Homenagem ao lendário herói ancestral dos ingleses que deu título a um dos considerados "Cem Maiores Livros do Mundo" e tido como o mais antigo escrito em "Old English".

quinta-feira, 5 de abril de 2012

HISTÓRIA DO BRASIL NA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XX (Quinta e última parte)

CONCLUSÃO

Até então, apenas citei os dados históricos retirados de várias fontes sem, sobre eles, tecer quaisquer comentários. Rigorosamente, para muitos dos meus leitores, desnecessário seria comentar os fatos expostos para que chegassem às conclusões a que, inevitavelmente chegariam ou chegarão. Entretanto, sem querer desprezar aos mais jovens, que não vivenciaram os fatos relatados e que apenas conhecem a história transmitida, nem sempre fiel a si própria, o que vou fazer é apenas enfatizar alguns dos fatos ocorridos para que eles possam chegar às suas próprias conclusões.
Um dos princípios que sempre norteou a minha vida de estudante, chefe de família, profissional e cidadão, foi a coerência, herança de meu pai e que aceitei voluntariamente, tentando sempre transmiti-la a meus filhos. Li uma vez a seguinte frase, como sendo de autoria do escritor irlandês Oscar Wilde: “A coerência é a virtude dos imbecis”. Difícil interpretar uma frase dessas sem conhecer o contexto em que ela teria sido proferida, se de fato foi dita por ele. Todos sabemos, também, que o escritor era pessoa de grande inteligência e de fina ironia; portanto, muito cuidado ao ler a sua frase. Em primeiríssimo lugar, é preciso atentar para o fato de que ele reconhece a “coerência” como virtude; ele a chama de virtude. Nesse caso, porque “dos imbecis”? Da simples leitura da frase do eminente escritor, deduz-se que, ou ele não era coerente, caso contrário jamais se auto rotularia "imbecil"; ou era coerente e seria também um imbecil, coisa que todos sabemos que não era. Certamente tratou-se de mais uma fina ironia de Oscar Wilde, "os imbecis" aqui significando os "trouxas" ou "burros" que, por exemplo, aqui no Brasil de hoje, não se aproveitam das situações apenas por ou para serem coerentes. O que não foi o caso de muitos, que se locupletaram, mostrando-se totalmente incoerentes com suas atuações anteriores; mas que, segundo Oscar Wilde, não foram nada "imbecis". Certamente o grande escritor reconhecia na “coerência” uma grande virtude! 
Por conseguinte, em consequência desta pequena introdução à minha conclusão, eu aqui declaro a minha total oposição à forma de participação política de Getúlio Vargas na História do Brasil! Se houve característica que Getúlio nunca demonstrou possuir ao longo de toda a sua vida, foi a coerência! Getúlio Vargas possuía duas qualidades inegáveis: a arte da retórica e o poder da conciliação; mas faltou-lhe total coerência ao longo de sua vida! Há vários episódios registrados em suas vidas pública e privada que muito bem demonstram esse fato e isso não é dito apenas por mim, mas por vários pesquisadores da vida do político, conforme será mostrado a seguir. Mas para embasar a nossa opinião, faremos, antes, referência a algumas passagens já relatadas da vida de Getúlio.
As incoerências de Getúlio começaram a se manifestar antes mesmo que ele fosse introduzido à vida pública. Por exemplo, ninguém sabe até hoje porque ele teria adulterado, em sua juventude, alguns documentos, para fazer crer que teria nascido em 1883 e não em 1882, como demonstra a sua certidão original de batismo.
