Homenagem ao lendário herói ancestral dos ingleses que deu título a um dos considerados "Cem Maiores Livros do Mundo" e tido como o mais antigo escrito em "Old English".

quinta-feira, 20 de maio de 2021

REVOLTA DOS 18 DO FORTE DE COPACABANA


INTRODUÇÃO

Em dezembro de 2021, numa daquelas famosas festas de fim de ano, que muitas empresas realizam como confraternização de Natal, ganhei de um colega muito querido, o livro então recém publicado e que, à época, fez muito sucesso: “Xatô, o Rei do Brasil”. Não muito educado de minha parte, mas explicado pelas minhas listas prioritárias de leitura, fui postergando a sua leitura até este ano de 2021, quando ele completaria o seu 20º aniversário. E agora estou convicto de que errei com o meu procedimento, porque o livro é simplesmente notável!!! Até agora eu nunca pude imaginar que teríamos um personagem nacional, real, tão fantástico como foi Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Melo, mais conhecido como Xatô, o Rei do Brasil. Mas isso é uma outra história, já muito bem contada.
E estava eu a ler o importante livro, que eu recomendo a qualquer um, quando nele surge a narrativa histórica da “Revolta dos 18 do Forte”, que eu só conhecia de ouvir minha mãe mencionar de vez em quando. Esse evento, do qual foi testemunha ocular Assis Chateaubriand, tocou-me bem fundo, embora apenas abordado, no livro, muito superficialmente, pelas características de bravura que apresentou e pelos muitos nomes conhecidos envolvidos, sem entrar no mérito de saber quem estava com a razão no acontecimento. Por esta razão, fui motivado a realizar pesquisa sobre o triste evento, cujo resultado trago agora em forma de mais uma postagem para a apreciação dos possíveis leitores que possa ter.


O EVENTO

A “Revolta dos 18 do Forte”, também conhecida como “Revolta do Forte de Copacabana” foi uma revolta “tenentista[1]” ocorrida na cidade do Rio de Janeiro (capital do Brasil na época), durante o governo do Presidente Epitácio Pessoa, iniciada em 5 de julho de 1922 e abafada no dia seguinte. Foi a primeira revolta do “movimento tenentista” da “República Velha”[2]. De acordo com a tradição, foi concluída com uma marcha feita por dezessete militares e um civil que reivindicavam o fim das oligarquias do poder, combatendo três mil homens das forças governamentais. 
Epitácio Lindolfo da Silva Pessoa,
11º Presidente do Brasil (1919-1922),
no cargo à época do levante.


PRINCIPAIS CAUSAS DO MOVIMENTO

O levante, que foi planejado com proporções muito maiores, teve como motivação buscar a queda da República Velha, cujas características oligárquicas, atreladas ao latifúndio e ao poderio dos fazendeiros, se opunham ao ideal democrático vislumbrado por setores das forças armadas, em especial de baixa patente como tenentes, sargentos, cabos e soldados.
A Revolta dos Dezoito do Forte e o movimento Tenentista que eram, numa primeira leitura, ligados às forças armadas, representavam também a insatisfação de outros estados, como Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Pernambuco e Bahia, com a divisão política então existente, conhecida como “política do café com leite”[3].
Para as eleições de 1 de março de 1922, como concorrente ao candidato governista Arthur Bernardes, foi lançada a “Reação Republicana”, com a candidatura do fluminense Nilo Peçanha. Detentor da máquina pública, Bernardes (apoiado pela oligarquia de São Paulo) venceu com 56% dos votos válidos da eleição. Porém a oposição denunciou fraudes e clamava por um Tribunal de Honra. O evento considerado o estopim para a revolta teve origem na disputa eleitoral de 1921 para o cargo de presidente da república. 
Forte de Copacabana, origem do levante
que levou o seu nome.
Durante o período, cartas ofensivas ao Exército e ao Marechal Hermes da Fonseca, ex-presidente do Brasil, supostamente assinadas pelo candidato Arthur Bernardes (que negou a autoria) tornaram-se públicas. Isso resultou em discussões que culminaram com fechamento do Clube Militar e a prisão do Marechal Hermes da Fonseca (solicitada pelo presidente Epitácio Pessoa, também representante das oligarquias), que havia criticado o processo eleitoral que deu a vitória a Arthur Bernardes, em 2 de julho de 1922.
Além disso, os tenentistas mostravam-se francamente descontentes com as fraudes eleitorais que ocorriam no Brasil na época da República Velha.


OBJETIVOS PRINCIPAIS
Artur da Silva Bernardes, mineiro e
12º Presidente do Brasil (1922-1926),
sucessor de Epitácio Pessoa.

Com a rebelião, os responsáveis pretendiam o fim da República Velha e do domínio das oligarquias no poder. Além disso, os militares, principalmente os de baixa patente, defendiam um sistema político democrático para o Brasil. Finalmente, reivindicavam um sistema eleitoral justo, ou seja, sem fraudes (compra de votos, falsificações e uso da violência nas eleições).


