arthur não será encontrada entre os mortos. Diz-se que ele apenas dorme e que retornará um dia.

Bons sonhos e bom descanso, Rei Arthur, nobre e valoroso cavaleiro.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

UMA PEQUENA HISTÓRIA DA INGLATERRA CONTADA POR UM GAÚCHO DE PORTO ALEGRE, DESCENDENTE DE PORTUGUESES E RESIDENTE EM GRAMADO - A HISTÓRIA PROPRIAMENTE DITA (17) (Vigésima Quinta Parte)

O AMBIENTE ARTHURIANO (PARTE 3)
Um personagem que pode ter sido um contemporâneo de Arthur é Mordred que, de acordo com os Annales Cambriae (Medraut), teria morrido junto com Arthur na Batalha de Camlann e com o desenvolvimento dos romances tornou-se a plenitude do traidor miserável na tradição Arthuriana.
Sir Mordred personificando a irreverência
Na versão dos eventos de Geoffrey, Mordred seria sobrinho de Arthur, filho de sua meia irmã Anna. O Vulgate Cycle prosseguiu e tornou-o o filho incestuoso de Arthur com sua meia irmã, agora chamada Morgause - nos romances posteriores a mãe de Mordred chama-se Morgan Le Fay (a Fada Morgana) -, o que explicaria, em parte, o caráter e o senso de lealdade distorcido deste personagem. Contudo, todos os romances coincidem em ratificar a afirmação de Geoffrey de que Mordred rebelou-se contra Arthur, provocando a sua e a própria morte na batalha citada. Como já vimos, os Annales Cambriae apoiam a noção de Geoffrey de que ambos tombaram em batalha, sem estabelecer o parentesco recíproco e sem especificar se lutavam do mesmo lado ou em lados opostos. 
A mais conhecida e influente versão da história de Mordred é o parecer de Thomas Malory, que popularizou um episódio da Post Vulgate Cycle, denominado Suite du Merlin, comumente chamado de “May Day Massacre” (O Massacre de 1º de Maio). Neste episódio, Arthur crê numa profecia de Merlin de que a criança que causará a queda do seu reino nascerá no dia 1º de maio; para evitá-la, reúne num navio todas as crianças do reino nascidas nesta data, algumas delas com apenas 4 semanas de idade, e o lança ao mar, à deriva, na expectativa de que a criança fatal perecerá. O seu plano falha, porque o navio é destroçado contra as rochas, matando todos os seus ocupantes, com exceção de Mordred, que é resgatado e adotado até a idade de 14 anos. Em todo o texto posterior ele aparece em torneios mas não é figura essencial até o fim, quando ele se une a Agravain na trama contra Lancelot e Guinevere. Posteriormente, quando Lancelot salva Ginevere da morte na fogueira, Mordred tenta tomar o trono quando Arthur e Gawain estão fora, no cerco de Benwick.
Mordred mortalmente ferido lança-se sobre Arthur
Estaria Geoffrey certo sobre a rivalidade familiar entre eles? Sob a grafia Welsh do nome, Medraut aparece num certo número de poemas Welsh como opositor de Arthur, embora raramente relacionados; eram considerados líderes legais de diferentes reinos. Infelizmente não há maneira de saber quem está com a razão, pois a Historia Brittonum de Nennius não menciona Mordred e nenhum outro manuscrito da época o registra.
Talvez as mais intrigantes características da história Arthuriana sejam os três elementos místicos que permeiam quase todos os romances: a espada Excalibur, o Santo Graal e a Ilha de Avalon.
Com relação à espada, é preciso que se esclareça, antes de tudo, que as lendas falam de duas espadas: a Espada na Pedra, muitas vezes numa bigorna, é retirada por Arthur, quando ainda jovem, como um teste e um sinal milagroso que prova o seu direito de nascença e sua realeza; a Espada Excalibur é a que lhe foi dada pela Dama do Lago, com poderes mágicos.
A palavra Excalibur foi uma adaptação feita por Wace, do nome que deu Geoffrey à espada de Arthur, Caliburn, fonte de todo o seu poder, depois seguido por todos os romancistas. Em alguns contos Welsh, tais como Culhwch and Olwen, a espada de Arthur é chamada de Caledfwlch, do Irish antigo Caladbolg, que significa “espada flamejante”. Se Caliburn veio portanto de Caledfwlch, isso significaria que o tema Excalibur teria sido tomado de uma antiga lenda Celta.
