Homenagem ao lendário herói ancestral dos ingleses que deu título a um dos considerados "Cem Maiores Livros do Mundo" e tido como o mais antigo escrito em "Old English".

segunda-feira, 25 de maio de 2015

AS TRÊS PRIMEIRAS GRANDES CIVILIZAÇÕES MUNDIAIS: VALE DO INDO OU HARAPPIANA (PARTE 01)

I - INTRODUÇÃO

A expressão “Civilizações Antigas”, em geral, evoca imagens do Egito e da Mesopotâmia, suas pirâmides, múmias e túmulos dourados. Mas em 1920, uma imensa descoberta, ao sul da Ásia, provou que Mesopotâmia e Egito não eram as únicas “Civilizações Antigas”. Nas vastas planícies de inundação do Rio Indo, localizadas no Paquistão de hoje e oeste da Índia, sob camadas de terra e elevações de lama, arqueólogos descobriram as ruínas de uma cidade com cerca de 4.600 anos de idade. Uma próspera civilização urbana havia existido ao mesmo tempo do Egito e Mesopotâmia, em uma área duas vezes maior! Evidências de práticas religiosas nesta área, datam de 5500 AC. Os assentamentos agrícolas começaram cerca de 4000 AC e cerca de 3000AC surgiram os primeiros sinais de urbanização. Por 2600 AC, dúzias de vilas e cidades já tinham se estabelecido e entre 2500 e 2000 AC a Civilização do Vale do Indo (CVI) atingiu o seu ápice.
Esse povo do Vale do Indo não construiu monumentos imensos, como seus contemporâneos, nem enterrou seus mortos poderosos em tumbas douradas. Não foram encontradas múmias, nem restos de imperadores, nem vestígios de guerras violentas ou batalhas sangrentas em seu território. Entretanto, a ausência de tudo isso é que faz tal civilização tão excitante e única. Enquanto outras haviam devotado imensas quantidades de tempo e recursos aos ricos, ao supernatural e aos mortos, os habitantes do Vale do Indo usaram uma abordagem prática para manter as pessoas comuns, seculares e vivas. Seguramente eles acreditavam num após vida e empregavam um sistema de divisões sociais, mas acreditavam que os recursos eram mais valiosos para circular entre os vivos do que em exposições ou enterrados. Esta civilização parece ter sido muito pacífica; poucas armas foram encontradas e nenhuma evidência de exército foi descoberta. Os ossos escavados não revelaram sinais de violência e as ruínas de construções não mostraram indicação de batalhas. Toda a evidência apontou a uma preferência pela paz e sucesso para alcança-la. Assim, como uma civilização tão prática e pacífica pode alcançar tanto sucesso?
Após termos visto, com detalhes, duas das maiores civilizações da antiguidade, iniciaremos hoje a apresentação da terceira e última. Não tão conhecida, nem tão famosa - e ainda muito pouco estudada -, como as duas anteriores, mas igualmente antiga e, novamente, como as duas primeiras, nascida às margens de um grande rio, o vale do Rio Indo.
Figura 1: Localização Geral da Civilização do Vale do Indo
Eu gostaria de começar a apresentação, mostrando dois mapas, emprestados do Google Earth, para que os leitores fiquem perfeitamente localizados. A Figura 1 mostra um mapa em pequena escala, onde pode-se ver o Paquistão moderno, praticamente ao centro, país onde se localiza o Vale do Rio Indo. Nessa figura pode-se ver, claramente, a individualização deste país por uma linha branca, fazendo fronteira com a Índia a leste (à direita) e com o Afeganistão e o Irã (onde ficava a região da Mesopotâmia, primeira grande civilização apresentada), a oeste (à esquerda). Mais ainda para o oeste, passando pelo Iraque e Oriente Médio, pode-se ver o Egito, segunda grande civilização da antiguidade que apresentamos. Ao norte ele faria fronteira com a China.
Figura 2: Foco na região do Vale do Indo, em verde
Na Figura 2, demos um “zoom” na foto do Google Earth, para mostrar apenas o Paquistão moderno, ampliado, mas agora perfeitamente visível, na superfície verde, o Vale do Rio Indo, berço da terceira grande civilização da antiguidade, cuja apresentação iniciaremos agora.
A Civilização do Vale do Indo foi uma civilização da Idade do Bronze (3000 – 1300 AC) que se estendeu, do que é hoje o nordeste do Afeganistão, ao Paquistão e noroeste da Índia (Figura 3, abaixo), cobrindo uma área de 1,25 milhões de quilômetros quadrados, assim representando a maior das civilizações antigas que já existiu. Ela floresceu na bacia hidrográfica do rio Indo, um dos maiores rios da Ásia, e do rio Sarasvati (hoje seco) que à época corria através do noroeste da Índia e leste do Paquistão e é hoje identificado como o rio Ghaggar-Hakra, por numerosos estudos.
Figura 3: Cidades da Civilização Indo com cidades modernas
No seu auge, a Civilização do Indo pode ter tido uma população de mais de cinco milhões de habitantes, que desenvolveu novas técnicas em artesanato (produtos de cornalina – pedra semipreciosa castanho-avermelhada -, entalhes em tabletes) e metalurgia (cobre, bronze, chumbo e estanho). As cidades do Indo são notáveis por seu planejamento urbano, casas de tijolos cozidos, sistemas de drenagem elaborados, sistemas de abastecimento de água e agrupamentos de grandes construções não residenciais.
As ruínas de duas antigas cidades, em particular, Harappa, no alto vale do Indo, e Mohenjo-Daro, no seu trecho inferior, ambas no Paquistão moderno, e os restos de muitos outros povoamentos, têm revelado grandes pistas para os mistérios dessa civilização. Harappa foi, de fato, uma descoberta tão preciosa que a Civilização do Vale do Indo é também chamada de Civilização Harappiana. As evidências sugerem que ambas tinham uma vida urbana altamente desenvolvida, muitas casas contendo poços e banheiros, bem como um elaborado sistema de drenagem subterrâneo. As condições sociais dos cidadãos eram comparáveis às dos habitantes da Suméria e superiores às dos babilônios e egípcios e as cidades dispunham de uma bem planejado sistema de urbanização.
Harappa foi o primeiro dos locais a ser escavado em 1920, então em Punjab, província da Índia britânica e hoje no Paquistão. Sua descoberta e, em seguida, a de Mohenjo-Daro, foi o ponto culminante de um trabalho iniciado em 1861, com a fundação do Archaeological Survey of India (Levantamento Arqueológico da Índia) no regime britânico. A escavação de sítios harappianos iniciou em 1920 com importantes interrupção em 1999. Houve culturas mais antigas e mais recentes – Harappiana Antiga e a Harappiana Final, na mesma área da Civilização Harappiana. Esta é, muitas vezes, chamada de Cultura Harappiana Madura, para distinguir das anteriores. Em 1999, mais de 1.056 cidades e povoações tinham sido encontradas, das quais 96 haviam sido escavadas, principalmente na região geral dos rios Indo e do Sarasvati e seus tributários.
Figura 4: Em azul, algumas das cidades escavadas até 1999
Entre os locais escavados estavam os importantes centros urbanos de Harappa, Mohenjo Daro (Patrimônio Histórico Mundial da UNESCO), Dholavira, Ganeriwala no deserto de Cholistan e Rakhigarhi (Figura 4).

