Pois
no último fim de semana, numa agradável conversa com o meu filho, durante as
suas férias e as minhas, agora permanentes, eu fazia menção a uma expressão
utilizada por minha mãe sempre que ouvia uma conversa muito comprida que o
interlocutor não conseguia encerrar. A expressão era: ‘essa conversa está
parecida com a "Sinfonia Inacabada” de Schubert’.
Essa
expressão de minha mãe, com quem tanto aprendi ao longo da minha vida,
quedou-se em minha cabeça de menino, intocada em sua forma original e nunca me
dei ao trabalho de tentar descobrir a sua história. Principalmente porque -
para ser totalmente honesto em minha crônica -, ela costumava usar a expressão
sem fazer referência ao autor, embora soubesse, com certeza, de quem se
tratava, tendo em vista a sua formação musical proporcionada pela família de
sua mãe; possivelmente para poupar os nossos cérebros infantis, com nomes para
nós, então, bastante complicados. Após a época em que vivíamos mais à sua
sombra e luz, nunca mais tive a curiosidade aguçada para ir atrás da composição
ou das razões que teriam criado a expressão. Agora, em férias permanentes, com
mais tempo à disposição para, finalmente, fazer apenas aquilo que nos dá
prazer, fui atrás da “Sinfonia Inacabada”.
Franz Seraph
Peter Schubert foi um compositor austríaco que nasceu em 31 de janeiro de 1797
e morreu em 19 de novembro de 1828, com apenas 31 anos de idade. Embora morto em
tão tenra idade, ele compôs cerca de 600 canções (“lieder”), nove sinfonias,
música litúrgica, óperas, alguma música incidental e um grande corpo de música
de câmara e solo de piano. Como ilustração da sua prolificidade, conta-se que encontrando-se
um dia numa taberna vienense, com um grupo animado de jovens, a conversar,
brincar e beber cerveja, de repente, ele pega o cardápio e escreve algo na sua
parte posterior. Ao final da noite, todos saem e um dos jovens lembra-se do
cardápio e volta para apanhá-lo, encontrando no verso algumas notas musicais
traçadas com rapidez. Se este jovem não tivesse lembrado o cardápio, hoje o
mundo talvez não conhecesse a famosa Serenata de Schubert. Aos 18 anos,
já havia escrito 203 músicas. Nunca se casou e nunca foi realmente amado por
nenhuma mulher, sua única aventura amorosa tendo-lhe resultado em sífilis.
De
Schubert, costuma-se dizer que nunca fez parte do grupo mais seleto de
compositores clássicos – Mozart, Bach e Beethoven -, embora eu não tenha mais
esse preconceito desde que minha tia Ione, pianista concertista, com toda a
propriedade me tenha explicado, quando ainda guri, que tal classificação, faz parte dos tempos modernos e que os compositores clássicos foram
todos bons; apenas, como os vinhos, têm os seus adeptos e tornam-se questão de
gosto muito pessoal. Um consolo especial para o meu gosto por Tchaikovsky! O
fato é que a apreciação por sua música foi muito limitada ao tempo em que era
ainda vivo, embora tenha crescido drasticamente durante as décadas que se
seguiram à sua morte, quando Liszt, Schumann, Mendelssohn e o próprio Brahms,
entre outros, tenham descoberto e promovido seus trabalhos durante o século
XIX. Hoje ele é admirado como um dos líderes expoentes da música do início da
era Romântica e um dos compositores mais frequentemente executados.
Em
1822, Schubert, então com 25 anos, iniciou a composição de uma sinfonia que
nunca viria a terminar, sua famosa Sinfonia No. 8, em Si Menor, comumente
conhecida como “Sinfonia Inacabada”, com apenas dois movimentos totalmente
orquestrados, considerados completos, quando o normal, à época, eram quatro
movimentos. É por essa razão que ela é chamada de “Sinfonia Inacabada”. Seis
anos depois ele morreria, vítima da febre tifoide. Em seu leito de morte, desejando
ouvir música, seus amigos executaram o Quarteto em Dó Sustenido Menor, de Beethoven.
E foi a última música que Schubert ouviu.
Em
1823 a Graz Music Society deu a Schubert um diploma honorário. Sentindo-se
obrigado a dedicar-lhes uma sinfonia como agradecimento, ele entregou ao seu
amigo Anselm Hüttenbrenner, representante da Sociedade, a partitura da sua
SinfoniaNo. 8, em Si Menor, escrita em 1822. Até aqui tudo é conhecido! O que
não é bem conhecido e certamente nunca o será, é quanto da Sinfonia terá
Schubert escrito e quanto do que foi escrito ele terá dado a Hüttenbrenner. Os primeiros
dois movimentos existem na partitura completa, as duas primeiras páginas de um esboço
em partitura completa e o restante do esboço na parte do piano; mas nada existe
do quarto movimento.