O Rei Arthur, com Merlin, recebe a Excalibur da Dama do Lago
A conhecida história da espada mágica de Arthur não é contada por Geoffrey que apenas nos diz ter sido forjada em Avalon e que manejada por Arthur, “esculpiria as almas para fora de seus inimigos com o seu sangue”. Foi a Vulgate Cycle, um século depois, que introduziu a história da Excalibur como a conhecemos hoje. Segundo essa versão, Arthur teria, originalmente, sido levado por Merlin e recebido a Excalibur de uma ninfa misteriosa, The Lady of the Lake (a Dama do Lago) e teria, após ter sido mortalmente ferido no campo de batalha, ordenado ao seu cavaleiro Girflet que a lançasse de volta ao lago encantado. Após desobedecer ao seu rei duas vezes, Girflet relutantemente a lança ao lago e um braço emerge de suas águas, apanha a espada e a conduz às suas águas profundas. Esta é a encarnação do conto como elaborado posteriormente por Sir Thomas Malory, embora em sua versão o cavaleiro que devolve a espada ao lago é Sir Bedivere e não Girflet. Segundo Graham Phillips, há claras idéias Celtic esboçadas no tema Excalibur, sugerindo que os escritores da Vulgate Cycle possam ter empregado material muito mais antigo. Escavações arqueológicas modernas têm desenterrado muitos artefatos preciosos, incluindo espadas lançadas em lagos sagrados pelos povos celtas do norte europeu, como oferendas a deidades da água. Será que o tema Excalibur poderia ser derivado dessas práticas Celtic de oferendas a deusas das águas , talvez com a esperança de restaurar a saúde do rei?
O jovem Arthur retira a espada da bigorna
O conto de Arthur retirando a espada da pedra parece ser um tema totalmente diferente. Não foi a Excalibur que foi puxada da pedra nos romances originais, mas uma outra espada. Malory simplesmente diz que a espada apareceu no pátio da “maior igreja de London”, nas seguintes palavras: ‘Foi visto no pátio da igreja uma grande pedra como de mármore e no meio dela havia como que uma bigorna de aço e nela cravada uma bela espada nua e letras escritas em ouro próximo da espada, que diziam assim: ‘Aquele que arrancar a espada desta pedra e bigorna será, por direito de nascimento, o rei de toda a England”.’ Roberto de Boron foi, na verdade, o primeiro a introduzir este tema que Malory parafraseou posteriormente. Segundo Graham Philips, de Boron pode ter baseado sua concepção em tradições da elite guerreira Celtic que resolvia o assunto em combate toda a vez que uma disputa surgia sobre a eleição de um novo líder da tribo. Tal combate entre os rivais nem sempre seria mortal e como sinal de que o perdedor e os seus aliados se conformariam com a decisão, um símbolo de autoridade era entregue ao vencedor, em geral uma espada consagrada por um sacerdote pagão e colocada sobre um altar durante o duelo. Os guerreiros criam que uma vez que a vitória fosse materializada pelo artefato simbólico, uma maldição cairia sobre quem quer que quebrasse o tratado. Talvez essa pudesse ser a origem da história. De qualquer maneira, sempre poderia haver associações genuínas entre as histórias da espada de Arthur e a história Arthuriana que se originou no início da Idade Média.
Com relação ao Santo Graal – ou o Cálice Sagrado, como é mais conhecido entre nós -, tudo leva a crer que foi uma adição posterior à lenda Arthuriana, pois não guarda qualquer relação com o próprio Arthur. Mais do que isso, parece ter origem muito mais longínqua e ter nascido de um manuscrito árabe descoberto em Toledo, Espanha, muito mais ao gosto das suas origens e das Cruzadas, então em pleno desenvolvimento. Muitos contos árabes foram assim adaptados com heróis medievais substituindo os personagens originais. No caso do Santo Graal, casos há em que os cavaleiros eram Templários, ordem militar em tempo integral, criada na França, no início do século XII, com o objetivo específico de combater pela Cristandade na Terra Santa. Os Templários não eram cavaleiros comuns, mas monges Cistercianos – ordem religiosa católica que seguia estritamente as regras dos Beneditinos - especialmente treinados para combater como Cruzados.
