Homenagem ao lendário herói ancestral dos ingleses que deu título a um dos considerados "Cem Maiores Livros do Mundo" e tido como o mais antigo escrito em "Old English".

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

HISTÓRIA DOS REIS DA INGLATERRA A PARTIR DE 1066 (PARTE 3)

IDADE MÉDIA NA INGLATERRA (1154 – 1485)

A Bretanha de Henry II e de seus filhos Richard I, o Coração de Leão e John, experimentava um rápido crescimento de população, desmatamento de florestas para campos, estabelecimento de novas cidades e um zelo de aparência externa para as Cruzadas. O país também testemunhava o deleite do “renascimento do século XII” nas artes, exemplificado pela Bíblia de Winchester(1)
Os legados da invasão normanda permaneceram, com a aristocracia falando francês até após 1350, de forma que o saxão “ox” (boi) e “swine” (suíno), por exemplo, transformaram-se, na mesa, no francês “boeuf” e “porc” (até hoje “beef” e “pork”, em inglês). Ao norte da Inglaterra saxônica, a Escócia “normanizada” das terras baixas (the Lowlands), que compartilhou um dialeto vernacular comum com a Inglaterra ao norte do rio Humber, permaneceu diversa das terras altas (the Highlands), onde floresceu o galês. As famílias de Balliol e Wallace, dominantes na história medieval escocesa, derivaram todas de raízes francesas – uma minoria superpondo-se à população de escoceses. A Irlanda foi menos dominada por normandos e, em todos os lugares, muito da cultura regional nativa sobreviveu, a despeito da monarquia e aristocracia normandas. Sir Walter Scott descreve esses detalhes com maestria em sua obra prima “Ivanhoe”, de 1819, com personagens do século XII.

O REINADO DE HENRY II (1154-1189
Em laranja e amarelo, as terras de
Henry II, na França, em seu auge

Pela leitura atenta dos principais eventos do reinado de Henry II, pode-se ver que ele foi um oportunista consumado e com sucesso na exploração das chances que lhe foram concedidas para consolidar o seu poder. O domínio de que foi lorde, incluía a Inglaterra, Normandia, Maine(2) , Anjou(3) , Brittany(4)  e País de Gales (Wales). Da forma como via, ele tomou a Inglaterra por indisputável direito de sangue; pelo mesmo direito tomou a Normandia e Anjou, mas como um vassalo do rei francês Louis VII. Brittany, Wales e Maine a ele vieram por direito de conquista, cedido em parte por seus predecessores, mas necessitando que o selo final, assim como a benção do rei francês, fossem colocados para as terras da França. Todas essas terras tinham uma vez pertencido a Henry I, por conquista, casamento ou herança sendo, portanto, sua por direito inalienável. A esses territórios foi adicionada a Aquitaine(5) , através do seu casamento com Eleanor, em 1152, após sua separação do rei da França, por não lhe ter dado um filho homem; enquanto casados, Louis VII controlava três quartos do seu país, mas imediatamente após o casamento de Henry com Eleanor, o controle de mais da metade do país caiu nas mãos do Duque da Normandia. Um grande golpe, mas daí para a frente, a relação entre o Rei da França e seu vassalo Henry nunca mais seria a mesma, além de perseguir os reis da Inglaterra pelos séculos que se seguiriam.
Louis VII da França
Durante o seu reinado, Henry II tentou manter uma autoridade feudal, dispondo os termos pelos quais os reis da Inglaterra deveriam interagir com seus vizinhos da França, Escócia, País de Gales e Irlanda por muito do resto de sua história.
Um dos capítulos mais proeminentes do reinado de Henry II, foi o assassinato e subsequente martírio do arcebispo Thomas Becket, que tanto obscureceu o seu reinado. Quando Henry II subiu ao trono, o arcebispo de Canterbury(6)  era Theobald, que mantinha com a Coroa uma estável relação do tipo “toma cá, dá lá”. Quando Theobald morreu em 1161, Henry II conseguiu que Becket, seu amigo e confidente, assumisse seu posto, esperando que ele se tornasse um seu seguidor sem restrições. Entretanto, Becket pretendia levar muito seriamente a sua missão, e deu mostras disso ao renunciar imediatamente ao cargo de chanceler que então ocupava. A questão entre ambos começou quando Henry II tentou trazer a si o julgamento de “clérigos criminosos”, enquanto Becket sustentava que o assunto era questão da Igreja. Após meses de contenda, os dois lados se encontraram no Concílio de Clarendon, em janeiro de 1164, onde Henry II apresentou aos Bispos a infame Constituição de Clarendon, estabelecendo a relação entra a lei secular e a canônica, explicitamente contrariando um prévio acordo com os Bispos.
Santo Thomas Becket, mártir das
Igrejas Católica e Anglicana
Para evitar consequências sobre os seus Bispos, Becket assinou a Constituição para, imediatamente após, publicamente arrepender-se do seu juramento, promovendo a ira do rei que considerou o ato como traição e ao qual prometeu vingança. As desavenças entre ambos prosseguiram até que Becket fugiu para o exílio na França, sem que Henry II pudesse resolver a disputa a seu favor. Em 24 de maio de 1170, Henry II fez coroar seu filho Henry, o Jovem, em Canterbury, pelo Arcebispo de York, o que não foi tolerado por Becket, Arcebispo de Canterbury; chegaram a um compromisso em que o rei ignorou a origem da disputa, permitindo que Becket retornasse ao lar para recoroar seu filho numa segunda cerimônia. Becket necessitava recuperar seu prestígio na Inglaterra sem tornar-se submisso ao Rei e para isso, assim que chegado à Inglaterra, excomungou seus antigos inimigos eclesiásticos, que incluíam o Arcebispo de York. Quando essas notícias chegaram à corte natal de Henry, na Normandia, ele explodiu e teria proferido as palavras: 'Ninguém me livrará desse incômodo padre? Sem qualquer dúvida, foi algo dito quando em ira, mas quatro cavaleiros, chefiados por Reginald Fitz Urse, o tomaram pela palavra e, atravessando o Canal, assassinaram Becket na catedral onde rezava a missa matinal, em 29 de dezembro de 1170.
Dois anos após a sua morte, Becket foi canonizado pelo Papa Alexandre III, sendo venerado como santo e mártir pelas igrejas católica e anglicana. Cronistas contemporâneos rotularam Henry II como criminoso, seus inimigos clamaram pela excomunhão do rei e o ultraje do assassinato quase precipitou uma guerra. Com tudo isso, o Papa Alexandre III negociou uma trilha muito cuidadosa, excomungando os quatro cavalheiros envolvidos e proibindo Henry II de assistir missa até reparado o seu pecado e, para negociar tais reparações, enviou à Inglaterra dois legados papais. Num movimento inteligente, acordaram uma fórmula que permitiu a Henry II renunciar à Constituição de Clarendon, sem dar mostras de que o fazia. Em 21 de maio de 1172, Henry realizou uma cerimônia de penitência pública na Catedral de Avranches, em que jurou:
Fornecer recursos financeiros para 200 cavalheiros participarem de Cruzada à Terra Santa;
Restituir toda a propriedade da igreja de Canterbury;
Não obstruir quaisquer apelos do clero a Roma;
Abolir todos os costumes prejudiciais à Igreja.
Praticamente, Henry perdeu pouco por este compromisso, mas como a própria Constituição, as implicações do acordo foram enormes.

