Homenagem ao lendário herói ancestral dos ingleses que deu título a um dos considerados "Cem Maiores Livros do Mundo" e tido como o mais antigo escrito em "Old English".

quarta-feira, 28 de março de 2012

HISTÓRIA DO BRASIL NA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XX (PARTE 3)

A REVOLUÇÃO DE 1932 OU REVOLUÇÃO CONSTITUCIONALISTA

A Revolução Constitucionalista de São Paulo eclodiu em 9 de julho de 1932 e estendeu-se até 2 de outubro de 1932.
O Partido Republicano Paulista e o Partido Democrático de São Paulo, que apoiara a Revolução de 1930, uniram-se na chamada "Frente Única por São Paulo Unido", em 16 de fevereiro de 1932, para exigir o fim da ditadura do "Governo Provisório", a nomeação de um político "civil e paulista" como interventor federal em São Paulo, e a promulgação de uma nova constituição, já que Getúlio Vargas revogara, em 1930, as garantias constitucionais da Constituição de 1891 e governava através de decretos.
Os paulistas consideravam que São Paulo estava sendo tratado como terra conquistada e sentiam que a Revolução de 1930 fora feita contra São Paulo, pois na eleição presidencial daquele ano, Júlio Prestes obtivera 90% dos votos em São Paulo, ao passo que Getúlio 10% apenas, devido ao apoio do Partido Democrático. Desde então, São Paulo vinha sendo governado por tenentes de outros estados, como o pernambucano João Alberto Lins de Barros e o general Manuel Rabelo, muito ligado a João Alberto, permanentemente interferindo em São Paulo.
Outras militares nomeados pelo Governo Provisório, que muito irritaram os paulistas foram: o general reformado Isidoro Dias Lopes, para comandante da 2ª Região Militar, e o major Miguel Costa, para comandante da então Força Pública de São Paulo e depois secretário da Segurança Pública, pois ambos haviam tentado derrubar o governo paulista na Revolução de 1924. Isidoro Dias Lopes, porém, acabou rompendo com o governo provisório e apoiando a revolução de 1932.
Mesmo quando nomeados os civis Laudo Ferreira de Camargo e Pedro Manuel de Toledo, para interventores em São Paulo, os tenentes continuavam interferindo, não permitindo aos interventores livremente formar o secretariado. Quando Laudo de Camargo renunciou, em novembro de 1931, o ministro da Fazenda, José Maria Whitaker pediu exoneração do seu cargo em solidariedade a ele. Osvaldo Aranha o substituiu no Ministério da Fazenda. Segundo muitos analistas, este teria sido o maior erro político de Getúlio: entregar São Paulo aos tenentes. Os tenentes do Clube 3 de Outubro permaneciam totalmente contrários a que se fizesse uma nova constituição, tendo entregue a Getúlio Vargas, no dia 4 de março de 1932, na cidade de Petrópolis, um documento em que davam seu total apoio à ditadura, manifestando-se contrários a uma nova constituição.
O estopim da revolta paulista foram as mortes de quatro estudantes paulistas, assassinados no centro de São Paulo, por partidários de Getúlio Vargas, em 23 de maio de 1932: Mário Martins de Almeida, Euclides Miragaia, Dráusio Marcondes de Sousa e Antônio Camargo de Andrade (cujos nomes vieram a formar a sigla M.M.D.C.). Neste dia a população saíra às ruas protestando contra a presença do ministro Osvaldo Aranha em São Paulo e Pedro de Toledo montara um novo secretariado de governo (o chamado secretariado de 23 de maio) sem a interferência dos tenentes e de Osvaldo Aranha. O movimento deflagrou a revolução de 1932. Em 9 de julho, inicia-se o movimento constitucionalista. Foi montado um grande contingente de voluntários civis e militares que travaram uma luta armada contra o Governo Provisório, chamado pelos paulistas de "A ditadura". Em 12 de agosto de 1932 falece Orlando de Oliveira Alvarenga, também alvejado em 23 de maio.
O movimento constitucionalista teve apoio de políticos de outros estados, como Borges de Medeiros, Raul Pilla, Batista Luzardo, Artur Bernardes e João Neves da Fontoura, que foram presos e exilados. Todos eles haviam apoiado a Revolução de 1930, porém romperam posteriormente com Getúlio.
A Revolução Constitucionalista estendeu-se até 2 de outubro de 1932, quando foi derrotada militarmente. Terminada a Revolução de 1932, Getúlio Vargas se reconcilia com São Paulo e, após muita negociação política, nomeia Armando de Sales Oliveira, um civil e paulista que apoiara a Revolução de 1930, para interventor em São Paulo.
Na versão do Governo Provisório, a Revolução de 1932 não seria necessária, pois as eleições já tinham data marcada para ocorrer. Segundo os paulistas, não teria havido redemocratização no Brasil, se não fosse o Movimento Constitucionalista de 1932.

A ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE E A CONSTITUIÇÃO DE 1934

O término da revolução constitucionalista marcou o início de um período de democratização do Brasil. Em 3 de maio de 1933, foram realizadas eleições para a Assembleia Nacional Constituinte, quando as mulheres votaram pela primeira vez no Brasil em eleições nacionais. O voto feminino já havia sido instituído no Rio Grande do Norte, em 1928. Nesta eleição, graças à criação da Justiça Eleitoral, as fraudes deixaram de ser rotina nas eleições brasileiras. Nesta mesma eleição foi introduzido o voto secreto em eleições nacionais, dispositivo já usado a nível estadual pelo Governador de Minas Antônio Carlos de Andrada em 1929, para uma eleição suplementar em Belo Horizonte.
Foram mantidos fora de apreciação judicial todos os atos do Governo Provisório e os dos interventores nos estados. Foram anistiados todos os civis e militares que praticaram crimes políticos até a data da promulgação da Constituição de 1934.
O "Governo Provisório" havia criado, em 1933, uma comissão de juristas, a "Comissão do Itamaraty", para elaborar um anteprojeto de constituição, que previsse um poder executivo federal forte e centralizador, ao gosto de Getúlio. Entretanto, a Constituição de 1934 redundou descentralizadora, concedendo autonomia relativa aos estados federados. Os senados estaduais foram extintos e jamais voltaram a existir.
No dia seguinte à promulgação da nova constituição, 17 de julho de 1934, através de eleição indireta para a presidência da república, o Congresso Nacional elegeu Getúlio Vargas como Presidente da República, derrotando o conterrâneo Borges de Medeiros que, desde 1931, fazia oposição a Getúlio, entre outros candidatos. Getúlio teve 173 votos, contra 59 votos dados a Borges de Medeiros.

O GOVERNO CONSTITUCIONAL DE 1934 A 1937

O novo mandato presidencial de Getúlio iniciou 20 de julho de 1934, quando tomou posse no Congresso Nacional, jurando a nova constituição, e deveria encerrar em 3 de maio de 1938, sem a figura de vice-presidente. Os estados realizaram, posteriormente, suas constituições e muitos interventores se tornaram governadores, eleitos pelas assembleias legislativas, significando uma ampla vitória aos partidários de Getúlio.
Em 4 de abril de 1935 foi sancionada a lei nº 38, que definia os crimes contra a ordem política e social, possibilitando maior rigor no combate à subversão da ordem pública, que ficou conhecida como Lei de Segurança Nacional.
Em 22 de julho de 1935 foi criado o programa oficial de rádio com notícias do governo, a "Hora do Brasil", depois denominada “Voz do Brasil”, existente ainda hoje.
Neste período de governo de Getúlio, cresceu muito a radicalização político-ideológica no Brasil, especialmente entre a Ação Integralista Brasileira (AIB), de inspiração fascista e liderada por Plínio Salgado, pregando um Estado Totalitário, e a Aliança Nacional Libertadora (ANL), movimento dominado pelo Partido Comunista do Brasil (PCB), patrocinado pelo regime comunista da União Soviética, ditadura totalitária de esquerda. Getúlio Vargas e o alto comando das Forças Armadas sempre se mostraram contra o comunismo e usaram este pretexto para o seu maior sucesso político - o golpe de 1937.O fechamento da ANL, através do decreto nº 229 de 11 de julho de 1935, determinado por Getúlio Vargas, bem como a prisão de alguns partidários, precipitaram as conspirações que levaram à Intentona Comunista em 24 de novembro de 1935 no nordeste do Brasil e a 27 de novembro de 1935 na capital federal Rio de Janeiro, além de em várias outras cidades brasileiras. No Rio de Janeiro, em Recife e Natal ocorreram levantes em que aconteceram várias mortes.
A partir da Intentona Comunista, várias vezes o “Estado de Sítio” e o “Estado de Guerra” foram decretados no país por Getúlio e endurecidas as leis contra a subversão. A Lei de Segurança Nacional foi reforçada, em 14 de dezembro de 1935, pela Lei nº 136, que definia novos crimes contra a ordem pública. Em 18 de dezembro de 1935, são promulgadas três emendas à Constituição de 1934, dando mais poderes ao Estado Brasileiro no combate à subversão.
Em 17 de janeiro de 1936, é sancionada a lei nº 192, que limitaria o poderio militar dos estados, subordinando as polícias militares ao Exército Brasileiro, limitando os efetivos e proibindo-as de possuírem artilharia, aviação e carros de combate.
Em 23 de março de 1936, são presos o senador Abel de Abreu Chermont e 3 deputados federais por suposta cumplicidade com a Intentona Comunista. O prefeito carioca Pedro Ernesto, muito popular à época, foi preso em 3 de abril de 1936, suspeito de ter apoiado a Intentona Comunista.
Em 11 de setembro de 1936 foi criado, pela lei nº 244, um tribunal especial para julgar os revolucionários da Intentona Comunista, chamado de "Tribunal de Segurança Nacional". Neste período, a instabilidade política no Brasil cresceu bastante, o que acabaria por levar os chefes militares a emprestar apoio a Getúlio para a implantação do “Estado Novo”.
A partir do final de 1936, o cenário político passa a ser dominando pela sucessão presidencial. Em maio de 1937, Getúlio registra várias vezes, no "Diário", que tentara a conciliação entre os dois candidatos a presidente da república, Armando Sales e José Américo de Almeida.