II – DESCOBERTAS E CRONOLOGIA

As ruínas de Harappa, um centro urbano da Civilização Indo, localizada na província de Punjab, Paquistão, num leito antigo do rio Ravi, foram primeiro mencionadas em 1842, mas nenhum interesse arqueológico surgiu por quase um século. Após essa menção, por vários anos, ruínas de povoações próximas foram usadas como lastro para estradas de ferro inglesas que estavam sendo construídas. Em 1872 foi publicado o primeiro tablete (selo[1]) harappiano. Meio século após, em 1922, mais selos harappianos foram descobertos quando se preparava uma expedição de escavação que sairia em 1921-1922, resultando na descoberta da civilização em Harappa e em Mohenjo-Daro. As últimas pesquisas revelaram pelo menos cinco montículos em Harappa, que representações em três dimensões indicam ter sido circundadas por extensivas muralhas; dois deles possuem grandes muralhas em torno, que indicam terem sido usadas para regulamentações de comércio e para defesa.
Mohenjo-Daro é, provavelmente, o local mais conhecido do Indo. O significado do seu nome é “Cidade dos Mortos”, embora até hoje nenhum cemitério tenha sido encontrado na cidade ou suas proximidades. Localizado na província de Sindh, Paquistão, leito maior do rio Indokistan, está próximo das antigas minas de exploração de pederneira de Rohri. O rio Indo pode, em algum tempo, ter escoado a oeste de Mohenjo-Daro, mas está agora localizado a leste.
Vários arqueólogos trabalharam na CVI antes da independência da Índia, em 1947. Após a independência, a maior parte dos achados arqueológicos foram herdados pelo Paquistão, onda a maioria da CVI estava baseada e outras expedições arqueológicas foram montadas, até Sutkagan Dor, no extremo sudoeste do Paquistão, para o norte até Shortugai (hoje já no Afeganistão), para o leste, até Alamgirpur, longitude central da Índia, e para o sul até Malwan, na costa da Índia em sua latitude central. Em 2010, pesadas cheias atingiram Haryana, na Índia, causando danos no sítio arqueológico de Jognakhera, onde antigas fundições de cobre foram encontradas, datando de quase 5.000 anos atrás. Nessa ocasião, a CVI foi atingida por quase três metros de lâmina d’água, com o rompimento de um canal.
A fase madura da civilização harappiana durou de 2600 a 1900 AC. Com a inclusão das culturas predecessora e sucessora – Harappiana Antiga e Harappiana Final -, a completa Civilização do Vale do Indo pode ter durado do 33º ao 14º século AC. Dois termos são empregados para a periodização da CVI: Fases e Eras. As fases Harappiana Antiga, Harappiana Madura e Harappiana Final são também chamadas de Eras de Regionalização, Integração e Localização, respectivamente, com a Era de Regionalização retroagindo até o período Neolítico Mehrgarh II (um dos mais importantes sítios arqueológicos do Neolítico). Abaixo a sequência completa de Eras e Fases:

Datas AC
Fases
Eras
7000–5500
Mehrgarh I (Neolítico sem cerâmica)
Produção inicial de alimentos
5500–3300
Mehrgarh II-VI (Neolítico com cerâmica)
Regionalização
3300–2600
Harappiana Antiga
3300–2800
Harappiana 1 (Fase Ravi)
2800–2600
Harappiana 2 (Fase Kot Diji, Nausharo I, Mehrgarh VII)
2600–1900
Harappiana Madura (Civilização do Vale do Indo)
Integração
2600–2450
Harappiana 3A (Nausharo II)
2450–2200
Harappiana 3B
2200–1900
Harappiana 3C
1900–1300
Harappiana Final (Cemitério H); Cerâmica Colorida Ocre
Localização
1900–1700
Harappiana 4
1700–1300
Harappiana 5
1300–300
Louça Cinza Pintada, Louça Polida Negra do Norte (Idade do Ferro)
Tradição Indo-Gangética[2]





[1] Selos eram peças chatas de pedra, de Harappa, com escritos ou figuras. Hoje, mais de 3.500 selos já foram encontrados, em geral quadrados ou retangulares e pequenos, com cerca de 2,5 cm de lado, feitas de pedra sabão ou faiança, cozidas e após trabalhadas com ferramentas de cobre. Pressionadas sobre argila macia, deixavam uma impressão e depois de secas podiam ser utilizadas como etiquetas ou outras finalidades.
[2] A tradição Indo-Gangética refere-se à cultura comum dos vales dos rios Indo e Ganges. O Ganges é um rio internacional que flui pela Índia e Bangladesh e também o mais sagrado rio dos hindus. É o salva-vidas de milhões de indianos que vivem às suas margens e dele dependem para suas necessidades básicas diárias. É adorado como a deusa Ganga no hinduísmo.