A Távola Redonda do Rei Arthur acolhia os seus cavaleiros agregados e, como seu nome sugere, não possuía cabeceira, propositalmente, para demonstrar a igualdade de status entre eles, assim evitando disputas entre seus nobres, nenhum dos quais aceitaria um lugar inferior aos demais. Seu simbolismo desenvolveu-se com o tempo até que ao final do século XII representava a ordem cavalheiresca associada à corte de Arthur, os “Cavaleiros da Távola Redonda”.
A Távola Redonda apareceu pela primeira vez no Roman de Brut, de Wace, uma adaptação em língua Norman da Historia Regum Britanniae, de Geoffrey of Monmouth, concluída em 1155 e baseada em representações prévias do fabuloso séquito de Arthur. Layamon, quando adaptando o trabalho de Wace em sua obra Middle English Brut (Brut da Idade Média English), do início do século XIII, adicionou à história o fato de que uma disputa entre os vassalos de Arthur havia conduzido à violência numa festa em Yuletide. Como solução para evitar futuras disputas, um carpinteiro Cornish (da Cornwall) construiu uma enorme, embora facilmente transportável, mesa redonda. Wace afirma não ser a fonte da Távola Redonda, creditando-a aos Bretons, do que alguns estudiosos discordam enquanto outros aceitam. Há alguma semelhança entre a descrição dos cronistas da Távola Redonda e um costume registrado em histórias Celtic, em que guerreiros sentavam-se ao redor do rei ou guerreiro líder, algumas vezes brigando pela ordem de precedência.
A Távola Redonda pendurada no Great Hall de Winchester Castle, com o Rei Arthur e os nomes dos Cavaleiros
Embora a Távola Redonda não seja mencionada antes de Wace, o conceito de que Arthur teria uma corte maravilhosa constituída por muitos guerreiros proeminentes é muito mais velha. Geoffrey diz que, após o estabelecimento da paz pela Britain, Arthur teria “aumentado o seu séquito pessoal convidando homens muito distinguidos de reinos distantes para juntar-se a ele”. O código de nobreza, tão importante em romances posteriores, também surge, como salienta Geoffrey ao dizer que Arthur estabeleceu “tal código de cortesia em sua família, que acabou por inspirar as pessoas que viviam longe, a imitá-lo. Muito antes de Geoffrey, a corte de Arthur era bem conhecida dos contadores de histórias Welsh; no romance Culhwch and Olwen, escrito cerca de 1100, o protagonista Culhwch invoca os nomes de 225 indivíduos afiliados a Arthur. De fato, a fama do séquito de Arthur tornou-se tão proeminente na tradição Welsh que em adições posteriores às Welsh Triads, a fórmula “Corte de Arthur” nos títulos das tríades ultrapassou a fórmula mais antiga “Island of Britain”. Embora o código de nobreza, crucial aos romances continentais posteriores que trataram da Távola Redonda, estivessem ausente do material Welsh, algumas passagens de Culhwch and Olwen parecem prenunciá-lo, por exemplo, quando Arthur explica o caráter de sua corte, dizendo: “somos nobres enquanto somos buscados como tal: quanto maior a generosidade que entregamos, maior a nossa nobreza, fama e honra”.
Embora nenhuma Távola Redonda apareça nos textos Welsh antigos, Arthur é associado com vários itens de mobília doméstica por toda a Britain a partir do século XII, com vários marcos sendo nomeados: “Cadeira de Arthur”, “Forno de Arthur” e “Quarto de Dormir de Arthur”. O anfiteatro romano, ainda visível, em Caerleon, tem sido associado com a Távola Redonda e sugerido como possível fonte para a lenda. Em 2010, após descobertas arqueológicas em ruínas romanas em Chester, alguns escritores sugeriram que o Anfiteatro Romano de Chester era o modelo original da Távola Redonda, mas a “English Heritage”, atuando como consultora ao documentário da “History Channel” em que a afirmação foi feita, declarou não haver base arqueológica para a história.

