Homenagem ao lendário herói ancestral dos ingleses que deu título a um dos considerados "Cem Maiores Livros do Mundo" e tido como o mais antigo escrito em "Old English".

segunda-feira, 30 de novembro de 2015

A REVOLUÇÃO RUSSA DE 1917 (Parte 5)

VII.2 – A REVOLUÇÃO DE OUTUBRO OU REVOLUÇÃO VERMELHA

As manifestações, enormes, mas desorganizadas e sem nenhuma direção política, haviam falhado em seu objetivo de implantar um governo soviético, ante a negativa dos dirigentes socialistas moderados do Soviete de Petrogrado em tomar o poder e a ausência de uma direção política alternativa dentro do soviete. Os protestos haviam sido a expressão do descontentamento popular e do desejo da formação de um governo exclusivamente socialista, que aplicasse um programa de reformas radicais que incluísse a saída da Rússia da guerra, mudanças no programa econômico e a solução dos graves problemas que assolavam o país. Os bolcheviques se viram forçados a participar dos protestos por conta de um descontentamento popular que não podiam controlar. Para uma parte cada vez maior da população, a coalizão com as forças da burguesia havia fracassado ao não servir para satisfazer seus anseios por reformas fundamentais. Nas províncias, onde o apoio ao Governo Provisório e à coalizão com os liberais era maior, a população começou a demonstrar seu descontentamento nas semanas seguintes aos protestos ocorridos na capital, atitude que foi subestimada pelos socialistas moderados.
Kerensky, chefe do Governo Provisório
da Rússia, em 1917, durante a revolução.
Por seu lado, as classes médias e altas reagiram aos protestos de julho endurecendo sua posição e se negando cada vez mais a realizar novas concessões políticas ou econômicas, o que complicou ainda mais as relações entre socialistas e burgueses.
A crise de governo foi intensificada pela renúncia do Primeiro Ministro Lvov em favor do seu Ministro da Guerra, advogado Alexander Kerensky, do Partido Social-Revolucionário (apesar do nome, essa era uma agremiação política moderada), que gozava de uma certa popularidade, em 21 de julho. O líder dos Revolucionários Socialistas e Mencheviques dos Sovietes declarou que o Governo Provisório se autoconcedia poderes ilimitados. Os sovietes se tornaram um apêndice, sem poder, do governo. O encerramento das demonstrações marcou o fim do poder duplo e o desenvolvimento pacífico da revolução passou a ser visto como impossível.

KERENSKY

Alexander Fyodorovich Kerensky (02/05/1881–11/06/1970) nasceu em Simbirsk (agora Ulyanovsk), no rio Volga, de Fyodor Kerensky, um professor (foi professor de Lenin, amigo de Kerensky) e diretor do ginásio local e de Nadezhda, filha de um nobre russo germânico. Casado com Olga Lvovna Baranovskay, filha de um general russo, foi um advogado e político russo e segundo Premier do Governo Provisório Russo, de julho a novembro de 1917. Foi líder da fação socialista moderada do Partido Revolucionário Socialista e figura chave da Revolução Russa. Trabalhou como conselheiro legal das vítimas da Revolução de 1905 e ao final do ano foi preso como suspeito de pertencer a um grupo militante. Em 1º de novembro de 1916, na abertura da Duma, Kerensky chamou os ministros de “assassinos de aluguel” e “covardes”, dizendo que eram “guiados pelo desprezível Grishka Rasputin”. Quando a Revolução eclodiu em 1917, foi um dos mais proeminentes líderes, como membro do Comitê Provisório da Duma, vice-presidente do Soviete Petrogrado e ministro da justiça no recém-formado Governo Provisório pós-imperial e democrático de Georgy Lvov. Quando o Soviete passou uma resolução proibindo seus membros de se unirem ao Governo, Kerensky dirigiu um comovente discurso ao Soviete; embora a decisão nunca tenha sido formalizada, ele obteve uma exceção de facto e continuou a atuar nas duas posições. Ao final de maio, já como Ministro da Guerra, Kerensky foi à frente de batalha visitando todas as divisões e convocando os homens ao seu dever em discursos fortes e convincentes, mas de pouco efeito duradouro. Sob a pressão aliada para continuar na Guerra, lançou o que ficou conhecido como Ofensiva Kerensky contra o exército Austro-Húngaro/Alemão do sul, no final de junho. Inicialmente vitorioso, a ofensiva foi logo bloqueada e então forçada a recuar por um forte contra-ataque. O exército russo sofreu pesadas perdas e, pelos muitos incidentes de deserção, sabotagem e motins, ficou clara a total falta de vontade de atacar. Após os “Dias de Julho” e a supressão dos Bolcheviques, Kerensky sucedeu a Lvov como Primeiro Ministro da Rússia e com o caso Kornilov e a renúncia de outros ministros autonomeou-se, também, Comandante em Chefe do Exército. Kerensky manteve suas obrigações para com seus aliados da Primeira Guerra, sabendo que a economia tornar-se-ia totalmente inviável e o dilema da retirada aumentou. Além disso, adotou uma política que isolou os conservadores da ala direita, democratas e monarquistas. Sua filosofia de “sem inimigos à esquerda”, fortificou os bolcheviques, permitindo-lhes tomar o braço militar dos Sovietes Petrogrado e Moscou. Quando prendeu Kornilov e outros oficiais ficou sem aliados de força contra os bolcheviques que se tornaram os seus mais fortes e determinados adversários. Levou menos de 20 horas para os bolcheviques, liderados por Lenin, tomarem o seu governo em 7 de novembro. Kerensky fugiu para Pskov onde liderou algumas tropas leais para retomar a cidade, em vão. Mal conseguiu escapar, escondendo-se para finalmente chegar à França. Permaneceu no exílio pelo resto de sua vida, morrendo em New York com a idade de 89 anos e foi enterrado na Inglaterra.

Este novo governo se deteriorou rapidamente, devido à insistência de Kerensky em continuar a guerra contra a Alemanha, apesar dos anseios de paz da população e da impossibilidade de a Rússia poder sustentar um conflito militar de tais proporções. O processo de desintegração do Estado russo continuava. A comida era escassa, a inflação bateu a casa dos 1.000%, as tropas desertavam da frente matando seus oficiais, propriedades da nobreza latifundiária eram saqueadas e queimadas. Nas cidades, conselhos operários eram criados na maioria das empresas e fábricas.
As medidas repressivas do novo governo de Kerensky foram limitadas e ineficazes, não conseguindo reestabelecer a ordem totalmente. O envio das unidades da guarnição, que tiveram maior envolvimento nos protestos, à frente de combate se deu apenas parcialmente e a população não foi desarmada.
Em agosto de 1917, enquanto Lenin se encontrava na Finlândia, o General Lavr Kornilov[1], enviou tropas para Petrogrado no que pareceu ser uma tentativa de golpe contra o Governo Provisório. O Premier Kerensky voltou-se ao Soviete Petrogrado – incluindo seus membros bolcheviques – por ajuda, armando os revolucionários e permitindo-lhes organizar trabalhadores como “Guardas Vermelhos”, para defender a cidade. O golpe enfraqueceu antes de alcançar Petrogrado; contudo, os eventos haviam permitido aos bolcheviques retornar à arena política aberta. Temendo uma contrarrevolução de forças da direita hostis ao socialismo, os mencheviques e revolucionários socialistas, que então dominavam o Soviete Petrogrado, tentaram pressionar o governo para normalizar relações com os bolcheviques. Entretanto, mencheviques e revolucionários socialistas haviam perdido muito apoio popular por sua afiliação com o Governo Provisório e sua condição impopular na Grande Guerra. No começo de setembro, após o fracassado golpe de Estado de Kornilov, o partido de Lenin havia se recuperado completamente do fracasso das manifestações de julho.
O governo Kerensky não consegue mais se manter isolado das principais facções em luta e da Finlândia, onde se havia exilado, Lenin coordena os preparativos para aprofundar a revolução, passando a exigir a tomada imediata do poder, enquanto a Organização Militar Bolchevique, temerosa em repetir o fracasso de julho, defendia que o golpe fosse preparado de forma minuciosa.
Os bolcheviques ingressam em massa nos sovietes e Trotsky é eleito presidente do Soviete Petrogrado. A Guarda Vermelha, uma milícia popular, foi criada nas fábricas para ser o braço armado dos bolcheviques. Lenin entra clandestinamente na Rússia e convence o comando bolchevique a encampar a ideia de revolução. Em setembro, os bolcheviques ganham a maioria nas secções dos trabalhadores dos Sovietes Moscou e Petrogrado. Algumas medidas foram tomadas em vão, como as tentativas de dissolver o partido bolchevique e suas organizações dependentes, apesar da prisão de alguns de seus dirigentes.

TROTSKY

Leon Trotsky, nascido Lev Davidivich Bronshtein (26/10/1879 – 21/08/1940), foi um revolucionário e teorista marxista, político soviético e fundador e primeiro líder do Exército Vermelho.
No início de 1897, Trotsky ajudou a organizar a União dos Trabalhadores do Sul da Rússia. Em janeiro de 1898, ele e mais de 200 membros da União foram presos e por dois anos aguardaram julgamento. Na prisão de Moscou fez contato com outros revolucionários e pela primeira vez ouviu falar em Lenin e seus livros, tornando-se um marxista e passando a identificar-se com o POSDR. Em 1900 foi sentenciado a quatro anos de exílio na Sibéria, com a esposa Aleksandra, com quem tinha casado na prisão, e lá tiveram duas filhas. Em 1902 fugiu da Sibéria para Londres (onde manteve contato com Lenin também exilado) e logo separou-se de sua esposa, casando-se em seguida, mas permaneceram amigos. Suas filhas morreram diante dos pais e sua esposa foi assassinada em 1938 por forças stalinistas. Voltou à Rússia durante a Revolução de 1905 e no ano seguinte, foi preso e deportado, passando por diversos países e chegando finalmente aos Estados Unidos, onde recebeu a notícia da revolução de fevereiro de 1917. Trotsky, que inicialmente apoiara a facção menchevique do POSDR, uniu-se aos bolcheviques imediatamente antes da Revolução de Outubro, acabando por tornar-se um de seus líderes. Junto com Lenin, Zinoviev, Kamenv, Stalin, Sokolnikov e Bubnov, foi um dos sete membros do primeiro Politburo (o Politburo do Comitê Central do Partido Comunista da União Soviética foi o máximo órgão de governo e direção do Partido Comunista nos períodos intercongressos e era formado pelos principais membros do Comité Central e, na teoria, sujeito à sua disciplina. Na prática, o Politburo funcionava como o órgão principal de tomada de decisões políticas e o seu controle sobre o partido e sobre o Estado era quase absoluto) fundado em 1917 para gerenciar a Revolução Bolchevista. Durante os primeiros dias da República Federativa Socialista Soviética Russa (RFSSR) e da União Soviética serviu, primeiro, como Comissário do Povo para as Relações Exteriores e mais tarde como fundador e comandante do Exército Vermelho, com o título de Comissário do Povo dos Assuntos Navais e Militares. Foi figura importante na vitória bolchevique na Guerra Civil Russa (1918-1921) e tornou-se um dos primeiros membros do Politburo (1919-1926). Após liderar um conflito fracassado da oposição de esquerda contra as políticas e a ascensão de Stalin na década de 1920, e contra o papel crescente da burocracia na União Soviética, Trotsky foi removido do poder em outubro de 1927, expulso do Partido Comunista em novembro de 1927 e, finalmente, exilado da União Soviética, em fevereiro de 1929. Basicamente, Trotsky propugnava a expansão da revolução por outros países, enquanto Stalin formulava a doutrina do socialismo em um país único. Como presidente da Quarta Internacional, Trotsky continuou no exílio como opositor da burocracia stalinista na União Soviética. Por ordem de Stalin, foi assassinado no México, em agosto de 1940, por Ramon Mercader, um agente soviético espanhol. As ideias de Trotsky formaram a base do trotskysmo, escola importante do pensamento marxista que se opõe às teorias do stalinismo. Foi uma das poucas figuras políticas soviéticas que não foram reabilitadas pelo governo sob Nikita Khrushchev, na década de 1950. Ao final da década de 1980 seus livros foram liberados para publicação na União Soviética.