Na próxima postagem, continuação com a PARTE 02 da Civilização do Vale do Indo

quarta-feira, 13 de maio de 2015

AS TRÊS PRIMEIRAS GRANDES CIVILIZAÇÕES MUNDIAIS: EGITO (PARTE 07 - FINAL)

IV.2.3 – Arquitetura e Arte


A arquitetura inclui algumas das mais famosas estruturas do mundo: as Grandes Pirâmides de Giza e os templos em Tebas, local do famoso complexo de templos de Karnak, 2,5 km ao norte de Luxor. Os projetos eram organizados e custeados pelo Estado com finalidades religiosas e comemorativas, mas também como reforço do poder do faraó. Os antigos egípcios eram perito construtores: com ferramentas simples, mas efetivas, e instrumentos óticos, os arquitetos podiam construir grandes estruturas de pedra com precisão.
Os camponeses viviam em casas simples, mas os palácios da elite eram estruturas mais elaboradas. Alguns palácios sobreviventes do Novo Reino, como os de Malkata e Amarna, mostram paredes ricamente decoradas e pisos com cenas de pessoas, pássaros, lagos, deidades e desenhos geométricos. Estruturas mais importantes, com o templos e tumbas, eram feitas com a intenção de durar eternamente. Eram construídas com pedras ao invés de tijolos e incluíam apoios de pilares e vigas, com motivos de papiros e lótus.
Os mais antigos templos egípcios preservados, como os de Giza, consistem de halls fechados simples com lajes suportadas por colunas. No Novo Reino, arquitetos adicionavam pátios abertos e o hall fechado com teto sobre colunas, na frente do santuário do templo, num estilo que se tornou padrão até o período greco-romano. A mais antiga e popular arquitetura de tumba no Reino Antigo era a mastaba, já comentada acima. A pirâmide em degraus, de Djoser, é formada por uma série de mastabas de pedra, empilhadas umas sobre as outras. As pirâmides foram construídas durante os Reinos Velho e Médio, mas a maioria dos últimos governantes abandonou-as em favor de tumbas de pedra cortada, menos notáveis. A 25ª Dinastia foi uma notável exceção, já que todos os seus faraós construíram pirâmides.
Os antigos egípcios produziram arte para servir a objetivos funcionais. Por mais de 3500 anos, artistas aderiram a formas e iconografia artística desenvolvidas durante o Reino Antigo, seguindo um conjunto estrito de princípios que resistiram à influência estrangeira e à mudanças internas. Esses padrões artísticos – linhas simples, formas e áreas planas, de cor, combinadas com a característica projeção plana de figuras, sem indicação de profundidade espacial – criaram um senso de ordem e equilíbrio dentro de uma combinação. Imagens e textos eram intimamente entrelaçados em paredes de túmulos e templos, sarcófagos, marcos e estátuas. A “Paleta de Narmer” – descoberta arqueológica egípcia datando do século XXXI AC e mostrando o rei Narmer -, por exemplo, apresenta figuras que também podem ser lidas como hieróglifos. Regras rígidas governavam sua aparência altamente estilizada e simbólica e, por essa razão, a arte egípcia antiga serviu a seus fins políticos e religiosos com precisão e clareza.
Os artesãos egípcios usavam pedra para esculpir estátuas e relevos delicados, mas podiam usar madeira como um substituto barato e facilmente esculpido. As tintas eram obtidas de minerais como minério de ferro (ocre vermelho e amarelo), minério de cobre (azul e verde), fuligem ou carvão (negro) e calcário (branco). As tintas podiam ser misturadas com goma arábica, servindo como liga, e então moldadas em barras, que podiam ser umedecidas com água, quando necessário.
Os faraós usavam relevos para registro de vitórias em batalha, decretos reais e cenas religiosas. Cidadãos comuns tinham acesso a peças de arte funerária, em que acreditavam protege-los no após vida. Durante o Reino Médio, modelos de madeira ou argila, representando cenas da vida de cada dia, tornaram-se populares nas tumbas. Esses modelos mostram operários, casas, barcos e mesmo formações militares, em representações em escala, do ideal do antigo egípcio após a morte.
Casal real, estilo Amarna, Museu Egípcio, Berlim
A despeito da homogeneidade da arte egípcia antiga, os estilos de épocas e locais particulares refletiam a mudança de atitudes culturais ou políticas. Após a invasão dos hicsos, no Segundo Período Intermediário, afrescos no estilo do rei Minos (ilha de Creta) ainda eram encontrados em Avaris. O exemplo mais contundente de uma mudança conduzida pela política nas formas artísticas, vem do Período Amarna, onde figuras foram radicalmente alteradas para conformar-se às ideias religiosas revolucionárias de Akhenaten. Este estilo, conhecido como arte Amarna, foi rápida e radicalmente apagado após a morte de Akhenaten e substituído pelas formas tradicionais, conforme vimos.

IV.2.4 – Crenças Religiosas e Costumes Fúnebres

As crenças no divino e no pós vida eram enraizadas na antiga civilização egípcia, desde o seu início; o mando faraônico era baseado no divino direito dos reis. O panteão egípcio era povoado por deuses com poderes supernaturais que eram chamados por ajuda ou proteção. Contudo os deuses nem sempre eram vistos como benevolentes e os egípcios acreditavam que eles tinham que ser acalmados com ofertas e orações. A estrutura desse panteão mudava continuamente à medida que novas deidades eram promovidas na hierarquia, mas os sacerdotes não faziam esforços para organizar os vários e conflitantes mitos e histórias num sistema coerente. Essas várias concepções de divindade não eram consideradas contraditórias mas apenas camadas das múltiplas facetas da realidade.
Os deuses eram adorados em templos de culto administrados por sacerdotes atuando em nome do rei. No centro do templo ficava a estátua cultuada, em um relicário. Os templos não eram locais de adoração ou reunião pública; somente em dias de festa selecionados, um relicário com a estátua do deus era trazido para fora para adoração pública. Cidadãos comuns podiam adorar estátuas privadas em suas casas e amuletos ofereciam proteção contra as forças do caos. Após o Novo Reino, o papel do faraó como intermediário espiritual perdeu um pouco da força à medida que os costumes religiosos mudavam para a direta adoração dos deuses. Como resultado, os sacerdotes desenvolveram um sistema de oráculos para comunicar a vontade dos deuses diretamente ao povo.
Os egípcios criam que cada ser humano era composto de partes ou aspectos físico e espiritual. Além do corpo, cada pessoa tinha uma “ sombra”, uma personalidade ou alma, uma “força vital” e um nome. O coração, ao invés do cérebro, era considerado o assento dos pensamentos e emoções. Após a morte, os aspectos espirituais eram liberados do corpo e podiam mover-se livremente, mas requeriam os restos mortais (ou um substituto, como uma estátua) como um lar permanente. O objetivo final do morto era reencontrar seus aspectos espirituais e tornar-se um “morto abençoado”, vivendo como um “ser efetivo”.
Os antigos egípcios mantinham um elaborado conjunto de práticas funerárias que acreditavam necessárias para garantir a imortalidade após a morte. Esses costumes envolviam a preservação do corpo, por mumificação, a realização de cerimônias fúnebres e o sepultamento, junto com o corpo, de bens que o morto usaria no pós vida. Antes do Reino Antigo, os corpos enterrados em covas no deserto eram naturalmente preservadas por dessecamento. As condições áridas do deserto foram uma benção, por toda a história do antigo Egito, para o enterro dos pobres, que não dispunham de recursos para as elaboradas preparações fúnebres disponíveis às elites. Os egípcios mais ricos começaram a enterrar seus mortos em tumbas de pedra e a usar a mumificação artificial, que envolvia a remoção dos órgãos internos, o envolvimento do corpo em linho e o enterro num sarcófago retangular de pedra ou de madeira. A partir da Quarta Dinastia, algumas partes eram preservadas, separadamente, em canopos (jarros).
Pelo Novo Reino, os egípcios haviam aperfeiçoado a arte da mumificação. A melhor técnica levava 70 dias e envolvia a remoção de órgãos internos, do cérebro, pelo nariz, e o dessecamento do corpo numa mistura de sais. O corpo era então envolvido em linho, com amuletos protetores entre as camadas, e colocado num caixão decorado e com forma humana. As múmias do Último Período eram também colocadas em caixas de múmias decoradas. As práticas de preservação declinaram durante as eras Ptolomaica e Romana, quando a maior ênfase era colocada na aparência externa da múmia, que era decorada.
Egípcios ricos eram enterrados com grandes quantidades de bens luxuosos, embora todos os enterros, independente do seu status social, incluíssem bens para o morto. A partir do Novo Reino, textos funerários eram incluídos no túmulo, com estatuetas que se acreditava realizar trabalhos manuais para eles, no pós vida. Após o enterro, os parentes podiam, ocasionalmente, levar alimento ao túmulo e recitar orações em favor do morto.