O CARÁTER E O LEGADO DE HENRY II

Eleanor da Aquitaine gerou, para Henry II, seis filhos que sobreviveram, entre eles quatro homens: Henry, the Younger (o Mais Jovem), Richard (o futuro “Coração de Leão”), Geoffrey e John (futuro perseguidor de Robin Hood). Mulher de forte personalidade, Eleanor protegeu ferozmente sua herança, que avaliou acima da lealdade a seu marido, criando enorme atrito com Henry II quando apoiou seus filhos contra ele na defesa da Aquitaine(7).
Eleanor da Aquitaine
Henry parece ter visto seu reino como uma espécie de corporação familiar a ser dividida entre seus filhos. Essa posição, explicitada em seu testamento de 1182, já funcionava dez anos antes. Em seu grande plano, o patrimônio central da Inglaterra, Normandia e Anjou iriam para seu filho mais velho, Henry; a Aquitaine foi colocada sob a responsabilidade de Richard; Geoffrey ficaria com a Britânia; e a John seria alocada a Irlanda. Pouco explícito em suas ideias, secreto e maquinador, por natureza, o grande erro de Henry II foi deixar seus filhos tentando adivinhar o futuro, até que, como verdadeiros Plantagenets, eles simplesmente perderam a paciência e tentaram tomar o que, por direito, era deles.
A primeira grande briga familiar ocorreu em 1173 quando Henry, the Younger, molestado por sua falta de poder e instigado pelos inimigos de Henry II, rebelou-se contra ele, conseguindo o apoio de seus dois irmãos Richard e Geoffrey, além de vários barões ingleses poderosos, dos reis da França e Escócia; até a rainha Eleanor tentou juntar-se a seu filho mais velho sem, entretanto, conseguir. Com sua posição mais precária do que em qualquer época anterior, na iminência de perder o apoio da maioria dos nobres ingleses, Henry II lutou uma hábil campanha defensiva, humilhando os franceses e os bretões e esmagando qualquer oposição na Inglaterra, enquanto seus agentes derrotavam e capturavam William da Escócia em 1174. Henry, the Younger, rendeu-se e seu pai, abalado pela experiência, reconheceu as queixas de seus filhos, dedicando rendas a todos eles.
Henry, the Younger, filho
mais velho de Henry II
Em 1183, quando Henry II recusou-se a dar-lhe controle da Normandia ou qualquer outra terra que pudesse ajuda-lo a pagar suas dívidas, Henry, the Younger, tentou novamente, investindo sobre os barões da Aquitaine. Richard queixou-se e iniciou a fortificação de seus castelos. Durante as negociações que se seguiram, Henry, the Younger, tentou emboscar seu pai em Limoges. Henry reuniu tropas para cercar a cidade enquanto seu filho teve o apoio do irmão Geoffrey e do novo rei da França, Philip, filho de Louis VII. Forçado a fugir de Limoge após saquear o templo local para pagar suas tropas, Henry, the Younger, fugiu sem rumo, pela Aquitaine, foi acometido por disenteria e morreu; com ele, a revolta.
Henry II tentou reestruturar seu reino solicitando a Richard que desistisse da Aquitaine em favor de John, prometendo-lhe a herança antes pertencente a Henry, the Younger. Richard, além de não confiar no pai e manipulado pelo rei Philip da França, cuja ambição era destruir o comando Angevin no seu reino, rompeu em 1189 quando, com Philip, emboscou Henry II após uma conferência de paz em La Ferté. Sentindo-se doente, Henry fugiu para Anjou, onde levou o golpe final ao descobrir que os rebeldes haviam recebido o apoio de seu filho mais jovem, John. Caiu em delírio durante uma conferência de paz, próximo de Tours, e morreu em 6 de julho de 1189, com 56 anos de idade.
Sem a decisão de Henry II sobre a sua sucessão, totalmente alterada em função da morte do seu primogênito Henry, the Younger, e do complô montado por seus filhos contra si, sempre com o apoio de sua esposa Eleanor, que por tais ações esteve presa durante 16 anos, Richard tomou as rédeas do poder em suas mãos, como Richard I da Inglaterra.

REINADO DE RICHARD I, O CORAÇÃO DE LEÃO (1189 – 1199)

