Homenagem ao lendário herói ancestral dos ingleses que deu título a um dos considerados "Cem Maiores Livros do Mundo" e tido como o mais antigo escrito em "Old English".

quarta-feira, 19 de março de 2014

PEQUENA HISTÓRIA DA CRIMEIA

INTRODUÇÃO

Quando postei, há algum tempo atrás, um artigo sobre a Guerra da Crimeia, nunca imaginei que logo estaria escrevendo outro, ainda de maior interesse, posto que atual. Infelizmente, não poderia ser de outra forma. A situação geopolítica da Crimeia é por demais importante para que a região pudesse passar muito tempo sem sofrer renovadas tentativas de dominação.
Em função da atual crise que envolve Ucrânia, Crimeia, a intervenção russa e, por razões óbvias, apenas o resto do mundo, eu percebi que muito pouco conhecia da história passada da Crimeia e do seu passado recente, principalmente no que se refere à esfera de poder da Rússia sobre aquela península. Então, como sempre faço, sempre que posso, resolvi ler um pouco sobre o assunto, para me informar, principalmente, e passar essa informação aos meus leitores.
Evidentemente, não é nosso objetivo esgotar assunto tão amplo e controvertido, esse que inclui as origens, invasões e dominações sofridas pela Crimeia, por parte de um grande número de impérios e grandes potências do mundo em que vivemos. Também não fazemos aqui análise dos acontecimentos nem críticas a qualquer dos países envolvidos. Queremos apenas informar sobre um pouco da geografia e da história antiga da península famosa, bem como das transformações mais modernas sofridas pela Crimeia, uma região com mais de dois mil anos de história e principal pivô dos últimos incidentes ocorridos na Ucrânia.