IV.2.5 – Exército

O exército do Antigo Egito era responsável pela sua defesa contra a invasão estrangeira e pela manutenção dos seus domínios no antigo Oriente Próximo. Durante o Reino Antigo, ele protegeu expedições de mineração no Sinai e lutou guerras civis durante os Primeiro e Segundo Períodos Intermediários. O exército era também responsável pela manutenção de fortificações ao longo de importantes rotas de comércio e pela construção de fortes que servissem de bases militares. Durante o Novo Reino, vários faraós usaram seu respeitado exército para atacar e conquistar Kush e partes do Levante.
Seu equipamento militar típico incluía arcos e flechas, lanças e escudos arredondados, de peles de animais esticadas sobre armações de madeira. No novo reino, carros que haviam sido introduzidos, anteriormente, pelos invasores hicsos, começaram a ser usados. Armas e armaduras continuaram a ser melhoradas após a adoção do bronze: escudos em madeira maciça com revestimento de bronze, lanças com pontas de bronze e as espadas tipo foice adotadas dos soldados asiáticos. O faraó era normalmente representado, em arte e literatura, a frente de seu exército e alguns deles assim o fizeram, realmente, embora não fosse comum esse procedimento à época. Os soldados eram recrutados da população geral, mas durante, e especialmente após, o Novo Reino, mercenários da Núbia, Kush e Líbia foram contratados para lutar pelo Egito.