Agora, em 25 de fevereiro de 2012, Lauro Jardim, Redator Chefe da Veja, faz referência ao primeiro volume, Getúlio, da trilogia que o jornalista Lira Neto lançará pela Companhia das Letras, em maio. Uma das revelações do livro é o discurso de formatura do jovem Vargas, na Faculdade de Direito de Porto Alegre, em 1907. Ali, aos 25 anos, surge um Vargas seduzido pela filosofia de Nietzsche (“esse alucinado genial”) e crítico à condição da mulher de então (“amesquinhada, ser inferior, serpente tentadora do mal”). Noutro trecho, investe contra o cristianismo (“A moral cristã é contrária à natureza humana, inimiga da civilização”) e ataca sua moral sexual (“O cristianismo desnaturou a grandeza da sexualidade” ou seja, “a união dos seres numa transfusão do magnetismo amoroso, considerado pelos cristãos como um comércio impuro”). Se hoje tal discurso já causaria polêmica para um político, há cem anos impediria qualquer carreira de decolar. Por isso, os anos se passaram e Vargas trancafiou o libelo, do qual nunca mais se teve notícia, escondendo-o da própria família. Em 1977, Alzira, sua filha, doou uma série de documentos à Fundação Getúlio Vargas, expressamente recomendando, por escrito: “não pode e não deve ser publicado, sob hipótese alguma”. A recomendação, para o bem da verdade, não foi respeitada por Lira Neto.
Um de seus melhores e mais fieis amigos, além de colega da Faculdade de Direito e seu vice no governo estadual em 1928, foi João Neves da Fontoura, com quem iniciou sua carreira política, peregrinando em campanha para Borges de Medeiros, pelo interior do Rio Grande do Sul, em 1907, e por quem renunciou a seu mandato de representante na Assembleia Estadual, por ver injustiçado seu pai por fraude eleitoral em seu município – quando na verdade fora culpado. Entretanto, durante o Golpe de 1930, quando deixou o governo do Rio Grande do Sul, nada disso impediu Getúlio de preterir Neves da Fontoura em favor de Osvaldo Aranha, que o assumiu, causando a renúncia imediata do seu amigo. Posteriormente, em 1932, Neves da Fontoura romperia definitivamente com Getúlio quando este se recusou a punir os “Tenentes” responsáveis pelo incêndio do jornal “O Diário Carioca”.
Decididamente, Getúlio Vargas emergiu no plano político durante a campanha de1922 para eleição do governador do estado do Rio Grande do Sul e a Revolução de 1923. Nos dois episódios, a participação de Getúlio foi controvertida. Como vimos anteriormente, por razões incoerentes, esteve sempre ao lado do governo borgista (chimangos) contra o qual pesava a maior queixa dos maragatos, de tentar perpetuar-se no poder através de eleições manipuladas. Aqui o papel de Vargas foi deveras comprometedor, conforme demonstrado pela sua participação como Presidente da Comissão de Constituição e Poderes da Assembleia dos Representantes, responsável pela apuração dos votos e reconhecimento dos eleitos no pleito. Tal Comissão, totalmente formada por homens de absoluta confiança de Borges de Medeiros, indicou a sua vitória, em meio a rumores de um levante armado contra Borges de Medeiros e denúncias de fraudes de ambos os lados. Como não tivesse sido alcançada a exigência constitucional de ¾ dos votos, na disputa contra Assis Brasil, a Comissão foi instada por Borges de Medeiros a proceder à alquimia eleitoral, forjando os resultados. Pelos serviços prestados, Getúlio foi então promovido, por decreto governamental, de Sargento a Tenente Coronel da Brigada sem, contudo, pegar uma só vez em armas, a favor de um ou de outro lado, apesar de uma cruenta revolução regional com ocorrência de um grande número de baixas.
Decididamente, Getúlio Vargas não era uma pessoa de personalidade forte! Era fazendeiro, filho e neto de fazendeiros na pequena cidade de São Borja, com recursos disponíveis para propiciar-lhe uma boa educação, que a teve. Conciliador, bem humorado, de sorriso fácil, muito bem podemos imaginá-lo a participar de uma roda de chimarrão e um churrasco, entre os conterrâneos, a contar histórias de seu tempo, de seus pais e avós. Mas jamais poderemos imaginar o político fardado, armado de sabre e pistola, cavalgando à frente de uma tropa, como era tradição em sua época. Nunca foi militar de carreira e o maior posto que conseguiu galgar em sua vida foi o de sargento do exército quando cumpriu o serviço militar obrigatório, parte em sua cidade natal e parte em Porto Alegre. Entretanto, a sua primeira foto oficial como chefe do governo nacional, pelo Golpe de 1930 – incoerentemente sempre referido como Revolução de 1930 -, o apresenta fardado como oficial do exército, aconselhado por companheiros, já que o movimento havia sido realizado por oficiais do Exército Brasileiro; e foi a última vez que vestiu uma farda em sua vida.