PERÍODO DITATORIAL: O ESTADO NOVO DE 1937 A 1945

Estado Novo é o termo usado para denominar o período da história do Brasil que se estende de 10 de novembro de 1937 a 29 de outubro de 1945, quando Getúlio Vargas era o chefe do governo do Brasil.

A IMPLANTAÇÃO DO ESTADO NOVO E A SUA POLÍTICA

Em 30 de setembro de 1937, enquanto eram aguardadas as eleições presidenciais marcadas para janeiro de 1938, a ser disputadas entre José Américo de Almeida e Armando de Sales Oliveira, apoiadores da revolução de 1930, e por Plínio Salgado, foi denunciada, pelo governo de Getúlio, a existência de um suposto plano comunista para tomar o poder, certamente forjado pelos integralistas. Segundo tal plano, conhecido como Plano Cohen, os comunistas planejavam uma revolução maior e melhor arquitetada do que a de 1935, com amplo apoio do Partido Comunista da União Soviética. Segundo outros, o plano teria sido forjado por um adepto do integralismo, o capitão Olímpio Mourão Filho, embora os integralistas negassem sua participação na implantação do Estado Novo, culpando o general Góis Monteiro, na época chefe do Estado Maior do Exército, pela criação e divulgação do Plano. Somente dezoito anos mais tarde, perante o Conselho de Justificação do Exército Brasileiro, requerido a 26 de dezembro de 1956, o então coronel Olímpio Mourão Filho, provou sua inocência.
Com isso, os militares e boa parte da classe média brasileira apoiam a ideia de um governo mais fortalecido, para espantar a ideia da imposição de um governo comunista no Brasil. No dia seguinte à divulgação do Plano Cohen, 1º de outubro de 1937, o Congresso Nacional declarou o estado de guerra em todo o país, Getúlio Vargas derruba a Constituição de 1934, e declara o Estado Novo.
Em 19 de outubro, o governador do Rio Grande do Sul, Flores da Cunha, depois de ter perdido o controle sobre a Brigada Militar gaúcha, que fora, por ordem de Getúlio, subordinada ao Exército brasileiro, e sido cercado militarmente pelo general Góis Monteiro, abandona o cargo de governador do Rio Grande do Sul e se exila no Uruguai.
Flores da Cunha representava a última possível resistência militar a uma tentativa de golpe de estado por parte de Getúlio. Armando de Sales Oliveira, que também poderia se opor ao golpe de Estado, já deixara o governo de São Paulo, em 29 de dezembro de 1936, para se candidatar à presidência da República. Seu sucessor, José Joaquim Cardoso de Melo Neto, garantira a Getúlio que São Paulo não faria outra revolução.
No dia do golpe de estado, 10 de novembro, Getúlio Vargas fez um pronunciamento em rede nacional de rádio, determinou o fechamento do Congresso Nacional do Brasil e outorgou uma nova constituição, a Constituição de 1937, com caráter centralizador e autoritário, que lhe conferia o controle total do poder executivo e lhe permitia nomear, para os estados, interventores a quem dava ampla autonomia para a tomada de decisões. Essa constituição, elaborada por Francisco Campos, ficou conhecida como "a Polaca", por se ter inspirado na constituição vigente na Polônia naquela época. Além disso, ela suprimiu a liberdade partidária, a independência entre os três poderes e o próprio federalismo existente no país, criando o Tribunal de Segurança Nacional. Os prefeitos passaram a ser nomeados pelos governadores e esses, por sua vez, pelo presidente. Foi criado o DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), com o intuito de projetar Getúlio Vargas como o "Pai dos Pobres" e o "Salvador da Pátria".
A Propaganda (DIP) no Estado Novo
Segundo o Almirante Ernâni do Amaral Peixoto, genro de Getúlio, o Estado Novo não foi obra pessoal de Getúlio, mas sim uma decisão dos militares, visando o combate à subversão. Segundo ele, “o golpe do Estado Novo viria com Getúlio, sem Getúlio ou contra Getúlio”.
No manifesto à Nação através de rede de rádio, há algumas frases muito interessantes de Getúlio, pelo tom eminentemente socializante e claramente favorável à intervenção do Estado que possuíam; mas duas são dignas de transcrição:

É a necessidade que faz a lei: tanto mais complexa se torna a vida no momento que passa, tanto maior há de ser a intervenção do estado no domínio da atividade privada.
A riqueza de cada um, a cultura, a alegria, não são apenas bens pessoais: representam reservas de vitalidade social, que devem ser aproveitadas para fortalecer a ação de Estado!

A Constituição de 1937 previa um novo Legislativo, que nunca foi instalado, e previa a realização de um plebiscito, que nunca foi convocado. Jamais foram realizadas eleições no Estado Novo. O Poder Judiciário teve sua autonomia preservada durante o Estado Novo. No seu preâmbulo, a constituição de 1937 justifica a implantação do Estado Novo, descrevendo uma situação de pré-guerra civil que o Brasil estaria vivendo. Os partidos políticos foram extintos em 2 de dezembro de 1937, pelo decreto-lei nº 37.
No dia 4 de dezembro, numa grande cerimônia cívica na Esplanada do Russel, no Rio de Janeiro, foram queimadas as bandeiras dos estados federados, que foram proibidos de terem bandeira e os demais símbolos estaduais. O Estado Novo era contra qualquer demonstração de regionalismo.
O governo implementou a censura à imprensa e a propaganda do regime através do DIP, criado pelo decreto-lei nº 1.915, de 27 de dezembro de 1939. O diário matutino “O Estado de S. Paulo”, de oposição ao PRP, e que, apesar do nome, havia apoiado a Revolução de 1930, foi tomado à família Mesquita, pelo interventor paulista Ademar Pereira de Barros. O proprietário do jornal, Júlio de Mesquita Filho, exilou-se na Argentina e até hoje o jornal “O Estado de S. Paulo” não conta os anos sob intervenção getulista em sua história oficial. O diário foi devolvido aos “Mesquita” em 1945.
O gabinete ministerial de Getúlio se manteve relativamente estável durante o Estado Novo, com os ministros da Fazenda, Guerra, Marinha e da Educação permanecendo em seus cargos durante todo o período do Estado Novo.
A única reação à implantação do Estado Novo foi o Levante Integralista, em 8 de maio de 1938, quando o Palácio do Catete, que oferecia pouca segurança, foi atacado. Este episódio levou Getúlio a criar uma guarda pessoal, que foi chamada, pelo povo, de "Guarda Negra".