IV.2.6 – Tecnologia, Medicina e Matemática

O Egito alcançou um padrão relativamente alto de produtividade e sofisticação na tecnologia, medicina e matemática.
Mesmo antes do Antigo Reino, os egípcios antigos haviam desenvolvido um material vítreo conhecido como faiança, que eles tratavam como um tipo de pedra artificial semi-preciosa. Era uma cerâmica não argilosa, feita de sílica, pequenas quantidades de cal e soda e um corante, geralmente cobre. Esse material era usado para fazer contas, telhas, ladrilhos, estatuetas e louça.
Os antigos egípcios podiam fabricar uma ampla variedade de objetos de vidro com grande habilidade, mas não se sabe se eles desenvolveram o processo de forma independente. Também não é claro se eles fizeram seu próprio vidro bruto ou importaram barras pré-fabricadas, que fundiam e acabavam. Contudo, eles possuíam expertise técnico para a confecção de objetos, bem como na adição de micro elementos para controlar a cor dos vidros acabados. Uma boa variedade de cores podia ser produzida, incluindo amarelo, vermelho, verde, azul, púrpura e branco, e o vidro podia ser transparente ou opaco.
Os problemas médicos dos egípcios antigo, advinham diretamente do seu meio ambiente. Vivendo e trabalhando próximo do rio Nilo, corriam o risco da malária e parasitas da esquistossomose, que lhes causavam danos ao intestino e fígado. Animais selvagens como crocodilos e hipopótamos eram também uma ameaça comum. Os trabalhos na agricultura e construção por toda a sua vida, sacrificavam espinha e juntas e ferimentos traumáticos da construção e guerras eram um pesado tributo ao corpo. Arenito e areia da moagem desgastavam os dentes deixando-os sensíveis a abcessos (embora as cáries fossem raras).
As dietas dos ricos eram ricas em açúcar, o que causava doenças periodontais. A despeito das características agradáveis representadas nas paredes das tumbas, o sobre peso das múmias da maioria da classe alta reflete os efeitos de uma vida ociosa. A expectativa de vida do adulto era de 35 anos para os homens e 30 anos para as mulheres, mas cerca de 1/3 da população morria na infância.
Os médicos egípcios eram renomados no antigo Oriente Próximo, por sua perícia na cura e alguns, como Imhotep, permaneceram famosos por longo tempo após suas mortes. Registros de Heródoto mostram que já havia um alto grau de especialização à época, alguns médicos tratando apenas cabeça e estômago, enquanto outros apenas de olhos e dentes. O treinamento de médicos ocorria na “Casa da Vida”, principalmente os que tinham sede em Per Bast, cidade do Delta do Nilo, durante o Novo Reino, e em Abydos, no Último Período. Papiros médicos mostram um bom conhecimento empírico de anatomia, ferimentos e tratamentos práticos. Feridas eram tratadas por bandagens com carne crua, linho branco, suturas, curativos e algodões empapados com mel para evitar as infecções, enquanto ópio, tomilho e beladona eram usados para aliviar a dor. Os mais antigos registros de tratamento de queimaduras descrevem bandagens de queimadura que usavam o leite de mães de bebês machos. Orações eram feitas para a deusa Isis. Pão mofado, mel e sais de cobre eram usados para prevenir a infecção. Alho e cebola eram usados regularmente para promover a boa saúde, acreditando-se que aliavam os sintomas da asma. Cirurgiões egípcios costuravam ferimentos, arrumavam ossos quebrados e amputavam membros doentes, mas reconheciam que alguns ferimentos eram tão sérios que só podiam manter o paciente confortável até que ocorresse a morte.
Os primeiros egípcios sabiam como reunir pranchas de madeira para o casco de um navio e haviam dominado formas avançadas de construção naval já por 3000 AC. O Instituto Arqueológico da América atesta que 14 navios ainda não desenterrados, em Abydos, foram construídos de pranchas de madeira “costuradas” juntas, por meio de tiras entrelaçadas, com grama ou junco entre as pranchas para selar as costuras. O mais antigo desses navios data de 3000 AC (cerca de 5.000 anos de idade) e tem 23 m de comprimento e pode ter pertencido ao rei Aha. Sabe-se que grandes navios marítimos foram muito usados pelos egípcios no comércio com cidades-estados do Mediterrâneo Oriental, especialmente Biblos (na costa do Líbano moderno) e em várias expedições ao Mar Vermelho, a Punt. De fato, uma das palavras egípcias mais antigas para definir um navio marítimo, foi “Navio Biblos”, mas ao final do Reino Antigo, qualquer que fosse o seu destino, ele seria chamado por esse nome.
Mersa Gawasis, no Mar Vermelho
Em 2011 arqueólogos da Itália, EUA e Egito, escavando uma lagoa seca, Mersa Gawasis, descobriram traços desenterrados de um antigo porto que no passado lançou expedições famosas ao mar aberto. Uma das evidências mais evocativas inclui grandes navios de madeira e centenas de metros de cordas de papiro enrolados em imensos rolos. Em 2013 uma equipe de arqueólogos franco-egípcios descobriram o que pode ser o porto mais antigo do mundo, datando de 4500 AC, da época do Rei Queops, na costa do Mar Vermelho, cerca de 110 milhas ao sul de Suez.
Os mais antigos exemplos atestados de cálculos matemáticos datam do Período Naqada pré-dinástico e mostram um sistema numérico totalmente desenvolvido. A importância da matemática para um egípcio educado é sugerida por uma carta do Novo Reino em que o escritor propões uma competição escolar entre ele e outro escriba, sobre tarefas corriqueiras envolvendo cálculos, como avaliação de terras, trabalho e grãos. Textos como o Papiro Matemático de Rhind e o Papiro Matemático de Moscou, mostram que os egípcios antigos podiam realizar as quatro operações matemáticas básicas, usar frações, calcular volumes de caixas e pirâmides e calcular áreas de retângulos, triângulos círculos. Eles entendiam os conceitos básicos de álgebra e geometria e podiam resolver conjuntos simples de equações simultâneas.
A notação matemática era decimal e baseada em hieróglifos para cada potência de dez até um milhão. Cada um desses sinais era escrito o número de vezes necessário para se chegar até o número. Por exemplo, para se escrever o número oito, ou oitenta, ou oitocentos, escrevia-se o sinal para 1, 10 ou 100, respectivamente, repetindo-o oito vezes. Algumas das características de seu método, certamente seriam hoje bem mais complicadas do que o nosso sistema decimal como o conhecemos.
Os matemáticos egípcios antigos possuíam compreensão dos princípios básicos do Teorema de Pitágoras, sabendo, por exemplo, que o triângulo retângulo tinha um ângulo reto oposto à hipotenusa e que seus lados mantinham uma relação de 3, 4 e 5. Calculavam a área do círculo como 8/9 do seu diâmetro elevado ao quadrado, um valor muito próximo de [(πD**2)/4] ou (πr**2).

V - LEGADO

A cultura e os monumentos do antigo Egito, constituem um duradouro legado ao mundo moderno. O culto da deusa Isis, por exemplo, tornou-se popular no Império Romano, quando obeliscos e outras relíquias foram transportados para Roma. Os romanos também importaram materiais de construção do Egito para erigir estruturas no estilo egípcio. Historiadores antigos, como Heródoto, Strabo e Diodorus Siculus, estudaram e escreveram sobre a terra que os romanos conheceram, como um lugar de mistério.
Durante a Idade Média e o Renascimento, a cultura egípcia pagã estava em declínio após a ascensão do Cristianismo e, posteriormente, do Islamismo; mas o interesse na antiguidade egípcia prosseguiu nos escritos de estudiosos medievais. Nos séculos XVII e XVIII, viajantes e turistas europeus trouxeram de volta antiguidades e escreveram a histórias de suas jornadas, conduzindo a uma onda de Egiptomania por toda a Europa. Esse renovado interesse enviou colecionadores ao Egito, que tomaram, adquiriram ou ganharam antiguidades muito importantes.
Embora a colonização europeia do Egito tenha destruído uma parte significativa do legado histórico do país, alguns estrangeiros tiveram resultados mais positivos. Napoleão, por exemplo, arranjou os primeiros estudos em Egiptologia quando trouxe 150 cientistas e artistas para estudar e documentar a história natural do Egito, publicada na “Descrição do Egito”.
No século XX, o governo e arqueólogos egípcios reconheceram a importância do respeito e integridade cultural nas escavações. O “Supremo Conselho de Antiguidades” agora aprova e supervisiona todas as escavações, realizadas para a busca de informações ao invés de tesouros. O Conselho também supervisiona museus e programas de reconstrução de monumentos projetados para preservar o legado histórico do Egito, uma das grandes civilizações mundiais.

Na próxima postagem, INÍCIO DA CIVILIZAÇÃO DO INDO

sexta-feira, 8 de maio de 2015

AS TRÊS PRIMEIRAS GRANDES CIVILIZAÇÕES MUNDIAIS: EGITO (PARTE 06)

IV – PRINCIPAIS TRAÇOS DA CIVILIZAÇÃO EGÍPCIA

Até aqui apresentamos a geografia e a história da civilização egípcia, mas não gostaríamos de encerrar esta seção sem apresentar as características que mais marcaram este grande império da antiguidade.