Rei Richard I, o Coração de Leão
Richard I passou muito da sua juventude na corte de sua mãe em Poitiers, importando-se muito mais com ela e suas possessões continentais do que com seu pai e a Inglaterra. As relações familiares influenciaram muito a sua vida: lutou junto com seus irmãos em sua rebelião de 1173-1174; lutou com seu pai contra seus irmãos quando eles apoiaram uma revolta na Aquitaine em 1183; e lutou ao lado de Philip II da França contra seu pai, em 1188, derrotando-o em 1189.
Richard foi coroado em 3 de setembro de 1189 e tornou John conde de Mortain, garantindo-lhe extensas propriedades na Inglaterra, que incluíram Nottingham. Sabendo das tendências de John para criar casos, baniu-o da Inglaterra por três anos enquanto participava de uma cruzada; por influência de sua mãe, permitiu o retorno de John a Inglaterra, cometendo um enorme engano.
Do seu reinado de dez anos, Richard permaneceu apenas seis na Inglaterra. Para cumprir promessa a seu pai, juntou-se à Terceira Cruzada, partindo para a Terra Santa em 1190, acompanhado de seu companheiro/rival, Philip II da França. Em 1191 ele conquistou Chipre, a caminho de Jerusalém, e lutou admiravelmente contra Saladino, quase tomando a cidade santa em duas oportunidades. Enquanto isso, Philip II retornava à França e urdia com o príncipe John. A Cruzada falhou em seu objetivo primário, a libertação da Terra Santa dos turcos muçulmanos, mas obteve um resultado positivo: um acesso mais simples à região, para os peregrinos cristãos, através de uma trégua com Saladino.
Na Inglaterra, John conspirou contra William Longchamp, chanceler de Richard, conseguindo o seu banimento e tornando-se, não no nome, rei. Sua mãe antecipou-se a um complô entre John e o rei francês Philip II, para dividir entre si o império Angevin, informando da traição a Richard, que decidiu retornar para casa. Ao mesmo tempo, buscou apoio entre os barões ingleses e sitiou os castelos de John. No caminho de volta Richard foi capturado por Leopoldo V da Áustria e feito prisioneiro por Henry VI, Imperador do Sacro Império Romano, até o seu retorno à Inglaterra em 1194. Ao seu retorno, esmagou uma tentativa de golpe de John e recuperou as terras perdidas para Philip II. Suas escaramuças com Philip se repetiram esporadicamente até que os franceses foram finalmente derrotados em 1198. Foi nesse clima de desafio à lei que a lenda de Robin Hood surgiu.
Com a libertação de Richard, John fugiu para a França, mas foi rapidamente perdoado por seu irmão que, em seguida, retornou à França onde morreu em 6 de abril do ano seguinte, em consequência de um ferimento recebido em escaramuça no castelo de Chalus, no Limousin.. Em seu leito de morte Richard perdoou e nomeou John como seu herdeiro, embora pela lei de primogenitura, Arthur, o filho de seu irmão mais velho Geoffrey, o devesse substituir. Encontra-se enterrado na catedral de Rouen, capital da Normandia.
Em seu célebre romance “Ivanhoe”, Sir Walter Scot faz uma breve, mas precisa referência ao reino de Richard I, dizendo, entre outras coisas que, embora a sua fama e coragem, ele teria produzido muito pouco para a Inglaterra, quando comparado às suas façanhas nas Cruzadas.
Assim, a despeito da sua rivalidade, Richard e John conspiraram para manter a coroa na família e a coroação de John ocorreu na abadia de Westminster, em 27 de maio do ano de 1199.



(1) A Bíblia de Winchester é um manuscrito iluminado do Romanesco (ano 1000 até o advento do estilo gótico, no século XIII ou posterior, dependendo da região), produzido em Winchester, entre 1160 e 1175. Com 468 folhas de couro de bezerro, medindo 583 mm por 396 mm, é a maior Bíblia inglesa sobrevivente do século XII e pode ainda ser vista na Biblioteca da Catedral de Winchester, seu lar por mais de oitocentos anos. Seu primeiro registro descreve o manuscrito em dois volumes; com o passar dos anos ela foi reencadernada, primeiro em 1820, dividida em três volumes e, novamente, em 1948, em quatro volumes, encadernada em couro com incrustações a ouro.
(2) O Maine foi outro dos condados da França, pertencentes ao ducado da Normandia e existente desde o século VIII, localizado entre a Normandie, a Bretagne e Anjou. Com a morte de seu pai, Geoffrey, em 1151, pela primeira vez desde que Henry II se tornara Duque da Normandia, todos esses condados ficaram sob o mesmo governante.
(3) Anjou foi um condado a partir de 880, um ducado, a partir de 1360 e uma província, com sede em Angers, no baixo vale do Loire, oeste da França. Anjou foi unido à Coroa Inglesa entre 1151 e 1199, quando Henry II, e mais tarde seu terceiro filho, Ricardo, Coração de Leão, herdou o condado, tornando-se Conde de Anjou.
(4) Brittany (em português Britânia, em francês Bretagne) é hoje uma região administrativa do oeste da França, com uma grande costa entre o Canal da Mancha e o Oceano Atlântico. Sua capital é Rennes e seus habitantes chamam-se bretões. Cerca de 500 DC, os Bretões da então ilha da Bretanha (atual Inglaterra), atacados pelos anglo-saxões, para aí emigraram, trazendo os seus costumes e língua, denominando-a Pequena Bretanha, por oposição ao lugar de onde haviam emigrado.
(5) Aquitaine é hoje uma das 27 regiões da França, a sudoeste, ao longo do Oceano Atlântico e dos Pirineus, na fronteira com a Espanha. Na Idade Média a Aquitaine foi um reino e um ducado, cujos limites flutuaram consideravelmente.

(6) Canterbury, ao tempo dos romanos “Durovernum Cantiacorum” e ao tempo dos Jutes, Cantwaraburh, foi para onde foi enviado Santo Agostinho, pelo Papa Gregório o Grande, para converter o rei Ethelberht of Kent à cristandade, em 595. Após a sua conversão, Canterbury foi escolhida por Santo Agostinho como o centro de uma diocese episcopal em Kent e uma abadia e uma catedral foram aí construídas, sendo o seu primeiro Arcebispo. Em 672, o Sínodo de Hertford deu a Cantebury autoridade sobre toda a igreja inglesa, daí surgindo a importância do relacionamento entre o Rei e os futuros arcebispos. Ele é considerado o "Apóstolo dos ingleses" e o fundador da Igreja da Inglaterra. Não confundir este Santo Agostinho, da Cantuária, com o Santo Agostinho de Hipona, doutor da Igreja, que morreu em 430.
(7) Esses temas foram muito bem abordados no maravilhoso filme britânico de 1968, “The Lion in Winter” (O Leão no Inverno), dirigido por Anthony Harvey, baseado na peça homônima de James Goldman, estrelado por Peter O’Toole, Katharine Hepburn e o “novato” Anthony Hopkins, agraciado com três “Oscars” além de outros prêmios.


Prossegue na Parte 4

domingo, 13 de outubro de 2013

HISTÓRIA DOS REIS DA INGLATERRA A PARTIR DE 1066 (PARTE 2)

O REI WILLIAM

A disputa pela Inglaterra, contudo, não havia terminado. William manteve seu exército em Hastings por uma semana e então marchou pelo sudeste da Inglaterra, via Dover e Canterbury, para a Ponte de Londres. Também aí encontrando forte resistência, prosseguiu pela margem sul do Tâmisa para Wallingford, enviando um destacamento para tomar Winchester, a caminho. Já era novembro e a longa campanha havia solapado a vontade inglesa à resistência. Dover e Southwark haviam sido arrasadas e William tinha agora o controle de Canterbury, o centro religioso da Inglaterra, além de Winchestrer, o assento cerimonial dos reis ingleses. Em Wallingford ocorreram as primeiras submissões, quando o arcebispo Stigand de Canterbury conduziu uma delegação de importantes bispos e nobres do rei que se renderam a Williams, e o guardião de Wallingford, Wigot, abriu-lhe os portões. Perto do Natal, os condes Edwin, Morcar e Waltheof, com o arcebispo Ealdred, de York, também já haviam se rendido, após assegurarem suas posições sob o novo regime.
William foi coroado pelo arcebispo Ealdred, no dia de Natal, na nova abadia-catedral de Edward, em Westminster, como William I da Inglaterra. Significativo pelo fato de aí também ter sido coroado o rei Harold, assim reforçando a continuidade entre o seu e o velho regime de Edward; além disso, não foi coroado por Stigand, cuja legitimidade fora questionada pelo Papa.