O
fato de que Hüttenbrenner não executou a peça ou mesmo deu ciência à Sociedade,
de que ele possuía o manuscrito, é curioso e conduziu a várias teorias. Teria
ele recebido uma partitura incompleta de Schubert e esperado pelo restante a
ser entregue, antes de dizer qualquer coisa? Se assim foi, ele esperou em vão
durante os cinco últimos anos da vida de Schubert. Após a morte de Schubert,
porque Hüttenbrenner não teria dado a conhecer a existência do manuscrito? Por
que a Inacabada teria apenas dois movimentos? Impossível saber. A morte
de Schubert não foi a causa, pois depois da Inacabada, ele ainda escreveu mais uma
sinfonia. Tampouco ele quis, deliberadamente, inovar o gênero das sinfonias, quebrando
as regras vigentes de quatro movimentos. Prova disso são os primeiros compassos
de um terceiro movimento. Terá sido culpa a razão pela qual Hüttenbrenner nada
revelou sobre a existência do trabalho, durante 37 anos após a morte de
Schubert? A idade avançada e a aproximação da morte parecem ter sido fatores
para afinal revelar a existência do manuscrito, o que só teria acontecido em
1865, quando ele tinha 76 anos (morreria três anos após) de idade; a partitura
só foi publicada em 1867.
A
partir daí, historiadores e estudiosos da música têm labutado para provar que a
composição era completa, em seus dois movimentos; e foi nessa forma que ela
tornou-se uma das mais populares peças do repertório de música clássica do século
XIX e permanece como uma das mais populares composições de Schubert.
Será
que Schubert considerou que a obra não valeria o esforço? Ou simplesmente não
se sentiu impelido a completar aquilo que iniciara? O fato é que a “Inacabada”
reflete um pouco da vida de Schubert: simples e breve, sem muitos prazeres e de
grande produção e amor pela música. Se Schubert não foi um compositor de obras
grandiosas como as de Mozart, é inegável que ele criou músicas incrivelmente
belas. Podemos perceber isso pela audição da “Sinfonia Inacabada”. É
praticamente impossível fazer-se outra coisa quando esta música é executada. É necessário
ouvi-la. Os dois "links" abaixo conduzirão o leitor ao Primeiro e ao Segundo Movimentos, respectivamente.
Primeiro Movimento da 'Sinfonia Inacabada'
Segundo Movimento da 'Sinfonia Inacabada'
Primeiro Movimento da 'Sinfonia Inacabada'
Segundo Movimento da 'Sinfonia Inacabada'
Sobre
o grande compositor, nunca esquecerei um comentário, feito por pessoa
competente e admiradora de Schubert, sobre a sua Marcha Militar No. 1, que li
enquanto a escutava pela primeira vez, aos meus quatorze anos. Dizia o analista
algo mais ou menos assim: ‘Quando ouvimos a Marcha Militar No. 1 de Schubert e
lembramos do seu temperamento terno e romântico, tudo o que ela consegue nos
evocar é uma marcha alegre e disciplinada de muitos soldadinhos de chumbo’.
Para
finalizar, ilustrando o materialista mundo em que atualmente vivemos, tão
diferente do mundo culto, romântico e humano em que viveu Schubert, uma
historinha recolhida da “internet”, que a alguns fará rir e a outros ..., apenas
lamentar.
Conta-se que um moderno administrador de empresas ganhou um convite para assistir a um concerto da “Sinfonia Inacabada” de Schubert. Como estivesse impossibilitado de comparecer, deu o convite ao seu gerente de Organização, Sistemas e Métodos. Na manhã seguinte, o administrador perguntou-lhe se havia gostado do concerto. Ao invés de comentários sobre o que ouvira e vira, recebeu do seu gerente o seguinte relatório:
"Circular Interna nº 13/03
De: Gerência de
Organização, Sistemas e Métodos
Para: Diretoria
Ref: Sinfonia
Inacabada
1-Por um período
considerável de tempo, os músicos com oboé, não tiveram nada para fazer. O seu
número deveria ser reduzido e o seu trabalho redistribuído pelos restantes
membros da orquestra, evitando-se assim estes picos de inatividade;
2-Todos os
violinos da primeira seção, doze ao todo, tocavam notas idênticas. Isso parece
ser uma multiplicação desnecessária de esforços e o número de violinos, nessa
seção, deveria ser drasticamente reduzido. Se for necessário um maior volume de
som, isso poderá ser obtido através do uso de um amplificador;
3-Muito esforço
foi despendido ao tocarem semitons. Isto parece ser um preciosismo
desnecessário e seria recomendável que as notas fossem executadas no tom mais
próximo. Se isso fosse feito, poderiam utilizar estagiários em vez de
profissionais, reduzindo os custos significativamente;
4-Não há
utilidade prática em repetir com os metais a mesma passagem já tocada pelas
cordas. Se toda esta redundância fosse eliminada, o concerto poderia ser
reduzido de duas horas para apenas vinte minutos;
5-Ao fim e resumindo as observações dos pontos anteriores,
podemos concluir que se Schubert tivesse dado um pouco de atenção aos pontos mencionados,
talvez tivesse tido tempo para acabar a sua sinfonia inacabada."
A "Sinfonia Inacabada" é uma homenagem póstuma à minha querida mãe, Mariazinha (Maria Sant'Anna de Azambuja).
A "Sinfonia Inacabada" é uma homenagem póstuma à minha querida mãe, Mariazinha (Maria Sant'Anna de Azambuja).
Nenhum comentário:
Postar um comentário