Homenagem ao lendário herói ancestral dos ingleses que deu título a um dos considerados "Cem Maiores Livros do Mundo" e tido como o mais antigo escrito em "Old English".

quarta-feira, 25 de março de 2015

AS TRÊS PRIMEIRAS GRANDES CIVILIZAÇÕES MUNDIAIS: EGITO (PARTE 03)

III.5 - REINO MÉDIO (2055 – 1650 AC)


O Reino Médio do Egito, também conhecido como o Período da Reunificação, é o período da história do Antigo Egito entre 2000 e 1700 AC. Englobou parte da Décima Primeira Dinastia (primeira fase), que governou com sede em Tebas, e toda a Décima Segunda Dinastia (segundo fase), quando o governo esteve centrado em El-Lisht, período em que Osiris tornou-se a mais importante deidade da religião popular.
Mentuhotep II, unificador do Egito
Os faraós do Reino Médio recuperaram a prosperidade e estabilidade do país, estimulando uma ressurgência da arte, literatura e monumentais projetos de construção. Mentuhotep II e seus sucessores da Décima Primeira Dinastia governaram de Tebas, nome grego da cidade do Egito antigo (Waset), localizada a 800 km ao sul do Mediterrâneo, margem ocidental do Nilo, hoje na moderna cidade de Luxor. Com tais providências, a população, artes e religião da nação floresceram. Em contraste com as elitistas atitudes do Reino Antigo, em relação aos deuses, o Reino Médio experimentou um crescimento nas expressões de piedade pessoal e numa espécie de democratização da “vida após a morte”, em que todas as pessoas possuíam uma alma e eram bem vindas à companhia dos deuses, após a morte. A literatura do Reino Médio apresentou temas e caracteres sofisticados escritos em estilo confiante e eloquente. As esculturas em relevo e de retrato, do período, capturavam detalhes sutis e individuais que alcançavam novos níveis de perfeição técnica.
Localização de Tebas
Mentuhotep II comandou campanhas militares ao sul, até a Segunda Catarata, na Núbia, que havia ganho sua independência durante o Primeiro Período Intermediário. Também restaurou a hegemonia egípcia sobre a região do Sinai, que havia sido perdida pelo Egito desde o final do Reino Antigo. Para consolidar sua autoridade, ele restaurou o culto ao governante, se autodescrevendo como deus em vida, vestindo o ornato de cabeça dos deuses Amun e Min. Morreu após um reinado de 51 anos, passando o trono ao seu filho Mentuhotep III.
Mentuhotep III reinou por doze anos prosseguindo a consolidação do governo de Tebas sobre todo o Egito, construindo uma série de fortes no Delta oriental para proteger o Egito contra ameaças da Ásia. Enviou a primeira expedição a Punt utilizando navios especialmente construídos para esse fim, pelo Mar Vermelho. Mentuhotep III foi substituído por Mentuhotep IV cujo nome é omitido das listas antigas de reis egípcios, já que papiros antigos declaram que após Mentuhotep III “vieram sete anos sem reis”. A despeito dessa ausência, seu reino é atestado por algumas inscrições no wadi Hammamat[1], que registra expedições à costa do Mar Vermelho e a jazidas de pedras para os monumentos reais, cujo líder era o vizir Amenemhat, futuro faraó Amenemhet I, primeiro rei da 12th Dinastia.
A ausência de Mentuhotep IV da lista de reis criou a teoria de que Amenemhet I usurpou o seu trono. Embora não hajam relatos contemporâneos dessa desavença, alguma evidência circunstancial aponta para a existência de uma guerra civil ao final da 11th Dinastia, entre dois reivindicantes ao trono. O que é certo é que, tendo galgado o poder, Amenemhet I não era de nascimento real.
Ao assumir o reino no início da Décima Segunda Dinastia, cerca de 1985 AC, Amenemhet I mudou a capital para a cidade de Itjtawy (Dominador das Duas Terras), próxima de Memphis e el-Lisht, imediatamente ao sul do vértice do delta do Nilo. De Itjtawy, os faraós da Décima Segunda Dinastia empreenderam um previdente projeto de recuperação de terras e esquema de irrigação para aumentar os resultados agrícolas da região. A partir dessa dinastia, os reis mantiveram exércitos permanentes bem treinados que incluíam contingentes núbios, com os quais reconquistaram territórios na Núbia, ricos em jazidas e minas de ouro, enquanto operários construíam uma estrutura defensiva no delta oriental, chamada “Muralhas do Governante”, contra ataques estrangeiros. Contudo, o Reino Médio foi basicamente defensivo em sua estratégia militar, com fortificações construídas na Primeira Catarata do Nilo, na região do Delta e no istmo do Sinai.
Para reforçar sua posição, Amenemhet exigiu registro das terras, modificou os limites das nomes, indicou nomarcas diretamente, mas aquiesceu com o sistema, para aplacar os representantes que apoiavam o seu governo, imprimindo ao Reino Médio o caráter de uma organização mais feudal do que o Egito havia tido antes ou teria posteriormente.
Em seu 20º ano de reinado, Amenemhat estabeleceu seu filho Senusret I como corregente, estabelecendo uma prática que seria usada repetidamente pelo resto do Reino Médio e durante o Reino Novo.
Com o provável assassinato de Amenemhet, em conspiração palaciana, em seu 30º ano de reinado, Senusret I assumiu o poder. Durante o seu reinado, os exércitos egípcios avançaram para o sul até a Segunda Catarata, na Núbia, construindo um forte de fronteira em Buhen e incorporando toda a baixa Núbia como uma colônia egípcia. Estendeu contatos comerciais na Palestina síria, até Ugarit. Em seu 43º ano de reinado, Senusret I indicou Amenemhet II como corregente e morreu três anos após.
O reino de Amenemhet II foi caracterizado como muito pacífico, mas seus registros diários lançam dúvidas sobre esta informação, muitas vezes falando em tratados de paz com certas cidades sírio-palestinas e conflitos com outras. Não parece que Amenemhet II tenha perseguido a política de seus antecedentes na nomeação de nomarcas, preferindo retornar à hereditariedade. Em seu 33º ano de reinado, ele indicou seu filho, Senusret II, como corregente.
Não existe evidência de atividades militares durante o reinado de Senusret II, mas ele parece ter focado em questões domésticas, particularmente a irrigação de Faiyum. Esse projeto visava a conversão do oásis numa produtiva faixa de terra cultivada. Acabou por construir sua pirâmide na localidade de el-Lahun, próximo da junção do Nilo com o principal canal de irrigação de Faiyum. Reinou somente por 15 anos, evidenciados pela natureza incompleta de muitas de suas construções. Sucedeu-o no trono, seu filho, Senusret III.
Senusret III era um rei guerreiro que muitas veze foi ao campo de batalha. Em seu sexto ano de reinado ele redragou um canal do Reino Antigo, próximo da Primeira Catarata, para facilitar a viagem para a Núbia superior. Usou esse canal para lançar uma série de brutais campanhas na Núbia no sexto, oitavo, décimo e décimo sexto anos de seu reinado. Após essas vitórias, Senusret construiu uma série de fortes maciços pelo país, para estabelecer o limite formal entre as conquistas egípcias e a Núbia não conquistada, em Semna, entre a Segunda e Terceira Cataratas. O pessoal desses fortes era encarregado de enviar relatórios frequentes, para a capital, sobre os movimentos e atividades dos nativos núbios locais, que não podiam navegar para o norte da fronteira nem penetrar por terra com seus rebanhos; mas podiam viajar para fortes locais para comerciar. Após isso, Senusret fez mais uma campanha, em seu 19º ano, mas foi obrigado a retornar devido aos níveis anormalmente baixos do Nilo, que punham em risco os seus navios. Um de seus soldados registrou também uma campanha na Palestina, provavelmente contra Shechem, única referência a uma campanha militar contra um local da Palestina, em toda a literatura do Reino Médio.
O poder dos nomarcas caiu substancial e definitivamente durante o seu reinado, embora não haja registro de que Senusret tenha tomado qualquer ação direta contra eles. A duração do seu reino permanece uma questão aberta. Seu filho Amenemhet III começou a reinar após o 19º ano de seu pai, o que tem sido considerado como a data máxima atestada; contudo uma referência ao ano 39º, num fragmento encontrado nas ruínas da construção do templo mortuário de Senusret, tem sugerido a possibilidade de uma longa corregência com seu filho.
O reinado de Amenemhet III, o último grande governante deste período, marcou o pico da prosperidade econômica do Reino Médio. Ele permitiu a entrada de colonos canaanitas de língua semita, do Oriente Próximo, para fornecer força de trabalhos para sua mineração ativa e campanhas de construção. Reforçou as defesas de seu pai na Núbia e prosseguiu com as obras de recuperação de terra de Faiyum. Após um reinado de 45 anos, Amenemhet III foi sucedido por Amenemhet IV, cujo reino foi pobremente documentado.
Busto de Sobekneferu, museu do Louvre
Claramente, nessa época o poder dinástico começou a enfraquecer, por várias razões, entre as quais as ambiciosas atividades de mineração e construção. Por outro lado, registros da época indicam que o fim do reinado de Amenemhet III foi seco e os fracassos das colheitas podem ter ajudado a desestabilizar a dinastia. Além disso, o reinado extraordinariamente longo de Amenemhet III deve ter criado problemas de sucessão. Esse argumento talvez explique porque Amenemhet IV foi sucedido por Sobekneferu, a primeira rainha do Egito historicamente comprovada, que reinou apenas por quatro anos.
Após a morte de Sobekneferu, sem herdeiros, o trono pode ter passado para Sekhemre Khutawy Sobekhotep, embora em estudos anteriores, Wegaf, que tinha anteriormente sido o Grande Supervisor das Tropas, possa ter reinado em seguida. Começando com este reino, o Egito foi governado por uma série de reis efêmeros por cerca de dez ou quinze anos. Fontes egípcias antigas consideram estes como os primeiros reis da 13ª Dinastia, embora o termo dinastia seja enganoso já que a maioria dos reis da 13ª Dinastia não era aparentada.
Localização de Avaris, no Delta do Nilo, Baixo Egito
Após o caos dinástico inicial, uma série de reis de reinados maiores e melhor comprovados, reinaram entre 50 a 80 anos. O mais forte rei deste período, Neferhotep I, governou por onze anos e manteve efetivo controle do Alto Egito, Núbia e o Delta, com as pequenas possíveis exceções de Xois e Avaris (duas cidades antigas do Delta). Neferhotep I foi reconhecido até como o suserano do governador de Byblos (Delta Ocidental), indicando que a 13ª Dinastia conseguiu reter muito do poder da 12ª Dinastia, pelo menos até esse reinado. Em algum ponto da 13ª Dinastia, Xois e Avaris se tornaram independentes; os governantes de Xois constituíram a 14ª Dinastia e os governantes asiáticos de Avaris constituíram os Hicsos da 15ª Dinastia. Essa última revolta ocorreu durante o reinado do sucessor de Neferhotep I, Sobekhotep IV, embora sem evidência arqueológica. Sobekhotep IV foi seguido pelo curto reinado de Sobekhotep V, que foi sucedido por Wahibre Ibiau que reinou por dez anos e então por Merneferre Ai que teve um reino de vinte e três anos, o mais longo da 13ª Dinastia; ambos parecem ter dominado pelo menos partes do Baixo Egito. Após Merneferre Ai, contudo, nenhum rei deixou seu nome em qualquer objeto fora do Sul. Este foi o início da porção final da 13ª Dinastia, quando os reis do Sul continuaram a reinar sobre o Alto Egito, mas quando a unidade do Egito se desintegrou totalmente, o Reino Médio deu lugar ao Segundo Período Intermediário.