A REPRESSÃO POLÍTICA E A TORTURA NO ESTADO NOVO

Em consequência dos motivos indicados pelo governo vigente para a implantação do novo regime, estabeleceu-se rigorosa repressão ao comunismo, amparada pela Lei de Segurança Nacional, durante todo o Estado Novo, não ocorrendo mais nenhum movimento revolucionário do tipo da "Intentona Comunista" ocorrida em 1935. Na vida civil, manteve-se em vigor o Código Civil Brasileiro de 1916 e um novo código penal, mais liberal, foi adotado durante o Estado Novo. A mais forte crítica a essa repressão se refere a torturas ocorridas na Chefatura de Polícia da cidade do Rio de Janeiro, durante a gestão de Filinto Müller (1933-1942), e a generalizadas acusações de tortura ocorrida em todo o Brasil, embora nenhum estudo afirme que Getúlio tinha conhecimento das torturas ou ordenasse as torturas que ocorreram na Chefatura de Polícia da cidade do Rio de Janeiro durante o Estado Novo.
Vários autores relatam, em biografias de alguns dos opositores do Estado Novo, a prisão e a tortura sofridas por eles, sem poder afirmar o envolvimento direto da pessoa de Getúlio Vargas com torturas. Assim sucede com as torturas sofridas por Pagu, Carlos Marighella e Joaquim Câmara Ferreira, que perdeu as unhas na prisão. Entretanto, vários autores acusam diretamente Getúlio de cerceamento dos direitos e garantias individuais durante o Estado Novo. Sobre assunto, ficou famosa a declaração de Getúlio Vargas, em 23 de julho de 1938:
O Estado Novo não reconhece direitos de indivíduos contra a coletividade. Os indivíduos não têm direitos, têm deveres! Os direitos pertencem à coletividade! O Estado, sobrepondo-se à luta de interesses, garante os direitos da coletividade e faz cumprir os deveres para com ela!
O site "Opinião e Notícia", na série “A Era Vargas”, acusa Getúlio de uma série de crimes, descrevendo o Estado Novo como um regime de terror: "A perseguição implacável do regime de Vargas a seus opositores (reais e imaginários), cujos métodos envolviam fartamente o emprego da tortura, violência, deportação e assassinato, foi apenas uma das facetas, talvez a mais conhecida, desse período". Outros traços marcantes do Estado Novo foram o da corrupção e da impunidade sem precedentes, cujos efeitos certamente refletem-se até os dias de hoje nos usos e costumes políticos brasileiros. É emblemático o caso de Bejo Vargas, irmão de Getúlio, personagem violento, que se envolveu em inúmeros homicídios, sem jamais responder a um único inquérito policial. Ao menos numa ocasião, causou uma grave crise com a Argentina, quando invadiu, em 1933, uma cidade do País vizinho, Santo Tomé, com um bando de jagunços, onde executou guardas e saqueou casas e estabelecimentos comerciais. Como resultado, o Brasil teve que pagar uma pesadíssima indenização à Argentina, de mais de 5 milhões de dólares. Bejo, entretanto, saiu do episódio sem ser incomodado.
A advogada Marina Pasquini Toffolli diz que "com o advento do Estado Novo, no denominado período Getuliano, iniciado em 1937, o Brasil vivenciou uma ditadura que espargiu o terror e edificou a barbárie em todo o seu território, suprimindo todas as garantias individuais, fechando o parlamento federal, estadual e municipal. Também estabeleceu acentuada censura aos órgãos de imprensa e fortaleceu, sobremaneira, os departamentos policiais destinados à repressão política e social".
O pesquisador americano R.S. Rose foi o primeiro civil a passar meses examinando os arquivos secretos da polícia, na cidade do Rio de Janeiro, pesquisa reunida no livro One of the Forgotten Things: Getúlio Vargas and Brazilian social control - 1930-1954 (Uma das coisas esquecidas: Getúlio Vargas e o controle social dos brasileiros - 1930-1954). Segundo ele, que vê o Estado Novo como tendo sido um regime impopular que precisou de "coagir o povo" para se manter: "durante o domínio de Vargas, a qualidade e quantidade de abusos contra os direitos humanos atingiram níveis sem precedentes. A violência, como meio de coagir o povo, era evidente em todos os setores do aparato de segurança. As forças policiais da nação redefiniram e, em alguns casos, reinventaram a tortura que já ocorria no Brasil desde os tempos coloniais.” Segundo R. S. Rose, esse foi o período do primeiro grande agigantamento do Estado brasileiro, em todos os seus aspectos. E não foi mera coincidência que o crescimento desmesurado do controle econômico e social tenha sido acompanhado pelo terrorismo de estado, corrupção e impunidade. As marcas (para não dizer chagas) deixadas pelo longo período ditatorial de Vargas ainda não cicatrizaram. Além do culto à personalidade do próprio Vargas, várias de suas políticas econômicas equivocadas continuam sendo defendidas por membros da elite brasileira, que ainda não conseguiram perceber a relação que existe entre opressão econômica e violência política. Ou a relação entre controle estatal da economia e corrupção. Ou a relação entre benesses econômicas patrocinadas pelo governo e impunidade. O autor de “Uma das Coisas Esquecidas” não entra na análise dessas relações, mas certamente prestou um inestimável serviço para a compreensão da verdadeira dimensão política, sociológica e criminológica da Era Vargas. Uma das principais qualidades da obra de Rose, encontra-se no fato de seu autor ter tido acesso aos arquivos do antigo DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) – pela primeira vez abertos a um pesquisador civil – para documentar, com riqueza de detalhes, os inúmeros episódios descritos. Destacam-se, nesse aspecto, as notas ao final do livro, que fazem referências a todos os documentos originais pesquisados pelo autor, totalizando mais de 70 páginas, que podem ser de grande interesse para o leitor interessado em maiores detalhes. Outra característica da obra é a franqueza com que trata personagens históricos (sempre com base documental), não furtando-se a avaliações que possam parecer inclementes. Por exemplo, ao analisar as relações do Estado Novo com a questão judaica, ele afirma: “Uma das falsidades do período do pós-guerra é de que Oswaldo Aranha ajudou os judeus em 1947, ao instar com as Nações Unidas a que criassem a nação de Israel. O mais exato seria dizer que Aranha era um oportunista, como Vargas, pronto a mudar de posição e a seguir com a corrente”. Retroagindo a 1937, encontramos uma circular de Oswaldo Aranha para as embaixadas e os consulados brasileiros, descrevendo a maneira de detectar judeus por suas características físicas.
No livro “Falta Alguém em Nuremberg: Torturas da Polícia de Felinto Strubling Müller”, o jornalista David Nasser enumera algumas das formas de tortura mais comuns nas prisões do Estado Novo.
No romance “Os Subterrâneaos da Liberdade”, de 1952, o escritor baiano Jorge Amado conta "detalhes da repressão ao Partido Comunista Brasileiro, das censuras, torturas e prisões” durante o Estado Novo. Jorge Amado foi preso por duas vezes, em 1936 e 1937, sob a acusação de subversão por envolvimento com a Intentona Comunista. Em 1937, seus livros foram queimados em praça pública em Salvador. “Os Subterrâneos da Liberdade” foi escrito em Praga, na Checoslováquia, onde ele viveu depois de ter sido exilado, em 1948.
O Estado Novo promovia grandes manifestações patrióticas, cívicas e nacionalistas, sempre estimuladas pelo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), os apelos patrióticos na imprensa e nos livros didáticos.
O líder comunista Luís Carlos Prestes permaneceu preso durante todo o Estado Novo. Entretanto, devido à sua relação com o Comintern, durante o seu discurso no Estádio de São Januário, na cidade do Rio de Janeiro, em 1945, defendeu a continuação do governo de Getúlio Vargas pelos progressos alcançados durante sua gestão. Monteiro Lobato foi preso em 1941 por ter enviado uma carta a Getúlio criticando a sua política em relação ao petróleo brasileiro, pois queria que o governo explorasse esse recurso natural para o desenvolvimento do País.
Durante o Estado Novo foram presos tanto militantes da ANL quanto membros da AIB, bem como intelectuais vinculados a uma destas duas agremiações políticas como Graciliano Ramos, o Barão de Itararé e muitos outros intelectuais. Muitos desses presos foram mantidos em cárcere ilegal, por vários meses e até anos, sem processo judicial nem acusação formal. Alguns nem sequer eram oposicionistas, mas foram vítimas de denúncias odiosas. O livro “Memórias do Cárcere”, de Graciliano Ramos, é um duro relato do autor sobre suas experiências vividas no período em que ficou preso em Ilha Grande, sob a acusação de ligação com o partido comunista (PCB).
Quem ainda tiver dúvidas sobre a verdadeira natureza do regime político brasileiro entre as décadas de 30 e 40, deveria ler a obra da Professora Maria Luiza Tucci Carneiro cujo título é “O antissemitismo na era Vargas: fantasmas de uma geração (1930-1945)”.
Segue a Parte 4.

terça-feira, 27 de março de 2012

HISTÓRIA DO BRASIL NA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XX (PARTE 2)