De setembro a outubro, a ofensiva militar contra os alemães, organizada por Kerensky (pressionado pelos aliados franco-britânicos) é derrotada. Milhares de soldados abandonam a frente, desertando em massa, terminando por engrossar as fileiras dos bolcheviques que prometiam paz imediata e distribuição das terras para os camponeses.
Em 6 de Outubro, com o avanço alemão ameaçando Petrogrado, o governo planejou evacuar a cidade. O Comitê Central foi contra e o plano foi abandonado. No dia 9, o Soviete votou a favor de um Comitê Militar Revolucionário (CMR) que o protegesse de possíveis golpes no estilo de Kornilov. Na prática, entretanto, esse comitê foi pouco mais que uma fachada para a atividade dos Guardas Vermelhos. Na noite de 21 de outubro, o CMR tomou o controle da guarnição de Petrogrado em nome da seção dos soldados do Soviete. O comandante do distrito, Coronel Polkovnikov, se recusou a ceder o comando, e foi condenado publicamente como "contrarrevolucionário".
A insurreição bolchevique começou em 24 de outubro, quando as forças contrarrevolucionárias tomaram medidas modestas para proteger o governo. O CMR enviou grupos armados para tomar as principais agências telegráficas e baixar as pontes sobre o rio Neva. A ação foi rápida e sem impedimentos.
O Governo Provisório não tinha mais condições de subsistir. Na madrugada do dia 25 de outubro, os bolcheviques liderados por Lenin, Zinoviev e Radek, com a ajuda de elementos anarquistas e Socialistas Revolucionários, cercaram a capital, onde estavam sediados o Governo Provisório e o Soviete de Petrogrado. Apoiados pelos principais regimentos de Petrogrado, pelos marinheiros da esquadra do Báltico e da Fortaleza de Kronstadt, e pelos Guardas Vermelhos (operários armados), tomam de assalto o Palácio de Inverno - sede do Governo Provisório. O mesmo acontece na maior parte do país, havendo apenas resistência maior em Moscou.
Um comunicado declarando o fim do Governo Provisório e a transferência do poder para o Soviete de Petrogrado foi emitida pelo CMR às 10 horas de 25 de outubro – de fato escrito por Lenin. À tarde, uma sessão extraordinária do Soviete de Petrogrado foi presidida por Trotsky. Ela estava cheia de deputados bolcheviques e socialistas de esquerda. O Segundo Congresso de Sovietes abriu naquela noite, escolhendo um Conselho de Comissários do Povo composto por três mencheviques e 21 bolcheviques e socialistas de esquerda que formaria a base de um novo governo. O Comitê Executivo do Soviete de Petrogrado rejeitou a decisão daquele congresso e convocou os sovietes e o exército para defender a Revolução.
Muitos foram presos, mas Kerensky conseguiu fugir da Rússia. À tarde, numa sessão extraordinária, o Soviete de Petrogrado delegou o poder governamental ao Conselho dos Comissários do Povo, dominado pelos bolcheviques e chefiado por Lenin. O Comitê Executivo do mesmo Soviete de Petrogrado rejeitou a decisão dessa assembleia e convocou os sovietes e o exército a defender a Revolução contra o golpe bolchevique. Entretanto, os bolcheviques predominaram na maior parte das províncias de etnia russa. O mesmo não se deu em outras regiões, tais como a Finlândia, a Polônia e a Ucrânia.
Na noite do dia 26 de outubro o Congresso aprovou o Decreto da Paz, propondo a retirada imediata da Rússia da Primeira Guerra Mundial e o Decreto da Terra, que propunha a abolição da propriedade privada e a redistribuição de terras entre os camponeses. Os bolcheviques finalmente haviam tomado o poder. Os sovietes, controlados por eles, haviam se transformado no poder de fato da Rússia, dissolvendo e anulando o papel da Duma e o governo de Kerensky.
Em 3 de novembro de 1917, um esboço do Decreto sobre o Controle Operário foi publicado. Esse documento instituía a autogestão em todas as empresas com cinco ou mais empregados. Isto acelerou a tomada do controle de todas as esferas da economia por parte dos conselhos operários, e provocou um caos generalizado, ao mesmo tempo que acelerou ainda mais a fuga dos proprietários para o exterior. Até mesmo Emma Goldman[2] viria a reconhecer que as empresas que se encontravam em melhor situação eram justamente aquelas em que os antigos proprietários continuavam a exercer funções gerenciais. Entretanto, este decreto levou a classe trabalhadora a apoiar o recém-criado e ainda fraco regime bolchevique, o que possivelmente teria sido o seu principal objetivo. Durante os meses que se seguiram, o governo bolchevique procurou então submeter os vários conselhos operários ao controle estatal, por meio da criação de um Conselho Pan-Russo de Gestão Operária. Os anarquistas se opuseram a isto, mas foram voto vencido. 
Lenin, Trotsky e a instalação do primeiro Estado Socialista
Era consenso entre todos os partidos políticos russos a necessidade da criação de uma assembleia constituinte, única com autoridade para decidir sobre a forma de governo que surgiria após o fim do absolutismo. Uma imensa manifestação pacífica a favor da assembleia constituinte foi dissolvida à bala por tropas leais ao governo bolchevique. As eleições para essa assembleia ocorreram em condições caóticas, em janeiro de 1918, como planejado pelo Governo Provisório e, à exceção do Partido Constitucional Democrata, perseguido pelos bolcheviques, todos os outros puderam participar livremente. Os bolcheviques dominavam Petrogrado, Moscou, Minsk e Kiev — ou seja, os grandes núcleos urbanos da Rússia Europeia. Mas seu poder estava longe de ser estável nas vastidões do agonizante Império Russo. Assim, as eleições deram imensa maioria aos partidos não-bolcheviques. Em seguida Lenin publicou suas Teses Sobre a Assembleia Constituinte, onde ele defendia os sovietes como uma forma de democracia superior à assembleia constituinte. Até mesmo os membros do partido bolchevique compreenderam que se preparava o fechamento da assembleia constituinte, e a maioria deles foi contra, mas o Comitê Central do partido ordenou o acatamento da decisão de Lenin. Pouco a pouco, se tornou claro que os bolcheviques pretendiam criar uma ditadura para si, inclusive contra os partidos socialistas revolucionários. Comprovada a hostilidade da maioria dos deputados ao Conselho de Comissários do Povo, Lenin ordenou seu fechamento. Isto levou os outros partidos a atuarem na ilegalidade, sendo que alguns deles passariam à resistência armada ao governo.
A Revolução de Outubro triunfara. O poder dos sovietes, dirigidos pelo partido bolchevista, desde então denominado de comunista, foi efetivado. Leon Trotsky assume o Ministério dos Negócios Estrangeiros e Josef Stalin o das Nacionalidades (Interior). A Revolução Russa era vitoriosa e instalava o primeiro Estado socialista do mundo.
Como consequência da vitória bolchevique teve início uma era de terror, com o fuzilamento sumário de milhares de pessoas, que incluíram o do czar Nicolau II e de toda a sua família. O novo governo, presidido por Lenin, adotou uma série de reformas radicais, baseadas no marxismo e executadas por meio da ditadura dos sovietes. O objetivo dos comunistas, não fora apenas derrubar o governo provisório. Pretenderam criar uma nova sociedade, baseada no socialismo, com a nacionalização das terras de propriedade da nobreza e da igreja e cessão, aos camponeses, do direito exclusivo de sua exploração. O controle das fábricas e dos meios de produção seria abolida e transferido aos operários, os estabelecimentos industriais expropriados pelo governo e os bancos nacionalizados.
Começava a ditadura comunista, com todos os seus desdobramentos: a paz com a Alemanha, a Guerra Civil entre Brancos e Vermelhos (1918-23), a socialização (freada temporariamente pela NEP — Nova Política Econômica), a luta pelo poder entre Trotsky e Stalin e, enfim, a ditadura stalinista (1928-53), uma das mais sangrentas de todo o século XX.