III.6 – SEGUNDO PERÍODO INTERMEDIÁRIO (1650-1550 AC) E OS HICSOS

O segundo Período Intermediário marca o período em que o Antigo Egito caiu em desordem pela segunda vez, entre o final do Reino Médio e o início do Novo Reino, mais conhecido como o período em que os Hicsos surgiram no Egito e cujo reino compreendeu a 15ª Dinastia.
Retendo o assento da 12ª Dinastia, a 13ª Dinastia reinou de Itjtawy e tornou-se notável pela ascensão do primeiro rei semita formalmente reconhecido, Khendjer. A 13ª Dinastia provou ser incapaz de manter a integridade do Egito e uma família provincial reinante, de descendência canaanita, em Xois, abandonou a autoridade central para formar a 14ª Dinastia, como vimos acima.
A 15ª Dinastia do Egito data de aproximadamente 1650 a 1550 AC, foi a primeira dinastia dos Hicsos (em egípcio, governadores estrangeiros), reinou de Avaris – como mencionado anteriormente – e não conseguiu controlar todo o país. Os Hicsos preferiram permanecer no norte do Egito, uma vez que haviam invadido do nordeste; mantiveram os modelos de governo e se identificaram com os faraós, assim integrando elementos egípcios em sua cultura. Junto com outros invasores semitas, introduziram novos artefatos de guerra no Egito, notadamente o arco composto (arco tradicional feito de chifre, madeira e tendão laminados juntos, o chifre para o lado do arqueiro) e o carro puxado por cavalos. Os nomes e a ordem dos reis dessa dinastia é incerta. A Lista dos Reis de Turim[2] indica que foram seis reis Hicsos, com um obscuro Khamudi listado como o último rei da 15ª Dinastia. Os governantes conhecidos da 15ª Dinastia são os seguintes:

· Salitis
· Sakir-Har
· Khyan
· Apophis, cerca de 1590 AC-1550 AC
· Khamudi, cerca de 1550-1540 AC

A 16ª Dinastia governou a região tebana no Alto Egito por 70 anos, mas os dados existentes sobre ela e sobre o período são muito precários. Uma guerra contínua contra a 15ª Dinastia dominou esta 16ª Dinastia, de curta vida. Os exércitos da 15ª Dinastia, vencendo cidade a cidade dos seus inimigos do sul, continuamente ocuparam o seu território acabando por conquistar a própria Tebas. A fome, que havia fustigado o Alto Egito durante a 13ª e 14ª Dinastias, também prejudicou a 16ª Dinastia.
A Dinastia de Abydos pode ter sido uma curta dinastia local, que governou parte do Alto Egito, durante o Segundo Período Intermediário do Antigo Egito, contemporânea com a 15ª e 16ª Dinastias, aproximadamente de 1650 a 1600 AC. A existência de tal dinastia parece ter sido recentemente comprovada, quando a tumba do faraó Seneb Kay, até então desconhecido, foi descoberta em Abydos, e incluiria quatro governantes: Wepwawetemsaf, Pantjeny, Snaaib, e Seneb Kay. A necrópole real da Dinastia de Abydos foi descoberta na parte sul de Abydos, onde seus governantes colocaram o seu cemitério adjacente aos túmulos dos governantes do Reino Médio.
Múmia de Ahmose I, que expulsou os hicsos do Egito
Pelo tempo em que Memphis e Itjtawy caíram para os Hicsos, a casa reinante nativa egípcia, em Tebas, declarou sua independência tornando-se a 17ª Dinastia que, após anos de vassalagem, reuniu suficiente força para desafiar os hicsos num conflito de libertação que durou mais de 30 anos, até expulsar os Hicsos de volta à Ásia em 1555 AC. Antes disso, haviam mantido relações de comércio com o reino Hicso, sendo que Senakhtenre Ahmose, o primeiro rei da linha dos reis Ahmoside, importou calcário branco da região controlada pelos hicsos para fazer parte do Templo de Karnak. Seus sucessores, os dois últimos reis da 17ª Dinastia, Segenenre Tao II e Kamose conseguiram derrotar os núbios ao sul do Egito e os hicsos ao norte, durante as guerras de libertação. Ahmose I (também chamado de Amosis I), filho de Segenenre Tao II e irmão de Kamose, permanentemente erradicou a presença dos hicsos do Egito, fundando a nova 18ª Dinastia. Com a criação da 18ª Dinastia, o período do Novo Reino da história egípcia começa com Ahmose I, seu primeiro faraó.
No Novo Reino que se seguiu, novamente com o controle administrativo centralizado, o exército tornou-se uma prioridade central para os faraós que procuraram expandir as fronteiras do Egito, tentando ganhar o domínio do Oriente Próximo.