LOCALIZAÇÃO GEOGRÁFICA E TERMINOLOGIA

A Crimeia, oficialmente República Autônoma da Crimeia é uma península e uma república autônoma da Ucrânia, situada na costa setentrional do Mar Negro e na costa oeste do Mar de Azov, dominado pela Ucrânia e pela Rússia, fazendo fronteira com a província ucraniana de Kherson Oblast, ao norte. A área da Crimeia é de 26.100 km2, muito pequena se comparada à área da Ucrânia, de 603.628 km2 - incluída a área da Crimeia -, o maior país integralmente dentro da Europa. Sua população em 2007 era de 1.973.185; esses números não incluem a área e a população da cidade de Sebastopol (população de 379.200 habitantes), administrativamente separada da Crimeia.
Ucrânia e Crimeia no contexto da Eurásia
A Ucrânia, por sua vez, possui uma população (2012) de 45.693.300 habitantes, fazendo fronteiras com a Rússia a leste e nordeste, com a Belarus (ex-Bielorrússia) a noroeste, Polônia, Eslováquia e Hungria a oeste e com o Mar Negro e o Mar de Azov, ao sul e sudeste, respectivamente, através da Crimeia. A figura apresenta a localização da Ucrânia, em verde claro, e da Crimeia, em verde escuro, no contexto da Europa e Ásia. Evidentemente, mas apenas para deixar bem claro, em cinza aparecem as terras e em branco os mares e oceanos.
A Crimeia é ligada ao continente, ao norte, pelo istmo de Perekop; na extremidade oriental fica a península de Kerch, diretamente oposta à península Taman, em território Russo. Entre essas duas penínsulas situa-se o estreito de Kerch, com larguras variáveis entre 3 e 13 km, apenas, separando a Ucrânia da Rússia, ligação entre o Mar de Azov e o Mar Negro. A cidade de Yalta, que tornou-se famosa por ter acolhido a Conferência de Paz do mesmo nome, ao final da segunda guerra mundial, fica localizada ao sul da Crimeia, às margens do Mar Negro, como aparece na figura.
Yalta, sede da conferência de paz
da 2a. Guerra Mundial
A Crimeia possui uma maioria étnica predominantemente russa (58%) e ucraniana (24%); além disso, a região apresenta uma alta percentagem de muçulmanos. A República da Crimeia inclui, aproximadamente, toda a península da Crimeia ao norte do Mar Negro, com a pequena exceção da cidade de Sebastopol. É exatamente nessa situação geográfica privilegiada que reside todo o interesse estratégica da Crimeia, do qual ainda falaremos.
Entende-se por república autônoma, um tipo de divisão administrativa semelhante a uma província. Um número significativo de repúblicas autônomas pode ser encontrado nos estados sucessores da antiga União Soviética (como no Azerbaijão, Georgia, Ucrânia, Uzbequistão e Moldávia), mas a maioria está localizada dentro de Rússia (21 repúblicas autônomas só na Rússia). Muitas destas repúblicas foram estabelecidas durante o período soviético, como Repúblicas Autônomas da União Soviética, ou RASSs.
Não queremos nos afastar demais do tema principal, para não perder o foco, mas é preciso que esclareçamos aos leitores menos informados os termos União Soviética e Rússia.
A União das Repúblicas Soviéticas Socialistas (URSS em português), foi um estado socialista na Eurásia (massa de terra continental combinada da Europa e da Ásia), que existiu entre 1922 e 1991, governado como um estado de um só partido, pelo Partido Comunista, tendo Moscou como sua capital. Uma união de múltiplas Repúblicas Soviéticas subnacionais, seu governo e economia eram muito centralizados. A confusão nessa terminologia, para o público brasileiro, principalmente, vem do fato de que tal estado tem o seu próprio nome, em russo – para a maioria, impossível de ler ou pronunciar –, em inglês – muito difundido -, e em português. Começando pelo nosso próprio idioma, a união das iniciais do nome do estado, já nos fornece uma palavra muito próxima de Rússia (URSS), pelo qual foi muito tempo, e erradamente, conhecida por nós brasileiros ou, mais acertadamente, União Soviética. O mesmo nome, em russo, na ordem em que as palavras são escritas, daria a sigla abreviada CCCP (que aparece nos documentos em russo); em inglês essa mesma sigla é conhecida por USSR. A União Soviética teve suas origens na revolução russa de 1917 que depôs a autocracia imperial. Não confundir esta, com a segunda revolução que lhe seguiu, liderada por Vladimir Lenine, que acabou transformando-se numa guerra civil entre Vermelhos, partidários da revolução e Brancos, contrarrevolucionários, com a vitória dos comunistas e a formação definitiva da União Soviética. Mas isto é assunto de uma outra postagem, já em preparação e, para os nossos objetivos, o exposto já esclarece suficientemente.
A Rússia atual, por outro lado, também conhecida oficialmente por Federação Russa, é um país situado na Eurásia norte, uma república federal semipresidencial, compreendendo 83 súditos federais. Do noroeste ao sudeste, a Rússia faz fronteiras com Noruega, Finlândia, Estônia, Lituânia, Polônia, Belarus, Ucrânia, Georgia, Azerbaijão, Cazaquistão, China, Mongólia e Coreia do Norte, além de possuir fronteiras marítimas com o Japão e os Estados Unidos (pelo estado do Alasca). A Rússia, tal como é hoje, é praticamente um retorno ao passado quando, após a revolução russa, surgiu como República Socialista Federativa Soviética Russa (Rússia Soviética, Federação Russa ou simplesmente Rússia), um estado soberano e a maior, mais populosa e economicamente a mais desenvolvida república da União Soviética, acima descrita. Ela ressurgiu como uma consequência do colapso da União Soviética, em 25 de dezembro de 1991, quando foi rebatizada como Federação Russa, que permanece até hoje. Esse nome e Rússia foram especificados como os nomes oficiais do Estado, em 21 de abril de 1992, na emenda à constituição existente, e mantidos como tal na Constituição Russa de 1993.
Como república autônoma, a Crimeia é uma república parlamentar autônoma dentro da Ucrânia, governada pela constituição da Crimeia de acordo com as leis da Ucrânia. A capital e o assento administrativo do governo da república é a cidade de Simferopol, localizada no centro da península.