A sua personalidade fraca foi até mesmo analisada no épico romance histórico do também gaúcho Érico Veríssimo, a trilogia “O Tempo e o Vento”, quando, às vésperas da Revolução de 1930, ele telefona os maiores articuladores do movimento, no Rio Grande do Sul, Osvaldo Aranha e Flores da Cunha, para comunicar que, em caso de fracasso do movimento, seu nome não seria ligado a ele de forma alguma. Não foi preciso acrescentar que, se o golpe fosse vitorioso, tudo estaria muito bem! Em outro trecho do mesmo épico, um personagem relata o costume que possuiria Getúlio de manter um revólver carregado na gaveta de sua mesa de trabalho, com a ideia de suicídio sempre em mente; o que viria a se concretizar em 1954, durante o seu mandato de presidente da República. De uma certa forma, ele próprio teria escrito isso, claramente, em seu diário particular, como apresentado anteriormente.
Getúlio Vargas chegou ao poder, a nível nacional, durante o golpe de 1930, que a memória fraca da grande maioria do povo brasileiro – com ênfase para nossos conterrâneos gaúchos - insiste em chamar de revolução de 1930. Vamos direto ao ponto: o movimento de 1930 foi um golpe nas instituições constitucionais brasileiras, da mesma forma que o de 1964, se quisermos manter coerência sobre o assunto. Em tudo foram idênticos, a começar pelos seus autores, que eram os mesmo, apenas 30 anos mais novos. Os motivos foram muito menos plausíveis e aceitáveis em 1930 do que em 1964. Posicionar-se contra ou a favor, de um ou de outro, é outro assunto, meramente pessoal não estando aqui em jogo. O que está em jogo é a ilegalidade constitucional do movimento, que ocorreu, sem qualquer sombra de dúvida! O que me deixa assombrado, nessa e em outras situações similares da política nacional, é ver defensores, partidários, apoiadores do movimento de 1930 e seguidores de Getúlio Vargas, até hoje, se manifestarem radicalmente contra o movimento de 1964. Senão vejamos.
As grandes “justificativas” para o golpe de 1930 teriam sido (1) o não cumprimento do revezamento na presidência de república ditada pela famosa política “café com leite”, (2) pretensas fraudes eleitorais nas eleições daquele ano e (3) a famosa “gota d’água” que teria sido o assassinato do Governador da Paraíba, João Pessoa.
Quanto ao primeiro “grande motivo”, é importante relembrar que, não havendo à época, partidos políticos a nível nacional, como acontece hoje – a bagatela de 30 partidos em que a maioria se vende por trocados para apoiar os maiores nas suas intenções, belo progresso que tivemos em 80 anos -, cabia ao Presidente organizar a sua sucessão, o que vinha sendo feito de acordo com a política vigente à época; o então presidente, Washington Luís cumpriu o acordo, tendo indicado à sua sucessão, um outro paulista, Júlio Prestes. E eu, diretamente, pergunto: e isso configuraria justo motivo para golpear as instituições brasileiras? De qualquer forma, não seriam realizadas eleições nacionais para indicar, pelo voto dos cidadãos, quem sucederia o atual presidente? Qual o significado da adoção de uma política informal como aquela, em função dos grandes e verdadeiros conchavos políticos realizados hoje para indicar os candidatos a qualquer eleição brasileira em qualquer nível? Qual a participação do povo brasileiro na indicação desses candidatos de hoje? Que pruridos tão fortes eram aqueles de antigamente? Por que não houve uma tentativa pura e simples de indicar um candidato mineiro ou de qualquer outro estado do Brasil para concorrer com Júlio Prestes? De fato, houve essa indicação, na pessoa de Getúlio Vargas, por três estados da Federação de 20, à época, contra os 17 restantes que, em convenção nacional, homologaram o nome de Júlio Prestes. E ele foi derrotado nas urnas, por Júlio Prestes, por grande margem de votos, o que nos leva ao segundo dos “grandes motivos” para o golpe.