[1] Wadi Hammamat (Vale dos Muitos Banhos) é um leito fluvial seco no deserto oriental egípcio, a meio caminho entre Quena, no rio Nilo, e QAuseer, no Mar Vermelho. Era uma antiga região de mineração e rota de comércio a leste do vale do rio Nilo em tempos antigos; três mil anos de escultura e pintura em rocha a tornaram um importante local científico e turístico atualmente. 
[2] A Lista dos Reis de Turim, também conhecida como o Canon Real de Turim, é um papiro egípcio que data do reino do faraó Ramsés II, agora no Museu Egípcio, em Turim. O papiro é a mais extensa lista disponível de reis compilada pelos egípcios, sendo a base para a maioria da cronologia antes do reino de Ramsés II.

Continuação na próxima postagem: PARTE 04

quinta-feira, 19 de março de 2015

AS TRÊS PRIMEIRAS GRANDES CIVILIZAÇÕES MUNDIAIS: EGITO (PARTE 02)

III.1.3 – NEOLÍTICO (OU PRÉ-DINÁSTICO)

Cerca de 5000 AC, quando o clima tornou-se mais árido, grupos nômades se deslocaram para o vale do Nilo, criando os primeiros assentamentos urbanos. Essas comunidades se concentraram ao norte e ao sul – Baixo Egito e Alto Egito. Como resultado, o Egito tornou-se conhecido como a “Dupla Terra” ou as “Duas Terras”.

III.1.3.1 – BAIXO EGITO
A desertificação continuada forçou os primeiros ancestrais dos Egípcios a se estabelecer em volta do Nilo mais permanentemente, adotando um estilo de vida mais sedentário.
O período entre 9000 e 6000 AC deixou muito pouco no caminho da evidência arqueológica. Cerca de 6000 AC, os assentamentos do Neolítico aparecem por todo o Egito. Estudos baseados em dados morfológicos, genéticos e arqueológicos, atribuíram esses assentamentos a migrantes do Fértil Crescente, durante o Neolítico Egípcio e Norte Africano, possivelmente trazendo a agricultura à região. Contudo, outras regiões na África desenvolveram, independentemente, a agricultura, na mesma época: as altas terras etíopes, o Sahel[1] e a África Ocidental. Além disso, alguns dados morfológicos e pós cranianos têm ligado as primeiras populações em Fayum, Merimde e El-Badari a populações do Nilo norte africano. Os dados arqueológicos sugerem que os civilizados do Oriente Próximo foram incorporados numa estratégia de pilhagem preexistente e só lentamente se desenvolveram num estilo de vida pleno, contrário ao que seria esperado de colonizadores do Oriente Próximo. Finalmente, os nomes dos civilizados do Oriente Próximo para o Egito, não eram palavras emprestadas sumérias nem proto-semitas, o que ainda mais diminui a semelhança de uma colonização imigrante em massa do Baixo Egito durante a transição para a agricultura.
A Tecelagem foi evidenciada pela primeira vez durante o Período Fayum A. Os povos deste período, diferentemente dos egípcios, enterravam seus mortos muito próximo e, algumas vezes, dentro dos seus assentamentos. Mais tarde, em cemitérios, com poucos bens.
O cobre era conhecido e alguns enxós deste material foram encontrados. A cerâmica, simples e sem decoração mostra, em algumas formas, fortes conexões com o sul de Israel. As pessoas viviam em pequenas cabanas parcialmente enterradas no solo.

III.1.3.2 - ALTO EGITO
Pote típico da cultura Naqada II
com tema de navios
Várias culturas ocuparam o Alto Egito em épocas diversas: Tasiana, Badariana (4400 a 4000 AC), Naqada, Amratiana ou Naqada I (4000 a 3500 AC), Gerzeana ou Naqada II (3500 a 3200 AC). Foi a partir da cultura Gerzeana que os egípcios habitantes da cidade pararam de construir com junco e iniciaram a produção em massa de tijolos de barro para construir suas cidades. Foi também durante esta cultura que uma grande influência da Mesopotâmia se fez sentir no Egito.

III.1.3.3 – PERÍODO PROTO-DINÁSTICO (NAQADA III)
O período Proto-Dinástico, de 3200 a 3000 AC, é geralmente considerado como idêntico ao período Naqada III, durante o qual o Egito foi unificado. Embora disputado por estudiosos, foi a primeira era com hieróglifos (ou hieroglifo), ideograma figurativo que constituiu a notação da escrita egípcia. Pela primeira vez passou a usar-se regularmente o serekh[2], a primeira irrigação e o primeiro cemitério real.
As datas do período Pré-Dinástico foram definidas pela primeira vez, antes que escavações arqueológicas disseminadas, no Egito, fossem iniciadas; e recentes achados, indicando um desenvolvimento Pré-Dinástico muito gradual, conduziram a controvérsias sobre a data correta do final deste período. Por isso, o termo Proto-Dinástico, muitas vezes chamado de “Dinastia Zero”, foi usado pelos estudiosos para indicar a parte do período que podia ser caracterizada como Pré-Dinástica, por alguns, e como Antiga Dinástica, por outros.
As duas terras (Alto e Baixo Egito) foram unidas em 3100 AC pelo legendário Rei Menes, que estabeleceu uma nova cidade administrativa onde o rio Nilo se ramifica no delta. Em tempos antigos ela foi chamada “Muralhas Brancas” ou Mennefer; os gregos a chamaram Memphis. Ela permaneceu como capital do Egito por mais de 3.500 anos. Embora não haja prova arqueológica de que o Rei Menes existiu, a famosa paleta Narmer que mostra duas imagens de um rei, um usando uma coroa do Alto Egito e o outro a coroa do Baixo Egito, parece indicar o Rei Menes. Talvez por isso, os reis Menes e Narmer podem ter sido a mesma pessoa, o primeiro Rei do Egito.

III.2 – ANTIGO PERÍODO DINÁSTICO (3100–2686 AC)

O Antigo Período Dinástico foi aproximadamente contemporâneo ao início da civilização Sumério-Akkadiana da Mesopotâmia e do antigo Elam. O sacerdote egípcio Manetho, do terceiro século AC, grupou a longa linha de faraós, de Menes até o seu próprio tempo, em 30 dinastias, um sistema ainda hoje em uso. Ele decidiu iniciar a sua história oficial com o rei chamado “Meni” (ou Menes, em grego), que se acreditava ter unido os dois reinos do Alto e Baixo Egito, cerca de 3100 AC.
A transição para um estado unificado aconteceu muito mais gradualmente do que os escritores egípcios antigos revelaram e não há registro contemporâneo de Menes. Alguns estudiosos agora acreditam, que o mítico Menes possa ter sido o faraó Narmer, conforme mencionamos acima. No Antigo Período Dinástico, cerca de 3150 AC, o primeiro faraó dinástico solidificou o controle sobre o baixo Egito, estabelecendo a capital em Memphis, de onde podia controlar a força de trabalho e a agricultura da fértil região do delta, bem como as lucrativas e críticas rotas de comércio para o Levante[3]. O crescente poder e riqueza dos faraós durante o antigo período dinástico refletiu-se nos seus elaborados túmulos mastaba[4] e estruturas mortuárias de culto, em Abydos, onde eram usados para celebrar o faraó deificado, após a sua morte. A forte instituição do reinado, desenvolvido pelos faraós, serviu para legitimar o controle do estado sobre a terra, trabalho e recursos essenciais à sobrevivência e crescimento da antiga civilização egípcia.