HISTÓRIA DA CRIMEIA

HISTÓRIA ANTIGA

Na antiguidade a Crimeia chamava-se Taurica e foi habitada por uma grande variedade de povos. Desde 700 A.C., a península trocou de mãos múltiplas vezes, tendo sido controlada por cimérios, búlgaros, gregos, cíntios, romanos, godos, hunos, kazars, Kievan Rus (antiga federação eslava do leste), gregos bizantinos, venezianos, genoveses, quipchaqs (federação tribal turca), turcos otomanos, tatars, mongóis, russos, alemães e modernos ucranianos. Em tempos mais modernos, a partir de 1783, toda a Crimeia foi anexada ao Império Russo.
Em 1853, conforme artigo já postado em nosso blog, a Guerra da Crimeia foi deflagrada e, sem entrar aqui em maiores detalhes, podemos sumarizar o evento apontando como causa maior o domínio do Mar Negro. A importância estratégica da Crimeia não pode ser negada por ninguém, pois ela é a frente avançada para o Mar Negro, o estreito de Bósforo, o mar de Mármara e o estreito de Dardanelos, todos em territórios turcos e o grande objetivo final, o Mar Mediterrâneo, com sua ligação marítima para toda a Europa, África e a saída para o Atlântico. Sem esquecer a ligação com o Oceano Índico, através do canal de Suez e tudo o que segue.
Situação geopolítica da Crimeia