As fraudes em eleições brasileiras ocorreram em toda a história do Brasil, desde os tempos do Império e tornaram-se muito conhecidas as realizadas no estado do Rio Grande do Sul, exatamente durante o período Castilhista e Borgista de sua história, dos quais sempre foi um adepto fervoroso o próprio Getúlio. Além disso, as acusações nas eleições de 1930, aconteceram de ambas as partes; o próprio Governador do Rio Grande do Sul, anterior a Getúlio Vargas, Borges de Medeiros, declarou enfaticamente que ocorreram fraudes nas eleições nacionais de 1930 em ambos os lados. É digno de nota o fato de que o Rio Grande do Sul foi o único estado dos 20 da Federação, e dos três que o apoiavam, que o consagrou com 100% dos votos depositados!
Finalmente, quanto à terceira “grande justificativa” do golpe de 1930, o assassinato de João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque, governador da Paraíba e, não por acaso, candidato à vice-presidência da república, na chapa de Getúlio, hoje cabalmente comprovado, nada teve a ver com crime político, mas apenas um crime passional conforme declarado pelo próprio assassino, que toda a Paraíba conhecia, bem como à sua amante Anayde Beiriz, pivô do crime. Se o crime fosse político, pergunto eu, por que matar o candidato a Vice-presidente e não o candidato a Presidente? Estranhamente, tanto o assassino como a sua amante teriam, em seguida, se “suicidado”, ele na cadeia e ela em seu apartamento, em Recife.
Ao final de tudo, em 22 de maio de 1930, o Congresso Nacional proclamou eleitos para a presidência e vice-presidência da república, Júlio Prestes e Vital Soares. Relembremos que em dezembro de 1929, um acordo fora formalizado entre os oponentes, pelo qual Getúlio Vargas comprometia-se a aceitar os resultados das eleições e, em caso de derrota da Aliança Liberal, comprometia-se a apoiar Júlio Prestes. Em troca, Washington Luís comprometia-se a não ajudar a oposição gaúcha a Getúlio. Tal compromisso foi honrado por Getúlio? O golpe de 1930 não só não honrou os compromissos assumidos, como nem sequer permitiu que o mandato de Washington Luís - de quem Getúlio Vargas havia sido o Ministro da Fazendo, contrariamente aos anseios do seu Governador e líder político Borges de Medeiros -, fosse legalmente concluído.
O que todos os simpatizantes de Getúlio Vargas e do golpe de 1930 “esquecem” de mencionar é que o seu fundamental apoio foi fornecido pela corrente político-militar denominada “Tenentismo” que, ao contrário do que o nome induz a pensar, contava com o apoio de oficiais superiores, no exército, na marinha e na incipiente aeronáutica. Entre esses, só para citar alguns poucos, podemos destacar: Cordeiro de Farias, Eduardo Gomes, Antônio de Siqueira Campos, Juarez Távora, Luís Carlos Prestes, Filinto Müller, Juracy Magalhães, Agildo Barata, Ernâni do Amaral Peixoto, Augusto do Amaral Peixoto, o general reformado Isidoro Dias Lopes e o general honorário do exército brasileiro José Antônio Flores da Cunha. Algumas observações me parecem muito importantes neste ponto: Cordeiro de Farias, que chegaria a Marechal do exército brasileiro, afirmou, em suas memórias, que os “tenentes” fizeram a revolução de 1930. O comandante militar do movimento seria Luís Carlos Prestes, gaúcho de Porto Alegre, conhecido comunista brasileiro, líder da Coluna Prestes, que pretendeu ampliar a Revolução de 1923 a nível nacional e que, coerentemente, abdicou de sua função, na última hora, para apoiar o comunismo; Filinto Müller tornar-se ia o odioso chefe da polícia do Rio de Janeiro, durante a ditadura de Getúlio Vargas; Ernâni do Amaral Peixoto transformar-se ia no poderoso genro de Getúlio, casado com sua filha Alzira Vargas e que o acompanharia até o seu suicídio, em 1953; Flores da Cunha, interventor do Rio Grande do Sul, nomeado por Vargas, e posteriormente Governador eleito, reagiria em 1937 quando Getúlio, novamente usada pelos militares, proclamou o Estado Novo, tornando-se ditador e, para escapar, sem força de reação, foi obrigado a refugiar-se na Argentina.