III.3 – O REINO ANTIGO (2686–2181 AC)

O Reino Antigo é principalmente visto como o período que vai da Terceira Dinastia à Sexta Dinastia, embora muitos egiptólogos incluam também a Sétima e Oitava Dinastias Memphita, como um prosseguimento da administração centralizada em Memphis. Durante o Reino Antigo, o rei do Egito (que só foi chamado de faraó a partir do Novo Reino) tornou-se um deus vivo, que governava de forma absoluta e podia demandar os serviços e a fortuna dos seus súditos.
As grandes pirâmides de Giza: Quéops, Quéfrem e Miquerinos
Importantes avanços na arquitetura, arte e tecnologia foram obtidos durante o Reino Antigo, estimulado pela melhoria da produtividade agrícola e a população resultante, apenas tornadas possíveis por uma bem desenvolvida administração central. Alguns dos empreendimentos reais do antigo Egito, as Pirâmides de Giza (ou Gizeh ou Gizé), - platô a sudoeste da moderna cidade do Cairo - e a Grande Esfinge, foram construídas durante o Reino Antigo, provavelmente mais conhecido pelo grande número de pirâmides construídas como locais de sepultamento dos reis do período, que por isso é frequentemente chamado de “Idade das Pirâmides”.
A Grande Esfinge
Sob a direção do vizir[5], funcionários do Estado coletavam impostos, coordenavam projetos de irrigação para melhorar a colheita, recrutavam camponeses para trabalhar nas construções e estabeleciam um sistema de justiça para manter a paz e a ordem.
Junto com a importância crescente de uma administração central, uma nova classe de educados escribas e funcionários surgiu, aos quais eram garantidos estados, pelo faraó, como paga pelos seus serviços. Terras eram também doadas pelo faraó, para seus cultos mortuários e templos locais, para garantir que essas instituições tivessem os recursos para adorar o faraó após a sua morte. Estudiosos acreditam que cinco séculos destas práticas, lentamente desgastaram o poder econômico do rei fazendo com que a economia não mais pudesse suportar uma administração centralizada tão grande. À medida que o poder do rei diminuía, governadores regionais, nomarcas[6], começaram a desafiar a supremacia do faraó. Junto com as severas secas entre 2200 e 2150 AC, possivelmente causaram o período de 140 anos de fome e discórdia, conhecido como Primeiro Período Intermediário.
Pirâmide de Djoser, projetada por Imhotep 

O primeiro rei da Terceira Dinastia foi Djoser, que transferiu a capital real do Egito para Memphis, onde estabeleceu sua corte, e ordenou a construção de uma pirâmide com pedras, em degraus, na necrópole de Memphis, Saqqara, cuja concepção é creditada a seu arquiteto, Imhotep.
O Reino Antigo e seu poder real alcançaram o zênite com a Quarta Dinastia, iniciada com Sneferu (2613–2589 AC), que usando mais pedras que qualquer outro rei, construiu três pirâmides: uma já ruída em Meidum, a Pirâmide Bent em Dahshur e a Pirâmide Vermelha em Dahshur Norte. Contudo, o pleno desenvolvimento das pirâmides não foi atingido em Saqqara, mas com a construção das “Grandes Pirâmides”, em Giza.
O Complexo do Templo de Djoser ao lado da sua Pirâmide
Sneferu foi sucedido por seu filho Khufu (2589–2566 AC) – ou Quéops, em grego -, que construiu a Grande Pirâmide de Queóps, em Giza. Com a morte de Khufu, seus filhos Djedefra (25828–2520 AC) e Khafra (2520–2494 AC) - ou Quéfrem - terão lutado. O último construiu a pirâmide de Quéfrem e, segundo consta, a Esfinge, em Giza, embora hajam outras versões.
Durante essa dinastia foram realizadas expedições militares a Canaã e Núbia, com a influência egípcia se alastrando a montante do Nilo até o Sudão. Os últimos reis da Quarta Dinastia foram o rei Menkaure (2494–2472 AC), que construiu a terceira grande pirâmide de Giza, Miquerinos, Shepseskaf (2472–2467 AC) e, talvez, Djedefptah (2486–2484).
A Quinta Dinastia (2494-2345 AC) iniciou com Userkaf (2494-2487 AC) e foi marcada pela crescente importância do culto ao deus sol Ra. Consequentemente, menos esforços foram devotados à construção de pirâmides e mais à construção de templos ao sol, em Abusir, outra necrópole do período do Reino Antigo, nas vizinhanças da moderna Cairo.
Userkaf foi sucedido por seu filho Sahure (2487-2475 AC), que comandou uma expedição a Punt, conhecido pela produção e exportação de ouro, de questionável localização. Sahure foi sucedido por Neferirkare Kakai (2475-2455 AC), seu filho ou irmão, podendo ter usurpado o trono, neste caso. Foi seguido por dois vagos reis de curta vida e pelo irmão de um deles. Os últimos reis da dinastia foram Menkauhor Kaiu (2421-2414 AC), Djedkare Isesi (2414-2375 AC) e Unas (2375-2345 AC), o primeiro governante a ter os textos piramidais (em egípcio antigo, possivelmente os mais velhos textos religiosos do mundo) inscritos em sua pirâmide.
Durante a Sexta Dinastia (2345-2181 AC), o poder do rei gradualmente enfraqueceu em favor de poderosos nomarcas (governadores regionais). Estes não mais pertenciam à família real, mas seu cargo tornou-se hereditário, com isso criando dinastias regionais independentes da autoridade central do rei. O reinado incrivelmente longo de Pepi II (2278-2187 AC), ao final da dinastia, criou lutas sucessórias entre os descontentes herdeiros, afundando o país em guerras civis. O golpe final ficou por conta de uma drástica redução na pluviometria do país, entre 2200 e 2150 AC, que impediu as cheias normais do rio Nilo, causando décadas de inanição e discórdia e o colapso do Reino Antigo.

III.4 – PRIMEIRO PERÍODO INTERMEDIÁRIO
(2181-2055 AC)