domingo, 21 de agosto de 2011

UMA PEQUENA HISTÓRIA DA INGLATERRA CONTADA POR UM GAÚCHO DE PORTO ALEGRE, DESCENDENTE DE PORTUGUESES E RESIDENTE EM GRAMADO - A HISTÓRIA PROPRIAMENTE DITA (16) (Vigesima Quarta Parte)

O AMBIENTE ARTHURIANO (PARTE 2)

Guinevere aparece num bom número de poemas Welsh da Idade Média com o nome Gwenhwyfar, que significa ‘espírito branco’, sugerindo que tenha derivado da deusa Celta Epona, representada como um cavalo branco ou uma dama branca e adorada amplamente por todo o norte da Europa em eras pré-Cristãs. Contudo é improvável que Geoffrey tenha criado a rainha de Arthur, a quem ele chamou Ganhumara, a partir de uma deusa antiga. Afinal, o nome Guinevere foi uma adição de Wace, popularizada por Chrétien.
Segundo Geoffrey, Ganhumara provinha de uma nobre família romana, mas falha em não fornecer detalhes específicos e não há registros históricos de alguma Ganhumara durante os séculos V e VI. Nos romances medievais posteriores Guinevere aparece como a filha de Leodegrance of Cameliard, casando com Arthur e tendo uma relação amorosa com Lancelot, que causaria a queda do Reino de Camelot.
Gravura da Rainha Guinevere por William Morris
Uma das primeiras histórias Arthurianas trata do sequestro de Guinevere por Maleagant e é contada na The Life of St. Gildas (cerca de 1130), por Caradoc of Llancarfan e no Welsh Dialogue of Melwas and Gwenhwyfar. A história do sequestro é a ação central em Lancelot, de Chrétien de Troyes e aparece também em Thomas Malory. Lord Tennyson apresenta Ginevere como uma pecadora que “corrompeu o objetivo” de vida de Arthur, trazendo-a, contudo, bem como a outros personagens femininos, para o papel principal, como fez um de seus contemporâneos, William Morris. Em seu poema The Defence of Guinevere, Morris é o primeiro a dar à rainha sua própria voz, iniciando uma tradição que continuaria por várias novelas futuras. Com relação aos três guerreiros mais famosos da Távola Redonda de Arthur – Galahad, Lancelot e Perceval – todos parecem ter sido invenções literárias medievais.
O último encontro de Lancelot e Guinevere (D. G. Rossetti)
Galahad é o filho de Lancelot e Elaine, concebido por artimanha que o fez crer que dormia com Guinevere. A primeira aparição de Galahad ocorre no romance medieval do Século XIII, Vulgate Cycle, surgindo no primeiro romance, Estoire del Saint Graal, onde ele é o nono da linha de Nascien; foi batizado por Josephus, filho de José da Arimatéia e um dos que levou o Cristianismo à Britain. 
Sir Galahad, o Cavaleiro Perfeito
Galahad ficou conhecido como o cavaleiro que obtém êxito na busca do Saint Grail - o Santo Graal, o cálice que guardaria o sangue de Cristo -, missão em que todos os demais haviam falhado, um tema adotado por Malory na Le Morte Darthur. Como cavaleiro eleito para tal missão, teria assento reservado à Távola Redonda no lugar do Cavaleiro do Graal. Um pequeno poema de Lord Tennyson, Sir Galahad, de sua obra Idylls of the King, apresentou a popular imagem de um cavaleiro perfeito, cuja “força era a força de dez porque seu coração era puro”.
Perceval, embora introduzido nos Romances antes de Galahad, também parece ter nascido da liberdade artística. Ele faz a sua primeira aparição no Conte del Graal (cerca de 1190) de Chrétien de Troyes, como um simples rapaz do campo que afinal transforma-se no mais exitoso dos cavaleiros de Arthur. Daí em diante ele permanece como um personagem central de quase todos os romancistas que seguem, que algumas vezes o pintam como o descobridor do Graal.
Sir Perceval, um dos três Cavaleiros do Graal
Perceval é o personagem principal de um romance da Idade Média English do século XIV, Sir Perceval of Galles, que é, aparentemente, baseado no conto de Chrétien, mas que omite totalmente o Santo Graal. No romance Le Morte dArthur, de Thomas Malory, Perceval é um dos três cavaleiros do Graal, juntamente com Galahad e Bors. Perceval funciona como o narrador do dramático monólogo que compreende a maior parte de The Holy Grail, nos Idylls of the King, de Lord Tennyson e muito do que ele narra, foca em Galahad como o cavaleiro central do Graal.
Lancelot é o maior dos cavaleiros de Arthur, filho do rei Ban of Benwick, e conhecido como "Lancelot of the Lake", por ter sido criado pela fada "Lady of the Lake".
Sir Lancelot du Lac
Entre suas muitas aventuras, encontram-se o resgate do sequestro da Rainha Guinevere por Meleagant, uma busca sem sucesso do Santo Graal e o resgate da Rainha após ter sido condenada por adultério a queimar na fogueira. Lancelot é amado por Elaine de Astolat, filha do rei Pelles, que morre por não ter o seu amor correspondido; antes disso, entretanto, engana Lancelot e o faz dormir com ela, gerando dessa união a Galahad. 
Sir Lancelot