Por tudo isso e mais o que li sobre o assunto, nada me tira da cabeça que Getúlio teria sido o que, vulgarmente se chama, “a bola da vez”, durante o golpe de 1930, quando pela primeira vez chegou a chefe do governo nacional. Naquela ocasião, ele era governador do estado do Rio Grande do Sul, havia sido candidato derrotado à presidência da república e, não era mineiro, que se opusesse aos paulistas e, isso sim, não era homem de deixar passar as oportunidades, quando elas favoravelmente apareciam. A esse respeito, não podemos esquecer a conhecida frase de seu amigo João Neves da Fontoura: “Se o cavalo passar encilhado ele monta!”. É preciso colocar atenção no sentido dessa frase: o cavalo preciso passar e arreado; torna-se então muito fácil montar.
E assim foi que, a 3 de novembro de 1930, a Junta Militar Provisória, que já depusera Washington Luís e expatriara Júlio Prestes, entregou o poder a Getúlio Vargas. Seria repetitivo relacionar todas as barbaridades então ocorridas durante os 15 anos do governo de Getúlio Vargas que se seguiram. Entretanto, é muito importante que se diga que, em função dessa aventura que teve, como uma das suas mais funestas consequências, a criação da primeira ditadura brasileira de fato, muitos brasileiros irmãos morreram numa verdadeira guerra civil que se iniciou no Rio Grande do Sul, em 3 de outubro e que se alastrou por todo o país. Apenas em Pernambuco, num só combate, morreram 150 brasileiros. O que fizeram paulistas, gaúchos, mineiros ou qualquer outro brasileiro, para merecer morrer vítimas de balas de outros brasileiros, sem sequer saberem por que estavam morrendo? Ela poderia ter tido consequências ainda muito mais amplas e graves se, a 24 de outubro, os generais Tasso Fragoso e Mena Barreto e o almirante Isaías de Noronha não tivessem deposto Washington Luís, felizmente antevendo o que aconteceria se a grande batalha de Itararé tivesse ocorrido. Getúlio nada fez para evitar essa catástrofe, a não ser escrever, entre outras coisas, em seu Diário, inaugurado na véspera do golpe: “Como se torna revolucionário um governo (o seu próprio governo estadual) cuja função é manter a lei e a ordem? E se perdermos (medo de assumir a responsabilidade?)? Eu serei depois apontado como o responsável, por despeito, por ambição, quem sabe? Sinto que só o sacrifício da vida poderá resgatar o erro de um fracasso!! (mas no caso de vitória, tudo estaria bem?)”. E, enquanto isso, inclui-se e permite que o golpe prossiga, tudo acontecendo conforme a vontade dos outros ...