[1] O assunto Kornilov (golpe Kornilov) foi uma tentativa militar de golpe de estado pelo então Comandante em Chefe do Exército Russo, General Lavr Kornilov, em agosto de 1917, contra o Governo Provisório Russo, chefiado por Alexander Kerensky. Após o golpe fracassado, Kornilov foi removido de sua posição no exército e encarcerado com outros 30 oficiais do exército, acusados de envolvimento na conspiração. Após a revolução de outubro de 1917, Kornilov conseguiu fugir e estabeleceu um Exército Voluntário, que lutou contra os bolchevistas durante a Guerra Civil Russa. Foi morto em batalha contra as forças bolcheviques em abril de 1918.
[2] Emma Goldman (27/06/1869 – 14/05/1940) foi uma anarquista e feminista lituana, que se tornou muito conhecida por seu ativismo, escritos políticos e conferências nos Estados Unidos. Emigrou para os Estados Unidos em 1885 e viveu em Nova Iorque, onde conheceu e passou a fazer parte do florescente movimento anarquista. Escreve artigos anticapitalistas e sobre a emancipação da mulher, problemas sociais e a luta sindical. Com seu amante, o escritor anarquista Alexander Berkman, planejou assassinar Henry Clay Frick como uma ação de propaganda. Frick sobreviveu ao atentado, mas Berkman foi sentenciado a vinte e dois anos na cadeia. Goldman foi presa várias vezes nos anos que se seguiram, por "incentivar motins" e ilegalmente distribuir informações sobre contracepção. Em 1917, Goldman e Berkman foram sentenciados a dois anos na cadeia por conspirarem para "induzir pessoas a não se alistarem" no serviço militar obrigatório, que havia sido recentemente instituído nos Estados Unidos. Depois de serem soltos da prisão, foram novamente presos, sendo deportados para a Rússia. Inicialmente simpatizantes da Revolução Bolchevique, Goldman rapidamente expressou sua oposição ao uso de violência dos sovietes e à repressão das vozes independentes. Em 1923, escreveu sobre suas experiências na Rússia, dando forma ao livro Minha Desilusão na Rússia.

Prossegue com a PARTE 6

sábado, 21 de novembro de 2015

A REVOLUÇÃO RUSSA DE 1917 (Parte 4)

VII.1 – A REVOLUÇÃO DE FEVEREIRO OU REVOLUÇÃO BRANCA

A Revolução Russa de Fevereiro foi um enorme movimento de massas que, espontaneamente, rebelaram-se contra o czarismo. As pesadas perdas sofridas pelo exército, com as dificuldades de abastecimento, somadas à alta do custo de vida e à ineficiência e corrupção administrativas, levaram o povo russo a uma situação de verdadeiro desespero. Nenhum partido insuflou tais massas. Na verdade, a grande maioria dos revolucionários militantes foi surpreendida, já que a maioria deles estava presa na Sibéria (como Stalin) ou no exílio (Lenin na Suíça, Zurique e Trotski nos Estados Unidos). Como também foi espontânea a organização dos sovietes, em todas as fábricas, repartições, bairros e regimentos militares, que passaram a formar um poder paralelo.
Eclodiram manifestações em Petrogrado (novo nome de São Petersburgo, alterado em 1914, pela guerra contra a Alemanha), exigindo a saída da Rússia da guerra. As tropas da capital recusaram-se a reprimir os manifestantes e aderiram a eles. O czar Nicolau II, que se encontrava em seu quartel-general, foi impedido de entrar em Petrogrado. Em questão de dias, a insurreição alastrou-se por todas as grandes cidades do Império e o governo Czarista ficou totalmente debilitado.
No dia 27 de fevereiro, um mar de soldados e trabalhadores, com trapos vermelhos em suas roupas, invadiu o Palácio Tauride[1], onde a Duma se reunia. Durante a tarde, formaram-se dois comitês provisórios em salões diferentes do palácio. Um, formado por deputados moderados da Duma, que se tornaria o Governo Provisório; o outro era o Soviete de Petrogrado, formado por trabalhadores, soldados e militantes socialistas de várias correntes. Temendo uma repetição do Domingo Sangrento, o Grão-Duque Mikhail ordenou que as tropas leais, baseadas no Palácio de Inverno, não se opusessem à insurreição e se retirassem. Em 2 de Março, cercado por amotinados, Nicolau II assinou sua abdicação. Como o príncipe-herdeiro era hemofílico, Nicolau II preferiu abdicar em favor de seu irmão, mas este recusou o trono.
Após a derrubada do czar, instalou-se o Governo Provisório, constituído de aristocratas e burgueses, sob a chefia do príncipe Georgy Lvov[2], tendo Alexander Kerensky como ministro da guerra. Era um governo de caráter liberal burguês, comprometido com a manutenção da propriedade privada e interessado em manter a participação russa na Primeira Guerra Mundial. No início, o governo de Lvov pretendia consolidar uma monarquia constitucional, mas acabaram por implantar um governo republicano. A burguesia liberal e vários setores da aristocracia apoiaram o novo governo, que iniciou uma série de reformas. Entre elas, destacamos a adoção do sufrágio universal, a convocação de uma Assembleia Constituinte e anistia aos líderes revolucionários bolcheviques então exilados. Enquanto isso, o Soviete de Petrogrado reivindicava para si a legitimidade para governar. Já no início de março, o Soviete ordenava ao exército que lhe obedecesse, em vez de obedecer ao Governo Provisório. O Soviete pretendia dar terra aos camponeses, um exército com disciplina voluntária e oficiais eleitos de forma democrática, bem como o fim da guerra, objetivos bem mais populares do que os almejados pelo Governo Provisório. Dessa forma existiam, na verdade, dois poderes paralelos governando juntos.
Enquanto isso, a guerra contra a Alemanha continuava. A crise criada pela guerra e a variada composição do governo revolucionário não permitiram que os grandes problemas econômicos que afetavam a população russa fossem solucionados. De fevereiro a julho o governo encontrou-se dividido entre o poder formal (o Governo Provisório) e os Sovietes (de operários soldados e marinheiros) sem cuja aquiescência pouco podia ser feito, além de muita confusão entre as fileiras bolcheviques. Tentando ganhar o apoio das massas, o novo governo adotou uma postura liberal, decretando anistia política. Com isso, milhares de prisioneiros seriam libertados e centenas de exilados retornariam à Rússia. Entre eles, inúmeros revolucionários bolcheviques, liderados por Lenin. Imediatamente começaram a ser organizados sovietes de operários, soldados e camponeses, com vistas à realização da revolução socialista.

NICOLAU II

Nicolau II foi o último Czar da Rússia, da dinastia Romanov. Nasceu em 06 de maio de 1868 (calendário Juliano) em Pushkin, Rússia, como Nikolai Aleksandrovich Romanov, primeiro filho de seus pais. Seu pai era Alexandre III, Czar da Rússia e sua mãe, Maria Feodorovna, dinamarquesa.
Sofreu forte influência de seu pai que moldou seus valores religiosos conservadores e sua crença num governo autocrático. Muito forte em história e línguas estrangeiras, tinha muita dificuldade para entender as sutilezas da política e da economia, e seu pai falhou em seu treino nas relações do Estado. Quando Nicolau II tinha 13 anos, seu avô, Alexandre II, foi assassinado por um revolucionário, o que causou a ascensão de seu pai ao trono. Aos 19 anos entrou no exército e, apaixonado pela arte militar, ascendeu ao posto de coronel.
Subiu ao trono quando seu pai morreu de uma doença dos rins, com a idade de 49 anos, em 20 de outubro de 1894. Vacilante com a sua perda e pouco treinado nas relações de Estado, temeu ao assumir o papel de seu pai, confidenciando a um amigo próximo não estar preparado para ser um Czar. Casou-se com a princesa Alix de Hesse-Darmstadt (apenas conhecida como Alexandra), um mês após a morte do seu pai. Como soberano tinha que casar e ter filhos rapidamente para assegurar um herdeiro ao trono. Em 1895 o par teve a sua primeira filha Olga. Em 1897 nasceu a segunda filha do casal, Tatiana, seguida por uma terceira, Maria, em 1899 e por uma quarta, Anastasia, em 1901. Em 1904 Alexandra deu à luz o tão esperado herdeiro homem, Alexei, que para tristeza do casal logo foi diagnosticado como hemofílico. Desesperado por encontrar um tratamento efetivo para Alexei, excedeu-se ao se tornar uma espécie de refém emocional do monge Rasputin, em quem o casal depositava uma fé inabalável.
Inicialmente, o principal objetivo da política externa de Nicolau II foi manter o status quo na Europa e não conquistar novos territórios. Mas na década de 1890, com o crescimento econômico da Rússia, iniciou a expansão de sua indústria para o extremo oriente, com a construção da estrada de ferro Trans-Siberiana, ligando a Rússia à Costa do Pacífico. Com isso, o Japão sentiu-se ameaçado e, em 1904, declarou Guerra à Rússia, uma guerra catastrófica que acabou com a rendição da Rússia, na primavera de 1905.
Em janeiro de 1905 Nicolau II teve que enfrentar o “Domingo Sangrento”, e foi responsabilizado pela morte de mais de mil russos. Como reação, operários indignados realizaram greves por toda a Rússia, no que contaram com a simpatia de camponeses de todo o país. Os levantes foram abafados pelas tropas de Nicolau II, o que serviu para aumentar ainda mais as tensões. Nicolau II acabou sendo forçado a criar a Duma, mas persistiu resistindo à reforma governamental.
Com o exército russo atuando muito mal na Primeira Guerra Mundial, Nicolau II nomeou-se comandante em chefe das forças russas, contra os conselhos de seus ministros. Com isso, passou do final de 1915 a Agosto de 1917 ausente do Palácio em São Petersburgo. Na sua ausência, a imperatriz tornou-se totalmente dependente de Rasputin que passou a exercer grande influência na política do país. Seus ministros renunciavam em rápida sucessão e eram substituídos pelas escolhas de Alexandra sob a influência de Rasputin, até o seu assassinato, ordenado pelos nobres, em 1916.
Responsabilizado pelo fracasso na Primeira Grande Guerra e pela derrocada do país, sob todos os aspectos, Nicolau II renunciou sob pressão em 15 de março de 1917; ele e sua família foram transferidos para os Montes Urais em prisão domiciliar. Na primavera de 1918 a Rússia entrou em guerra civil e em 17 de julho de 1918 Nicolau II e sua família foram assassinados pelos Bolcheviques, sob as ordens de Lenin, em Yekaterinburg, Rússia, assim encerrando mais de três séculos de dinastia Romanov.