A CRIMEIA NOS SÉCULOS XX E XXI

Durante a Guerra Civil Russa que seguiu-se ao término do Império Russo czarista, a Crimeia trocou de mãos algumas vezes e foi um baluarte do Exército Branco antibolchevista. Foi na Crimeia que os russos brancos liderados pelo general Wrangel tiveram sua última resistência contra as forças anarquistas de Nestor Makno e o Exército Vermelho, em 1920. Como consequência dessa resistência, cerca de 50.000 prisioneiros de guerra russos brancos foram sumariamente executados, por fuzilamento ou enforcamento, após a derrota do General Wrangel, ao final do mesmo ano, considerado um dos maiores massacres da Guerra Civil Russa.
Em outubro de 1921, foi criada a República Soviética Socialista Autônoma da Crimeia (RSSAC), como parte da Federação Russa, tornando-se então parte da União Soviética (muito conhecida dos ocidentais como “Cortina de Ferro”). A Crimeia experimentou, nesse período, duas extremas crises de alimentos: a Fome de 1921-1922 e o Holodomor de 1932-1933. 
Em maio de 1944 toda a população de tatars da Crimeia foi deportada ao exílio na Ásia Central, por ordem de Stalin como forma de punição coletiva na suposição de que eles teriam colaborado com as forças de ocupação nazista e formado legiões tatar antissoviéticas; estima-se que 46% dos deportados morreram de fome e doenças. Em 26 de junho do mesmo ano, as populações armênia, búlgara e grega foram também deportadas para a Ásia Central. Ao final do verão de 1944 a “purificação étnica” da Crimeia havia sido completada. Em 1967 a Crimeia dos tatars foi reabilitada mas eles foram proibidos de legalmente retornar à sua terra natal até os últimos dias da União Soviética. Em 30 de junho de 1945 a RSSAC foi abolida (ainda sob Stalin) e transformada em Província da Crimeia, pertencente à Federação Russa. Em fevereiro de 1954, o Presidium do Conselho Supremo da União Soviética decretou a transferência da Província da Crimeia, da Russia para a República Socialista Soviética da Ucrânia, como um “gesto simbólico” que marcou o 300º aniversário da Ucrânia como membro do Império Russo, quando o Secretário Geral do Partido Comunista era o ucraniano Nikita Khrushchev. Atendendo a um referendo de 20 de janeiro de 1991, a Província da Crimeia foi elevada à categoria de República Socialista Soviética Autônoma (RSSA) em fevereiro de 1991, pelo Conselho Supremo da Ucrânia.
Com o colapso da União Soviética, a Crimeia tornou-se parte da recém independente Ucrânia, criando tensões entre esta e a Rússia. Com a frota do Mar Morto estacionada na Península, surgiam ocasionais preocupações de escaramuças armadas. Os tatars da Crimeia começaram a retornar de seu exílio e se restabelecer na Crimeia.
Em fevereiro de 1992 o Parlamento da Crimeia renomeou o seu status, de RSSA, para República da Crimeia, proclamando-se autogovernada em 5 de maio de 1992, a ser aprovado por referendo que aconteceria em 2 de agosto do mesmo ano, passando no mesmo dia a primeira constituição da Crimeia. Em 6 de maio de 1992 o mesmo Parlamento inseriu uma nova sentença à constituição, declarando que a Crimeia era parte da Ucrânia. Em 19 de maio, a Crimeia concordou em permanecer como parte da Ucrânia, mas comunistas da Crimeia forçaram o governo ucraniano a expandir o já extenso estado autônomo da Crimeia. No mesmo período, os presidentes Boris Yeltsin, da Rússia, e Leonid Kravchuk, da Ucrânia, concordaram em dividir a então Frota Soviética do Mar Negro entre a Rússia e a recém formada Marinha ucraniana.
Em outubro de 1993, o Parlamento da Crimeia estabeleceu o posto de Presidente da Crimeia e concordou com uma cota de representantes dos tatars da Crimeia no Conselho dos 14. Mas a desordem política prosseguiu. Emendas à constituição acalmaram o conflito, mas em março de 1995 o Parlamento da Ucrânia interveio, fragmentando a Constituição da Crimeia e removendo seu presidente, Yury Meshkov, com seu gabinete, por suas ações contra o Estado, promovendo a integração com a Rússia. Após uma constituição provisória, a atual foi colocada em efeito, com a alteração do nome do território para República Autônoma da Crimeia.
Como consequência do Tratado de Amizade, Cooperação e Parceria, de maio de 1997, e a divisão da frota do Mar Negro, as tensões internacionais se acalmaram lentamente. Contudo, em setembro de 2006, protestos anti-NATO (Organização do Tratado do Atlântico Norte) irromperam na península. Em setembro de 2008 o ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, Volodymyr Ohryzko, acusou a Rússia de distribuir passaportes russos à população da Crimeia e descreveu o problema como real, dada a declarada política russa de intervenção militar no estrangeiro para proteção de cidadãos russos.
Em 24 de agosto de 2009, demonstrações antiucranianas surgiram na Crimeia por residentes russos. Sergei Tsekov (do bloco russo e então deputado orador do parlamento da Crimeia) disse esperar que a Rússia desse à Crimeia o mesmo tratamento de apoio concedido à Ossetia do Sul (em conflito com a Georgia em 2008) e Abkhazia (em conflito com a Georgia em 1992). O caos instalou-se no parlamento ucraniano durante um debate sobre a extensão da saída numa base naval russa em 27 de abril de 2010, após o parlamento ter ratificado o tratado sobre a extensão da saída da Rússia de ancoradouros navais e instalações de praia no porto de Sebastopol e outras localidades da Crimeia até 2042 com renovações opcionais de 5 anos. O tratado foi ratificado pelo parlamento ucraniano e pela Duma do Estado Russo (que substituiu o Conselho Supremo Russo após a crise constitucional russa de 1993).