As arbitrariedades foram tão grandes durante o Governo Provisório, tendo Getúlio como Chefe, que os oficiais das forças armadas fiéis ao governo legal deposto, tiveram suas carreiras abortadas, sendo colocados, por decreto, na reserva militar. No Supremo Tribunal Federal, em fevereiro de 1931, seis ministros apoiadores do governo deposto, foram aposentados compulsoriamente. A Marinha do Brasil, não combateu os revolucionários de 1930, mas Getúlio aposentou, compulsoriamente, vários oficiais, o que levou o seu ministro da Marinha, José Isaías de Noronha, a pedir exoneração do seu cargo. A chamada "Justiça Revolucionária" e o "Tribunal Especial", criados em 1930, pelo decreto que instituiu o Governo Provisório, com o objetivo de analisar o "processo e julgamento de crimes políticos, funcionais e outros que serão discriminados na lei de sua organização", como o próprio Getúlio confirmou em seu Diário, no dia 4 de dezembro de 1932, não conseguiram apurar qualquer irregularidade ou sinal de corrupção no regime deposto em 1930.
Sem querer, absolutamente, justifica-lo, o movimento de 1932 de São Paulo foi a reação à ação totalmente ilegal de 1930, principalmente considerando que surgiu contra uma ditadura, por uma constituição que havia sido revogada e por um interventor civil e paulista. Note-se que o movimento constitucionalista paulista de 1932, contou com o apoio de políticos importantes de outros estados, como Borges de Medeiros, Raul Pilla, Batista Luzardo, Artur Bernardes e João Neves da Fontoura. Todos eles gaúchos, com exceção de Artur Bernardes, haviam apoiado a Revolução de 1930, foram presos e exilados e romperam posteriormente com Getúlio, num exemplo de coerência de ideias.
Os anelos ditatoriais de Vargas não arrefeceram com a rendição dos paulistas, pois em 4 de abril de 1935 foi sancionada a lei nº 38, que criava a Lei de Segurança Nacional, como arma de combate à subversão da ordem pública e em 22 de julho do mesmo ano criava o programa oficial de rádio “A Hora do Brasil”, depois denominada “A Voz do Brasil”, até hoje existente.
Seria de esperar que durante um regime de exceção surgissem correntes extremistas na oposição, como a Ação Integralista Brasileira (AIB), de inspiração fascista, de um lado, e a Aliança Nacional Libertadora (ANL), dominada pelo Partido Comunista do Brasil (PCB), do outro. E esses movimentos foram, por ironia, a desculpa que o poder vigente desejava, para perpetuar-se no mando, justamente na hora de realização das eleições constitucionais, no início de 1938. E assim, usando o suposto Plano Cohen, segundo o qual os comunistas tomariam conta do Brasil, em novo golpe, Getúlio Vargas, apoiado por militares e boa parte da classe média brasileira, rasga a recente constituição de 1934 e instala a ditadura do “Estado Novo”. Quem, de sã consciência, pode defender a ilegalidade deste processo? No mais otimista dos enfoques, fico com a opinião do seu amigo Neves da Fontoura: Getúlio teria, mais uma vez, montado no cavalo encilhado que passava.
E corroborando a minha tese de que Getúlio não era o forte que os seus simpatizantes e seguidores sempre quiseram pintar, é importante lembrar, neste momento, as palavras do Almirante Ernâni do Amaral Peixoto, seu próprio genro, segundo as quais, o Estado Novo não foi obra pessoal de Getúlio, mas sim uma decisão dos militares, visando o combate à subversão. Segundo ele, “o golpe do Estado Novo viria com Getúlio, sem Getúlio ou contra Getúlio”.
Sobre as peripécias do Estado Novo, tudo já foi dito e narrado aqui e em mil outros lugares e somente a famosa memória curta dos brasileiros já as esqueceu; infelizmente, para tal doença, tão conhecida, não há vacina nem antídoto.
Se consolo resta é que, da mesma forma como entrou, saiu: Getúlio Vargas foi deposto em 29 de outubro de 1945, por um movimento militar liderado por generais que compunham o seu próprio ministério, na maioria ex-tenentes da Revolução de 1930 que lhe haviam dado o poder, como Góis Monteiro, Cordeiro de Farias, Newton de Andrade Cavalcanti e Ernesto Geisel, entre outros.
Além do que já foi dito, digno de nota foi o controvertido retorno de Getúlio Vargas à presidência, pela eleição de 1950, já que em seu período de senador, de 1946 a 1947, teve atuação pífia.