A INGLATERRA APÓS WILLIAM

O vitorioso William, agora conhecido como “O Conquistador”, trouxe uma nova aristocracia, da Normandia e outras áreas da França, para a Inglaterra. Também reforçou a aristocracia dos lordes e avançou na reforma da igreja. Ao mesmo tempo, fui cuidadoso ao preservar a poderosa máquina administrativa que havia caracterizado o regime dos últimos reis anglo-saxões.
Robert Curthose, primogênito de William I, Duque da
Normandia, de 1087 a 1106
Com a morte de William, em 1087, suas terras da Normandia e Inglaterra foram divididas, com seu filho mais velho, Robert, ficando com o controle da Normandia, e seu segundo filho, William Rufus, tornando-se rei da Inglaterra, como Williams II.
A posse de Williams II não foi bem aceita por todos, em particular pelo grupo formado por vários barões e o meio-irmão de William o Conquistador, Odo, bispo de Bayeux, que queria seu irmão Robert como governante da Inglaterra e Normandia. Robert da Normandia enviou tropas para apoiar o levante, que foram rechaçadas pelo mau tempo. William II mostrou habilidade política para convencer seu apoio e os rebeldes foram derrotados. Em 1095 ele derrotou outra rebelião, conduzida pelo Conde da Northumbria e, posteriormente, derrotou Robert, numa invasão à Normandia, assim mantendo o poderoso reino de seu pai.
William II da Inglaterra,
1087 a 1100
Lanfranc, um lombardo muito próximo de William o Conquistador, a partir de 1040, foi feito arcebispo de Canterbury em 1070, após a deposição do arcebisbo anglo-saxão Stigand. Por todo o seu arcebispado, Lanfranc foi figura central nas questões seculares e eclesiásticas da Inglaterra. Representou um papel chave ao detectar a “Revolta dos Condes”, ajudar a manter a independência da igreja na Inglaterra e atuar como influência restritiva sobre o rei. Com sua morte, em 1089, as boas relações entre o rei e a igreja tombaram. O novo arcebispo, Anselm, investido pelo rei em março de 1093, era um teólogo e filósofo muito influente, canonizado após sua morte, mas que envolveu-se em disputas com Rufus e seu sucessor Henry I.
Rufus morreu em um acidente de caçada em 1100 e seu irmão mais novo, Henry, rapidamente e com êxito movimentou-se para tomar o trono. Reforçou os laços do regime normando com o passado anglo-saxon, casando-se com Edith (também conhecida como Matilda), a bisneta de Edmund Ironside, rei da Inglaterra.
Henry I da Inglaterra, 1100 a 1135
Em 1106, Henry arrancou o controle da Normandia de seu irmão Robert, a quem manteve prisioneiro a partir daí. Enquanto os conflitos prosseguiam na Normandia, a Inglaterra passou por uma paz bastante duradoura durante o reinado de Henry I.
O único filho legítimo de Henry afogou-se em um naufrágio em 1120 e o rei forçou seus nobres a jurar o reconhecimento de sua filha Matilda como sua herdeira, embora muitos a considerassem inadequada para governar, situação agravada pelo seu casamento com membro da família Anjou, em 1127. Quando Henry I morreu em 1135, a sucessão ainda estava indefinida e o seu sobrinho Stephen of Blois, conde de Boulogne, tirou vantagem da discórdia assegurando apoio para sua própria sucessão a partir de figuras políticas e administrativas chaves da Inglaterra. Ele foi coroado rei por William of Corbel, arcebispo de Canterbury
Matilda, a filha de Henry, desafiou a posição de Stephen e com seu marido, Geoffrey, Conde de Anjou, teve rápido sucesso na Normandia, mas na Inglaterra uma extensa guerra civil desenvolveu-se. O poderoso governo real, que tinha caracterizado o reinado normando, baqueou.
Stephen, rei da Inglaterra
de 1135 a 1154
Em 1153 acordou-se que Stephen reinaria pelo resto de sua vida, mas que seria sucedido pelo filho de Matilda, Henry of Anjou. É possível que o acordo não tivesse sido feito para ser cumprido, mas Stephen morreu ao final de 1154 e Henry foi coroado como Henry II da Inglaterra, o primeiro rei Plantagenet(1), que sucedeu à anarquia e guerra civil do reinado de Stephen. Assim, ele adicionou a Inglaterra às suas extensas terras continentais, que incluíam a Normandia, Anjou e a Aquitânia, herdade de sua esposa Eleanor.

NOVAS CONQUISTAS

Os normandos também se expandiram para a Escócia e País de Gales, embora de uma forma diferente do que a conquista da Inglaterra. Os reis escoceses, a partir de Malcolm Canmore (1058 a 1093), consideraram introduzir o pessoal e as práticas normandas em seu reino, talvez um pouco por respeito à sua observada superioridade cultural, mas certamente a fim de reforçar sua própria posição política. Os reis e religiosos também trouxeram a igreja escocesa mais em linha com aquela da cristandade mais ao sul. Houve períodos significativos de antagonismo entre os reis escoceses e ingleses, mas também períodos da paz, como durante David I da Escócia e Henry I da Inglaterra.
Henry of Anjou, depois Henry II,
rei da Inglaterra de 1135 a 1189
A expansão normanda no País de Gales ainda tomou um rumo diferente, grandemente conduzida pela aristocracia normanda. As incursões tiveram lugar ao longo da fronteira anglo-galesa, mas notadamente ao norte, a partir do condado de Chester e ao sul, onde emergiu o domínio dos lordes Marcher(2), como Pembroke e Ceredigion. Os reis ingleses participaram deste processo e Henry I, em particular, foi ativo no País de Gales. Contudo, com a ascensão de Stephen na Inglaterra, houve uma confirmação do poder independente galês.