IV.1 – GOVERNO E ECONOMIA

IV.1.1 – Administração e Comércio
O faraó era o monarca absoluto do país e, pelo menos em teoria, controlava totalmente a terra e seus recursos. Era também o comandante militar supremo e chefe do governo, que confiava numa burocracia de funcionários para gerenciar seus negócios. Seu segundo em comando era o vizir, encarregado da administração, que agia como representante do Rei e coordenava o levantamento das terras, o tesouro, projetos de construção, o sistema legal e os arquivos. A nível regional o país era dividido em 42 regiões administrativas (nomes), como vimos acima, cada uma governada por um nomarca que prestava contas de sua jurisdição ao vizir. Os templos formavam a espinha dorsal da economia sendo, além das casas de adoração, responsáveis pela coleta e armazenamento da riqueza da nação num sistema de silos e tesourarias administrados por supervisores que redistribuíam os grãos e os bens.
Muito da economia era centralizada e controlada estritamente. Embora os antigos egípcios não usassem cunhagem até o Período Final, usavam um sistema tipo intercâmbio, com sacos de grãos padronizado e o deben, um peso de cerca de 91 g de cobre ou prata que formavam um denominador comum. Os trabalhadores eram pagos em grãos, com um operário simples recebendo 5,5 sacos (200 kg ou 400 libras) de grãos por mês, enquanto um capataz recebia 7,5 sacos. Os preços eram fixados em todo o país e registrados em listas para facilitar o negócio, por exemplo, uma camisa custaria cinco debens de cobre, enquanto uma vaca custaria 140 debens. Grãos podiam ser negociados por outros bens, de acordo com a lista de preços fixos. Durante o século V AC, o dinheiro cunhado foi introduzido no Egito, vindo de fora. Inicialmente as moedas eram utilizadas como peças padronizadas de metais preciosos em vez de dinheiro real, mas nos séculos seguintes mercadores internacionais passaram a confiar na cunhagem.

IV.1.2 – Status Social
A sociedade egípcia era altamente estratificada e o estrato social claramente exibido. Os fazendeiros constituíam o grosso da população, mas a produção agrícola pertencia ao Estado, Templo ou família nobre proprietária da terra. Os fazendeiros eram também sujeitos a uma taxa de trabalho e eram obrigados a trabalhar em projetos de irrigação ou construção num sistema de corveia (trabalho imposto pelo estado, sem remuneração). Artistas e artesãos possuíam status mais elevado que os fazendeiros, mas também ficavam sob controle estatal, trabalhando em lojas ligadas a templos e pagos diretamente pelos cofres públicos. Escribas e funcionários públicos formavam a classe superior no Egito antigo, conhecida como “classe das saias brancas”, em referência às vestimentas de linho branco alvejadas, marca de sua posição. A classe superior exibia de forma manifesta seu status social na arte e literatura. Abaixo da nobreza estavam os sacerdotes, médicos e engenheiros com treinamento especializado em seu campo. A escravidão era conhecida no Egito antigo, mas a extensão e prevalência de sua prática não são claras.
Os egípcios antigos viam homens e mulheres de todas as classes sociais, exceto os escravos, essencialmente iguais perante a lei, e mesmo o camponês mais inferior poderia chegar ao vizir e sua corte para pedido de reparo. Entretanto, os escravos eram na maior parte dos casos usados como servos contratados. Podiam comprar e vender ou buscar sua liberdade ou nobreza e eram normalmente tratados por médicos no local de trabalho. Homens e mulheres tinham direito à posse e venda de propriedade, a contratar, casar e divorciar, receber herança e buscar disputas legais na corte. Casais podiam possuir propriedades em conjunto e proteger-se do divórcio pela anuência a contratos de casamento que estipulavam as obrigações financeiras do marido para com a esposa e filhos se o casamento terminasse. Comparados aos seus contrapartidas na antiga Grécia, Roma ou até mesmo lugares mais modernos no mundo, as mulheres egípcias possuíam uma gama superior de escolhas e oportunidades pessoais. Mas, a despeito dessas liberalidades, as mulheres egípcias antigas não tomavam parte em funções oficiais na administração, exerciam apenas papeis secundários nos templos e não eram, em geral, tão educadas quanto os homens.

IV.1.3 – Sistema Legal
O chefe do sistema legal era, oficialmente, o faraó, responsável pela aprovação das leis, fazer justiça e manter a lei e a ordem. Embora não sobreviva qualquer código legal do Egito antigo, documentos da corte mostram que a lei egípcia era baseada numa visão de senso comum do certo e errado que enfatizava acordos obtidos e conflitos resolvidos, ao invés de aderir estritamente a um complicado conjunto de estatutos. Conselhos locais de anciãos (Kenbet), no Novo Reino, eram responsáveis por conduzir na corte casos envolvendo pequenas queixas e disputas; os casos mais sérios, envolvendo crimes, transações importantes de terras e roubos de túmulos eram enviados ao Grande Kenbet, sobre o qual presidia o Vizir ou o Faraó. Réus e queixosos se auto representavam e eram obrigados a jurar que falavam a verdade. Em alguns casos, o Estado assumia os dois papéis, o de promotor e juiz e podia torturar o acusado, com pancadas, para obter a confissão e os nomes dos co-conspiradores. Fossem as penas leves ou graves, os escribas da corte documentavam a queixa, o testemunho e o veredito do caso para referência futura.
A punição para pequenas faltas envolvia a imposição de multas, pancadas, mutilação facial ou exílio, dependendo da severidade da ofensa. Crimes sérios como assassinato e roubo de túmulos eram punidos com execução, por decapitação, afogamento ou empalação do criminoso na estaca. A punição podia também ser estendida à família do criminoso. A partir do Novo Reino, os oráculos representavam um papel importante no sistema legal, dispensando justiça nos casos civil e criminal. O procedimento era colocar ao deus uma pergunta de resposta “sim” ou um “não”, relativa ao certo ou errado de uma dada questão. O deus, carregado por alguns sacerdotes, julgava pela escolha de uma ou outra, movendo-se para a frente ou para trás ou apontando para uma das respostas escritas em uma peça de papiro ou pedaço de louça quebrado (ostracon).