O Primeiro Período Intermediário, muitas vezes descrito como um “período negro” na história do antigo Egito, abarcou o período entre 2181-2055 AC, incluindo a Sétima e parte da Décima Primeira Dinastia. Muito pouca evidência sobreviveu deste período.
Após o governo central do Egito ter malogrado, ao final do Reino Antigo, a administração não pode mais estabilizar a economia do país. Os governadores regionais não podiam confiar na ajuda do rei em tempo de crise e a falta de comida e disputas políticas que se seguiram, transformaram-se em inanição e guerras civis de pequena escala. Contudo, a despeito dos problemas, os líderes locais, sem dever tributo ao faraó, usaram sua recente independência para estabelecer uma florescente cultura nas províncias. Com o controle de seus próprios recursos, as províncias tornaram-se mais ricas, demonstrado pelos maiores e melhores funerais entre todas as classes sociais. Em ímpetos de criatividade, os artesãos provinciais adotaram e adaptaram motivos culturais anteriormente restritos à realeza do Reino Antigo; escribas desenvolveram estilos literários que expressavam o otimismo e originalidade do período.
A Sétima e Oitava dinastias são muitas vezes negligenciadas porque pouco se sabe dos governantes desses dois períodos. A Sétima pode ter sido uma oligarquia de poderosos oficiais da Sexta, baseados em Memphis, que tentaram reter o controle do país. Os governantes da Oitava Dinastia reivindicavam uma descendência dos reis da Sexta e também governaram de Memphis. Uns poucos artefatos foram encontrados, que incluem escaravelhos (camafeus com suas imagens) atribuídos ao rei Neferkare II, da Sétima Dinastia, bem como um grande cilindro de jaspe verde, creditada à Oitava Dinastia; além disso, em Saqqara foi encontrada uma pequena pirâmide que se crê tenha sido construída pelo rei Ibi, da Oitava Dinastia.
Livres de suas lealdades ao faraó, os governantes locais começaram a competir entre si por controle territorial e poder político. Após o obscuro reinado dessas duas dinastias, por volta de 2160 AC, um grupo de mandatários surgiu de Heracleópolis (nome grego da capital da vigésima nomo), no Baixo Egito, que subjugou os fracos governantes de Memphis, criando a Nona Dinastia e reinando por aproximadamente 100 anos, compreendendo a Nona e Décima Dinastias, cada uma com 19 governantes listados. O fundador da Nona Dinastia, Wahkare Khety I (também conhecido por Akhthoes ou Akhtoy), é muitas vezes descrito como um governante mau e violento que causou muito dano aos habitantes do Egito. Khety I foi sucedido por Khety II, também conhecido por Meryibre, que teve um reinado pacífico, mas teve problemas no Delta. Seu sucessor Khety III conseguiu trazer a paz ao Delta, embora seu poder e influência fosse ainda insignificante quando comparados aos reis do Reino Antigo.
Uma distinta linha de nomarcas surgiu em Siut (ou Asyut), uma poderosa e rica província ao sul do reino Heracleopolitano, cujos príncipes guerreiros mantiveram um bom relacionamento com aqueles reis. Tal província atuaria como um estado abafador entre os governantes do norte e do sul, com os príncipes de Siut sofrendo o ímpeto dos ataques dos reis de Tebas (não confundir com a Tebas grega).
Sugere-se que uma invasão do Alto Egito ocorreu simultaneamente à fundação do reino de Heracleópolis, por descendentes de Intef (ou Inyotef), nomarca de Tebas, responsável pela linha tebana de reis, que constituiu a Décima Primeira e Décima Segunda Dinastias e que acabou tomando o controle do Alto Egito. Os Intef’s cresceram em poder e expandiram seu domínio para o norte, tornando inevitável um choque entre as duas dinastias rivais. Intef II começou o assalto ao norte, particularmente em Abydos. Intef III completou esse ataque ao norte e acabou capturando Abydos, pentrando o Médio Egito contra os reis heracleopolitanos. Os primeiros três reis da Décima Primeira Dinastia foram, portanto, os três últimos reis do Primeiro Período Intermediário e seriam sucedidos por uma linha de reis chamados Mentuhotep. Mentuhotep II, também conhecido por Nebhepetra, e entronado em 2055 AC, acabaria derrotando os reis heracleopolitanos cerca de 2033 AC, unificando o país para prosseguir a Décima Primeira Dinastia e trazendo o Egito a um período de renascimento cultural e econômico conhecido como Reino Médio.



[1] O Sahel é a zona de transição eco climática e biogeográfica na África, entre o deserto do Saara, ao norte, e a savana do Sudão, ao sul. Com um clima semiárido, ela se estende através da extensão mais ao sul da África do Norte, entre o Oceano Atlântico e o Mar Vermelho.
[2] Nos hieróglifos egípcios, um serekh é um cercado retangular representando a fachada, com portão, de um palácio, em geral coroado pelo falcão Horus (deus), indicando que o texto anexo era um nome real.
[3] Levante é um termo geográfico impreciso que se refere, historicamente, a uma grande área do Oriente Médio ao sul dos Montes Tauro, limitada, a oeste, pelo Mediterrâneo, e a leste, pelo deserto da Arábia setentrional e pela Mesopotâmia. Hoje, a região incluiria Síria, Jordânia, Israel, Palestina, Líbano e Chipre.
[4] Um mastaba era um tipo de túmulo egípcio antigo em forma de uma estrutura retangular com telhado plano e paredes externas inclinadas, construídos de tijolos de barro ou pedras. Mastabas marcaram os locais de enterros de muito egípcios eminentes durante o Antigo Período Dinástico e o Reino Antigo, quando os reis começaram a ser enterrados em pirâmides.
[5] O vizir era o funcionário mais alto, do Egito antigo, a serviço do rei ou faraó durante os reinos Antigo, Médio e Novo. Os vizires eram, muitas vezes, indicados pelo faraó, por sua lealdade ou talento, mas eram muitas vezes seus parentes.
[6] Nomarcas eram governadores semi-feudais das províncias (nomes) do antigo Egito. Mantinham autoridade sobre cada uma das 42 províncias (em grego, nomo) em que o país era dividido.

Continuação na próxima postagem: PARTE 03

sexta-feira, 13 de março de 2015

AS TRÊS PRIMEIRAS GRANDES CIVILIZAÇÕES MUNDIAIS: EGITO (PARTE 01)

I – VISÃO GERAL


Egito e Nilo: nordeste da África, ligado à Península do Sinai.

O Antigo Egito foi uma civilização da região nordeste da África, concentrada nos trechos inferiores do Rio Nilo, no que é hoje o atual Egito. A Civilização Egípcia formou-se cerca de 3150 AC (de acordo com a cronologia convencional egípcia), com a unificação política do Alto com o Baixo Egito, sob o primeiro faraó[1]. A história do Egito ocorreu numa série de reinos estáveis, separados por períodos de relativa instabilidade, conhecidos como Períodos Intermediários: o Antigo Reino, do início da Idade do Bronze, o Reino Médio, da Média Idade do Bronze, e o Novo Reino, do final da Idade do Bronze.

O Egito alcançou o pináculo do seu poder durante o Novo Reino, no período Ramsista[2], quando rivalizou com os impérios Hitita, Assírio e Mitani, após o que entrou num período de declínio. Foi então invadido por uma sucessão de potências estrangeiras: Canaã, Líbia, Núbia, Assíria, Babilônia, Pérsia e Macedônia/Grécia, no Terceiro Período Intermediário do Egito e no último Período. Após a morte de Alexandre, o Grande, um dos seus generais, Ptolomeu Soter, estabeleceu-se como o novo dirigente do Egito e sua dinastia reinou até 30 AC quando, sob Cleópatra, caiu para o Império Romano, tornando-se sua província.
O sucesso da antiga civilização egípcia veio, parcialmente, de sua habilidade em adaptar-se às condições do vale do rio Nilo para a agricultura. A inundação previsível e a irrigação controlada do fértil vale produziam colheitas superavitárias, que atendiam uma população maior, permitindo o desenvolvimento social e cultural. Com recursos de sobra, a administração patrocinava a exploração mineral do vale e das regiões desérticas circundantes, a criação precoce de um sistema de escrita independente, a organização da construção coletiva e projetos agrícolas, o comércio com as regiões vizinhas e um exército para defender contra os invasores e garantir a dominação egípcia. A motivação e organização dessas atividades era realizada por uma burocracia da elite dos escribas, líderes religiosos e administradores, sob o controle do faraó, que garantia a cooperação e unidade do povo egípcio, no contexto de um elaborado sistema de crenças religiosas.
Os feitos dos antigos egípcios incluem a mineração, levantamentos e técnicas de construção que apoiavam a construção de monumentais pirâmides, templos e obeliscos, um sistema matemático, uma prática e efetiva medicina, sistemas de irrigação e técnicas de produção agrícola, os primeiros navios conhecidos, a tecnologia da faiança e do vidro, novas formas de literatura e o primeiro tratado de paz conhecido, feito com os hititas. O seu legado duradouro na arte e arquitetura foram copiados amplamente e suas antiguidades transportadas a longínquas partes do mundo. Suas ruínas monumentais inspiraram as imaginações de viajantes e escritores por séculos.