Lancelot foi também introduzido por Chrétien de Troyes e seu caso de amor com Guinevere tornou-se fundamental em muitos dos romances posteriores. Na versão original de Chrétien, Le Chevalier de la Charrete, Lancelot simplesmente faz amor com a Rainha após uma épica busca para resgatá-la. Contudo, a Vulgate Cycle (e posteriormente Malory) eleva esse breve caso à causa da rebelião que, ao fim de tudo, destruiria o reino. Chrétien não fornece conhecimento anterior para o seu herói, mas afirma que o material para a sua história veio de sua patrocinadora, Marie, Condessa de Champagne, sem ficar claro que isso signifique que toda a história teria sido sua invenção.
Sir Lancelot e Guinevere
É possível que Marie tenha fornecido a Chrétien um personagem de um conto folclórico francês que ele teria adaptado para incluí-lo num poema Arthuriano. Como Galahad e Perceval, Lancelot parece ter sido uma adição posterior sem qualquer associação com o Arthur histórico.
Gawain, por outro lado, é um dos cavaleiros encontrados na Historia de Geoffrey, onde aparece como irmão (na verdade, meio-irmão) de Mordred e sobrinho de Arthur, filho de Morganna e Lot of Orkney. 
Sir Gawain
Com a morte de Lot, Gawain torna-se o líder da clã Orkney, que inclui seus irmãos Aggravain, Gaheris, Gareth e seu meio-irmão Mordred. Passaram-se mais de dois séculos e meio até que Gawain aparecesse como figura de proa no mais famoso de todos os romances da Idade Média English, Sir Gawain and the Green Knight (Sir Gawain e o Cavaleiro Verde), obra anônima de escritor do Noroeste das Midlands, em torno de 1400. Infelizmente, ficou demonstrado que Gawain foi outro personagem sem associação com o Arthur histórico. Há, até mesmo, considerável evidência de que foi adotado por Geoffrey de um herói de ficção francês chamado Walwanus, que aparece num grande número de manuscritos e cujas façanhas ecoam as de Gawain em muitos aspectos.
Destoando dos cavaleiros mencionados que são, basicamente, heróis do folclore Francês, surge a figura de Bedivere que, segundo Geoffrey, era Duque da Normandy e braço direito de Arthur e que, ao tempo de Malory, é o cavaleiro que, relutantemente, lança a espada Excalibur à Lady of the Lake (a Dama do Lago). 
Sir Bedivere lança a Excalibur à Lady of the Lake
Geoffrey apresenta Bedivere como um habilidoso lanceiro maneta, exatamente como ele é retratado no conto Culhwch and Olwen, embora aqui seu nome seja escrito como Bedwyr. Há grande evidência que demonstra ser esse conto um genuíno poema Celtic composto muito antes de Geoffrey, mas é impossível dizer se Bedwyr estava associado às lendas de Arthur antes do Século XII, embora seja muito provável que anteceda em muito a Geoffrey of Monmouth.
O mesmo Geoffrey concentrou-se muito em Merlin, apresentando-o como o real poder atrás do trono. Seus dois outros trabalhos Arthurianos incluem Merlin como o personagem principal: Prophetiae Merlini (As Profecias de Merlin), completadas em 1130, enquanto ele ainda escrevia a Historia, e a Vita Merlini (A Vida de Merlin), um longo poema escrito cerca de 1150. De acordo com Geoffrey, a mãe de Merlin era a Princesa de Demetia e seu pai um incubus, ou seja, um espírito que seduziu a filha real enquanto ela dormia.
Antigo reino de Demetia, hoje Dyfed, a sudoeste de Wales
O mesmo tema foi retomado por Robert de Boron, em torno de 1200, que fornece uma explicação da peculiar origem de Merlin. Em sua versão, um grupo de demônios delineia um plano para criar um anticristo que seria meio humano e meio demônio. Contudo um padre intervém e a mulher escolhida para gerar o diabo-profeta é abençoada. Embora o filho, Merlin, nasça com o dom da profecia, ele é inerentemente bom. No poema de Robert, Merlin retribui mais tarde ao padre, revelando-lhe como José de Arimatéia teria trazido o Santo Graal aos “Vales de Avalon”. Parece muito claro que pelo menos uma das supostas façanhas de Merlin tenha sido tomada de uma lenda originalmente associada a um personagem inteiramente diferente. A história relatada por Geoffrey, dos dois dragões sob as bases de uma fortaleza que Vortigern tentava construir é, exatamente, a mesma lenda relatada na Historia Brittonum de Nennius com a diferença de que nesta o mágico era Ambrosius, sem que haja qualquer intenção de confundir os dois personagens. Tudo leva a crer que a figura de Merlin foi baseada em um trovador (“bard”) Welsh chamado Myrddin que, por estar encarregado de louvar os feitos do seu protetor, gozava de notável influência na sociedade Welsh primitiva. Os “bards” eram, em geral, também considerados possuir o dom da vidência e eram por isso tidos como os mais cultos da tribo.
Merlin aconselha o Rei, de Gustave Doré
De acordo com Geoffrey, Merlin teria nascido na cidade de Carmarthen e, na tradição Welsh, o nome significaria “Cidade de Myrddin”. Na primitiva literatura Welsh, Merlin é muitas chamado Myrddin, embora os manuscritos que sobrevivem e que incluem esses trabalhos venham após Geoffrey. Nesses contos ele raramente é o mágico da corte de Arthur, mas sim o trovador, e um grande número de poemas Welsh são atribuídos a ele. Em conclusão, embora Merlin possa ter sido baseado em uma figura histórica, o Myrddin histórico parece ter vivido mais de meio século após o período do Arthur real, parecendo ter sido outro personagem erroneamente introduzido na saga Arthuriana.