Vladimir Ulyanov (Lenin), 1920, comunista
revolucionário russo, político teórico
Em 15 de março, Lenin preparava-se para ir à biblioteca de Altstadt, em Zurique, quando um colega de exílio, Mieczyslav Bronski, perguntou-lhe se não escutara a notícia de que havia uma revolução na Rússia. No dia seguinte, Lenin escreve para Alexandra Kollontai, em Estocolmo, fornecendo-lhe instruções para a formação da propaganda revolucionária. Lenin estava determinado a voltar à Rússia, árdua tarefa no meio da Guerra, já que a Suíça ficara cercada pelos países em guerra e com os mares dominados pela Grã-Bretanha. Ignorando o Governo Provisório Russo que buscava a obtenção de passagem, através da Alemanha, para os exilados russos, em troca de prisioneiros alemães e austro-húngaros da guerra, o suíço comunista Fritz Platten obteve permissão do ministro alemão das Relações Exteriores, através de seu embaixador na Suíça, o barão Gisbert von Romberg, para que Lenin e outros exilados russos viajassem da Alemanha para a Rússia, de trem. Em 9 de abril Lenin e sua esposa Krupskaia, com 30 outros exilados, iniciaram a sua viagem de retorna à Rússia, partindo de Berna, via Zurique, Gottmadingen (daí escoltados por dois oficiais do exército alemão), Frankfurt e Berlim. Nesta capital permaneceu por um dia, para a realização de acordos, recebendo do governo alemão uma quantia de 40 milhões de Marcos de Ouro (substituído pelo Marco papel, justamente com o advento de Primeira Grande Guerra) para financiar sua revolta na Rússia (exatamente quando seu país se encontrava em guerra com a Alemanha!). Importante figura nessas negociações foi o russo Aleksandr Parvus, que durante anos procurou obter recursos do II Reich para rebeliões na Rússia. Em suas Teses de Abril, Lenin explicitou seu desejo de retirar a Rússia da guerra, algo vital para os alemães. O objetivo do Império Alemão ao financiar o projeto revolucionário de Lenin, era desestabilizar o governo provisório, obrigando a Rússia a retirar-se da guerra, encerrando a frente Oriental e assim concentrando suas tropas na frente Ocidental. Pouco antes da meia-noite de 16 de abril de 1917, o trem de Lenin chegou à Estação Finlândia, em Petrogrado. Ele foi recebido, ao som da Marselhesa, por uma multidão de trabalhadores, marinheiros e soldados levando bandeiras vermelhas, um ritual na Rússia revolucionária para os exilados que retornavam. E a grande ironia, Lenin , o presidente dos bolcheviques, foi formalmente recebido por Nikolay Chkheidze, o presidente menchevique do Soviete de Petrogrado.
Os sovietes continuaram a funcionar, o governo provisório tornava-se cada vez mais impopular. A timidez da política social do novo governo propiciou o avanço dos bolcheviques. Nesse quadro, a liderança de Lenin cresce. O líder bolchevista prega a saída da Rússia da guerra, o fortalecimento dos sovietes e o confisco das grandes propriedades rurais, com a distribuição de terra aos camponeses afirmando que seu governo traria pão, paz e terra ao povo. Os bolcheviques tornaram-se mais numerosos, chegando a 80 mil militantes. Lenin pregava o "Todo o poder aos sovietes" e sua meta era a adoção da ditadura do proletariado para realizar a revolução socialista na Rússia e alcançar a paz. Várias sublevações e protestos atingiram as principais cidades russas.
Durante a tarde de 4 de julho, o ministro da justiça, Pereverzev, sem consultar o Soviete de Petrogrado, decidiu publicar uma investigação levada a cabo pelo governo sobre a possibilidade de que Lenin estivesse trabalhando para os alemães. A investigação se encontrava ainda incompleta e os indícios em favor desta tese se baseavam em testemunhos duvidosos, porém o ministro decidiu levar os dados à imprensa para tentar enfraquecer os bolcheviques e ganhar o apoio dos regimentos da capital que não haviam apoiado a revolta. Sua ação surtiu efeito, e várias unidades foram postas a caminho do Palácio Tauride. As discussões continuaram na sede do soviete, que foi ocupada pela multidão, sem que isto tenha interrompido o debate. Ao passar da meia noite e com a maioria dos delegados opostos à derrubada do Governo Provisório e à transferência do poder aos sovietes, chegaram as tropas leais aos dirigentes soviéticos, para alívio da maioria dos delegados.
Após o alvoroço causado pela chegada das tropas favoráveis ao Governo Provisório, os comitês executivos aprovaram a resolução dos defensistas, apresentada pelo socialista revolucionário Avram Gots, que reconhecia a autoridade do governo formado pelos novos ministros que haviam substituído os kadetes[3] e adiou os debates sobre a formação de um novo Conselho de Ministros até a reunião plenária do Comitê Executivo Central (CEC), eleito em junho, que deveria ocorrer duas semanas mais tarde. A resolução, acordada entre os líderes defensistas antes da eclosão dos protestos, permitiu que estes dispusessem de mais tempo para recompor a aliança com a burguesia, que se sentia lesada após a demissão dos ministros kadetes, e também serviu para tentar acabar com os distúrbios causados nos últimos dias pelos protestos. A crescente indignação de parte da população por conta da acusação feita contra Lenin, a iminente chegada das tropas da frente de combate, o apoio de parte da guarnição às autoridades e a desmoralização de uma parte considerável dos manifestantes reforçaram a postura do Soviete de Petrogrado e do Governo Provisório na madrugada de 5 de julho.
Ante a crescente oposição às manifestações, o partido bolchevique, que havia fomentado e apoiado os protestos a tal ponto que não poderia se retirar das manifestações sem sofrer prejuízos, teve que optar entre uma tentativa de golpe contra o Governo Provisório ou persuadir os manifestantes para cessarem os protestos o quanto antes. O jornal Pravda[4] anunciou que as greves e manifestações previstas para o dia 5 de julho haviam sido suspensas; a maioria dos marinheiros, principal força de apoio aos manifestantes, haviam regressado à fortaleza nacional da cidade portuária de Kronstadt, na noite anterior.
As manifestações começaram a ser reprimidas com violência pelos partidários do Governo Provisório. Nas primeiras horas da manhã, um oficial encarregado de um destacamento arrasou os escritórios do jornal Pravda. Por volta do meio dia, as tropas leais ao Soviete de Petrogrado e ao governo já controlavam a maior parte da cidade, com exceção dos bairros operários; o ambiente na capital havia se tornado perigoso para os agitadores bolcheviques e a possibilidade de uma contrarrevolução alarmou até mesmo os socialistas moderados. Pela tarde, começaram as negociações entre as partes; as forças leais exigiam a rendição dos manifestantes, o que não ocorreu. Um acordo preliminar entre os representantes do Soviete de Petrogrado e dos bolcheviques, que limitava as represálias e garantia o desarmamento dos insurretos foi descumprido durante o período da noite. A maioria dos marinheiros de Kronstadt voltou para a base naval sem problemas, restando apenas algumas forças para defender a sede do partido bolchevique e a Fortaleza de São Pedro e São Paulo[5].
Apesar dos rumores sobre a relutância dos bolcheviques em resistir às tropas leais ao Soviete de Petrogrado e ao Governo Provisório, o comando do distrito militar decidiu tomar à força as áreas ainda sob controle bolchevique. As operações começaram na madrugada de 6 de julho; a Fortaleza de São Pedro e São Paulo e a sede do partido foram isoladas.


LENIN

Vladimir Ilyich Ulyanov (22/04/1870–21/01/1924) foi um revolucionário comunista, político e teórico político russo. Foi o líder de governo da República Federativa Socialista Soviética Russa de 1917, e da União Soviética de 1922 até a sua morte. Sob sua administração o Império Russo foi dissolvido e substituído pela União Soviética, como Estado de um só partido, quando toda terra, recursos naturais e indústria foram confiscados e nacionalizados. Ideologicamente, um marxista, suas teorias políticas são conhecidas como leninismo. Nascido de uma família abastada da classe média, em Simbirsk, Lenin ganhou interesse na política revolucionária de esquerda com a execução de seu irmão Aleksandr, em 1887. Expulso da Universidade Estatal de Kazan por participar de protestos anti-czaristas, devotou-se a um título de advogado e à política radical, tornando-se marxista. Em 1893 mudou-se para São Petersburgo e tornou-se sênior do Partido Operário Social-Democrata Russo (POSDR). Foi preso por incitação ao motim e exilado em Shushenkoye por 3 anos, quando casou com Nadezhda Krupskaya. Ao fim do seu exílio fugiu para a Europa Ocidental onde ficou conhecido como proeminente teorista por suas publicações. Em 1903 teve um papel chave no cisma do POSDR por diferenças ideológicas, liderando a facção Bolchevique contra os Mencheviques de Julius Martov. Retornando brevemente à Rússia durante a fracassada revolução de 1905, fomentou a insurreição violenta e fez campanha para transformar a Primeira Guerra Mundial na revolução proletária na Europa que, como marxista, acreditava resultaria na derrubada do capitalismo e sua substituição pelo socialismo. Após a Revolução de 1917 ter expelido o Czar e estabelecido um Governo Provisório, ele retornou à Rússia e estimulou a substituição do novo governo por um governo dos sovietes liderados pelos bolcheviques. Representou importante papel na Revolução vitoriosa de 1917, estabelecendo o “Conselho dos Comissários do Povo”, como seu Presidente. Introduzindo uma radical reforma agrária, transformou o país na República Socialista Federativa Soviética Russa (RSFSR). Foi guindado a chefe do governo pelo Congresso dos Sovietes Russos. A feroz oposição ao mando bolchevique resultou na Guerra Civil de 1917 a 1922 em que estes se tornaram vitoriosos com o uso do “Terror Vermelho”. Lenin apoiou uma revolução mundial e a paz imediata com a Alemanha e seus aliados, concordando com um tratado punitivo que entregou parcela significativa da Rússia Imperial à Alemanha. O tratado foi anulado após os aliados vencerem a Guerra. Lenin propôs a Nova Política Econômica (NEP), um sistema econômico misto de capitalismo estatal que iniciou o processo de industrialização e recuperação da Guerra Civil. Em 1922, a RSFSR uniu antigos territórios do Império Russo, transformando-se na União Soviética com Lenin na chefia do governo. Lenin sobreviveu a duas tentativas de assassinato. Em 14/01/1918, em Petrogrado, foi emboscado em seu automóvel com Fritz Platten, que ficou ferido ao salvá-lo. Na segunda tentativa, em 30/08/1918, Lenin foi ferido no braço, queixo e pescoço, pela revolucionária socialista Fanya Kaplan, que declarou nos interrogatórios, que o considerava “um traidor da Revolução”, por dissolver a Assembleia Constituinte e colocar fora da lei outros partidos esquerdistas. Com a saúde se deteriorando, morreu em sua casa em Gorki. Reconhecido como uma das figuras históricas mais influentes do século XX, Lenin permanece como uma figura altamente controversa. Os admiradores o vêm campeão dos direitos e riqueza dos operários, enquanto seus críticos como fundador de uma ditadura responsável pela guerra civil e abusos em massa dos direitos humanos.