A REVOLUÇÃO DE 1930

A SUCESSÃO DO PRESIDENTE WASHINGTON LUÍS

Na chamada República Velha (1889 - 1930), as eleições para presidente da república ocorriam em 1o de março e a posse do presidente eleito ocorria em 15 de novembro, de quatro em quatro anos. Como não existiam partidos políticos organizados a nível nacional na República Velha, cabia ao presidente da república a condução de sua sucessão, conciliando os interesses dos partidos políticos de cada estado.
A eleição para escolha do sucessor do presidente Washington Luís, que governava desde 1926, estava marcada para 1º de março de 1930. A posse do seu sucessor deveria ocorrer em 15 de novembro de 1930.
À época, vigorava, em termos políticos, a chamada "política do café-com-leite", em que os presidentes dos estados de São Paulo e de Minas Gerais alternavam-se na presidência da república. De acordo com esta "política do café-com-leite", Washington Luís deveria indicar, para ser seu sucessor, o presidente de Minas Gerais, Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, ou o vice-presidente da República, que era o mineiro Fernando de Melo Viana, ex-presidente de Minas Gerais, ou outro líder político mineiro.
Porém, no início de 1929, o presidente da República, Washington Luís, fluminense, da cidade de Macaé, radicado em São Paulo desde sua juventude, tendia a apoiar o presidente de São Paulo, Júlio Prestes, que pertencia ao Partido Republicano Paulista, ao qual também pertencia Washington Luís.
Em 29 de março, o “The New York Times” informa que os cafeicultores de São Paulo dariam um banquete a Júlio Prestes, em Ribeirão Preto, em apoio a sua candidatura à presidência, e esperavam o apoio dos demais estados produtores de café. O jornal informava ainda que Minas Gerais estava politicamente dividida.
O presidente de Minas Gerais quebra o acordo assumido com Washington Luís, de só tratar da questão sucessória a partir de setembro de 1929 e envia-lhe uma carta, datada de 20 de julho de 1929, em que propõe uma solução conciliatória, indicando Getúlio Vargas como o preferido para candidato à presidência da república para o mandato de 1930 a 1934.
Em vista disso, Washington Luís inicia o processo sucessório, consultando os presidentes dos 20 estados do Brasil à época, indicando o nome do presidente de São Paulo, Júlio Prestes de Albuquerque, paulista, como o seu sucessor, tendo sido apoiado pelos presidentes de dezessete estados. Apenas três estados negaram apoio a Júlio Prestes: Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraíba, então sob o governo de João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque.
Os políticos de Minas Gerais apoiadores da política "carlista", insatisfeitos com a indicação de Júlio Prestes lançaram, então, Getúlio como candidato de oposição à candidatura de Júlio Prestes, encerrando de vez a política “café com leite”. Antônio Carlos ficaria conhecido como o "Arquiteto da Revolução de 1930".
Os três estados dissidentes iniciaram a articulação de uma frente ampla de oposição, chamada de “Aliança Liberal”, que tinha o objetivo de se opor ao intento do presidente da república e dos dezessete estados de eleger Júlio Prestes. Washington Luís manteve a candidatura do paulista, Júlio Prestes, oficializada em 12 de outubro, como queriam os cafeicultores de São Paulo, apesar das pressões de Minas Gerais, Paraíba e do Rio Grande do Sul. Por seu lado, Antônio Carlos não aceitou retirar a candidatura Getúlio.

A ALIANÇA LIBERAL E O TENENTISMO

Formavam a “Aliança Liberal”, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraíba, além de partidos políticos de oposição de diversos estados, inclusive do Partido Democrático de São Paulo, criado como dissidência do PRP, ao qual pertenciam Júlio Prestes e Washington Luís. Em contrapartida, em Minas Gerais, a aliança política denominada "Concentração Conservadora" apoiou Júlio Prestes.
A Aliança Liberal concretizou-se em 20 de setembro (não por acaso, aniversário da Revolução Farroupilha, no Rio Grande do Sul) de 1929, numa convenção dos estados e partidos oposicionistas, no Rio de Janeiro, presidida por Antônio Carlos de Andrada, lançando como seus candidatos às eleições presidenciais: Getúlio Dorneles Vargas para presidente da República e João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque, presidente da Paraíba, para a vice-presidência da República.

Vargas e João Pessoa
Washington Luís tentou convencer os presidentes gaúcho e mineiro de desistirem dessa iniciativa, em carta dirigida a Andrada, argumentando que dezessete estados apoiavam a candidatura oficial, sem lograr êxito.
Em 12 de outubro de 1929, realizou-se, no Rio de Janeiro, uma convenção dos 17 estados governistas, que indicou Júlio Prestes de Albuquerque como candidato à presidência da República e o presidente da Bahia, Vital Soares, presidente da Bahia e pertencente ao Partido Republicano Baiano, a vice-presidente.
Em dezembro de 1929, formalizou-se um acordo, no qual Getúlio Vargas comprometia-se a aceitar os resultados das eleições e, em caso de derrota da Aliança Liberal, se comprometia a apoiar Júlio Prestes. Em troca, Washington Luís comprometia-se a não ajudar a oposição gaúcha a Getúlio, a qual praticamente não existia, pois o Rio Grande do Sul unira-se em torno de seu nome.
A Aliança Liberal teve o apoio de intelectuais importantes, de membros das camadas médias urbanas, na época chamadas de Classes Liberais que se opunham às Classes Conservadoras, formadas pelas associações comerciais e fazendeiros. No Rio Grande do Sul, o grande articulador da Aliança Liberal foi Osvaldo Aranha.
Entretanto, a “Aliança Liberal” contou, fundamentalmente, com o apoio da corrente político-militar chamada "Tenentismo". Destacavam-se, entre os tenentes: Cordeiro de Farias, Newton de Andrade Cavalcanti, Eduardo Gomes, Antônio de Siqueira Campos, João Alberto Lins de Barros, Juarez Távora, Luís Carlos Prestes, João Cabanas, Newton Estillac Leal, Filinto Müller e os três tenentes conhecidos como os "tenentes de Juarez": Juracy Magalhães, Agildo Barata e Jurandir Bizarria Mamede. E ainda na marinha do Brasil: Ernâni do Amaral Peixoto, Ari Parreiras, Augusto do Amaral Peixoto, Protógenes Pereira Guimarães. E o general reformado Isidoro Dias Lopes, o general honorário do exército brasileiro José Antônio Flores da Cunha e o major da Polícia Militar de São Paulo Miguel Costa. O tenente Cordeiro de Farias, que chegou a marechal, afirmou, em suas memórias, que os tenentes estavam em minoria no exército brasileiro, mas que mesmo assim fizeram a revolução de 1930.

A ELEIÇÃO DE 1º DE MARÇO DE 1930

A Aliança Liberal entrou na disputa eleitoral sabendo, de antemão, que seria dificílima a vitória, tendo apoio de apenas três estados. A campanha eleitoral, no entanto, ocorreu relativamente calma, dentro dos padrões de violência da República Velha.
A eleição para a presidência da república foi realizada no dia 1 de março de 1930, um sábado de carnaval, e foi vencida por Júlio Prestes, (chamado, pela imprensa, Candidato Nacional) com 1.091.709 votos contra 742.797 dados a Getúlio (Candidato Liberal), que obteve 100% dos votos do Rio Grande do Sul e um total de 610.000 votos nos três estados aliancistas. A votação de Getúlio nos 17 estados “prestistas” foi inexpressiva. Houve empate no antigo Distrito Federal, a cidade do Rio de Janeiro. Júlio Prestes foi eleito para governar de 1930 a 1934, com posse na presidência prevista para o dia 15 de novembro de 1930. A apuração, entretanto, só foi encerrada em maio de 1930, em meio a distúrbios de toda a ordem. Em 22 de maio de 1930, o Congresso Nacional proclama eleitos para a presidência e vice-presidência da república, Júlio Prestes e Vital Soares.
Em seguida à proclamação final dos resultados, o presidente eleito Júlio Prestes viajou para os Estados Unidos, sendo recebido como presidente eleito pelo presidente dos EUA, Herbert Hoover. Em Washington declara que o Brasil nunca será uma ditadura e se torna o primeiro brasileiro a sair na capa da revista Time, retornando a São Paulo em 6 de agosto e sendo recebido por uma multidão de adeptos.
Acusações de fraude eleitoral ocorreram de ambas as partes, como em todas as eleições brasileiras desde o Império, e a Aliança Liberal recusou-se a aceitar o resultado das urnas.