A SOCIEDADE E A ARQUITETURA DURANTE O PERÍODO

A economia da Inglaterra vinha se expandindo pelo menos há um século antes da conquista normanda e era caracterizada por mercados crescentes e cidades em expansão. Pelo século XII, uma das maneiras pela qual escritores ingleses depreciaram outros povos, notavelmente galeses e irlandeses, foi descrever suas economias como primitivas, como mercados, câmbio e cidades deficientes.
Eleanor of Aquitaine, esposa de Henry II
Ao mesmo tempo, reis e lordes fora da Inglaterra deliberadamente procuraram estimular a riqueza de outros países, como claramente visto pela introdução da cunhagem e o estabelecimento de burgos por David I da Escócia e seus sucessores. Numa tal economia, havia, claramente, espaço para homens ascenderem pelo aumento de suas riquezas. Ao mesmo tempo, ela permaneceu uma sociedade notavelmente hierárquica, o processo da conquista reforçando o papel da nobreza. O “Domesday Book”(3)  mostrou que 11 membros líderes da aristocracia detinham em torno de um quarto do reino. Outro quarto estava em mãos de menos de 200 outros aristocratas. Tais nobres haviam recebido suas terras por outorga real dando, por sua vez, parte de suas terras a seus próprios seguidores. Essa forma de posse de terra é muitas vezes vista como elemento chave de um sistema “feudal” – uma forma de organização social tida como introduzida pelos normandos após 1066. O processo de conquista e povoamento normandos uniu uma boa variedade da nobreza – com relação à proteção, servico e jurisdição – e ligou-os ao vínculo da posse da terra, ao qual os homens da época se referiam como “feudo” ou “fief”. O poder do domínio dos lords podia resultar no enfraquecimento real e o rompimento do controle politico em grande escala. Foi o que sucedeu durante a guerra civil do reinado de Stephen, entre 1135 e 1154.
O "Domesday Book", o grande levantamento
da Inglaterra feito por William I
Contudo, seria errado ver a aristocracia e o rei, o domínio dos lordes e o reino como necessariamente opostos. Reis e lordes viam-se uns ao outros como companheiros naturais, engajados numa relação mutualmente benéfica.
Os normandos tiveram uma enorme influência no desenvolvimento arquitetônico da Bretanha. Havia, antes, em larga escala, assentamentos fortificados conhecidos como burghs (burgos) e também casas fortificadas na Inglaterra anglo-saxã, mas o castelo foi uma importação normanda. Os números são incertos, mas parece razoável que em torno de 1.000 castelos foram construídos até o reinado de Henry I, quatro décadas após a conquista normanda. Alguns eram apenas torres ou colinas cercadas por grandes muralhas; outros eram imensos, particularmente os castelos-palácios que William construiu em Colchester e Londres. Estes foram as maiores construções seculares em pedra desde o tempo dos romanos, seis séculos antes. Foram uma celebração ao triunfo de William, mas também um sinal da sua necessidade intimidar os conquistados.
Igrejas também foram construídas em grande número e variedade, embora usualmente no estilo romanesco com seus característicos arcos arredondados. As vastas catedrais do final do século XI e início do século XII, colossais quando comparadas aos padrões europeus, enfatizaram o poder dos normandos bem como a reforma da igreja no reino conquistado. Os normandos também continuaram a grande construção de igrejas paroquiais lá iniciadas, ao final do período anglo-saxão. Tais igrejas apareceram também no resto das ilhas britânicas e podem ainda ser vistas em muitos lugares da Escócia. Um lorde podia dispor sua riqueza, poder e devoção, através de uma combinação de castelo e igreja bem próximos, como ainda espetacularmente visível em Durham, nordeste da Inglaterra.

(1) A Casa dos Plantagenet foi uma dinastia real que ganhou proeminência na Idade Média superior e durou até o seu final. Dentro desse período alguns historiadores identificam quatro casas reais: Angevin, Plantagenet, Lancaster e York. O nome da dinastia Plantagenet data do século XV e vem de um apelido de Geoffrey, do século XII. Uma visão retrospectiva comum é de que Geoffrey of Anjou fundou a dinastia através do seu casamento com Matilda, a filha de Henry I da Inglaterra. A partir da ascensão do seu filho Henry II através do Tratado de Winchester que encerrou décadas de uma guerra civil, uma longa linha de reis Plantagenet governou a Inglaterra, até a morte de Richard III, em 1485 (na batalha de Bosworth). Henry II acumulou uma vasta e complexa propriedade feudal através do seu casamento com Eleanor of Aquitaine, que se estendia dos Pirineus à Irlanda e às bordas da Escócia, mais tarde chamado de Império Angevin.
(2) Um lorde Marcher era um nobre poderoso e confiável, indicado pelo rei da Inglaterra para guardar a fronteira entre a Inglaterra e o País de Gales. Esse lorde Marcher é o equivalente ao Marquês da França e, neste contexto, a palavra march significa uma região limite ou fronteira, possuindo a mesma raiz do verbo to march, que significa, também, bordejar. Os maiores lordes Marcher, incluíram os condes de Chester, Gloucester, Hereford e Pembrook.
(3) O Domesday Book, hoje mantido nos Arquivos Nacionais, em Londres, é o resultado do grande levantamento de quase toda a Inglaterra e partes do País de Gales, iniciado em 1085 e completado em 1086, por determinação de William I da Inglaterra, com o objetivo principal de descobrir o que e quanto cada proprietário possuía em terras e criações e qual o seu valor.


Prossegue na Parte 3

domingo, 6 de outubro de 2013

HISTÓRIA DOS REIS DA INGLATERRA A PARTIR DE 1066 (PARTE 1)