Trotsky, 1921, revolucionário, teorista
marxista, criador do Exército Vermelho
No período da manhã, os bolcheviques receberam um ultimato exigindo sua rendição e se refugiaram na fortaleza. As forças governamentais ocuparam a sede do partido logo depois, sem encontrar resistência. Até o meio dia, as negociações entre as partes acabaram com a rendição dos bolcheviques. Nas províncias houve pouco apoio às manifestações desde o início e ocorreram incidentes em poucas cidades.
Após o fim das manifestações, os dirigentes mencheviques enfatizaram sua postura de rejeição à formação de um governo exclusivamente socialista, como haviam reivindicado os manifestantes. Na opinião dos dirigentes mencheviques, a formação de um poder soviético poderia levar a Rússia a um conflito armado entre os socialistas e a burguesia que resultaria no triunfo da contrarrevolução. Para os mencheviques, o atraso social, político e econômico da Rússia impediria o sucesso de um governo exclusivamente socialista. Os socialistas moderados sustentaram, portanto, a necessidade de realizar uma nova coalizão com os representantes da burguesia para manter o sistema democrático e evitar conflitos civis.
Foi emitido um mandado de prisão contra Lenin, Zinoviev[6] e Kamenev[7] que, certos de que não teriam um julgamento imparcial, decidiram passar à clandestinidade, com Lenin e Zinoviev fugindo para Helsinque, Finlândia.
O partido bolchevique decidiu, no dia 6 de julho, não passar à clandestinidade e continuar suas atividades legalmente, ainda que tenham ocultado Lenin e Zinoviev, que estavam sendo procurados pelo governo. Outros dirigentes bolcheviques considerados culpados pela revolta, como Kamenev e Trotsky, foram presos nos dias seguintes à repressão. Cerca de duzentas pessoas foram acusadas formalmente pelo governo de haver instigado os protestos.
O desgaste dos bolcheviques parecia evidente, com a fuga de parte dos dirigentes, a prisão de outros, a hostilidade por parte de outras correntes socialistas e a estagnação no número de filiações ao partido.

[1] Construído ao final do século XVIII, em São Petersburgo, é um dos maiores e mais históricos palácios da Rússia. Logo após a Revolução de Fevereiro de 1917, Tauride sediou o Governo Provisório e o Soviete Petrogrado. A incipiente Assembleia Constituinte Russa teve lá os seus encontros, em 1918. Em maio de 1918, os Bolcheviques lá realizaram seu 7o Congresso, onde pela primeira vez se autonomearam Partido Comunista Russo (Bolcheviques).
[2] O Príncipe Georgy Yevgenyevich Lvov (02/11/1861 – 08/03/1925) foi um estadista russo e o primeiro Primeiro Ministro da Rússia pós-imperial, de 15/03 a 21/07 de 1917. Durante a Revolução Russa de Fevereiro e a renúncia do Imperador Nicolau II, Lvov foi feito líder do Governo Provisório fundado pela Duma em 2 de março. Impossibilitado de grupar apoio suficiente, resignou em julho de 1917 em favor do seu Ministro da Guerra, Alexander Kerensky. Lvov foi preso quando os bolcheviques tomaram o poder, no mesmo ano. Conseguiu fugir e estabeleceu-se em Paris, onde ficou até morrer.
[3] O Partido Democrático Constitucional, também chamados Democratas Constitucionais, formalmente Partido da Liberdade do Povo e informalmente Kadetes, era um partido liberal no império russo. Seus membros eram chamados de Kadetes, a partir das iniciais K D do nome do partido, em russo, nome que não deve ser confundido com os cadetes, estudantes das escolas militares russas do mesmo império. O historiador Pavel Miliukov foi o líder do partido por toda a sua existência. A base de apoio dos Kadetes era formada por intelectuais e profissionais, tendo professores universitários e advogados como figuras proeminentes dentro do partido, que fora formado a partir de vários grupos e organizações liberais. Seu programa econômico favorecia o direito dos trabalhadores a oito horas diárias, era decididamente comprometido com a plena cidadania a todas as minorias russas e apoiava a emancipação judia.
[4] O Pravda (Verdade) foi o principal jornal da União Soviética e órgão oficial do Comitê Central do Partido Comunista da União Soviética entre 1918 e 1991. Foi fundado por Leon Trotsky, Victor Kopp, Adolf Joffe e Matvey Skobelev como um jornal socialdemocrata russo semanal voltado para os operários, como Zvezda. Publicado no exterior para evitar censura, de lá enviava a Rússia. A primeira edição foi publicada em Viena, em 3 de outubro de 1908. A redação era constituída por Trotsky e, em épocas diferentes, Victor Kopp, Adolf Joffe e Matvey Skobelev. Os dois últimos, de pais ricos, sustentavam o jornal financeiramente.
[5] A Fortaleza de São Pedro e São Paulo é a cidadela original de São Petersburgo (Petrogrado). Foi projetada por Domenico Trezzini e inaugurada em 1703. A fortaleza contém diferentes edifícios memoráveis, entre eles a Catedral de Pedro e Paulo, onde estão enterrados os czares, desde Pedro, o Grande a Nicolau II e sua família.
[6] Grigory Yevseevich Zinoviev (23/09/1883–25/08/1936), foi um revolucionário bolchevique e político comunista soviético, um dos sete membros do primeiro Politburo, fundado em 1917, para gerenciar a revolução bolchevista, juntamente com Lenin, Kamenev, Trotsky, Stalin, Sokolnikov e Bubnov. Zinoviev é melhor lembrado como líder da Internacional Comunista e arquiteto de tentativas fracassadas para transformar a Alemanha num país comunista no início da década de 1920. Entrou em choque com Stalin que o eliminou da liderança política do Soviete. Com o início do chamado “Grande Terror” na Rússia, foi preso por ordem de Stalin e executado um dia após a sua prisão, em Agosto de 1936.
[7] Lev Borisovich Kamenev (18/07/1883-25/08/1936). Ver nota acima, como complemento. Era cunhado de Leon Trotsky. Foi brevemente o líder de estado do Partido Comunista da Rússia Soviética, em 1917 e Premier no último ano da vida de Lenin, entre 1923 e 1924. Mais tarde, visto como fonte de inquietação e oposição à sua liderança, caiu no desagrado de Joseph Stalin e foi executado por suas ordens, após julgamento sumário, em 25 de agosto de 1936.
Prossegue com a PARTE 5

sábado, 14 de novembro de 2015

A REVOLUÇÃO RUSSA DE 1917 (Parte 3)

VI - ASPECTOS TEÓRICOS QUE CONDUZIRAM À REVOLUÇÃO DE 1917


Antes de entrar no desenvolvimento da Revolução de 1917, propriamente dita, acho importante colocar alguns aspectos teóricos que conduziram até ela e as principais ideias que forjaram o pensamento revolucionário.
É comum lermos que a Revolução Russa de 1917 teve o mesmo significado para o século XX que a Revolução Francesa para o século anterior. Ambas foram formidáveis movimentos de massas e ideias que deram novo perfil à História da Humanidade, transformando a vida de milhões e empolgando ou aterrorizando outros tantos.
É um erro dizer que o confronto antigo entre Rússia e Estados Unidos representa um choque entre Oriente e Ocidente ou entre duas “civilizações” antagônicas. Na verdade, o grande motivo são os dois sistemas econômicos, políticos e ideológicos que as duas potências defendem. As grandes provas disso são a existência de uma Cuba entre as Américas e de uma Ilha de Formosa no extremo oriente do Planeta. O real conflito situa-se entre o Capitalismo e o Socialismo nas mais variadas formas com que ambos os sistemas se apresentam. E o mais grave aspecto nessa dicotomia (sempre perigosa) é que os dois sistemas são “ecumênicos”, no sentido de que podem ser aplicados em qualquer circunstância, independentemente da cultura, raça, religião ou tradição que, embora de alguma forma, sempre vão importar.
Friedrich Engels, fundador do Socialismo
Científico e co-autor do Manifesto Comunista.
Para alguns historiadores, o Socialismo surgiu durante a Revolução Francesa, como uma de suas correntes subterrâneas, como por exemplo, o movimento de Babeuf[1]. No entanto, ele tornou-se substancialmente sólido, muito tempo depois com Karl Marx e Friedrich Engels, com a publicação do Manifesto Comunista, em 1848, e a fundação do “Socialismo Científico” em substituição ao “Socialismo Utópico”.
Sinteticamente suas ideias podem ser assim descritas: “Toda a História da Humanidade nada mais é do que um conflito permanente entre classes sociais antagônicas: senhores e escravos, patrícios e plebeus, nobres e burgueses e, na época contemporânea, burgueses e proletários. Isto é, as classes sociais e sua existência são condicionadas pela história e a sociedade do futuro implica na sua abolição e na implantação da igualdade que até hoje não existiu, por impossível”.
Segundo Carl Marx, esta abolição da sociedade de classes se faria devido a própria crise do Sistema Capitalista. Por gerar a constante concentração da Propriedade e das Rendas nas mãos de poucos, levaria a aumentar a miséria geral dos não-proprietários, que se rebelariam e destruiriam tal sistema. Como o processo histórico é dialético (união incessante de contrários), tudo aquilo que existe (O Capitalismo) será superado por uma forma social superior (O Socialismo) nascida no próprio ventre da sociedade anterior. O Feudalismo teria sido mais ameno que o Escravagismo; o Capitalismo uma forma superior ao Feudalismo e, por consequência, o Socialismo, superior ao Capitalismo. Tais transformações são feitas pelos homens organizados em classes sociais: a burguesia depôs a nobreza, o proletariado deporá a burguesia.


SOVIETES

Os Sovietes (termo russo) ou Conselhos Operários, são colegiados ou corpos deliberativos, constituídos de operários ou membros da classe trabalhadora que regulam e organizam a produção material de um determinado território, ou mesmo indústria. Esse termo é comumente usado para descrever trabalhadores governando a si mesmos, sem patrões, em regime de autogestão. Os Conselhos Operários surgiram, pela primeira vez, na Revolução Russa de 1905, por iniciativa de Trotsky, embora tenham surgido esboços desta forma de organização durante a Comuna de Paris. A partir de sua emergência na Revolução Russa de 1905, os conselhos passam a ser teorizados por Rosa Luxemburgo* (ver nota de rodapé) e, principalmente, pelos chamados comunistas de conselhos. O reaparecimento dos conselhos na Revolução Russa de 1917, e em outras da mesma época, forneceu a base para a teoria dos conselhos de Anton Pannekoek - o principal teórico dos conselhos operários - e demais comunistas conselhistas. Os sovietes, essencialmente, eram comitês de greve. Como as greves na Rússia começaram em grandes fábricas, e rapidamente se espalharam pelas cidades menores e distritos, os trabalhadores precisaram manter contato permanente. Nas oficinas, os trabalhadores se juntavam e discutiam regularmente no final da jornada de trabalho, ou continuamente, o dia inteiro, em momentos de tensão. Eles enviavam seus delegados a outras fábricas e aos comitês centrais, onde a informação era trocada, dificuldades discutidas, decisões tomadas, e novas tarefas consideradas. Mas aqui as tarefas se mostraram mais abrangentes do que em greves comuns. Os trabalhadores precisavam se livrar da pesada opressão Czarista; eles sentiram que, por sua ação, a sociedade russa estava transformando suas bases. Eles tiveram que discutir não só salários e condições de trabalho, mas todas as questões relativas à sociedade em geral. Eles tiveram que achar seu próprio rumo nesse campo e tomar decisões sobre questões políticas. Quando a greve se alastrou, se estendeu por todo o país, parou toda a indústria e tráfego e paralisou as funções do governo, os sovietes foram confrontados com novos problemas. Eles tiveram que regular a vida pública, tiveram que cuidar da ordem e da segurança públicas, eles tiveram que providenciar os serviços públicos essenciais, desempenhando funções de governo; o que eles decidiam era executado pelos trabalhadores, enquanto o governo e a polícia ficavam de lado, conscientes de sua impotência contra as massas rebeldes. Então os delegados de outros grupos, de intelectuais, camponeses, soldados, que vieram para se juntar aos sovietes centrais, tomaram parte nas discussões e decisões. Quando finalmente o governo Czarista reuniu sua força militar e golpeou o movimento, os sovietes desapareceram.