A CONSPIRAÇÃO

A partir da recusa da maioria dos políticos e tenentes da Aliança Liberal em aceitar o resultado das urnas, iniciou-se uma conspiração, com base no Rio Grande do Sul e em Minas Gerais, com a intenção de não permitir que Júlio Prestes assumisse a presidência em 15 de novembro. No nordeste do Brasil, o tenente Juarez Távora, que havia fugido da prisão em janeiro de 1930, organizava, na clandestinidade, a revolução. Esta conspiração sofreu um revés em 10 de maio, quando morreu, em acidente aéreo, o tenente Antônio Siqueira Campos, articulador político e contato com militares estacionados em São Paulo, praticamente encerrando o ímpeto revolucionário entre aqueles militares. Em 29 de maio de 1930, a conspiração sofreu novo revés, com o brado comunista de Luís Carlos Prestes, que deveria ter sido o comandante militar da revolução de 1930, mas desistiu para apoiar o comunismo. O comandante militar secreto da revolução ficou sendo então o tenente-coronel Pedro Aurélio de Góis Monteiro.
Em 18 de julho, o jornal prestista da Concentração Conservadora "Folha da Noite", em Belo Horizonte, foi destruído por um grupo de aliancistas que chamavam o presidente de Minas Gerais, Antônio Carlos, de covarde, pedindo abertamente a revolução.

O ASSASSINATO DE JOÃO PESSOA

Em 26 de julho de 1930, João Pessoa, presidente da Paraíba, foi assassinado por João Duarte Dantas, em Recife, por questões de ordem estritamente pessoal. João Duarte Dantas, cuja família era inimiga política de João Pessoa, tivera o escritório de advocacia saqueado e de seu cofre foram roubadas cartas e poemas de amor da escritora Anayde Beiriz, que foram divulgados e considerados escabrosos. Alguns livros de história afirmam que a correspondência foi publicada no jornal oficial do governo estadual, A União. Outros dizem que as cartas apenas circularam de mão em mão. De qualquer forma, tornaram-se públicas e foi um escândalo. No dia 26 de julho, quando João Pessoa estava com amigos na Confeitaria Glória, em Recife, João Dantas vingou-se: acompanhado de um cunhado, disparou dois tiros contra o peito do presidente da Paraíba. João Duarte Dantas confessou ter matado João Pessoa para defender a sua honra, sendo preso e levado para a casa de detenção da Paraíba, onde foi espancado e morto. Oficialmente, teria se suicidado. Anayde foi encontrada morta em 22 de outubro, por envenenamento, em Recife, num outro suposto suicídio. Apesar de totalmente desvinculado da eleição de Júlio Prestes, o episódio do assassinato de João Pessoa foi o estopim que deflagrou a mobilização armada dos partidários de Getúlio e da Aliança Liberal. O corpo de João Pessoa foi embarcado em navio, no Recife, em 31 de julho de 1930, para ser enterrado, em 18 de agosto, no Rio de Janeiro. Tanto em Recife, como no Rio de Janeiro, houve missas solenes e discursos inflamados, em que a culpa pela morte de João Pessoa era imputada ao governo de Washington Luís. E os conflitos armados generalizaram-se por todo o país.
O Presidente da República não se defendia das acusações, embora o alerta de seus assessores sobre um movimento subversivo em marcha, visando a sua derrubada do poder, e nenhuma medida preventiva foi tomada para impedir a revolução.

A REVOLUÇÃO DE 3 DE OUTUBRO DE 1930

Em 7 de setembro de 1930, o movimento revolucionário tem um novo impulso, quando Antônio Carlos passa o governo de Minas Gerais a Olegário Maciel, muito mais decidido a fazer a revolução do que o primeiro. O Presidente Olegário foi o único presidente de estado a continuar no cargo após a revolução de 1930.
Sobre o sigilo da conspiração, Getúlio contou à "Revista do Globo", em edição especial de agosto de 1950, que sua filha Alzira só soube da revolução dois dias antes dela ter início, afirmando:
“Em 1930, preparando a revolução, fui obrigado a fazer um jogo duplo: de dia mantinha a ordem para o governo federal e à noite introduzia os conspiradores no Palácio Piratini”.
Em 25 de setembro de 1930 foi determinado, pelo comando revolucionário, que a revolução começaria em 3 de outubro, as 17:00 horas. O início da revolução já havia sido adiado várias vezes, devido às hesitações e indecisões dos revolucionários. Desta vez não houve adiamentos e na tarde de 3 de outubro de 1930, em Porto Alegre, iniciou-se a Revolução de 1930, com a tomada do quartel-general da 3ª Região Militar, sob o comando de Osvaldo Aranha e Flores da Cunha. Neste ataque aconteceram as primeiras mortes da revolução de 1930.
Neste mesmo dia, precisamente, Getúlio Vargas começou a escrever o seu diário, encerrado em 1942. Na abertura do "Diário", meia hora antes do início da revolução, refletindo sobre sua responsabilidade na revolução e um eventual fracasso desta, Getúlio escreveu:
“Quatro e meia. A hora se aproxima. Examino-me e sinto-me com o espírito tranquilo de quem joga um lance decisivo porque não encontrou outra saída. A minha vida não me interessa e sim a responsabilidade de um ato que decide o destino da coletividade. Mas esta queria a luta, pelo menos nos seus elementos mais sadios, vigorosos e altivos. Não terei depois uma grande decepção? Como se torna revolucionário um governo cuja função é manter a lei e a ordem? E se perdermos? Eu serei depois apontado como o responsável, por despeito, por ambição, quem sabe? Sinto que só o sacrifício da vida poderá resgatar o erro de um fracasso!!”
No Nordeste do Brasil, devido a um erro de interpretação das ordens dadas pelo comando revolucionário, a revolução só iniciou na madrugada de 4 de outubro, alastrando-se por todo o país. As tropas gaúchas marcharam rumo a São Paulo, porém sem derrubar o governo catarinense, só conseguindo tomar a Ilha de Santa Catarina no dia 16. Em Minas Gerais, inesperadamente, houve resistência, pois o 12º Regimento de Infantaria de Belo Horizonte não aceitou o golpe.

Vargas na vitória do Golpe de 1930
 Oito governos estaduais no nordeste do Brasil, na época chamada de Norte, foram depostos pelos tenentes que enfrentaram, na Bahia e em Pernambuco, resistência notável. O governo de Pernambuco caiu em 8 de outubro, após um combate que matou 150 brasileiros.
No dia 10, Getúlio Vargas partiu, por ferrovia, rumo ao Rio de Janeiro, capital federal à época, deixando o governo do Rio Grande do Sul com Osvaldo Aranha e não ao vice-presidente gaúcho João Neves da Fontoura, seu amigo e colega, fato que o levou a renunciar ao seu cargo de vice-presidente gaúcho.
Em meados de outubro, a revolução dominava apenas parte do nordeste do Brasil e parte do Sul do Brasil. Mantinham-se leais ao governo federal, os estados de Santa Catarina, Bahia, São Paulo, Rio de Janeiro e o Distrito Federal (Rio de Janeiro), toda a região norte do Brasil - Amazonas, Pará e o Território do Acre -, e todo o Centro Oeste - Goiás e Mato Grosso. O governo Capixaba e o de Santa Catarina foram derrubados em 16 de outubro de 1930, e os demais citados somente com o golpe militar que pôs fim à revolução.
No Nordeste do Brasil os revolucionários marchavam em direção à Bahia. Pelo sul, os revolucionários, vindos do Rio Grande do Sul, estavam estacionados na região de Itararé, na divisa do Paraná com São Paulo, onde as forças do governo federal e tropas paulistas estavam acampadas para deter o avanço das tropas revolucionárias, esperando-se que aí ocorresse uma grande batalha. Getúlio aguardava os acontecimentos, instalado em Curitiba. No Sul de Minas Gerais tropas federais ainda resistiam ao avanço das tropas mineiras rumo ao Rio de Janeiro.

Getúlio Vargas e Góis Monteiro
Felizmente, a esperada Batalha de Itararé não correu porque, em 24 de outubro, antes que ela ocorresse, os generais Tasso Fragoso e Mena Barreto e o almirante Isaías de Noronha depuseram Washington Luís através de um golpe militar, e formaram uma Junta Militar Provisória. No mesmo dia, Osvaldo Aranha foi enviado ao Rio de Janeiro para negociar a entrega do poder a Getúlio Vargas. A Junta Militar governou o Brasil até passar o governo a Getúlio em 3 de novembro de 1930. Washington Luís foi deposto apenas 22 dias antes do término do mandato presidencial, que se encerraria em 15 de novembro de 1930.
Jornais que apoiavam o governo deposto foram destruídos, entre eles jornais influentes, como “O País”, "A Noite", "Correio Paulistano", órgão oficial do Partido Republicano Paulista, “A Plateia”, "Gazeta de Notícias", "A Crítica" e a "Folha da Manhã", atual “Folha de S. Paulo”. O edifício-sede de "O País" foi totalmente incendiado. As polícias do Rio de Janeiro, então capital federal, e de São Paulo se omitiram e nada fizeram para impedir os atos de vandalismo.
Washington Luís, Júlio Prestes e vários outros próceres políticos da República Velha foram presos e exilados. Washington Luís só retornou ao Brasil em 1947, depois da deposição de Getúlio Vargas, em 1945.
Getúlio, depois de uma passagem por São Paulo, onde ocupou o Palácio dos Campos Elísios, sede do governo paulista deposto, rumou para o Rio de Janeiro onde chegou de trem em 31 de outubro de 1930, inteirou-se da situação política e assumiu o governo, que lhe foi entregue pela Junta Militar. A cena em São Paulo jamais seria esquecida pelos paulistas: soldados mineiros e gaúchos, com fuzis nos ombros, montando guarda para Getúlio na sede do governo paulista.