INTRODUÇÃO

A minha atração pela Inglaterra, em particular, e pelo Reino Unido, em geral, é facilmente explicável e acho importante que a divulgue. Eu olho para trás e parece que foi ontem, mas foi no já longínquo ano de 1972 que, como engenheiro concursado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, desde 1969, como parte de um grande projeto da UNESCO instalado no Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da UFRGS, fui contemplado com uma bolsa de estudos da mesma organização, para um estágio de aperfeiçoamento na Inglaterra e na França. Esse estágio, iniciado no mês de setembro, teve uma duração de doze meses, muito bem aproveitados, oito dos quais passados na Inglaterra, sediado em Londres, sob os cuidados do British Council, e os demais numa pequena cidade do Maciço Central francês, Brive-La Gaillarde, com o apoio da Electricité de France (EDF).
Na Inglaterra, meu tempo foi dividido entre disciplinas selecionadas de um curso de mestrado em Hidrologia, junto ao "Imperial College of Sciences and Technology", visitas a organizações londrinas ocupadas nas áreas de Hidrologia e Hidráulica e visitas a instituições práticas e de ensino nas áreas de Hidrometria e Modelos Hidráulicos Reduzidos, espalhadas por toda a Inglaterra. Só com essas viagens a serviço, já tive a oportunidade de conhecer locais maravilhosos, já perdidos na memória. Um desses locais, de que nunca me esqueci, foi a cidade de Nottingham, East Midlands da Inglaterra, famosa por suas ligações com o legendário Robin Hood.
Por outro lado, acompanhado da minha esposa e da filha que tínhamos à época, logo que cheguei comprei um pequeno "mini Morris" - que servia muito mais para os pequenos deslocamentos em Londres do que para o trabalho -, associei-me a uma organização de turismo conhecida como "AA" (Automobile Association), que fornecia maravilhosos mapas extraordinariamente bem detalhados, e aproveitamos todos os nossos fins de semana, feriados e os longos feriados de Natal e Ano Novo para viajar por toda a Grã Bretanha. E como viajamos! Apenas para ilustrar, passamos o 31 de dezembro de 1972 numa cidade da Escócia, chamada Inverness, ao norte do famoso Lago Ness, já às margens do Mar do Norte. Além disso, conhecemos a Grã Bretanha de norte a sul e de leste a oeste, vendo por todo o lado maravilhosas construções e belezas naturais indescritíveis, sempre acompanhadas da maravilhosa educação "british", para quem também é bem educado.
Esta, em poucas linhas, a origem do meu amor pela Grã Bretanha. Depois dessa viagem já retornei àquele maravilhoso e tão organizado país, para visitar amigos, numa curta estadia. Mas ainda sonho em retornar para uma viagem mais longa que me permita conhecer muitas outras maravilhas ainda desconhecidas.
Para publicar neste meu "blog" a história sobre o "Rei Arthur", tive que pesquisar muito sobre a a própria história da Inglaterra e minha admiração sobre o país retornou. Naquela publicação, embora o "Rei Arthur" histórico tenha vivido no século V, fiz uma incursão pouco detalhada até a invasão da Inglaterra pela Normandia, porque foi naquela época que os romancistas ressuscitaram o mito do "Rei Arthur" pintando-o com as cores que atualmente conhecemos. Então, para fechar o ciclo da história inglesa, tive a ideia de escrever algo sobre os reis da Inglaterra, daquela época até a atualidade. Sem dúvida, um desafio, pelo tamanho da obra, razão pela qual resolvi escrever um pouco sobre cada rei deste período, apenas incorporando algo sobre a Inglaterra e um ou outro fato mais notável da sua época. Esta a tarefa a que me proponho nesta publicação que será, mais uma vez, feita em capítulos.


INGLATERRA NORMANDA (1066 – 1154)