sábado, 20 de agosto de 2011

UMA PEQUENA HISTÓRIA DA INGLATERRA CONTADA POR UM GAÚCHO DE PORTO ALEGRE, DESCENDENTE DE PORTUGUESES E RESIDENTE EM GRAMADO - A HISTÓRIA PROPRIAMENTE DITA (15) (Vigésima Terceira Parte)

O AMBIENTE ARTHURIANO (PARTE 1)

Penso que devemos iniciar a análise do ambiente Arthuriano, pelo castelo do Rei, ou seja, pelo local do seu nascimento, que deveria ser o local do seu reino ou próximo dele. Posteriormente, passaremos ao seu séquito, iniciando, obrigatoriamente, pela família mais próxima de Arthur, isto é, sua irmã ou meia irmã Morgan Le Fay (Fada Morganna) ou Morganna (ou ainda Morgause? Ou Anna?) e sua esposa Guinevere.
Localização da Cornwall na England e do Tintagel Castle, na costa oeste da Cornwall
 
O Arthur da imaginação popular nasceu no Castelo de Tintagel, na costa norte da Cornwall (Cornuália), originalmente mencionado por Geoffrey of Monmouth em sua História dos Reis da Britain. Qualquer um que visite a minúscula vila, durante a estação de férias, o encontrará repleto de turistas de todas as nacionalidades, com suas ruínas resistindo à margem de Tintagel, no que é, virtualmente, uma ilha envolvida em mar espumante, ligada ao continente por uma estreita cumeeira de rocha.
Vista panorâmica da localização e ruínas do Tintagel Castle, Cornwall
 Não foi por acaso que o seu nascimento foi nesse castelo: nele habitava Gorlois, o duque da Cornwall, com sua esposa Ygerna, por quem Uther Pendragon se apaixonara e com quem conseguiu fazer amor por uma magia de Merlin, concebendo a Arthur.
Ruínas das muralhas e vigilância do Tintagel Castle
Antiga janela do Tintagel Castle e a rude costa da Cornwall
 Entretanto, historicamente, esse castelo jamais poderia ser o local de nascimento do guerreiro Arthur, que viveu séculos antes do início da sua construção, ocorrida no início do século XII, por obra de Reginald, Conde da Cornwall. Embora em defesa de Geoffrey, surgisse a sugestão de que Arthur teria nascido em um castelo que teria previamente ocupado o mesmo local, escavações modernas mostraram que o promontório havia sido anteriormente ocupado por uma comunidade monástica, tornando o local incompatível para o nascimento de quem quer que fosse.
 Na busca do centro lendário do místico reino de Arthur, Camelot, surge imediatamente o fato de que não há qualquer evidência de que tenha existido, um dia, algum local com esse nome.
Winchester, condado de Hampshire, antiga Wessex, England
A primeira vez que esse nome surgiu foi na obra de Chrétien de Troyes, no século XII, apenas no conto Lancelot, mencionado uma vez e de passagem. Durante o século seguinte, com os romancistas posteriores, Camelot começa a aparecer em detalhe gráfico, como uma cidade esplêndida e seu inexpugnável castelo. Os autores diferem consideravelmente em suas descrições, mas sobretudo falham na especificação de seus arredores.