Seu retorno pela eleição, em 1951, ratifica claramente a cultura e forma de pensar do povo brasileiro, para sua própria infelicidade. Seu governo, que deveria ir de 1951 a 1956, acabou mais cedo e foi eivado de acusações de corrupção de todos os lados, a membros do seu governo e a pessoas que lhe eram próximas, e culminou com o atentado da Rua Tonelero. Como consequência, Getúlio foi pressionado, pela imprensa e por militares, a renunciar, em 22 de agosto de 1954 e suicidou-se na madrugada de 24 de agosto. Mostrando a sua histórica incoerência, nenhuma explicação foi dada ao povo brasileiro que tanto gostaria de conhecer as razões do suicídio de um homem público. Por que Getúlio se suicidaria? Se ele fosse inocente das acusações que eram imputadas, que melhor forma teria de se defender do que permanecendo vivo? Teria sido uma fuga para não ser julgado por todos os seus atos passados?
Um dos maiores reparos que pode ser feito a Getúlio, reside exatamente na questão do seu suicídio, tratado como um mistério. Mais uma vez, a personalidade complexa, introvertida e enigmática do ex-ditador é invocada. Nas três semanas que antecederam o suicídio, Vargas se viu às voltas com uma oposição implacável nas denúncias de corrupção. A inflação já despontava como um sério mal econômico e seu círculo íntimo viu-se, inequivocamente, envolvido na tentativa de assassinar Carlos Lacerda. Caso não tivesse se suicidado, o ex-ditador teria sido derrubado e, provavelmente, levado a julgamento, nos moldes do ex-presidente Collor e sua comitiva. O gesto suicida foi a única alternativa para Vargas garantir um lugar ao sol na História brasileira do século XX. Não há nisso nenhum mistério.
A decisão dramática pelo suicídio revelou-se extraordinária para salvar a biografia do “Tirano do Catete” (Vargas foi o único ditador a habitar aquele palácio presidencial). Como num passe de mágica, poucas horas após o anúncio da sua morte, milhares de pessoas foram para as ruas da Capital, inconformadas com os acontecimentos. Exceto para Gregório Fortunato e seus capangas, os demais acusados da corte getulista saíram ilesos das acusações. Em 30 dias o inquérito foi encerrado e nada apurado em relação aos parentes do tirano. Os ladrões que o circundavam, segundo acusava Carlos Lacerda, tampouco tiveram os seus atos investigados.
O grande jurista e advogado Evandro Lins e Silva – que esteve à frente da defesa de alguns acusados do atentado da Rua Toneleros – declarou haver encontrado a melhor explicação para o suicídio de Vargas, numa revista francesa, sob o título “O suicídio como arma política”. Nessa reportagem, o autor mostrou que, com seu gesto, Getúlio Vargas tinha conseguido dominar, paralisar, desmoralizar a conspiração que pretendia alijá-lo do poder. De fato, isso aconteceu! Quem viveu aquele período e assistiu aos acontecimentos durante o dia, no Rio de Janeiro, sabe bem que poucas vezes multidão igual saiu às ruas em apoio ao presidente.
Este é um exemplo perfeito de manipulação da opinião pública “post mortem”. Até a manhã do dia 24 de agosto Getúlio Vargas era um ex-ditador, convertido em demagogo, à frente de um governo acusado de corrupção e rodeado por bandidos que urdiram um atentado contra o principal político de oposição. Com o seu derradeiro gesto, tudo foi apagado e seu nome emprestado a ruas, avenidas, praças, cidades e instituições. Ergueram-se monumentos e bustos. E os que desejavam ver cumprida a lei e punidos os culpados, terminaram com a pecha de conspiradores aos olhos da maioria das pessoas. Nunca um suicídio mudou tanto os rumos da política brasileira, nem a biografia de um personagem.
Encerrando essa postagem, passo a palavra aos meus leitores para que tirem as suas próprias conclusões.

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