UM RETROSPECTO À CONQUISTA

A Normandia (em inglês Normandy e em francês, Normandie) da época de que falamos apresenta um significado geográfico e político bem diverso do atual. Àquela época, a Normandia não era habitada nem governada por franceses. A região era então habitada e governada por descendentes dos antigos Vikings que haviam recebido a terra para nela se radicarem, como recompensa por serviços prestados. O Ducado da Normandia foi uma entidade independente entre 911 e 1204 que, geograficamente, corresponde grosso modo à atual região francesa da Normandia. O ducado foi estabelecido em 911, no tratado de Saint-Clair-sur-Epte, que conferiu a Rollo, um líder Viking, o estatuto de conde, de forma a funcionar como um feudo do Rei da França. As suas terras eram compostas pelos condados de Ruão (que se tornou capital), Pays de Caux e Talou, colonizados pelos Vikings. Mais tarde, foram acrescentados outros territórios. O primeiro senhor do ducado da Normandia a ser conhecido como duque foi Ricardo II. Por um século e meio que se seguiu à conquista normanda da Inglaterra em 1066, a Normandia e a Inglaterra foram ligadas por governantes normandos e francos.
A Normandia à época da invasão, no norte da França, em
frente ao Canal da Mancha (English Channel)
Quando William, então duque da Normandia, derrotou Harold Godwinson, ele estava conquistando, na verdade, uma nação de colaboradores. A história da invasão normanda não começou em 1066, mas 50 anos antes, com outra invasão e outro grupo de Norsemen (abreviatura de North Men, “os homens do norte”).
Em 1016, Cnut, rei da Dinamarca, tomou o reino da Inglaterra explorando amargas rivalidades entre o rei Aethelred Unraed, seu filho Edmund Ironside e seus mais próximos conselheiros. A posse de Cnut era esperada: muitos magnatas ingleses tinham se alinhado para tal possibilidade – entre eles, Eadric, mandatário do condado de Mercia, cuja traição na batalha de Ashingdon entregou o trono a Cnut. Eadric, entretanto, não teve a recompensa que esperava. No Natal de 1017 Cnut surpreendeu os ingleses com o assassinato de Eadric, seus partidários e todos os membros da família real de Aethelred em que pode por as mãos. Somente Edward e seus irmãos, os filhos mais jovens de Aethelred, sobreviveram fugindo para a Normandia, onde pediram refúgio ao Duque Richard II, irmão de sua mãe Emma.
No lugar dos magnatas assassinados, Cnut colocou seus próprios homens, dinamarqueses e ingleses, que lhe eram leais. Destes, os mais proeminentes eram os condes Leofric e Godwine, que prosperaram sob o novo regime dinamarquês e com ele aprenderam duas importantes lições: traidores nunca eram confiáveis, mas a colaboração sempre paga. Cnut também assegurou a sua posição casando-se com Emma, assim mantendo uma ligação com o velho regime e assegurando que o Duque da Normandia não viria em favor do despojado Edward.
Edward, o Confessor
Edward passou os 30 anos seguintes sob a proteção de seu tio Richard II e seus sucessores, durante os quais fez muitos amigos, entre eles Eustace da Bolonha e o bretão Ralph the Staller. No seu retorno à Inglaterra, em 1042, como Edward, o Confessor, após a morte de Harthacnut, filho de Cnut, os Godwines haviam prosperado muito. Para equilibrar o arrogante poder da família Godwine, Edward aliou-se com os condes Leofric e Siward, inimigos de Godwine, e promoveu a seus amigos o notório grupo chamado “Frenchmen”, constituído por nobres normandos e franceses como os quais Edward havia compartilhado sua jovem vida de adulto.
Entrementes, a Normandia enfrentava a sua própria crise sucessória. Robert, filho de Richard II, havia morrido em 1035, deixando um filho bastardo de 8 anos, William, como seu herdeiro. Seus anos de formação foram imersos em assassinatos, exílios e guerras civis, dos quais emergiu em 1047, na Batalha de Val-ès-Dunes, como o poder dominante na Normandia, com sua capital em Rouen, um próspero povoado de comércio. William era um homem grande, de aparência e vigor extraordinários, além de cruelmente eficiente e, graças à sua infância, ganhou lealdade pessoal e os inquebrantáveis laços da família, acima de todos os demais. Para tanto, ele promoveu seus dois meio-irmãos a posições chaves. Em 1050 ele casou com Matilda, filha do Conde de Flanders, no que parece ter sido um genuíno jogo de amor. Apaixonado por sua esposa, confiou em seu julgamento o suficiente para deixa-la mais tarde como sua regente na Normandia.
William da Normandia,
conquistador da Inglaterra
Edward ao contrário, já um velho, havia passado a sua vida de adulto esperando pela chance de tornar-se o rei da Inglaterra e, tendo finalmente conseguido, viu seu poder restringido pelos assuntos sobre poderosos de seus predecessores, a ponto de ser forçado a casar-se com Edith, filha de Godwine, num casamento de dinástica conveniência. Dizem os cronistas que tanto desprezou sua esposa que nunca consumou o seu casamento; ao invés disso, “encontrou a Deus”, envolvendo-se em obras piedosas, a mais duradoura delas sendo as bases da Abadia de Westminster. Assim, em 1051, certamente ele sabia que não teria filhos enquanto permanecesse casado com Edith. Para atuar contra os Godwines, Edward usou uma disputa entre Eustace da Bolonha e o Conde Godwine, disparada durante um incidente em Dover. Sob as ordens do Rei, Eustace tentou tomar a cidade. Godwine resistiu e chamado a explicar-se optou por exilar-se com seus filhos ao invés de enfrentar um tribunal tendencioso. Edward imediatamente livrou-se de Edith e, no mesmo ano de 1051, William da Normandia chegou para uma visita à Inglaterra.
As crônica normandas posteriores dizem que nesta visita Edward ofereceu a William a coroa da Inglaterra, fato difícil de acreditar uma vez que ele detinha, na ocasião, a mais poderosa posição que alcançava desde sua posse em 1042. Entretanto também é possível que Edward, não tendo sucessores, tivesse escolhido entregar o futuro do reino nas mãos da família de seu velho amigo e protetor, cuja fecundidade já teria sido provada com o nascimento de Roberto, filho de William. De qualquer forma, a promessa, nesse ponto, era totalmente inútil, embora William não a visse desta forma.
Os Godwines retornaram à Inglaterra em 1052, ainda mais poderosos que antes e os Frenchmen de Edward foram forçados a abandonar o reino. Com a morte de Godwine, em 1053, seu manto foi tomado por seu filho Harold Godwinson. Em 1055, o conde Siward, da Northumbria, morreu enquanto seu filho Waltheof era ainda muito jovem para sucedê-lo; Harold agiu para que seu irmão Tostig assumisse o cargo, reforçando a posição da clã Godwine no reino. Por 1064, era óbvio que Edward morreria sem sucessor, aumentando as chances de Harold vir a tornar-se rei, corajoso, capaz guerreiro e astuto político que era, formando alianças com antigos inimigos necessários a política real do seu mundo.
Entrementes, William havia se tornado tão poderoso que seus antigos aliados haviam se unido contra ele, forçando-o a defender sua posição. Por 1060, Henry I da França e Geoffrey de Anjou haviam morrido deixando débeis sucessores, motivando William a expandir suas posses com um objetivo: a posição vulnerável da Normandia, cercada por três lados, fê-lo dirigir suas ações, de 1062 para diante, na garantia da sua segurança e do patrimônio pessoal dos seus duques.
Ninguém pode garantir por que Harold visitou a Normandia em 1064, mas fontes normandas dizem que ele teria sido enviado por Edward para confirmar a coroa a William, ao passo que fontes inglesas sugerem que ele estaria indo à França, tendo naufragado em seu caminho e acabado na Normandia. Outras ainda sugerem que ele teria visitado William num esforço de negociação para libertar seu irmão Wulfnoth, refém em sua corte. Certo é que Harold aportou na província normanda de Ponthieu, onde foi preso pelo Conte Guy de Ponthieu, instado por William a libertá-lo, no que prontamente atendeu.
A visita terminou com Harold fazendo o seu infame juramento a Williams, eloquentemente descrito pelo historiador anglo-normando Orderic Vitalis: “O próprio Harold havia feito um juramento de fidelidade ao Duque William, em Rouen, na presença de nobres normandos, e após tornar-se seu homem, havia jurado, sobre as mais sagradas relíquias, executar tudo o que lhe fosse solicitado. Após isso, o Duque (William) havia levado Harold para uma expedição contra Conan II, conde da Britânia, e lhe dado esplêndidas armas e cavalos, além de aquinhoá-lo, e aos seus companheiros, com vários outros penhores.” A campanha na Britânia de fato ocorreu e dela Harold saiu consagrado como verdadeiro herói, o que justificaria figuras da "Bayeux Tapestry"(1)  que sugerem que Harold teria sido honrado por atos heroicos durante a campanha, recebendo os presentes e então jurando fidelidade a Williams.
Há muita controvérsia sobre os reais motivos que provocaram todo o episódio relatado, mas o que é certo é que Williams o levou muito a sério, posteriormente proclamando como grande ato de perjúrio o fato de Harold não entregar-lhe a Inglaterra, assim motivando a grande invasão normanda. De fato, Harold, que já pensava como rei da Inglaterra, pode ter feito o que fez, apenas pensando em ver-se de uma vez livre de Williams e poder escapar da perigosa posição em que se encontrava, retornando são e salvo ao seu país, para poder reunir o apoio que necessitava para fazer o seu lance. Em uma passagem carregada de percepção, o cronista Eadmer mostra Edward admoestando Harold em seu retorno: “Eu não lhe disse que conhecia William e que a sua ida poderia trazer inenarrável calamidade sobre este reino?”
Quando em 1065 o povo da Northumbria rebelou-se contra o cruel governo do novo conde Tostig, irmão de Harold, Edward negou-lhe socorro e Harold, ao invés de ajuda-lo, usou a oportunidade para conseguir o apoio do outro grande poder na terra, a família de Leofric. Edwin, neto de Leofric, era então o conde de Mercia e quase tão forte quanto Harold, mas seu irmão Morcar, ainda não possuía um condado. Harold fez um acordo: ele apoiaria Morcar na Northumbria, contra seu próprio irmão Tostig e também contra o herdeiro de direito, Waltheof, se a família de Leofric esquecesse sua velha inimizade com os Godwines e apoiasse as pretensões de Harold ao trono inglês. Tostig fugiu para o exílio jurando vingança contra seu irmão e a cena estava montada para os trágicos eventos de 1066.
OS EVENTOS DE 1066
Harold Godwinson ou
Harold II da Inglaterra