O GOVERNO PROVISÓRIO (1930 – 1934)

Às 3 horas da tarde de 3 de novembro de 1930, a Junta Militar Provisória passou o poder, no Palácio do Catete, a Getúlio Vargas, (que vestia farda militar pela última vez na vida), encerrando a chamada República Velha. Na mesma hora, no centro da cidade do Rio de Janeiro, os soldados gaúchos cumpriam a promessa de amarrar os cavalos no obelisco da Avenida Central, atual Avenida Rio Branco, marcando simbolicamente o triunfo da Revolução de 1930.
Getúlio tornou-se “Chefe do Governo Provisório” com amplos poderes; os próprios revolucionários não aceitaram o título "Presidente da República". Seu governo provisório foi o segundo da república, o primeiro tendo sido o de Deodoro da Fonseca.
Getúlio governava através de decretos com força de lei, incluindo o de número 19.398, de 11 de novembro de 1930, que instituiu e regulamentou o funcionamento do Governo Provisório. Entre outras “pérolas”, este decreto:
•    Suspendia as garantias constitucionais da Constituição de 1891, exceto o habeas corpus para crimes comuns.
•    Confirmava a dissolução do Congresso Nacional do Brasil, dos congressos estaduais e das câmaras municipais. Os deputados, senadores e presidentes de estados, eleitos em 1930, nunca chegaram a tomar posse dos seus mandatos.
•    Confirmava também todos os atos da Junta Militar Provisória.
•    Autorizava Getúlio a nomear e exonerar, a seu livre critério, interventores para os governos estaduais, na maioria tenentes que participaram da Revolução de 1930.
•    Excluía de apreciação judicial os atos do Governo Provisório e os atos dos interventores federais nos estados. Assim, nenhum ato e nenhum decreto do Governo Provisório e dos interventores podia ser contestado na justiça brasileira.
•    A atuação dos interventores federais nos estados era disciplinada, no Governo Provisório, pelo "Código dos Interventores", nome pelo qual ficou conhecido o decreto nº 20.348, de 29 de agosto de 1931, que instituiu conselhos consultivos nos Estados, no Distrito Federal e nos municípios e estabeleceu normas sobre a administração local.
Os oficiais das forças armadas que permaneceram fiéis ao governo deposto, tiveram suas carreiras abortadas, sendo colocados, por decreto, na reserva militar. No Supremo Tribunal Federal, em fevereiro de 1931, 6 ministros, apoiadores do governo deposto, foram aposentados compulsoriamente e o número de ministros reduzido de quinze para onze.
Mesmo na Marinha do Brasil, que não havia combatido os revolucionários de 1930, houve, por insistência de Getúlio, aposentadorias forçadas, o que levou o ministro da Marinha, José Isaías de Noronha a pedir exoneração do seu cargo.
Foram investigadas minuciosamente as administrações e os políticos da República Velha, através de uma chamada "Justiça Revolucionária" e de um "Tribunal Especial", criados em 1930, pelo decreto que instituiu o Governo Provisório e organizado por outro decreto, com o objetivo de analisar o "processo e julgamento de crimes políticos, funcionais e outros que serão discriminados na lei de sua organização".
Entretanto, como o próprio Getúlio confirmou em seu Diário, no dia 4 de dezembro de 1932, nada foi encontrado de irregularidades e de corrupção naquele regime deposto em 1930, motivo pelo qual, mais tarde, surgiria a expressão: "os honrados políticos da República Velha". O Tribunal Especial foi dissolvido, em 1932, sem condenar uma só pessoa.
Houve, no início do Governo Provisório, uma espécie do comando revolucionário, denominado oficialmente de Conselho Nacional Consultivo, criado pelo decreto que regulamentou o Governo Provisório, e que recebeu o apelido de "Gabinete Negro", do qual faziam parte Getúlio Vargas, Pedro Ernesto, o general José Fernandes Leite de Castro, Ari Parreiras, Osvaldo Aranha, Góis Monteiro, José Américo de Almeida, Juarez Távora e o tenente João Alberto Lins de Barros, entre outros. O Gabinete Negro se sobrepunha ao gabinete ministerial, tomava as decisões e definia os rumos da revolução.
A radicalização política dos tenentes representou o maior perigo para Getúlio em 25 de fevereiro de 1932, quando foi destruído, na cidade do Rio de Janeiro, um jornal de oposição ao Governo Provisório, o Diário Carioca.
A recusa de Getúlio em punir os tenentes responsabilizados pelo ato, fez com que o ministro do trabalho Lindolfo Collor, o ministro da justiça Joaquim Maurício Cardoso e o chefe de polícia do Rio de Janeiro, João Batista Luzardo, pedissem exoneração de seus cargos. João Neves da Fontoura também rompeu com Getúlio. Os jornais do Rio de Janeiro ficaram dois dias sem circular, em solidariedade ao Diário Carioca.
O gabinete ministerial do Governo Provisório, composto por apenas nove pessoas (sete civis e dois militares), foi cuidadosamente montado, para premiar e contentar os três estados revolucionários, partidos políticos (Partido Libertador, PRR, PRM, Partido Republicano Paraibano e o Partido Democrático), tenentes e a Junta Militar Provisória que, juntos, fizeram a Revolução de 1930.
Duas das peças mais importantes da Revolução de 1930 e muito chegadas a Getúlio Vargas, tiveram fim incompatível com seu papel relevante durante o golpe, devido a dissidências posteriores com o Chefe do Governo Provisório. O General Flores da Cunha, próximo ao golpe do Estado Novo de 1937, abandonou o cargo de governador gaúcho, exilando-se no Uruguai. Antônio Carlos de Andrada, chamado por Getúlio, em seu Diário, “a Velha Raposa”, com o advento do Estado Novo abandonou a vida pública. Além destes, o major Miguel Costa foi cassado depois da Intentona Comunista; Juarez Távora, aos poucos, acabou apenas ocupando cargos burocráticos; Juraci Magalhães, no início, foi fiel a Getúlio, mas não aceitou o Golpe de Estado de 1937, quando deixou o governo da Bahia e voltou aos quartéis; Carlos de Lima Cavalcanti, líder da revolução de 1930 em Pernambuco, foi deposto do cargo de governador pelo golpe do Estado Novo, em 1937, por ter apoiado, no mesmo ano, a tentativa de reeleição de Antônio Carlos para presidente da Câmara dos Deputados.
Os mais fiéis e influentes militares, durante os 15 anos de Getúlio no poder, foram o general Pedro Aurélio de Góis Monteiro, e, em seguida, o general Eurico Dutra, ministro da Guerra de 1936 a 1945, o capitão Filinto Müller, por vários anos, fiel chefe de Polícia do Rio de Janeiro (1933-1942), e o coronel João Alberto Lins de Barros.

Segue a Parte 3.

sexta-feira, 23 de março de 2012

HISTÓRIA DO BRASIL NA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XX (PARTE 1)

INTRODUÇÃO

Já muito foi escrito sobre essa época da história do Brasil, por brasileiros e estrangeiros. Eu mesmo já escrevi algumas coisas sobre este período. Entretanto, sempre tive muitas dúvidas sobre o fenômeno e o homem Getúlio Vargas e gostaria de fazer as minhas próprias pesquisas e escrever as minhas próprias conclusões sobre o assunto. 
O assunto surgiu no meio de outras conversas e então resolvi encetar a busca e o relato sobre o controvertido tema. Justamente buscando a imparcialidade – se é que isso é possível no relato da História – escolhi o título acima sem incluir nele o nome do personagem principal, mas com certeza este é o objetivo. Mais do que isso, a ideia principal, no caso, é o exame da legalidade ou ilegalidade das ações ao final imputadas a Getúlio Vargas, bem como o estudo da personalidade íntima dessa figura, como administrador e homem de ação, o que sempre será uma tarefa muita mais complicada, a não ser que narradas por pessoas honestas que tivessem convivido com ele e que se dispusessem a relatar a sua verdadeira vida. Em todo o caso, este será o nosso grande esforço, não constituindo uma sua parte importante, a busca e a justificativa de suas ações e atos durante a sua administração estadual ou federal; os que foram bons e justificáveis, ótimo; os maus procedimentos certamente também terão ocorrido, pois o complicado, em geral, é chegar ao poder de mando, tudo podendo acontecer depois que isso ocorre.