II - GEOGRAFIA DO EGITO


O Egito na África. Mediterrâneo ao norte, Sudão ao sul,
Líbia a oeste e Mar Vermelho e Israel a leste.
O Egito, como dissemos, está situado no nordeste da África e, curiosamente, em dois continentes, separados pelo Canal de Suez (então inexistente) que liga o Mar Mediterrâneo ao Mar Vermelho. Sua maior parte fica na África restando, para o continente asiático, apenas a Península do Sinai, margeada pelo Golfo de Suez e o Golfo de Aqaba, ambos no Mar Vermelho, por Israel a leste e pelo Mar Mediterrâneo ao norte. Esta, a sua localização atual; mas, se lembrarmos que na antiguidade não havia fronteiras demarcadas, as principais regiões do Egito formavam oásis fluviais no deserto, a saber, o vale do rio Nilo, o Delta do Nilo e Fayum (cidade a 130 km a sudoeste do Cairo). As demais regiões sofreram mudanças de acordo com o período e os governos.
A geografia do antigo Egito foi dominada, como ainda é hoje, pela combinação da falta de chuva e o Rio Nilo. O historiador grego Heródoto chamava o Egito de “Presente do Nilo”, pois o reino devia sua sobrevivência à cheia anual do Nilo e ao resultante depósito do fértil silte sobre as suas margens baixas.
Egito moderno e seus vizinhos da Africa e Oriente Médio
Quatro divisões são úteis ao considerar a geografia do Egito. A primeira delas é entre o Alto e o Baixo Egito e a segunda entre a Terra Vermelha (Deserto) e a Terra Negra (leito maior fértil). Às vezes há confusão sobre este assunto, porque o Alto Egito é no sul e o Baixo Egito no norte. Na figura abaixo, podemos ver perfeitamente as divisões de que falamos, aparecendo em verde o leito maior fértil do rio Nilo e o famoso Delta do Nilo, no Mar mediterrâneo. Pela figura podemos ver que o Alto ou Baixo Egito é um vale fluvial estreito, raramente mais largo do que 19 km e, mais frequentemente, apenas 1,6 a 3,2 km. Altos penhascos o mantêm confinado em seu leito menor, nas duas margens. O Baixo Egito é constituído pelo amplo delta em torno da moderna Cairo. A terra é plana e fértil e o solo rico da inundação, em geral, é depositado no delta. A segunda maior divisão trata do negro e fértil solo do vale do Nilo e das rubras, arenosas e áridas terras agrestes do deserto. Embora existissem oásis no deserto ocidental, o deserto oriental era em sua maioria inabitado, com exceção de algumas poucas minas e jazidas de pedras especialmente valiosas. Os egípcios eram totalmente conscientes de quão estreita era a faixa de terra cultivável em que viviam, rodeada pelo total deserto a leste e oeste.
O Alto Egito, ao sul e o
Baixo Egito, ao norte. 
O limite sul do Egito, na borda sul do Alto Egito, era tradicionalmente encerrado na Primeira Catarata, uma área de rápidos ensurdecedores e quedas d’águas, cerca de 950 km da foz do rio Nilo no Mar Mediterrâneo. Durante o Antigo Reino, esta era a máxima extensão do Egito. Durante os períodos do Médio e Novo Reinos, contudo, os exércitos egípcios forçaram para o sul, até a Sexta Catarata, numa tentativa de invadir e conquistar a Núbia (região ao longo do rio Nilo, entre o sul do Egito e o norte do Sudão) e Kush (atual Sudão Central ou moderna Etiópia), os dois países mais ao sul. Descobertas relativamente recentes, de pequenas tumbas em estilo piramidal, no Sudão, sugerem que, embora o Egito não controlasse as terras ao sul da Primeira Catarata, eles mantiveram contato cultural bem ao sul e o comércio de bens e ideias foram muito comuns.
O alto Egito se estendia de Memphis, ao norte, até Abu (Elefantina), ao sul. O oásis ocidental de Fayum fica dentro deste distrito, como ficam as importantes cidades de Herakelopolis, Quis, Thinis, Abydos, Dendera, Nekhen/Hierakonpolis e Edfu. Numerosos wadis[3] alimentam o Nilo nesta região e o rio é raramente mais largo do que 1.600 m, o vale podendo ser, muitas vezes, tão estreito quanto 10 a 16 km.
O Baixo Egito é o delta. Com quase trezentas milhas (483 km) de largura, na foz do Nilo, a grande região em forma de leque foi “a cesta de pão” do antigo Egito e, mais tarde, do Império Romano; nela pode-se ver as importantes cidades de Alexandria, Port Said e Cairo, bem como o Oásis Fayud, mais a montante). A arqueologia no Baixo Egito é complicada dado que os meandros, que se movem regularmente, e a inundação anual, muitas vezes carregaram artefatos e construções.
Close do Delta do Nilo, a "cesta de pão" do Egito.
A “Terra Vermelha” é o deserto estéril que protegeu o antigo Egito dos dois lados, separando-o dos países vizinhos e exércitos invasores. Eles também foram a fonte de metais preciosos e pedras semipreciosas para os antigos egípcios. Eles referiam-se aos desertos em torno do seu país, com a palavra “deserto”, significando “Terra Vermelha”, quente e árida, onde nenhuma alimento crescia e era sempre vista como um lugar de solidão e perigo. Apesar de sua natureza bruta e selvagem, o deserto fornecia inúmeros produtos. Os leitos secos de lagos próximos ao delta forneciam o sal usado para preservar os corpos mumificados; o quartzito - para ferramentas de moagem e perfuração -, e o calcário – para a construção -, vinham de uma região desértica a nordeste de Memphis; o cobre vinha das minas da Península do Sinai, no deserto oriental; alabastro para escultura mais fina vinha do Cusae (nome grego da cidade do Alto Egito, margem ocidental do Nilo, hoje denominada el-Qusiya); as jazidas de granito, próximo do Mar Vermelho, forneciam pedra para escultura e construção; diorito para martelos e pederneira para facas de pedra, desciam pelo rio da região da Primeira Catarata. E então, havia o ouro que, segundo um governante hitita, o Egito possuía como areia.
A “Terra Negra” era a região fértil das margens do Nilo, o local que os egípcios usavam para plantar e colher. Era a única terra do antigo Egito capaz de ser cultivada pela rica camada de silte negro depositada em cada ano após a inundação do rio Nilo. A palavra egípcia “khemet”, que significa “silte negro”, pode ter sido o termo do qual se originou o nome Egito.
Curso completo do Nilo, com
suas prováveis nascentes.
O rio Nilo é a única razão pela qual a civilização surgiu no antigo Egito. Pelo quarto século AC, o Egito não recebia chuva alguma, de forma que toda a sua água para beber, lavar, irrigar as culturas etc... vinha apenas deste rio. Tido como o mais longo rio do mundo, com 6.853 km, o Nilo é um rio internacional, com suas águas sendo repartidas por onze países e fonte primária de água do Egito e do Sudão. A nascente do Nilo é considerada com o Lago Vitória, mas há rios que o alimentam, de tamanho considerável. O rio Kagera, que entra no Lago Vitória (repartido por Uganda, Quênia e Tanzânia), perto da cidade de Bukoba, na Tanzânia, é o seu mais longo contribuinte, embora as fontes não concordem quanto ao mais longo tributário do Kagera e, por consequência, a mais distante nascente do próprio Nilo. Poderia ser o Ruvyironza, que emerge na província de Bururi, no Burundi, ou o Nyabarongo, que escoa da floresta Nyungwe, em Ruanda. Tais rios se encontram próximo das Cachoeiras Rusumo, na fronteira entre Ruanda e Tanzânia. Exatamente por suas origens, durante o pico da civilização egípcia o rio Nilo inundava anualmente quando do degelo de primavera das altas terras da Etiópia, após um enchimento lento e gradual. Diferentemente da Mesopotâmia, que possuía cheias irregulares, imprevisíveis e altamente destrutíveis, o Nilo extravasava por seu leito maior ao nível de cheia, segundo um esquema previsível, normalmente dentro de dois ou três dias após a ascensão da estrela Sírius, ao final de julho. Por um período de quase três mil anos, com poucas interrupções, os antigos egípcios podiam contar com três meses de águas altas, de agosto a novembro. A inundação, como era chamada, carregava uma fértil camada de silte e solo aluvial nas terras agricultáveis do Egito, que eram anualmente renovadas e revigoradas, tornando o país o jardim do mundo antigo. Foi essa cheia anual que definiu os padrões de vida dos egípcios de forma que quando os campos estavam inundados, eles trabalhavam nas construções dos projetos para o Faraó e os sacerdotes; de novembro a março, os agricultores restabeleciam seus campos e plantavam suas culturas; de março a junho era a estação da colheita, quando os grãos eram processados para a confecção de pão, cerveja e vinho e então os coletores de impostos do Faraó fariam a sua ronda. Em julho o povo reunia as ferramentas e preparava-se para a próxima cheia. Tão constante era essa rotina que sua interrupção pode ter causado a queda de várias dinastias.