No mesmo ano de 1066 morreu Edward e foi coroado Harold, na Catedral de Westminster, pelo arcebispo Stigand de Canterbury e pelo arcebispo Ealdred de York. Ao mesmo tempo em que William da Normandia reclamava para si o trono inglês, invocando a “promessa” de 1051 e o “juramento” de 1064 - além do fato de que o bisavô de William era o avô materno de Edward; para tanto, invocou a ativa cooperação dos seus nobres na grande aventura que planejava, invadir a Inglaterra e tornar-se o rei inglês. Para tanto, não bastava exigir o apoio dos seus nobres, era necessário convencê-los da ideia, mostrar que tinha a lei e Deus ao seu lado. Para isso, tomou elaboradas medidas para garantir que tinha forte apoio e enviou um diplomata ao Papa, pedindo a sua benção.
William só iniciou os planos para a invasão após a solicitação de Tostig para apoiá-lo numa projetada invasão da Northumbria, a alavanca de que necessitava. Além disso, Tostig atraiu a ajuda do rei norueguês Harald Hardrada, um aventureiro que tentava recriar o reino Viking da Northumbria, mas teve a sua primeira tentativa abortada em maio de 1066, quando Harold convocara o “fyrd”(2)  inglês para estar pronto para a frota de invasão que William havia construído e reunido em Rennes, costa normanda.
Costa da Normandia e acessos
na Inglaterra
Ao invés de atacar, William observava e esperava, fazendo meticulosos preparativos que incluíam a reunião dos grandes magnatas da Normandia, para participar da consagração da nova abadia de sua esposa Mathilda, em St. Etienne, Caen, em 18 de junho de 1066, onde William pediu a benção de Deus ao seu plano de invasão, assegurando que também tinha o respaldo dos homens.
Em agosto, o “fyrd” inglês clamava por sua liberação para que pudessem realizar sua colheita e Harold teve que liberá-los.
A 20 de setembro do mesmo ano, Harald Hardrada e Tostig velejaram rio Ouse acima, com mais de 10.000 homens em 200 navios, para lançar sua tão esperada invasão da Northumbria. Os condes Edwin e Morcar seguiram para enfrenta-los com um exército apressadamente reunido e constituído, principalmente, por seus próprios serviçais pessoais e suas forças foram dizimadas em Fulford, arredores de York.
A foz do rio Ouse. A noroeste York e Fulford, onde as
forças de Edwin e Morcar foram dizimadas
Harold reagiu juntando o que pode encontrar e rumou para o norte reunindo no caminho todos os homens dos condados que conseguiu alistar. Marchou 180 milhas em quatro dias, para surpreender Hardrada e Tostig a leste de York, em Stamford Bridge, a 25 de setembro. Ainda antes da batalha começar, Harold ofereceu a Tostig o seu reino, de volta, se ele trocasse de lado, mas ele rejeitou, pois sustentavam uma forte posição na ponte da praia nordeste do rio Derwent. Quando a ponte tombou, a batalha terminou com a morte de Hardrada e Tostig, a um preço muito alto. O exército de Harold estava cansado e muito judiado e ele havia perdido as forças do Conde da Northumbria e do Conde de Mercia.
Após um ataque cuidadosamente preparado, dois dias após a queda de Stamford Bridge, William finalmente agiu, velejando o Canal da Mancha com uma frota de 700 navios no clássico estilo escandinavo, aportando e fixando seus primeiros acampamentos em Wilting Manor (muitas fontes costumavam citar Pevensey, provavelmente por ser o porto conhecido da costa, à época), à margem de Hastings. Então os normandos pilharam e incendiaram as redondezas para forçar Harold a vir em defesa do povo.
Cenário geral das operações no ano de 1066, na Inglaterra
Harold não hesitou e pôs-se em marcha com seu exército entrando em Londres a 12 de outubro, reunindo as forças que podia para enfrentar William e a 14 de outubro marchou para Hastings com pouco mais de 5.000 homens exaustos e com os pés totalmente feridos pelas caminhadas, para enfrentar a força normanda de 15.000 infantes, arqueiros e cavalaria. Por falta de escolhas, travou uma batalha defensiva. A tática de permitir que os ataques dos normandos se desfizessem contra a exaltada parede inglesa de escudos deu resultado por algum tempo, sem permitir qualquer progresso do lado dos normandos. Houve um momento em que os soldados normandos iniciaram uma debandada, crendo que William havia sido morto, mas quando ele próprio se revelou intacto, a fuga foi contida e, finalmente, a parede inglesa ruiu e com ela os seus chefes. Gyrth e Leofwine, os dois irmãos remanescentes de Harold, são pintados na Bayeux Tapestry, sendo mortos e seguidos por Harold, que aparece sendo frechado no olho e então abatido e pisoteado por quatro cavaleiros normandos. Embora os ingleses ainda tenham lutado bravamente após a queda do seu rei, a causa estava perdida e eles acabaram fugindo durante a noite.
Morte de Harold II, em batalha
O corpo de Harold foi posteriormente recuperado após uma longa busca, mas sua face achava-se tão desfigurada que foi preciso chamar sua amante Edith para identifica-lo. Harold foi incialmente enterrado próximo ao campo de batalha com a lápide: “Aqui jaz Harold, Rei dos ingleses”. Após seu nome ter sido esquecido, pela propaganda normanda, a lápide foi retirada e seu corpo desenterrado e conduzido à abadia de Harold, em Waltham.

(1) The Bayeux Tapestry (Tapeçaria de Bayeux) é uma fazenda bordada – não uma tapeçaria real – com aproximadamente 70 metros de comprimento, que descreve os eventos que conduziram à conquista normanda da Inglaterra, relativa a William, Duque da Normandia, e Harold, Conde de Wessex, mais tarde Rei da Inglaterra, culminando com a Batalha de Hastings. Embora o seu nome, ela foi confeccionada na Inglaterra, na década de 1070, e não em Bayeux, França.
(2) O “fyrd”, desde o tempo dos anglo-saxões, era um exército mobilizado através de homens livres para defender o seu condado, ou a partir de representantes selecionados para se juntarem numa expedição real. O serviço no “fyrd” era, usualmente, de curta duração e os participantes deveriam providenciar suas próprias armas e provisões. A composição desses corpos evoluiu com o passar dos anos, particularmente como uma reação aos ataques e invasões dos Vikings.

Prossegue com a PARTE 2