BREVE BIOGRAFIA DE GETÚLIO VARGAS

Município de São Borja, em vermelho
Getúlio Dorneles Vargas nasceu em São Borja, cidade fronteiriça com a Argentina, no extremo oeste e zona missioneira do estado do Rio Grande do Sul, em 19 de abril de 1882; faleceu na cidade do Rio de Janeiro, então sede do Governo Federal, no estado do Rio de Janeiro, em 24 de gosto de 1954. Era filho de Manuel do Nascimento Vargas – que lutara na Guerra do Paraguai, passando de cabo a tenente coronel do Exército Nacional - e de Cândida Francisca Dorneles Vargas. No final do Império, Manuel aderiu ao Partido Republicano, enfrentando os maragatos na Revolução de 1893-95, quando os republicanos castilhistas (do governante Júlio de Castilhos, também conhecidos por “chimangos”) foram os grandes vencedores. Entre 1907 e 1911, foi Intendente Municipal, sendo substituído no posto por seu filho mais velho, Viriato. 
Ninguém sabe por que razão, mas em sua juventude Getúlio Vargas adulterou alguns documentos fazendo crer que nascera no ano de 1883 e não em 1882, como devidamente comprovado pelo seu assento de batismo na grafia da época, fato apenas descoberto durante as celebrações do seu centenário de nascimento. Teve quatro irmãos: Espártaco, Viriato, Protásio e Benjamim (o Bejo).
Getúlio Vargas provém de uma tradicional família da zona rural dos pampas e sempre se manteve ligado à principal atividade econômica daquela área, a pecuária.
Estudou em sua terra natal, depois em Ouro Preto, em Minas Gerais. Quando Getúlio estudou em Ouro Preto, seus irmãos se envolveram numa briga que terminou com a morte do estudante paulistano Carlos de Almeida Prado Júnior, em 7 de junho de 1897, acontecimento que precipitou a volta de Getúlio e de seus irmãos para o Rio Grande do Sul.
No retorno, inicialmente tentou a carreira militar, tornando-se, em 1898, soldado na guarnição de seu município natal, com apenas 16 anos de idade. Em 1900, matriculou-se na Escola Preparatória e de Tática de Rio Pardo, onde não permaneceu por muito tempo, sendo transferido para Porto Alegre, a fim de terminar o serviço militar, onde conheceu os cadetes da Escola Militar Eurico Gaspar Dutra e Pedro Aurélio de Góis Monteiro, vulto importante das revoluções gaúchas.
Matriculou-se, em 1904, na Faculdade Livre de Direito de Porto Alegre, atual da UFRGS, onde bacharelou-se em direito em 1907. Trabalhou inicialmente como promotor público junto ao fórum de Porto Alegre, mas decidiu retornar à sua cidade natal para exercer a advocacia. A orientação filosófica, como muitos de seu estado e de sua época, era o positivismo e o castilhismo, a doutrina e o estilo político de Júlio Prates de Castilhos, líder da revolução de 1893 e governador do estado do RS.
Casou-se, em São Borja, em 4 de março de 1910, com Darcy Lima Sarmanho, com quem teve cinco filhos: Lutero Vargas, Getulinho, que morreu cedo, Alzira Vargas, Jandira e Manuel Sarmanho Vargas, (o Maneco) que suicidou-se. O casamento foi um ato de conciliação, pois as famílias dos noivos apoiavam partidos políticos rivais na Revolução Federalista de 1893: a família de Darcy Sarmanho, maragato (do Partido Federalista do Rio Grande do Sul) e a de Getúlio, chimango (do Partido Republicano Rio-grandense).
Foi advogado e político, liderando civilmente, um pouco ao acaso, a revolução de 1930 - era, à época, Presidente da Província (hoje governador de estado) do Rio Grande do Sul -, que acabou com a deposição do 13º e último presidente do que se chamaria depois a República Velha e impediu a posse do Presidente eleito em 1º de março de 1930, Júlio Prestes.
Foi presidente do Brasil em dois períodos totalmente distintos. O primeiro deles, em que governou por 15 anos ininterruptos, de 1930 a 1945, dividiu-se em três fases:

•    De 1930 a 1934, como chefe do “Governo Provisório”;
•    De 1934 a 1937, como presidente da república do “Governo Constitucional”, eleito pela “Assembleia Nacional Constituinte” de 1934;
•    De 1937 a 1945, como ditador do “Estado Novo”, implantado após um golpe de estado, até ser deposto por um contragolpe.

No segundo período, em que foi eleito por voto direto, Getúlio governou o Brasil como presidente da república, por três anos e meio, de 31 de janeiro de 1951 a 24 de agosto de 1954, quando suicidou-se.
Getúlio era chamado pelos seus simpatizantes de "o pai dos pobres", frase bíblica (livro de Jó - 29:16) e título criado pelo seu Departamento de Imprensa e Propaganda, o famoso DIP, à época do Estado Novo, enfatizando o fato de Getúlio ter criado muitas das leis sociais e trabalhistas brasileiras. A sua doutrina e seu estilo político foram denominados de getulismo ou varguismo e os seus seguidores, até hoje existentes, são denominados getulistas.
Suicidou-se em 1954 com um tiro no coração, em seu quarto, no Palácio do Catete, na cidade do Rio de Janeiro, então capital federal. Getúlio Vargas foi um dos mais controvertidos políticos brasileiros do século XX. Sua influência se estende até hoje e a sua herança política é invocada por pelo menos dois partidos políticos atuais: o Partido Democrático Trabalhista (PDT), do ex-governador Leonel de Moura Brizola, e o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), fundado por sua filha, Alzira Vargas, que lutou com Brizola pela sigla PTB.
Getúlio Vargas foi, curiosamente, em minha opinião, inscrito no Livro dos Heróis da Pátria, em 15 de setembro de 2010, pela lei nº 12.326, durante o governo Lula. Tal livro, também denominado “Livro de Aço”, confere aos homenageados que dele constam, o status de “herói nacional” e se encontra no terceiro pavimento do chamado “Panteão da Pátria e da Liberdade Tancredo Neves”, construído em Brasília, em 7 de setembro de 1986, durante a gestão José Sarney. O monumento foi criado, originalmente, durante a comoção criada com a morte do Presidente eleito Tancredo Neves, primeiro presidente civil, mesmo que de forma indireta, após o regime militar, falecido antes de assumir o cargo.