*Rosa Luxemburgo (05/03/1871-15/01/1919) foi uma teórica marxista, economista e socialista revolucionária de descendência judia-polonesa, naturalizada cidadã alemã, membro de vários partidos de base socialista na Polônia e Alemanha e co-fundadora da Liga Espartaquista (1915), que transformou-se no Partido Comunista da Alemanha. Capturada durante o levante Espartaquista, em 1919, pelos veteranos da Primeira Guerra Mundial, de orientação direitista, foi assassinada e seu corpo lançado no canal Landwehr, em Berlim.

O Socialismo seria, por sua vez, uma etapa intermediária, onde conviveriam formas da sociedade anterior (Capitalista) com formas da sociedade futura, atingindo, posteriormente, a etapa final da pré-história da Humanidade - o Comunismo. Esta etapa de transição seria gerida pela "Ditadura do Proletariado". A nova classe instalada no poder não poderia se desfazer do aparato Estatal, pois teria que enfrentar as ameaças da contrarrevolução burguesa. Para Marx, o estado tem que continuar existindo (ao contrário dos anarquistas que propunham sua imediata abolição) como uma arma de defesa da Revolução.

Ainda segundo ele, a Revolução Proletária seria, pois, inevitável, havendo dois caminhos para concretizá-la: um conquistando posições estratégicas dentro da sociedade capitalista através da dinamização dos sindicatos e dos partidos operários; outra, por um golpe dado por revolucionários audazes que empalmariam o poder em favor dos proletários. Estas duas tendências estiveram sempre latentes dentro dos escritos políticos de Marx e Engels, gerando a atual diferenciação entre socialdemocracia e comunismo.
Como consequência lógica do que foi exposto, Marx acreditava que a Revolução Proletária ocorreria num país onde o Capitalismo fosse suficientemente desenvolvido para gerar as condições necessárias à sua transformação. Para uma sociedade chegar ao Socialismo teria que, necessariamente, percorrer um longo desenvolvimento capitalista. Isto excluía a possibilidade de se chegar ao Socialismo numa sociedade atrasada onde a maioria da população fosse composta de camponeses e não de proletários urbanos (os exclusivos agentes de transformação da História). A implantação do Socialismo nas sociedades capitalistas não seria socialmente onerosa porque o desenvolvimento tecnológico permitiria atender a todos "segundo suas necessidades".
Durante séculos a Rússia permaneceu isolada das grandes transformações sociais, econômicas e culturais porque passava a Europa Ocidental. A Reforma ou o Renascimento, poucos efeitos tiveram em sua paisagem política e cultural, o mesmo acontecendo com o Iluminismo e as Revoluções burguesas. O governo dos czares - a autocracia absoluta - fora uma decorrência da necessidade de integração deste vasto território heterogêneo em tudo. Com a queda do Bizâncio para os Turcos Otomanos, o Príncipe de Moscóvia atraiu para sua capital os restos da administração e do clero grego ortodoxo, assimilando suas práticas funcionais e hierárquicas. A igreja, tal como em Constantinopla, era subordinada ao Estado e seu chefe nomeado diretamente pelo Imperador. A Rússia desconheceu, pois, o latente conflito existente na Europa Ocidental, entre o clero e o aparato estatal. Esta fusão completa entre Estado e Igreja, naturalmente, contribuiu para o sufocamento do livre-pensar. A intelectualidade russa vivia sob a vigilância permanente, ou do Estado, ou do Santo Sínodo (mandatários da Igreja Ortodoxa). No entanto, a maior aproximação da Rússia com o Ocidente, no século XIX (principalmente após as guerras napoleônicas), tornou inevitável a penetração dos ideais libertários vindos da Europa.
Em março de 1898, na cidade de Minsk (capital e maior cidade da Bielorrússia), nove delegados (entre os quais Lenin) representando as principais cidades do país, reuniram-se para a realização do 1º Congresso do POSDR, inspirados no Partido Social-Democrata alemão fundado por Lassale em 1863 e o mais poderoso partido político operário do Ocidente. Como resultado concreto do Congresso, foi difundido o Manifesto do POSDR, redigido por Struve[2] que, dentro da ortodoxia marxista, aceitava as duas etapas da futura Revolução Russa (a primeira de cunho democrático-burguesa e a segunda socialista-proletária sem fazer menção à ditadura do proletariado nem aos meios para realizar sua missão). Os marxistas diferiam profundamente dos populistas e, tanto na Rússia como no exílio, intensificaram a polêmica sobre o destino do país e quais as táticas corretas a serem empregadas para a derrubada da autocracia. Em síntese, defendiam as seguintes posições: (1) era um profundo equívoco querer transformar a Rússia em um país socialista, pois o capitalismo ainda era incipiente não gerando as condições necessárias para a transição; (2) a prática do terrorismo era absolutamente inócua pois não abalava a estrutura do regime: sai um czar e entra outro; (3) era necessário desenvolver um longo e amplo trabalho de "preparação" das massas, através da propaganda e da agitação, levando-as à consciência da certeza da derrubada do czarismo como um todo e não em ações isoladas; (4) era necessário favorecer a implantação do capitalismo na Rússia: quanto mais empresas e indústrias lá se instalassem, mais cresceria o proletariado urbano, favorecendo o surgimento da única classe verdadeiramente revolucionária. Ironicamente, esta posição dos marxistas fez com que fossem vistos como menos perigosos pela polícia secreta do Czar (Okhrana), que passou dedicar maior atenção àqueles que, no momento, lhes pareciam mais ameaçadores, os terroristas populistas.

VII - A REVOLUÇÃO DE 1917

Não bastassem os reflexos da derrota militar frente ao Japão, em 1905, a Rússia envolveu-se em um outro grande conflito, a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), em que, novamente, sofreu pesadas derrotas nos combates contra os alemães.
A causa imediata da Revolução Russa foram os efeitos desastrosos do envolvimento russo na I Guerra Mundial. Na qualidade de membro da Tríplice Entente, juntamente com a Grã-Bretanha e a França, o Império Russo entrou em guerra com a Alemanha, a Áustria-Hungria e o Império Turco-Otomano, em 1914. Mas, embora seu gigantesco exército tivesse o apelido de “rolo compressor”, os russos não estavam à altura de seus adversários alemães. Estes impuseram às tropas do czar derrotas esmagadoras, que só não levaram a Rússia à rendição porque a Alemanha, dividida entre duas frentes de batalha (havia a Frente Ocidental, contra ingleses e franceses), não pôde explorar suas vitórias a fundo. Mesmo assim, boa parte do território russo encontrava-se em poder dos invasores — principalmente a Ucrânia, cujo tchernoziom (terra negra) era considerado o celeiro do Império. O desastre foi completo, com falta de alimentos e munições; o exército russo teve milhões de mortos e feridos e muitos desertaram. Em apenas doze meses o país trocou várias vezes de ministério: foram quatro primeiros ministros, três ministros de guerra, três ministros das relações exteriores.
A eclosão e os efeitos da Primeira Guerra Mundial, em 1914, demonstraram a incompetência da corte e da aristocracia russa, desmascarando a falsa ordem constitucional. Durante a guerra, a economia russa desmoronou. Especuladores obtinham grandes lucros, enquanto a maioria da população passava por necessidades. A inflação corroía os salários, empresas faliam.
É importante lembrar, pois muitas pessoas não se fixam na questão, que os primeiros movimentos revolucionários dessa época, aconteceram enquanto a Rússia se achava ainda em plena operação de guerra contra a Alemanha e seus aliados, posto que fazia parte da aliança com a Inglaterra e França. O que significa dizer que o governo oficial russo, bom ou mau, teve que lutar, ao mesmo tempo, contra um inimigo externo e contra as revoltas internas, fato extremamente favorável aos revolucionários russos. Neste cenário, os operários organizavam greves, manifestações e passeatas, e os membros do POSDR, partido da oposição, participavam ativamente do movimento contra a guerra e contra o regime.
Jardins e Palácio Tauride, sede da DUMA, início século XX
Com a crise, dois grupos passaram a planejar mais ativamente a derrubada da monarquia: (1) os liberais, que queriam fazer da Rússia uma república com democracia representativa (com os próprios cidadãos elegendo os seus representantes) e vencer a guerra contra os alemães; e (2) o Partido Operário Social-Democrata Russo (POSDR) que pretendia o país fora da guerra e, influenciado pelas ideias marxistas, transformar a economia e a sociedade russas como primeiro passo rumo à revolução do proletário mundial. Entretanto, é importante que se deixe bem claro o que nem sempre foi colocado com clareza – provavelmente, de forma proposital -, pelo menos na literatura mais conhecida, geral e menos profunda. Se a Revolução de Fevereiro de 1917 foi mais um movimento popular e espontâneo, motivado pelo triste desempenho da Rússia na Primeira Grande Guerra, pelo desejo da população que o país dela se retirasse e pelas penosas consequências que, principalmente, sobre o povo se abatiam, o prosseguimento da Revolução seguiu os mesmos padrões das grandes revoluções que a antecederam. Ou seja, sempre que uma revolução popular começa a se configurar, por razões evidentes, que afetam diretamente o povo, imediatamente surge a classe intelectual e mais poderosa, que almeja, sem qualquer dúvida, além da vitória da revolução, a tomada do poder que estará vacante após a queda do poder vigente e, mais do que isso, a imposição de suas próprias ideias, sejam elas quais forem; neste caso, os ideais socialistas/marxistas. Porque o povo, em verdade, deseja apenas interromper um processo que lhe causa danos e não lhe oferece alternativas de mudança ou atenuação dos seus sofrimentos. Mas, em geral, e este era o caso, não possui os esclarecimentos políticos ou ideológicos transportados na bagagem dos líderes intelectuais que, aproveitando as revoluções, acabam por dirigir os seus rumos e usufruir dos seus resultados, quando positivos. Tal foi, exatamente, o que aconteceu na revolução francesa, com várias organizações disputando a liderança da insurreição e vários indivíduos disputando o poder final ao seu encerramento. Senão, vejamos o desenrolar dos acontecimentos.
A Revolução de 1917 – sem incluir a guerra civil posterior, a sua etapa mais sangrenta -, compreendeu duas fases distintas: (1) a Revolução de Fevereiro (apenas para dirimir dúvidas, março de 1917, pelo calendário ocidental ou Gregoriano[3]) ou Revolução Branca, que derrubou a autocracia do Czar Nicolau II, o último Czar a governar, e procurou estabelecer, em seu lugar, uma república de cunho liberal; (2) a Revolução de Outubro (novembro de 1917, pelo calendário Gregoriano) ou Revolução Vermelha, em que os Bolcheviques derrubaram o governo provisório estabelecido e impuseram o governo socialista soviético.