III - HISTÓRIA

O deserto e o rio Nilo emergiram há 45 milhões de anos atrás, quando o mar que cobria a maior parte da Europa e o norte da África deslocou-se, formando a bacia do Mar Mediterrâneo, por força do deslocamento das placas terrestres, que criaram os Alpes e o Himalaia. Por milhares de anos o rio Nilo evoluiu até a sua forma atual, circundado pelos desertos do oriente e ocidente. O Nilo tem sido a linha da vida desta região por muito da história humana, permitindo a criação de uma sociedade que tornou-se a pedra angular na história da civilização humana. Os humanos modernos, nômades, caçadores e coletores, começaram a viver no vale do Nilo pelo final do Médio Pleistoceno, há cerca de 120.000 anos atrás. Pelo final do período Paleolítico, o clima árido do norte da África tornou-se incrivelmente quente e seco, forçando as populações da área a concentrar-se ao longo do rio.

III.1 – EGITO PRÉ-HISTÓRICO

A Pré-história do Egito vai desde o período do primeiro assentamento humano até o início do Primeiro Período Dinástico do Egito, cerca de 3100 AC, que iniciou com o primeiro faraó Narmer (ou Menes). O período pré-dinástico é tradicionalmente equivalente ao período Neolítico, iniciando cerca de 6.000 AC e incluindo o período proto-dinástico (Naqada III), de que voltaremos a falar.

III.1.1 – FINAL DO PALEOLÍTICO
A confecção de ferramentas Ateriana atingiu o Egito cerca de 40.000 AC. Este foi o nome dado por arqueólogos a um tipo de ferramenta de pedra datando do meio da Idade da Pedra (ou Médio Paleolítico).
Esqueleto de Nazlet-Khater
O final do Paleolítico, no Egito, começou em torno de 30.000 AC. O esqueleto de Nazlet Khater (localidade do Alto Egito onde os arqueólogos trabalharam em oito sítios diferentes) foi encontrado em 1980 e datado em 1982 a partir de nove amostras que variaram de 35.100 a 30.360 anos. Este espécime é o único esqueleto humano moderno completo do final da Idade da Pedra na África.
Escavações no Nilo expuseram antigas ferramentas de pedra, as mais antigas das quais foram encontradas no terraço de 33m e eram Chelleano[4], primitivo Acheuleano[5] e uma forma egípcia do Clactoniano[6]. No terraço de 17m havia Acheuleano desenvolvido.
Alguns dos mais velhos edifícios conhecidos, foram descobertos no Egito; tratava-se de estruturas móveis, facilmente desmontáveis , transportadas e remontadas, propiciando a humanos caçadores e coletores, uma ótima habitação semipermanente.

III.1.2 – MESOLÍTICO
A “Cultura Halfan” floresceu no vale do Nilo, no Egito e Núbia, entre 18.000 e 15.000 AC, embora um sítio Halfan date de 24.000 AC. Eles sobreviveram numa dieta de animais de grande rebanho e da tradição da pesca. Uma maior concentração de artefatos indica que não eram dados a deslocamentos sazonais, mas se estabeleciam por períodos maiores. A cultura Halfan foi derivada da cultura Khormusan, que dependia de técnicas especializadas de caça, pesca e coleta para sua sobrevivência. Os restos materiais primários desta cultura são ferramentas de pedra, lascas e uma grande quantidade de pinturas em pedra.
Cerca de vinte sítios arqueológicos na Núbia Superior mostram evidência da existência de uma cultura mesolítica de moagem de grãos chamada Cultura Qadan, que praticava a cultura de grãos ao longo do Nilo quando o ressecamento do Saara causava a retirada dos residentes dos oásis da Líbia para o vale do Nilo. Os povos Qadan desenvolveram foices e pedras de moagem para ajudar na coleta e processamento desses alimentos antes do consumo. Contudo, não há indicações do uso dessas ferramentas após cerca de 10.000 AC, quando caçadores coletores os substituíram. 

[1] Faraó é o título comum dos reis das antigas dinastias egípcias, até a conquista greco-romana. Vamos ver o assunto com muito detalhe mais adiante.
[2] O período Ramsista foi assim chamado a partir dos onze reis com o nome de Ramsés, que governaram na Décima-nona e Vigésima Dinastias. Vamos voltar a falar deles no seu devido tempo.
[3] Um wadi é o termo árabe (norte da África e sudoeste da Ásia) que tradicionalmente se refere a um vale fluvial. Em alguns casos pode referir-se leito de rio seco (efêmero), que contém água apenas durante as estações de pesadas chuvas.
[4] Louis Laurent Gabriel de Mortillet (1821–1898), professor antropologia pré-histórica na Escola de Anropologia, em Paris, publicou em 1882 “A Pré-Histórica Antiguidade do Homem”, em que foi o primeiro a caracterizar períodos pelo nome de um local. Muitos desses nomes ainda se encontram em uso. Seus dois primeiros foram Chelleano e Acheuleano. O Chelleano inclui artefatos descobertos na cidade de Chelles, um subúrbio de Paris, muito similares aos encontrados em Abbeville, o que fez antropólogos que o sucederam, substituírem Abbevilliano por Chelleano.
[5] O Acheuleano designa os artefatos encontrados em Saint-Acheul, um subúrbio de Amiens, a capital do departamento de Somme, em Picardy, onde foram encontrados, em 1859. Trata-se de uma indústria arqueológica de ferramentas de pedra caracterizadas por uma forma singular de machados ovais e em forma de pera, associados aos primeiros humanos.
[6] O Clactoniano é o nome dado por arqueólogos a uma indústria de ferramentas de pederneira que data do início do período interglacial, cerca de 400.000 anos atrás, e que foram encontrados pela primeira vez em Clacton-on-Sea, no distrito industrial de Essex, em 1911.

Continuação na próxima postagem: PARTE 02

terça-feira, 3 de março de 2015

EVOCANDO LILI

Tendo em vista a grandeza do assunto das Antigas Civilizações Mundiais - e, consequentemente, a sua amplitude - resolvi praticar aqui um pequeno entreato antes de iniciar a postagem sobre a Civilização Egípcia, que viria na sequência. Com esse "recreio", imagino trazer, aos meus leitores, um refresco que os ajudará na sua futura caminhada pelos desertos do Egito, antes mesmo dela ser iniciada.

Sem qualquer razão aparente, como imagino que aconteça a muitas pessoas, vez ou outra, eu hoje acordei um pouco sorumbático e “de repente, não mais que de repente”, me veio à memória a música “Hi Lili, hi Lili, hi lo”, que imediatamente comecei a cantarolar. Não sei quão poucas pessoas ainda se lembrarão do assunto e nem mesmo, com certeza, a idade que tinha, mas era bem pequeno, quando essa música fez muito sucesso no Brasil, em versão para o português, arrastada pelo filme “Lili”. E então resolvi escrever essa postagem, principalmente para os mais velhos, como eu, que ainda se recordam, quem sabe para afastar a pena, se não servir para qualquer outro objetivo.