IV.1.4 – Agricultura e Pecuária
Uma combinação de características geográficas favoráveis contribuiu para o sucesso da cultura do antigo Egito, o mais importante dos quais o fértil solo resultante das inundações anuais do rio Nilo. Com isso produziam abundância de alimentos, o que permitia à população devotar mais tempo e recursos às atividades culturais, tecnológicas e artísticas. O gerenciamento da terra era crucial no antigo Egito porque os impostos eram avaliados com base na quantidade de terras que uma pessoa possuía.
Os egípcios reconheciam três estações: a das cheias (Akhet), o plantio (Peret) e a colheita (Shemu). A primeira ia de junho a setembro, depositando nas margens do rio uma camada de silte rica em minerais, ideal para a agricultura. Após as águas baixarem, a estação do plantio e crescimento durava de outubro a fevereiro. Os fazendeiros aravam e semeavam nos campos que eram irrigados com valas e canais, já que chuva, propriamente dita, era muito pouca. De março a maio os fazendeiros usavam foices para realizar a colheita que era então sovada com um malho para separar o grão da palha. A peneiragem separava os grãos dos resíduos e o grão era então moído em farinha, fermentado para a cerveja ou armazenado para uso posterior.
Cultivavam trigo, cevada e vários outros cereais, usados para fazer os dois principais gêneros de alimentos: pão e cerveja. Plantas de fibras, arrancadas antes que começassem a florescer, eram cultivadas pelas fibras dos seus caules, para fazer tecidos e roupas. O papiro cultivado às margens do Nilo era usado para fazer papel. Vegetais e frutas eram cultivadas em faixas de jardins, próximos às habitações e em locais mais altos, sendo irrigados a mão. Os vegetais incluíam alho poró, alho, melão, abóbora, leguminosas, alface e outras, além da uva usada para fazer o vinho.
Os egípcios acreditavam que uma relação equilibrada entre pessoas e animais era um elemento essencial na ordem cósmica, com humanos, animais e plantas membros de um só todo. Animais, domésticos ou selvagens, eram uma fonte crítica de espiritualidade, companhia e sustentação para os antigos egípcios. O gado era a criação mais importante e dela a administração coletava impostos por censos regulares. O tamanho do rebanho refletia o prestígio e importância do estado ou templo proprietário. Além do gado, os antigos egípcios criavam ovelhas, cabras e porcos. Aves como patos, gansos e pombas eram capturados em ninhos e alimentados a força, em fazendas, com farinha, para engordar. O Nilo funcionava também como enorme fonte de peixes. Abelhas eram criadas pelo menos desde o Reino Antigo, fornecendo mel e cera.
Os egípcios antigos usavam jumentos e bois como bestas de carga, responsáveis pela aragem dos campos e pelo pisoteio das sementes no solo. O sacrifício de um boi gordo era também parte central de um ritual de oferta. Os cavalos foram introduzidos pelos hicsos no Segundo Período Intermediário e o camelo, embora conhecido desde o Novo Reino, só foi usado como besta de carga a partir do Período Final. Há também evidências que sugerem que os elefantes foram brevemente utilizados no Período Final, mas abandonados por falta de terra com pasto. Cães, gatos e macacos eram animais comuns de estimação, ao passo que animais de estimação mais exóticos, como leões, eram importados do coração da África, para a realeza. Heródoto observou que os egípcios eram o único povo a manter seus animais consigo, em suas casas. Durante os períodos Pré-Dinástico e Último, a adoração dos deuses em sua forma animal foi extremamente popular: a deusa gato Bastet e o deus íbis Thoth; esses animais eram criados em grandes quantidades, em fazendas, para sacrifícios rituais.

IV.1.5 – Recursos Naturais
O Egito era rico em pedras de construção e decoração, minério de cobre e chumbo, ouro e pedras semi-preciosas. Tais recursos naturais permitiram aos antigos egípcios construir monumentos, esculpir estátuas, fazer ferramentas e joias da moda. Embalsamadores usavam sal do wadi Al Natrum (vale do delta do Nilo) para mumificação, que também fornecia o gesso necessário para reboco. Formações rochosas com minérios eram encontradas em vales distantes e inóspitos no deserto oriental e no Sinai, exigindo grandes expedições controladas pelo estado para a sua obtenção. Havia também grandes minas de ouro na Núbia e um dos primeiros mapas conhecidos é de uma mina de ouro nesta região. O wadi Hammamat (no deserto oriental do Egito) era uma notável fonte de granito, grauvaca (sedimento arenoso) e ouro. A pederneira foi o primeiro mineral extraído e usado para fazer ferramentas; e machadinhas foram as primeiras peças de evidência de habitação no vale do Nilo, que persistiram mesmo após o cobre ter sido adotado com a mesma finalidade. Os antigos egípcios foram os primeiros a usar minerais, como enxofre, para cosméticos. Exploraram depósitos de minério de chumbo (galena) em Gebel Rosas para fazer chumbadas de redes, fios de prumo e pequenas estatuetas. O cobre foi o mais importante metal para o fabrico de ferramentas no antigo Egito e era refinado em fornos a partir de minério de malaquita explorado no Sinai. Os operários obtinham ouro lavando as pepitas de sedimentos em depósitos aluviais ou por processos mais trabalhosos de trituração e lavagem de quartzito contendo ouro. Depósitos de ferro encontrados no Egito Superior foram utilizados no Último Período. Pedras de construção de alta qualidade eram abundantes no Egito e seus operários extraíam pedra calcárea ao longo de todo o Nilo, granito de Aswan e basalto e arenito dos wadis do deserto oriental. Depósitos de pedra decorativa como pórfiro, grauvaca, alabastro e cornalina abundavam o deserto oriental e eram obtidos desde antes da Primeira Dinastia. Nos Períodos Ptolomaico e Romano, mineradores trabalhavam depósitos de esmeraldas no wadi Sikait e ametistas no wadi el-Hudi.

IV.1.6 – Comércio
Os egípcios antigos negociavam com seus vizinhos para obter bens raros e exóticos inexistentes no Egito. No Período Pré-Dinástico estabeleceram comércio com a Núbia, em busca de ouro e incenso, e com a Palestina como evidenciado pelas jarras de óleo, em estilo palestino, encontradas nos túmulos dos faraós da Primeira Dinastia.
Da Segunda Dinastia em diante, o comércio egípcio com Biblos (cidade mediterrânea do Líbano) produziu uma fonte crítica de madeira de qualidade inexistente no Egito. Pela Quinta Dinastia, o comércio com Punt forneceu ouro, resinas aromáticas, ébano, marfim, animais selvagens, como macacos e babuínos. Do comércio com a Anatólia resultavam quantidades essenciais de estanho e cobre, metais necessários para a manufatura do bronze. Valorizavam o lápis-lazúli, importado do longínquo Afeganistão. Os parceiros comerciais do Egito no Mediterrâneo incluíam a Grécia e Creta, que forneciam, entre outros bens, o óleo de oliva. Em troca por seus produtos importados, o Egito exportava, principalmente, grãos, ouro, linho e papiro, além de outros produtos acabados, como vidro e objetos de pedra.