[1] François-Noël Babeuf (23 de novembro 1760–27 maio 1797), conhecido como Gracchus (dos antigos tribunos romanos do povo) Babeuf, foi um jornalista e agitador do período revolucionário francês. Seu jornal, Le Tribun du Peuple (A Tribuna do Povo), foi mais conhecido por advogar em favor do povo e chamá-lo a uma revolta popular contra o “Diretório”, governo da França Revolucionária administrado por uma liderança coletiva de cinco diretores, entre o “Comitê de Segurança Pública” e o “Consulado”, deposto por Napoleão (02/11/1795-10/11/1799). Advogou pela democracia, abolição da propriedade privada e igualdade dos resultados. Enfurecendo as autoridades que fortemente restringiam as atividades de seus inimigos políticos, foi executado por elas. Embora as palavras “anarquista” e “comunista” não existissem ao tempo de Babeuf, elas foram usadas por estudiosos posteriores para descrever suas ideias. A palavra “comunismo” foi cunhada por Goodwyn Barmby numa conversa com pessoas que ele descrevia como discípulos de Babeuf, que acabou por ser chamado “O Primeiro Comunista Revolucionário”.
[2] Peter (ou Pyotr ou Petr) Berngardovich Struve (26 de janeiro de 1870- 22 de fevereiro de 1944) foi um filósofo, economista político e editor russo que iniciou como um marxista, tornando-se posteriormente um liberal e, após a Revolução Bolchevique, juntou-se aos russos brancos. A partir de 1920 viveu no exílio, em Paris onde tornou-se um proeminente crítico do comunismo russo.
[3] O calendário Gregoriano é um calendário de origem europeia, utilizado oficialmente pela maioria dos países do mundo. Foi promulgado pelo Papa Gregório XIII (1502–1585) em 24 de fevereiro de 1582, pela bula Inter gravíssimas, em substituição ao calendário Juliano, implantado pelo líder romano Júlio César (100–44 AC) em 46 AC, com o objetivo de fazer regressar o equinócio da primavera para o dia 21 de março, desfazendo o erro de 10 dias existente na época. Como convenção e praticidade, o calendário gregoriano foi adotado para demarcar o ano civil no mundo inteiro, assim facilitando o relacionamento entre as nações.

Prossegue com a Parte 4.

terça-feira, 10 de novembro de 2015

A REVOLUÇÃO RUSSA DE 1917 (Parte 2)

III – ALGO SOBRE A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL NA RÚSSIA

É impossível falar sobre a Revolução Russa sem falar na Revolução Industrial, iniciada no século XVIII, no Reino Unido, e propagada pelo mundo a partir do século XIX, e em seus desdobramentos: formação do proletariado, prática do “capitalismo selvagem” e evolução das ideias socialistas. A Revolução Industrial consistiu em um conjunto de mudanças tecnológicas com profundo impacto no processo produtivo em nível econômico e social. Ao longo do processo, a era da agricultura foi superada, a máquina foi superando o trabalho humano, uma nova relação entre capital e trabalho se impôs, novas relações entre nações se estabeleceram e surgiu o fenômeno da cultura de massa, entre outros eventos. Essa transformação foi possível devido a uma combinação de fatores, como o liberalismo econômico, a acumulação de capital e uma série de invenções, entre as quais sobressaiu a máquina a vapor. A Revolução Industrial consolidou o sistema capitalista e as relações de trabalho assalariado.
Como um grupo social novo, o proletariado demorou para adquirir consciência de classe, que lhe daria a coesão necessária para lutar por melhorias em suas condições de trabalho e de vida. Somente a partir de meados do século XIX começaram a se organizar os primeiros sindicatos e apenas em fins daquele século eles começaram a conquistar alguns direitos.
Com a miséria dos trabalhadores permanecendo sem expectativa de solução, alguns intelectuais (geralmente de origem burguesa, mas sensibilizados pela causa operária) começaram a criar teorias que propunham mudanças na estrutura econômica e social do capitalismo, com vistas a criar uma sociedade mais justa e menos diferenciada, assim surgindo as ideias socialistas. As primeiras teorias ficaram conhecidas pelo nome de socialismo utópico, porque não pregavam a destruição do capitalismo, mas apenas sua reforma; os socialistas radicais consideravam o capitalismo intrinsecamente mau, não aceitando a sua reforma, mas apenas a sua destruição. 
Karl Marx, o alemão inspirador da revolta
russa, que viveu a maior parte de sua vida
e morreu na Inglaterra.
O socialismo radical encontrou sua maior expressão em Karl Marx, criador do socialismo científico ou comunismo. Em sua teoria, o capitalismo deveria ser destruído por uma revolução proletária armada, que implantaria uma ditadura socialista. Nesta, a propriedade privada desapareceria e os meios de produção seriam coletivizados, criando o que Marx esperava fosse uma sociedade sem classes. Quando a revolução socialista se estendesse a todos os países, seria possível suprimir o Estado e estabelecer uma sociedade inteiramente igualitária: a sociedade comunista.
Embora o futuro tenha provado que o projeto de uma sociedade comunista era tão utópico quanto as teorias anteriores, o socialismo marxista seduziu milhares de intelectuais e milhões de operários e camponeses. Já em 1871, os comunistas, aliados aos socialistas utópicos e a uma facção de esquerda ainda mais radical — os anarquistas — realizaram aquela que se tornou a maior insurreição socialista antes da Revolução Russa de 1917: a Comuna de Paris. Mas a repressão do governo burguês foi implacável: 13.000 revolucionários foram fuzilados e quase 50.000, deportados.
Marx afirmava que a revolução socialista deveria triunfar nos países mais industrializados, onde o proletariado seria mais numeroso e organizado. Tal previsão falhou redondamente porque, nos países mais desenvolvidos, os operários já haviam conquistado certos direitos e benefícios, o que diminuiu seu entusiasmo por uma revolução armada. Restavam, portanto, os países atrasados, onde a exploração e a miséria dos trabalhadores ainda se encontravam no estágio do capitalismo selvagem e as condições para uma revolução proletária seriam mais favoráveis.
Nas reformas realizadas na Rússia, poucos camponeses receberam terras em quantidade suficiente. Apenas uma minoria de pequenos e médios proprietários, os kulaks[1], se beneficiaram. O restante da população do campo continuava formado por um miserável proletariado rural. O ambiente era adequado à difusão de ideias revolucionárias. O regime czarista governava o império com mão de ferro. Os opositores do regime eram perseguidos por um eficiente aparelho de repressão policial. Havia um controle severo sobre o ensino secundário, as universidades, a imprensa em geral.
Por isso tudo, o desenvolvimento industrial da Rússia começou tardiamente, em relação aos países ocidentais avançados, e apenas foi possível graças à participação de capitais estrangeiros principalmente ingleses e franceses. Mesmo assim, foi inferior ao das demais potências europeias. Em sua economia, as relações capitalistas de produção entrelaçavam-se com as do tipo feudal. O pagamento de juros sobre este capital fazia com que grande parte dos lucros não continuasse no país. Em 1877, dos 150 milhões de habitantes russos, apenas 1 milhão era de operários. Nesse clima, era fatal o surgimento de vários grupos de oposição ao sistema vigente.
Na Primeira Guerra Mundial, de 1914, o Império Russo uniu-se à “Tríplice Entente”, junto com a França e Inglaterra, contra a Tríplice Aliança, formada por Alemanha, Áustria-Hungria e o Império Turco-Otomano. A Rússia tinha interesse em obter um acesso ao Mar Mediterrâneo, e para isso pretendia anexar, sob a justificativa de proteger os “povos eslavos irmãos”, a península balcânica e os estreitos de Bósforo e Dardanelos, então sob domínio do moribundo Império Otomano. Porém a participação russa na 1ª Guerra Mundial foi desastrosa, sofrendo humilhantes derrotas para a Alemanha e abandonando a guerra, em 1917, com a assinatura do tratado de Brest-Litovsk. Isso só veio piorar a situação da Rússia já empobrecida, e toda a culpa pelo evento foi lançada às costas do Czar.