O FILME

O filme “Lili” foi uma produção americana da Metro Goldwyn Mayer (MGM), liberada em 1953. Eu tinha, então, 9 anos de idade; supondo que um filme americano levasse, na época, uns dois anos para ser exibido no Brasil (se não mais!), quando fui assisti-lo é possível que tivesse meus 11 anos, idade em que não se esquece um filme singelo como aquele. Lembro até mesmo do cinema em que fui assisti-lo, certamente acompanhado dos meus pais: o velho “Cinema Avenida”, de Porto Alegre, numa das esquinas da Avenida João Pessoa com a Rua Venâncio Aires.
Os atores principais eram a Leslie Caron, bem mocinha, no papel título, Mel Ferrer, também moço (embora um dos atores que, para mim, já nasceram velhos), a loiríssima e muito conhecida Zsa Zsa Gabor e Jean-Pierre Aumont, que confesso não lembrar mais de quem se trata, embora recorde o nome. O roteiro foi escrito por Helen Deutsch (que também fez a letra original da música), adaptado de “The Man Who Hated People” (“O Homem que Odiava as Pessoas”), um conto de Paul Gallico, que apareceu na edição de 28 de outubro de 1950 no “Saturday Evening Post”. O filme teve direção de Charles Walters, produção de Edwin H. Knopf. Com o sucesso do filme, Paul Gallico expandiu sua história para um romance, em 1954, intitulado “The Love of Seven Dolls” (“O Amor de Sete Bonecas”) e o filme foi, posteriormente, adaptado para o teatro, com o título de “Parque de Diversões”.
O filme ganhou o Oscar de “Melhor Música”, com autoria de Bronislaw Kaper, e também concorreu no Festival de Cannes de 1953.
No enredo, Lili (Leslie Caron), a heroína do filme, era uma tocante e ingênua garota francesa, cuja emocionante relação com um operador de marionetes de um parque de diversões (Paul/Mel Ferrer), é conduzida por meio de quatro marionetes. Lili, de apenas 16 anos, chega a uma pequena cidade da província em busca de um velho amigo de seu pai, recém falecido, apenas para descobrir que ele também já morreu. Ela é então resgatada de um lojista que tenta dela se aproveitar, pelo mágico do parque de diversões Marc (Jean-Pierre Aumont), cujo nome de palco é “Marcus, o Magnífico”, um homem elegante, sedutor e de fala macia por quem ela se apaixona e segue. Ao saber que ela é tão jovem, ele a ajuda a obter um emprego de garçonete onde ela não dura uma só noite. Marc a aconselha a voltar ao lugar de onde veio; sem lar e com o coração partido, Lili pensa em suicidar-se, sem dar-se conta de que é observada por Paul, que puxa conversa com ela por meio de suas marionetes. Logo um grande grupo de trabalhadores do parque fica cativado pela interação de Lili com os marionetes, que não sabe que Paul maneja os bonecos atrás das cortinas. Paul lhe oferece um emprego no ato, que se torna um sucesso pela maneira natural como Lili interage com os bonecos. Paul, ex-dançarino conhecido, ferido em uma perna na Segunda Guerra Mundial, é amargurado por considerar seu trabalho como inferior e embora se apaixone por Lili, mostra-se desagradável para com ela e apenas se comunica através de seus quatro bonecos, com medo de ser rejeitado. Enquanto isso, Lili continua a sonhar com Marc e tenta substituir sua assistente sexi, Rosalie (Zsa Sza Gabor). Marc recebe uma oferta para o cassino local mas tenta seduzir Lili antes de partir sendo descoberto por Paul que o impede e mostra a ela a aliança de Marc. Lili decide abandonar o parque de diversões e na saída é impedida pelas vozes dos quatro bonecos que pedem para ir junto; ela os abraça e percebe que eles estão tremendo; lembra então que alguém maneja os bonecos e puxa a cortina para descobrir Paul. Ele, em vez de dizer seus sentimentos em relação a ela, fala de uma proposta de trabalho que recebera para ambos e ela conclui que este é o seu único interesse e parte. Saindo da cidade ela imagina que os bonecos, agora em tamanho real, se juntam a ela. À medida que ela dança com cada um, todos se transformam em Paul. Voltando à realidade, Lili corre de volta ao parque e aos braços de Paul e, enquanto se beijam, os bonecos aplaudem.

A MÚSICA

“Hi Lili, hi Lili, Hi lo” é uma canção popular – uma valsa, na verdade - com melodia de Bronislau Kaper e letra de Helen Deutsch, publicada em 1952, um ano antes do filme. A música foi então introduzida no filme “Lili”, onde é interpretada por Leslie Caron e por Mel Ferrer, na figura do boneco “Carrot Top”. A partitura do filme foi composta por Hans Sommer, com orquestrações de Robert Franklin e Skip Martin.
Essa música teve uma quantidade enorme de gravações, por diversos cantores, homens e mulheres e orquestras. Pequeno como era, eu ouvi muito e muito cantei essa música em sua versão em português, mas, infelizmente, não consegui encontrar essa versão original. Encontrei uma gravação com a Gal Costa, ao vivo, de 1983, onde ela canta com o auxílio do público e, por isso, a gravação ficou um pouco prejudicada. Encontrei também, em português, uma gravação com a Nalva Aguiar, mas em ritmo de marcha de carnaval não mostra nada da inocência da melodia original. Por isso, eu apresento aos leitores a gravação da Gal Costa.
A gravação original de “Hi Lili, Hi Lili, Hi Lo”, por Leslie Caron e Mel Ferrer, de 1953, foi lançada num single e tornou-se um pequeno sucesso, alcançando apenas o número 30 nos quadros de música popular dos Estados Unidos. Consegui, do You Tube, o clip do filme, onde eles interpretam a canção; a par da introdução e do final infeliz de quem postou a gravação original, pode-se ter uma boa ideia do clima do filme, ao escutar essa gravação, que apresentei acima.
Além dos já citados, muitos outros cantores de língua inglesa gravaram a melodia e aqui cito apenas os mais conhecidos do público brasileiro:

Dina Shore com a orquestra e coro de Frank De Vol, gravada em 1952;
Roger Williams (Orquestra), em 1956;
Mantovani (orquestra), de 1958, apresentada nesta postagem, com seus maravilhosos violinos de sempre;
The Everly Brothers, em 1961;
Shelley Fabares de 1962, que eu recomendo muito;
The Four Seasons, 1962, muito boa para quem quiser relembrar os velhos tempos;
Nat King Cole, 1963, a mesma magnífica voz de veludo de sempre;
Richard Chamberlain, em 1963;
Ray Conniff, de 1965, sempre boa;
Anne Murray, gravação de 1977, como sempre muito agradável;

Há muitas outras que não coloquei. Mas há uma, que considero especialíssima e que vou apresentar a vocês e, por essa razão, não a juntei às demais. Trata-se de uma gravação de Jimmy Durante, um dos meus intérpretes favoritas, embora a sua ocupação primeira fosse ator e não cantor. Ele realizou essa gravação em 1964 e, como todas as suas gravações, eu a considero de extrema felicidade. Espero que os leitores concordem comigo.
Finalmente, para os candidatos a cantor, que quiserem acompanhar, em inglês ou português, apresento as letras no documento anexo. Importante mencionar que a letra em português não é a tradução do inglês, mas uma versão adaptada, cujo autor eu desconheço. E que a letra em inglês corresponde à gravação de Jimmy Durante, pois cada cantor sempre apresenta a sua própria versão.
Espero que a postagem tenha sido do agrado dos leitores e aqui fico, até a próxima.