PRIMEIROS PASSOS DA CARREIRA POLÍTICA DE GETÚLIO

A família Vargas, embora adepta do PRR (republicanos) desde os seus primórdios, rompeu com castilhistas fervorosos de São Borja porque tiveram sua ascensão política ligada à recomposição de forças articulada por Borges de Medeiros, para evitar a cisão de 1906-1907, quando o último pretendeu enfeixar, além do governo estadual, a presidência do PRR.
Nessa época, Getúlio, formando da Faculdade de Direito de Porto Alegre, peregrinava pela zona de colonização ítalo-germânica, em companhia do colega João Neves da Fontoura, reforçando a propaganda governamental favorável a Borges de Medeiros. A campanha, portanto, ofereceu a Getúlio a oportunidade de afirmar a lealdade a Borges de Medeiros assim iniciando a sua carreira política. De fato, foi premiado com uma nomeação para Promotor Público da Capital, função da qual desligou-se alguns meses depois para dedicar-se à campanha para uma vaga na Assembleia dos Representantes do Estado, com indicação recebida do Presidente do PRR, Borges de Medeiros, para integrar a chapa oficial.
Pacificado o Partido, Getúlio foi tranquilamente eleito, em março de 1909 e reeleito em 1913, renunciando ao mandato logo em seguida, em solidariedade ao seu amigo João Neves da Fontoura. Seu pai, Coronel Isidoro Neves da Fontoura, também ascendera ao comando local de Cachoeira do Sul, como o pai de Getúlio, em decorrência da crise no PRR, com o apoio de Borges de Medeiros. Entretanto, disputas em torno de interesses privados e em torno do andamento de processos judiciais haviam enfraquecido o Coronel Isidoro Neves da Fontoura, cujo nome foi preterido em função de um seu desafeto, na composição da chapa republicana oficial para a Assembleia, abrindo dissidência com o chefe do Partido. Insurgindo-se contra a decisão de Borges, o Coronel Isidoro recorreu à fraude, furando a chapa oficial ao distribuir cédulas eleitorais que suprimiam o nome de seu adversário. Como medida disciplinar, Borges de Medeiros obrigou Isidoro Neves, candidato eleito, a renunciar, empossando seu adversário. Daí a renúncia de Getúlio.
Como retaliação à insubordinação de Getúlio Vargas, Borges de Medeiros passou a estimular a disputa pelo poder local em São Borja, entre os Vargas e um grupo liderado por Benjamim Torres e Rafael Escobar. Borges de Medeiros valia-se agora contra os Vargas da mesma estratégia que usara anteriormente para fortalecê-los. A administração do Intendente Viriato Vargas, chegou a estar, em 1913, ameaçada por um inquérito, formado a partir de denúncias da dissidência local, conduzido sob o comando do Procurador-Geral de Justiça, cujo cargo era de livre indicação do Presidente do Estado. A tensão política atingiu o ápice com o assassinato do médico Benjamim Torres, em março de 1915. As suspeitas recaíram sobre Viriato Vargas, a quem um dos capangas, capturado pela polícia, acusou de ser o mandante intelectual do crime. Denunciado pelo Ministério Público, Viriato refugiou-se na Argentina.
Pressionados pelo processo judicial em curso, os Vargas mantiveram-se fiéis ao Governo, durante a nova crise partidária deflagrada entre 1915 e 1916 e, em retribuição, Getúlio foi incluído na lista de candidatos à Assembleia dos Representantes, assumindo novo mandato em 1917. Prestigiado por Borges de Medeiros, Vargas se valeu de sua extraordinária capacidade intelectual e oratória para se converter em liderança informal do Governo numa Assembleia que agora contava com uma renhida minoria, representada em três cadeiras, ainda que o PRR contasse com esmagadora maioria nesse parlamento destituído de atribuições legislativas; havia uma guerra simbólica a ser ganha e o governo precisava reafirmar constantemente a sua legitimidade conceitual. A oposição não perdia oportunidades de denunciar a violação das formas republicanas e o curso de uma ditadura no Rio Grande do Sul, argumentos que sempre podiam sensibilizar o Congresso Nacional ou a Presidência da República, motivando-os a exigir uma reforma de artigos considerados inconstitucionais da Constituição Estadual de 14 de julho de 1891.
Vargas foi especialmente eficaz na justificativa ao recurso do governo estadual de Borges de Medeiros ao crédito, especialmente a partir de 1920, quando até então qualquer forma de endividamento público era criticada pelo discurso castilhista original; da mesma forma, o intervencionismo do estado na economia, até pouco repelido pelo liberalismo positivista que formava a doutrina castilhista, foi defendido por Vargas em Plenário.
Em face desse desempenho, a reeleição de Vargas à Assembleia foi assegurada com facilidade em 1921. Fiel à orientação partidária, Vargas acompanhou Borges de Medeiros na aventura da chamada “Reação Republicana”, entre fins de 1921 e inícios de 1922, quando as máquinas partidárias do Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco tentaram derrotar a candidatura de Arthur Bernardes, articulada por Minas Gerais e São Paulo, à Presidência da República. A vitória de Bernardes nas eleições de março de 1922 isolou o borgismo. À situação política desfavorável em nível nacional somou-se uma dramática crise financeira e econômica em nível regional que fora, em grande parte, consequência direta da política intervencionista do Governo Estadual, dando início à terceira grave crise de hegemonia do borgismo.
A crise econômica regional, que atingiu duramente a elite criadora de gado, e o desgaste de Borges de Medeiros no plano nacional, criaram o caldo necessário para o surgimento da candidatura de oposição, encabeçada por Joaquim Francisco de Assis Brasil, republicano histórico, nas eleições ao Governo Estadual de 1922, que culminou com a Revolução Regional de 1923, já assunto de nossas postagens anteriores.
No enfoque que estamos dando, é importante observar que, à época do pleito estadual de 25 de novembro de 1922, ainda não havia Justiça Eleitoral no Brasil e Getúlio Vargas, que devia solidariedade a Borges de Medeiros em função do processo judicial contra o irmão Viriato e se destacara na condição de líder informal do Governo no Parlamento, fora designado Presidente da Comissão de Constituição e Poderes da Assembleia dos Representantes, órgão responsável pela apuração dos votos e reconhecimento dos eleitos no pleito. Tal Comissão, ainda constituída pelos Deputados governistas Ariosto Pinto e José Vasconcellos, ambos da confiança direta de Borges de Medeiros, indicou a sua vitória, em meio a rumores de um levante armado contra Borges de Medeiros e denúncias de fraudes de ambos os lados.
Segundo o testemunho de José Antônio Flores da Cunha, constatada a impossibilidade da reeleição do Presidente do Estado, já que não teria atingido a exigência constitucional de ¾ dos votos, a Comissão foi instada por Borges de Medeiros a proceder à alquimia eleitoral, forjando resultados. A tese parece razoável, se verificarmos nos Anais da Assembleia o conjunto de urnas cujos votos foram anulados ou validados pelo trabalho da Comissão.
Durante a campanha de 1922, que culminou com a revolução de 1923, Getúlio Vargas recebeu, por decreto governamental, a patente de tenente-coronel da Brigada e assumiu o comando do Corpo Auxiliar de São Borja, tropa composta de civis recrutados provisoriamente para enfrentar o inimigo rebelado. Não chegou, entretanto, a entrar em batalha, pois foi chamado a concorrer a uma cadeira de deputado federal pelo PRR, na vaga aberta pelo falecimento do deputado federal gaúcho Rafael Cabeda. Eleito, completou o mandato de Rafael Cabeda, tornou-se líder da bancada gaúcha na Câmara dos Deputados, no Rio de Janeiro e foi reeleito deputado federal na legislatura de 1924 a 1926, novamente como líder da bancada gaúcha. Em 1924, apoiou o envio de tropas gaúchas ao estado de São Paulo, em apoio ao governo de Artur Bernardes contra a Revolta Paulista de 1924.
Em 15 de novembro de 1926, convidado pelo recém eleito Presidente Washington Luís, assumiu o Ministério da Fazendo, lá permanecendo até 17 de dezembro de 1927. Tal fato desagradara Borges de Medeiros - como registra correspondência trocada entre o chefe gaúcho e Getúlio Vargas, preservada no Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul -, que aceitou a nomeação como fato consumado.
Sendo o único gaúcho a integrar o Ministério Federal, Getúlio converteu-se no candidato natural à sucessão estadual e deixou o Ministério da Fazenda em 17 de dezembro de 1927 para candidatar-se. Sua candidatura, juntamente com a de João Neves da Fontoura na condição de vice, terminou sendo lançada por Borges de Medeiros em agosto de 1927 e foi aprovada por aclamação na convenção partidária de outubro. O nome de Getúlio Vargas, com efeito, contava com excelente aceitação nas hostes partidárias que haviam se fortalecido durante a Revolução de 1923. Por outro lado, a oposição libertadora recebeu favoravelmente a troca do comando político, pois entendia que com o afastamento de Borges de Medeiros estaria aberto o terreno para o entendimento.
Getúlio Vargas e João Neves da Fontoura foram eleitos com o apoio dos partidos Republicano e Libertador e assumiram o Governo do Estado em 25 de janeiro de 1928 para o mandato que iria até 25 de janeiro de 1933, encerrando os longos trinta anos de governo Borges de Medeiros.
Embora procurassem manter sempre respeitosa observância às diretrizes firmadas pela chefia de Borges de Medeiros, sublinharam desde o início sua autonomia política. De fato, Borges não conseguiu impor o secretariado que teria indicado e Getúlio Vargas nomeou o jovem Oswaldo Aranha para a Secretaria do Interior e Justiça, a Pasta política do Governo Estadual, bem como o seu cunhado, Florêncio de Abreu, para a Chefia de Polícia.
Embora mantendo oposição ao governo federal, exigindo o fim da corrupção eleitoral, adoção do voto secreto e do voto feminino, Getúlio manteve bom relacionamento com o presidente Washington Luís, obtendo verbas federais para o Rio Grande do Sul e a autorização para melhoramentos no porto de Pelotas. Criou o Banco do Estado do Rio Grande do Sul e apoiou a criação da VARIG (Viação Aérea Rio-Grandense). Respeitou também a vitória da oposição gaúcha, através do Partido Libertador, em vários municípios do estado.

Segue a Parte 2.