IV - AS CAUSAS GERAIS DA REVOLUÇÃO DE 1917

John Edward Christopher Hill, (6 de fevereiro de 1912 - 23 fevereiro de 2003), historiador inglês, membro do Partido Comunista da Grã Bretanha, aponta as seguintes “causas gerais” da Revolução Russa:
1) O desenvolvimento econômico do país era extremamente moroso, seu comércio e sua indústria encontravam-se nas mãos de estrangeiros e o grosso da produção era consumido pelo próprio estado. Isso retardou sobremaneira o desenvolvimento da burguesia e da classe média. A burguesia russa jamais atingiu a autonomia da burguesia ocidental, pois sua dependência do Estado era muito grande. O poder concentrado nas mãos do Czar pouco espaço deixava para o florescimento do liberalismo, que atingiu apenas uma pequena fração da população, justamente aqueles que já eram muito ricos.
2) A presença estrangeira no financiamento da industrialização russa, tornou a burguesia um apêndice do sistema internacional fazendo-a procurar proteção junto ao Czar (tarifas protecionistas, etc.).
3) A extraordinária concentração de operários nos grandes centros urbanos do país (perto de três milhões) e a superexploração a que estavam submetidos (o capitalista russo só sabia competir reduzindo os gastos e não implementando tecnologia, levando-os a forçar para baixo o padrão de vida dos operários).
4) Devido à exiguidade do espaço político, que o impedia de participar dos partidos e do parlamento, o operariado russo seguiu a estrada da revolução e não a do Reformismo.
Estes foram os fatores mais amplos, de estrutura, que terminaram por favorecer um tipo específico de Revolução. O colapso geral, deu-se com a entrada da Rússia na Grande Guerra. A incapacidade do czarismo em vencer e as insuportáveis condições internas, terminaram por fazer com que a eclosão do movimento revolucionário fosse incontrolável.
Apesar da Rússia ser, na época, um dos países mais poderosos do mundo em termos militares, só uma pequena parte da população (os nobres) tinha boas condições de vida. Os camponeses eram terrivelmente pobres e trabalhavam de sol-a-sol os seus terrenos sem poder possuí-los. As sucessivas derrotas em várias batalhas da Primeira Guerra Mundial e o descontentamento geral da população, fizeram com que a economia interna começasse a deteriorar-se. A instabilidade e a pobreza tiveram como consequência inevitável, uma revolta, a Revolução Bolchevique, que aconteceria em duas datas significativas: 1905 e 1917. Além disso, a Revolução de 1917, que definitivamente extinguiu o Czarismo, aconteceu em duas etapas e foi seguida por uma guerra civil que ceifou a vida de milhões de russos.

V - A REVOLUÇÃO DE 1905

Ao iniciar-se o século XX, o Império Russo apresentava um extraordinário atraso em relação às demais potências europeias. A economia ainda era basicamente agrária, praticada em latifúndios explorados de forma antiquada, através do trabalho de milhões de camponeses miseráveis. A industrialização russa foi tardia, dependente de capitais estrangeiros e se restringia a algumas grandes cidades. A sociedade russa era ainda mais desigual que a sociedade francesa às vésperas da Revolução de 1789. Havia o absoluto predomínio da aristocracia fundiária, diante de uma burguesia fraca e das massas camponesas marginalizadas. O proletariado russo era violentamente explorado; mas já possuía uma forte consciência social e política e estava concentrado nos grandes centros urbanos — o que facilitaria sua mobilização em caso de revolução.
O Império Russo era, oficialmente, uma autocracia (isto é, uma monarquia absoluta), com todos os poderes centralizados nas mãos do czar. Não havia partidos políticos legalizados, embora as agremiações clandestinas fossem bastante atuantes.
Pouco antes da Primeira Guerra Mundial, a Rússia tinha a maior população da Europa, com cerca de 171 milhões de habitantes em 1904. Defrontava-se também com o maior problema social do continente, qual seja, a extrema pobreza da população em geral. Enquanto isso, as ideologias liberais e socialistas penetravam no país, desenvolvendo uma consciência de revolta contra os nobres. Entre 1860 e 1914, o número anual de estudantes universitários cresceu de 5.000 para 69.000, e o número de jornais diários cresceu de 13 para 856.
Nicolau II da Rússia, o Czar da
Revolução Soviética
A população do Império Russo era formada por povos de diversas etnias, línguas e tradições culturais. Cerca de 80% desta população era rural e 90% não sabia ler e escrever, sendo duramente explorada pelos senhores feudais. Com a industrialização, foi-se estabelecendo, progressivamente, uma classe operária, igualmente explorada, mas com maior capacidade reivindicativa e aspirações de ascensão social. A situação de extrema pobreza e exploração em que vivia a população tornou-se assim um campo fértil para o florescimento de ideias socialistas.
Em 1904-5, a Rússia entrou em guerra com o Japão, disputando territórios sobre a região chinesa da Manchúria, no Extremo Oriente, e foi por ele derrotada. As duras condições de vida da maioria da população, a corrupção que reinava na corte e a desastrosa derrota frente aos japoneses, tornaram a situação interna russa mais conflitante e a insatisfação popular se manifestou por meio de greves e motins nas principais cidades, dando origem à Revolução de 1905, que pode ser, resumidamente, descrita por três episódios distintos, todos extremamente significativos:
O encouraçado Potemkin ancorado em
Constança, Romênia, julho de 1905
O primeiro episódio ficou conhecido como a revolta do “Potemkin”, um encouraçado pertencente à frota russa do Mar Negro. Sua tripulação rebelou-se em junho de 1905, ao saber que seria enviada para lutar contra os japoneses. Os demais navios da esquadra não aderiram à revolta do “Potemkin”, cujos tripulantes acabaram refugiando-se na Romênia. De qualquer forma, tratava-se de um motim em uma grande unidade da Marinha Russa, evidenciando que as Forças Armadas já não podiam ser consideradas sustentáculos fiéis da Monarquia.
O segundo deles ficou, posteriormente, conhecido por “Domingo Sangrento”. Em 9 de janeiro, um domingo, uma manifestação pacífica de milhares de operários de São Petersburgo (então capital da Rússia), que pedia audiência ao Czar, foi violentamente dispersada, a bala, pela Guarda Imperial (Cossacos), com centenas de vítimas. Esse acontecimento abalou profundamente a confiança do povo em seu imperador e serviu de pretexto para uma série de revoltas no país inteiro. 
O "Domingo Sangrento", 9 de janeiro de 1905, São Petersburgo
O terceiro episódio foi a greve geral promovida pelos operários de São Petersburgo, Moscou e Kiev. Apesar da repressão militar, os trabalhadores resistiram por algumas semanas, sobretudo em Moscou. Dois fatos importantes ocorreram durante essa greve: foram organizados os primeiros sovietes (conselhos) de trabalhadores e houve operários que se defenderam a bala, mostrando que estavam se preparando para uma insurreição armada.
Em 1906, tendo em vista os abalos produzidos pela Revolução de 1905 e pela derrota frente ao Japão, o czar Nicolau II resolveu criar a Duma[2], como um primeiro passo em direção à liberalização. Tratava-se de uma Assembleia Legislativa com poderes extremamente limitados e tal medida surtiu escasso efeito, visto que os partidos eram sistematicamente vigiados e a Duma era controlada pela aristocracia e pelo Czar, que podia dissolvê-la a qualquer momento; além disso, como era censitária, seus deputados representavam apenas 2% do total da população.

O POSDR

O Partido Operário Social-Democrata Russo (POSDR) foi um partido político fundado em 1898, em Minsk (hoje, a capital e maior cidade da Bielorrússia), de modo a unir as várias organizações revolucionárias em um partido único. Ao final do primeiro congresso, em março de 1898, todos os nove delegados foram presos. O POSDR foi criado para fazer oposição aos narodniks e o seu populismo revolucionário, que privilegiava o campesinato. Já o programa do POSDR era baseado nas teorias de Karl Marx e Friedrich Engels - que diziam que, apesar da natureza agrária russa, o verdadeiro potencial da revolução estava no proletariado.
Antes do Segundo Congresso, um jovem intelectual, Vladimir Ilyich Ulyanov, entrou no partido, usando o pseudônimo Lênin. Em 1902 ele havia publicado “Que fazer?”, em que expunha suas ideias sobre as tarefas do partido e sua metodologia e afirmava não bastar uma luta por uma simples reforma salarial ou jornada de trabalho.
Em 1903 o Segundo Congresso reuniu-se na Bélgica numa tentativa de criar uma organização unida. Lênin teve a chance de afirmar suas posições políticas: os socialistas deveriam lutar por uma estrutura de poder centralizada; trabalhar sem alianças com outras agremiações políticas; e só aceitar no partido os versados na doutrina marxista. Na ocasião, Lênin reiterou as posições políticas que vinha defendendo na revista "Iskra", órgão de imprensa dos ativistas revolucionários, propondo-se a assumir o seu controle editorial.
Lênin foi contestado, em todas as propostas, por seu amigo e aliado, Martov, também responsável pela edição da revista. Lênin teve apoio majoritário e o partido se dividiu em duas facções irreconciliáveis, em 17 de Novembro: os Bolcheviques (maioria, em russo), liderados por Lênin; e os Mencheviques (minoria, em russo), liderados por Julius Martov. Na verdade, os Mencheviques obtiveram o apoio da maioria dos delegados ao congresso, pois eram, de fato, a maior facção; entretanto, a maior parte do comitê central, instância máxima de decisão do partido, optou por apoiar as ideias de Lênin.
Os mencheviques, liderados por Martov, defendiam que os trabalhadores podiam conquistar o poder participando normalmente das atividades políticas. Acreditavam, ainda, que era preciso esperar o pleno desenvolvimento capitalista da Rússia e o desabrochar das suas contradições, para se dar início efetivo à ação revolucionária.
Os bolcheviques, liderados por Lênin, defendiam que os trabalhadores somente chegariam ao poder pela luta revolucionária. Pregavam a formação de uma ditadura do proletariado, na qual também estivesse representada a classe camponesa.
Pouco depois de os Bolcheviques terem chegado ao poder durante a Revolução Russa de 1917, mudaram o seu nome para o Partido Comunista de Toda a Rússia (Bolcheviques) em 1918 e passaram a ser conhecidos apenas como Partido Comunista da União Soviética – PCUS a partir daí. No entanto, não seria antes de 1952 que esse partido removeria formalmente a palavra Bolchevique do seu nome.
No Brasil, Bolcheviques ou Bolchevistas são usados como sinônimos.


Até 1905, o sistema político da Rússia czarista não possuía partidos políticos, com todo o poder concentrado nas mãos do imperador. As medidas adotadas à época, embora significativas do ponto de vista político, não alteravam o quadro social da maior parte da população russa. Foi nesta ocasião que emergiram com força os Sovietes e o Partido Operário Social-Democrata Russo (POSDR – ver o quadro acima), dividido entre Mencheviques e Bolcheviques. Tal quadro político-social foi profundamente alterado pela deflagração da Primeira Guerra Mundial.

[1] Kulak era um termo pejorativo, usado no linguajar político soviético, para se referir a camponeses relativamente ricos do Império Russo, que possuíam grandes fazendas e faziam uso de trabalho assalariado em suas atividades. 
[2] A Duma, foi extinta em 1917 com a Revolução Russa. Com o fim da União Soviética, a Duma foi restabelecida, em 1993, pelo então presidente Boris Iéltsin, após a sua vitória política na Crise constitucional daquele ano. Atualmente, junto com o Soviete da Federação (Câmara Alta), a Duma (Câmara Baixa) forma o Legislativo da Federação Russa. Sua sede encontra-se em Moscou e é composta por 450 deputados, eleitos para mandatos com a duração de quatro anos.

Continua na próxima postagem com a Parte 3.