IV.2 – CULTURA

IV.2.1 – Escrita e Literatura
Pedra de Roseta, chave na decifração dos hieróglifos
A escrita hieroglífica surgiu cerca de 3000 AC. Era composta de centenas de símbolos que representavam palavras, sons ou determinações silenciosas. Além disso, o mesmo símbolo podia servir a diferentes finalidades, em diferentes contextos. Os hieróglifos formaram uma escrita formal usada em túmulos e monumentos de pedra, que podiam ser tão detalhados como trabalhos individuais de arte. Na escrita do dia a dia, os escribas usavam uma forma de escrita cursiva, mais rápida e fácil, chamada “hierática”. Enquanto os hieróglifos podiam ser escritos em linhas ou colunas e em qualquer direção (geralmente da direita para a esquerda), a hierática era sempre escrita da direita para a esquerda e em linhas horizontais (normalmente). Uma nova forma de escrita, o “demótico”, tornou-se o estilo prevalente e foi essa forma de escrita que, junto com os hieróglifos, acompanha o texto grego na Pedra de Roseta[1]
A escrita surgiu em associação com os reinados em legendas e citações encontradas em tumbas reais. Era, primariamente, uma ocupação dos escribas, que trabalhavam numa instituição chamada “Casa da Vida”, que compreendia escritórios, bibliotecas (Casa de Livros), laboratórios e observatórios. Algumas das peças mais conhecidas da antiga literatura egípcia, como os Textos das Pirâmides e os Textos dos Sarcófagos, foram escritos em egípcio clássico, que continuou como linguagem escrita até cerca de 1300 AC. O egípcio posterior foi falado a partir do Novo Reino e é representado nos documentos administrativos de Ramesside, poesia romântica e contos, bem como em textos em demótico e, mais modernamente, em cóptico. Durante esse período, a tradição de escrever havia evoluído para a autobiografia dos túmulos, como as de Harkhuf e Weni. O gênero conhecido como Sebayt (instruções), foi desenvolvido para comunicar ensinamentos e orientação oriundos de nobres famosos.
A “História de Sinuhe”, escrita no Egípcio Médio, seria o clássico da literatura egípcia. Da mesma época era o “Papiro de Westcar”, um conjunto de histórias contadas a Khufu (nome de nascimento de faraó da Quarta Dinastia) por seus filhos, relatando as maravilhas realizadas pelos sacerdotes. As “Instruções de Amenemope” (o escriba que as escreveu) é considerado uma obra prima da literatura do Oriente Próximo. Para o final do Novo Reino, a linguagem vernacular foi mais frequentemente empregada para escrever peças populares como a “História de Wenamunand” e a “Instrução de Any”. A partir de 700 AC, histórias, narrativas e instruções, bem como documentos pessoais e profissionais, foram escritos em demótico. Muitas histórias escritas em demótico, durante o período greco-romano, foram baseadas em eras históricas prévias, quando o Egito era uma nação independente governada pelos grandes faraós.

IV.2.2 – Vida Diária
As residências dos antigos egípcios eram restritas aos membros imediatos da família e eram construídas com tijolos de barro feitos para permanecer frios no calor do dia. Cada casa tinha uma cozinha, sem teto, que continha um rebolo para moer grãos e um pequeno forno para assar o pão. As paredes eram pintadas de branco e podiam ser revestidas de cortinas de linho tingido. Os assoalhos eram cobertos com esteiras de junco e a mobília consistia de bancos de madeira, camas suspensas do solo e mesas individuais.
Os egípcios antigos davam grande valor à higiene e aparência. A maioria se banhava no Nilo e usava um sabão pastoso feito de gordura de animal e giz. Os homens depilavam todo o corpo por limpeza; perfumes e unguentos aromáticos cobriam maus odores e amaciavam a pele. As roupas eram feitas de simples folhas de linho alvejadas e tanto homens como mulheres das classes superiores usavam perucas, joias e cosméticos. As crianças não usavam roupas até a maturidade (cerca de 12 anos) e com essa idade os homens eram circuncidados e tinham as cabeças raspadas. As mães eram responsáveis pelo cuidado das crianças enquanto os pais proviam o sustento da família.
A música e a dança eram entretenimentos populares para os que podiam tê-los. Instrumentos primitivos incluíam flautas e harpas, ao passo que instrumentos semelhantes a trompetes, oboés e gaitas de fole se desenvolveram e tornaram-se populares posteriormente. No Novo Reino, os egípcios tocavam sinos, címbalos, tamborins, tambores, alaúdes e liras importados da Ásia. O sistrum era um instrumento musical de percussão tipo chocalho, especialmente importante em cerimônias religiosas.
Os egípcios antigos tinham muitas atividades de lazer, incluindo jogos de tabuleiro e música. Malabarismo e jogos de bola eram populares junto às crianças; luta livre também foi documentada em uma tumba de Beni Hasan. Membros ricos da sociedade egípcia antiga também costumavam caçar e navegar.
A culinária egípcia foi acentuadamente estável no tempo. A dieta básica consistia de cerveja e pão, complementada com vegetais, como cebola e alho, e frutas como tâmaras e figos. Vinho e carne eram apreciados por todos, em dias de festa, ao passo que as classes superiores o faziam com maior frequência. Peixe, carne e aves eram salgadas ou secas e podiam ser cozidas ensopadas ou assadas em grelhas.

[1] A Pedra de Roseta é um marco de granodiorito (semelhante ao granito) que traz um decreto emitido em Memphis, Egito, em 196 AC, por ordem do Rei Ptolomeu V. O decreto aparece em três escritos: o texto superior vem em hieróglifos; a porção média, em demótico; e a porção inferior em grego antigo. Como as três partes representam, essencialmente, o mesmo texto, ela foi a chave para o moderno entendimento dos hieróglifos egípcios.

Na próxima postagem, conclusão do Egito com a PARTE 07