De acordo com Malory, Camelot estaria situado em Winchester, Hampshire, e no grande saguão de entrada do Castelo de Winchester, a mais famosa das relíquias Arthurianas, a Távola Redonda, ainda existe, de carvalho maciço, pendurada em uma parede, sem as pernas, com seus imponentes 5,5 m de diâmetro e pesando aproximadamente 250 kg. No tempo de Malory muitos a consideraram genuína e se acreditou que o castelo fosse a fortaleza de Arthur; infelizmente, da mesma forma como Tintagel, tal castelo não é suficientemente velho para o período Arthuriano, tendo sido construído no século XI por William the Conqueror.

Vista externa do Great Hall de Winchester Castle

A própria mesa foi datada, por métodos científicos modernos, como do século XIV, construída durante o reinado de Edward III, quando este monarca concebeu a idéia de fundar uma ordem de cavalaria baseada nos Cavaleiros da Távola Redonda, sem qualquer ligação com o Rei Arthur do século VI.
Vista interna do Great Hall com a Távola Redonda ao fundo


Wales também tem o seu candidato a Camelot e essa seria a pequena cidade de Caerleon, às margens do rio Usk, sudeste do país, mencionada por Geoffrey como tendo sido a corte de Arthur após a sua primeira campanha na Gaul. Este foi também o local de uma das batalhas importantes de Arthur, mencionada na Historia Brittonum de Nennius, como a Cidade da Legião, antiga Isca Silurum, posto avançado romano, com grande população civil. Escavações modernas revelaram um grande número de ruínas romanas no local, incluindo um anfiteatro que alegadamente seria a origem da Távola Redonda. Entretanto, Caerleon dificilmente se ajustaria às lendas de Camelot.
Cadbury Castle, um forte de colina da Idade do Ferro, na England, foi por muitos anos proposto como o local preferido para Camelot. A tradição provavelmente surgiu como resultado da palavra Camel ter sido encontrada nos nomes de duas vilas próximas: Queen Camel e West Camel.
Localização de Cadbury na Cornwall, a mais cotada localização do Reino de Camelot


A referência mais antiga data do antiquário chefe de Henry VIII, John Leland, em 1542 que, embora dissesse que o povo acreditava que Cadbury tinha originalmente sido Camelot, nunca pode descobrir qualquer lenda Arthuriana relacionada ao forte de colina. Excavações modernas em larga escala foram realizadas em Cadbury nos anos 1960’s e embora mostrassem que o campo, como outros locais similares, tivesse sido reutilizado cerca do ano 500, nenhuma evidência desenterrada o ligou ao histórico Rei Arthur.