A CRISE DE 2014 NA CRIMEIA E A INTERVENÇÃO MILITAR RUSSA

Daqui para a frente, são fatos atuais conhecidos da maioria bem informada. Por isso, apenas faremos uma juntada resumida dos acontecimentos, para completar a narrativa que nos propusemos fazer sobre a história da Crimeia.
A revolução ucraniana de 2014 começou com uma agitação civil em Kiev, Ucrânia, como parte do protesto em andamento pela integração à União Europeia, contra o governo. Esse movimento iniciou em 21 de novembro de 2013 e teve um período de relativa calma nas demonstrações antigovernamentais que terminou em 18 de fevereiro de 2014 quando manifestantes e a polícia finalmente se defrontaram. O conflito cresceu rapidamente, causando a morte de 82 pessoas nos poucos dias seguintes, incluindo 13 policiais, e mais de 1.100 feridos.
Em 22 de fevereiro, após a confirmação do controle de Kiev por parte dos manifestantes e a fuga do presidente Yanukovych para o leste da Ucrânia, o parlamento ucraniano ratificou o seu “impeachment”, nomeando seu porta-voz, Oleksandr Turchynov, como presidente interino, em 23 de fevereiro. Em 24 de fevereiro o novo governo emitiu uma ordem de prisão para Yanukovych que fugira para a Rússia e era procurado na Ucrânia pela morte dos manifestantes. Na Crimeia, durante os dias que se seguiram, políticos nacionalistas russos e ativistas organizaram manifestações que convocavam a Rússia a defender a Crimeia do resto da Ucrânia.
Em 26 de fevereiro de 2014, milhares de protestantes pró-Rússia e pró-Ucrânia chocaram-se em frente ao parlamento, em Simferopol, sob o pretexto maior da abolição, em 23 de fevereiro recém passado, da “lei das linguagens das minorias”(1) , incluindo a russa. Tal decisão, que faria com que a Ucrânia tivesse apenas um idioma oficial, ainda não fora confirmada pelo presidente provisório da Ucrânia.
Em 28 de fevereiro de 2014, forças terrestres russas ocuparam aeroportos e outros pontos estratégicos da Crimeia, fato que o Governo Provisório da Ucrânia descreveu como invasão e ocupação da Crimeia por forças russas. Contudo, as tropas russas achavam-se estacionadas na Crimeia por mais de uma década, por um acordo com a Ucrânia, embora o número das forças presentes constituísse uma violação dos acordos do tratado Ucraniano-Russo. Homens armados - militantes armados ou forças especiais da Rússia – ocuparam o parlamento da Crimeia onde, sob guarda armada e com as portas trancadas, membros do parlamento aparentemente elegeram Sergey Aksyonov como novo Primeiro Ministro da Crimeia. O novo Primeiro Ministro declarou que só ele mantinha o controle das forças de segurança da Crimeia e que havia apelado à Rússia “para assistência na garantia da paz e calma” na península. O governo central ucraniano não reconhece a administração Aksyonov, considerando-a ilegal. O presidente ucraniano expulso, Viktor Yanukovych enviou carta a Putin pedindo uso da força militar na Ucrânia para restaurar a força e a ordem. O ministro russo das relações exteriores declarou que “o movimento de veículos blindados da frota do Mar Negro na Crimeia (...) acontece em total harmonia com os acordos básicos Russo-Ucranianos na frota do Mar Negro”.
Em 1º de março o parlamento russo concedeu ao Presidente Putin autoridade para uso de força militar na Ucrânia. Tal movimento foi condenado por várias nações ocidentais alinhadas com o ocidente. No mesmo dia o presidente em exercício da Ucrânia, Oleksndr Turchynov, censurou publicamente a indicação do Primeiro Ministro de Crimeia como inconstitucional, embora a Rússia tenha o controle de fato do território.
Em 3 de março foi relatado que o comandante russo da frota do Mar Negro deu à Ucrânia um prazo final - madrugada do dia 4 de março – para entrega do controle da Crimeia ou enfrentar um assalto das tropas russas que ocupam a área; contudo, agências de notícias indicaram um porta-voz da frota que negou que um ultimato tivesse sido emitido; nada aconteceu no prazo final.
Em 4 de março, várias bases e navios da marinha ucraniana na Crimeia relataram intimidação por forças russas, embora sem violência. Em uma manifestação, soldados ucranianos na base aérea de Belbek marcharam sem armas de suas barracas para as linhas russas, onde foram parados por sentinelas que deram tiros de advertência e os cercaram, todo o episódio registrado por jornalistas. Navios de guerra ucranianos também foram efetivamente bloqueados no seu porto de Sebastopol.
Em 6 de março, membros do Parlamento da Crimeia solicitaram ao governo russo a anexação do seu território à Federação Russa, através de um referendo popular a ser realizado em 16 de março. O governo central ucraniano, União Europeia e Estados Unidos contestam a legitimidade da solicitação e do referendo. O artigo 73 da Constituição da Ucrânia estabelece: “Alterações relativas ao território da Ucrânia serão resolvidas exclusivamente através de Referendo de todos os ucranianos”. Monitores internacionais chegaram na Ucrânia para avaliar a situação na Crimeia, mas foram impedidos por militantes armados na fronteira da Crimeia. Forças russas despacharam o cruzador Ochakov para Novoozerne, municipalidade de Yevpatoria, na costa noroeste da Crimeia, bloquear os navios da armada ucraniana no seu porto de Donuzlav Lake, locais que pertencem tanto à Ucrânia quanto à Crimeia.
Em 7 de março as forças russas despacharam um segundo navio para garantir o bloqueio do porto de Donuzlav Lake. No mesmo dia, o parlamento da Crimeia liberou as questões da cédula para o referendo de março, com as seguintes questões:

1) “Você apoia a junção da Crimeia com a Rússia como súdito da Federação Russa?”
2) “Você apoia a restauração da Constituição de 1992 da República da Crimeia e o status da Crimeia como parte da Ucrânia?”

Somente as cédulas com exatamente uma resposta positiva serão consideradas válidas. Na cédula não foi considerada a opção de manutenção do “status quo”, bem diferente da opção 2, visto que a atual constituição da Crimeia vigora desde 1999 e o artigo 135 da constituição ucraniana determina que a constituição da Crimeia deve ser aprovado pelo parlamento ucraniano.
Em 18 de março, tendo em vista o resultado proclamado do referendo de 16 de março, o Kremlin reivindicou a posse da Crimeia como parte da Federação Russa. O governo da Ucrânia, a União Europeia e os Estados Unidos não concordam com a declaração do Kremlin. Nessa mesma data, militantes armados da Crimeia renderam uma guarnição da marinha ucraniana, estacionada no porto de Sebastopol, sem resistência de qualquer forma, embora um soldado ucraniano tenha sido morto no conflito.
Pode-se notar facilmente, o evento promete desdobramentos com consequências imprevisíveis. Sanções econômicas impostas pela União Europeia e Estados Unidos, contra a Rússia, já estão em prática. O presidente Putin, da Rússia, por outro lado, não dá demonstrações de estar sendo intimidado por tais providências e toma medidas cada vez mais fortes em direção à anexação da Crimeia pela Rússia. A ONU se movimenta para tentar a solução diplomática do impasse; entretanto, a única organização internacional com poder de força é o Conselho de Segurança da ONU, do qual a Rússia é membro permanente, com poder de veto à qualquer medida proposta.

A nós, como expectadores, resta torcer para que ainda tenha sobrado um pouco de juízo, responsabilidade e boa vontade nas cabeças dos principais líderes mundiais envolvidos e seus conselheiros, embora o passado tenha deixado, neste aspecto, muito a desejar.

(1) A legislação sobre os idiomas, na Ucrânia, é baseada em sua constituição, obrigações internacionais e na lei de 2012 “Sobre os Princípios da Política do Estado na Língua”. Essa lei tinha como objetivo dar à língua da minoria russa ou qualquer outra minoria, o status de uma “língua regional”, aprovando seu uso em cortes, escolas e outras instituições governamentais em território da Ucrânia, onde a percentagem de representantes das minorias nacionais excedesse 10% da população total de um distrito administrativo definido. Na prática, tratava-se principalmente das regiões sul e leste do país, com predominância de pessoas falando russo.