Mais recentemente, Camelot tem apenas sido associado com os valores que se crê ter representado, sendo algumas vezes utilizado para representar um lugar ideal.
Morgan le Fay (ou a Fada Morganna) ou simplesmente Morganna, como foi posteriormente chamada, aparece pela primeira vez na Vita Merlini, de Geoffrey, como a líder de uma ordem de nove mulheres “santas”, da Ilha de Avalon ou das Maçãs. É ela que trata das feridas mortais de Arthur, sofridas na Batalha de Camlann e, de acordo com o mesmo autor, apaixona-se por ele exigindo sua promessa de ficar na Ilha, para onde havia sido levado. Neste ponto de evolução da lenda Arthuriana, ela não era sua irmã, mas apenas uma figura mística e curandeira, somente assumindo esse papel com a obra de Chrétien de Troyes.
Pode parecer estranho aos leitores das versões mais modernas da História Arthuriana que nos romances mais antigos Morganna fosse uma bondosa e fascinante mulher e não a malévola feiticeira em que depois se transformou. Foi principalmente graças à Vulgate Cycle, compilada cerca de um século após Geoffrey, que Morganna é transformada numa bruxa má cuja mágica destrói o reino. Embora ainda conduzindo o ferido Arthur para Avalon, ela despreza Guinevere, seduz a Lancelot e, constantemente, conspira contra ambos.

Morgana lançando a Excalibur no lago

Na Morte dArthur, de Sir Thomas Malory, Morganna é uma das três filhas de Igrayne e do Duque da Cornwall e, portanto, a meia irmã de Arthur por parte da sua mãe. Mais tarde torna-se esposa do rei Lot of Orkney e mãe de Gawaine, Gaheris, Agravaine, Gareth e Mordred, filho incestuoso com o Rei Arthur. Em adaptações modernas da lenda Arthuriana, baseadas em Malory, o episódio do incesto é totalmente arquitetado pela própria Morgause, e ela é, não apenas a mãe biológica de Mordred, mas também a sua mãe psicológica, usando-o como uma ferramenta para destruir o seu pai. Morgana é também apresentada como a permanente adversária de Arthur: ela dá a espada Excalibur ao seu amante Accolon para que ele possa usá-la contra o Rei Arthur (uma história recontada no poema de Madison J. Cawein Accolon of Gaul) e quando a trama falha, ela rouba a bainha da Excalibur que protege Arthur e a lança em um lago. No Sir Gawain and the Green Knight ela é apresentada como a instigadora da visita do Green Knight à corte do Rei Arthur, parcialmente motivada pelo seu desejo de amedrontar Guinevere, cuja inimizade tem sua origem no Lancelot da Vulgate, onde Morgana tem um relacionamento com Guiomar, primo de Guinevere, que põe fim ao caso. Morgana também é dita ser a esposa do Rei Uriens e a mãe de Yvain ou Ywain, raramente aparecendo em trabalhos pós-medievais, até o século XX quando surge um interesse renovado em seu caráter. Dependendo do texto, ela é, algumas vezes, confundida com Anna (em Historia Regnum Brittaniae, de Geoffrey of Monmouth ou em Brut, de Layamon), com Morgause tornando-se então a mãe de Mordred, como no caso do filme Excalibur, de John Boorman e em alguns romances modernos, ou ainda com Belisent (como em Alliterative Morte Arthure dos Idylls of the King, de Lord Tennyson). Uma das mais interessantes representações modernas de Morgana aparece no Arthur Rex (Arthur Rei) de Thomas Berger, onde após uma vida devotada ao mal ela decide tornar-se freira por sua crença em que “a corrupção foi desde cedo trazida à humanidade pelas forças da virtude”.
The Wicked Day, de Mary Stewart, demonstra o insaciável apetite de Morgause por homens mais jovens, notadamente por Lamorak, filho do Rei Pellinore. Ao descobrir Morgause em flagrante com o jovem cavalheiro, Gaheris assassina sua mãe num ataque de fúria e, mais tarde, com a assistência de seus irmãos, persegue e mata Lamorak num combate claramente injusto.
A notável exceção à grande tradição de tratar Morgause como vilã nas novelas modernas é Marion Zimmer Bradley, em suas The Mists of Avalon. Nessa novela, a primeira representação de Camelot de uma perspectiva quase totalmente feminina, Morgause é uma afetiva figura de mãe, uma forte intelectual esposa do Rei Lot e, mais tarde, uma esposa sexualmente liberada. Ao mesmo tempo, a sua crueldade em alcançar seus fins políticos é realçada pela insensibilidade de Morgaine e Viviane. A Morgause de Bradley apenas encontra o seu término na velhice, derrotada pela rejeição de um potencial amante mais jovem.