RESUMO DOS ACONTECIMENTOS

Os estados com clima político tenso realizaram rebeliões populares e o exército foi acionado para conter os rebeldes no estado de Pernambuco. Hermes da Fonseca ordenou que os militares não interviessem nas revoltas, atitude que causou a sua prisão e o fechamento do Clube Militar. Como agravante, aos acontecimentos políticos, o presidente da república nomeou um civil como Ministro da Guerra.
O descontentamento entre os militares era crescente. Diversas unidades do Rio de Janeiro se organizaram para realizar um levante no dia 5 de julho de 1922 contra o presidente em exercício Epitácio Pessoa (representante da oligarquia que dominava o país) e Arthur Bernardes que assumiria o cargo em novembro. 
Nilo Peçanha, 7º Presidente do
Brasil (1909-1910) substituindo
Afonso Pena, adversário de
Artur Bernardes no levante.
No dia 4 de julho de 1922, o capitão do forte Euclides Hermes da Fonseca — filho do Marechal Hermes da Fonseca, então preso, apoiado pelo tenente Siqueira Campos preparavam o forte para revolta que iniciaria pela manhã do dia seguinte. Os planos iniciais da revolta previam a participação, no levante, de alguns estados brasileiros e áreas militares do Rio de Janeiro. Entretanto, somente o Forte de Copacabana, localizado na ponta direita da praia de Copacabana, sob comando do Capitão Euclides Hermes da Fonseca, filho do Marechal, e a Escola Militar se levantaram no dia 5 de julho de 1922, pois a informação chegara até o governo federal, que tratou de trocar os principais comandos militares da capital, impedindo a completa organização militar. Apesar da posição contrária à política café-com-leite, os militares de alta patente acabaram por não aderir ao movimento. E foram, assim, facilmente combatidos.
Durante toda a manhã do dia 5, o forte sofreu bombardeio da Fortaleza de Santa Cruz da Barra, que fica do lado oriental da barra da Baía de Guanabara, Niterói, mas os 301 revolucionários (oficiais e civis) mantiveram-se firmes até que, às 4h da manhã do dia 6, quando Euclides Hermes da Fonseca e Siqueira Campos receberam um telefonema do Ministro da Guerra, solicitando a rendição dos militares. Ambos sugeriram que desistissem da luta aqueles que quisessem e resolveram deixar que os revoltosos decidissem sobre a ordem de rendição; dos 301 militares que estavam no forte, renderam-se 273. 
Mal. Hermes da Fonseca, 8º Presidente
do Brasil (1910-1914), envolvido
na Revolta do Forte
Para tentar uma negociação, o capitão Euclides Hermes da Fonseca saiu do forte para negociar com o Ministro da Guerra e foi preso. Os 28 restantes continuaram resistindo no forte sob o comando do tenente Siqueira Campos e não bombardearam a cidade como o plano inicial previa, mas, sem possibilidades de vitória, a bandeira do Forte foi rasgada em 28 pedaços e entregue a cada um deles, dispostos a defenderem seus ideais até a morte. A seguir saíram do Forte em marcha, armados, seguindo pela Avenida Atlântica em direção ao Palácio de Catete (sede do governo federal na época). Durante a marcha, porém, ainda alguns militares abandonaram a revolta e restaram apenas 17 que receberam o apoio, na rua, de um civil, Octávio Correa, totalizando 18 revoltosos. Os rebeldes foram cercados pelas tropas do Governo Federal, estimados em 3.000 soldados. Após forte tiroteio em frente ao posto 3 da praia de Copacabana, somente Siqueira Campos, Eduardo Gomes e dois soldados sobreviveram feridos e foram presos. Os outros catorze integrantes do movimento foram mortos no combate desigual.
Há controvérsias quanto ao número total de participantes, de civis (Otávio Correa morreu, mas outro, Lourival Moreira da Silva, teria sido preso), de sobreviventes e de mortos. O número 18 teria sido anunciado pela Gazeta de Notícias e pode ser uma lenda. Ela cita 3 oficiais, 2 sargentos e 13 soldados. Em entrevista à Gazeta de Notícias, o Tenente Newton Prado, que viria a falecer mais tarde em decorrência dos ferimentos, declarou: "Ficamos eu, o Tenente Siqueira Campos e quatorze soldados. Às duas horas da tarde saímos do forte para morrer". 
Fortaleza de Sta. Cruz da Barra,
Niterói, de onde os revoltosos
foram bombardeados
A eles se uniram, na hora do levante, o Tenente Eduardo Gomes (ferido em combate) e Mario Carpenter (morto em combate). Este último pertencia ao 3º Regimento de Infantaria e se recusou a atacar colegas de farda. Na rua, se uniu ao grupo também Otávio Correa, o que leva a soma a 19. Ainda na Gazeta de Notícias são dados como mortos 14 revoltosos, além de 5 feridos. Entre os legalistas, ainda com incerteza, seriam 10 mortos e 4 feridos. Já O Cruzeiro afirmaria anos mais tarde, em 18 de setembro de 1964, 33 soldados governistas como mortos. O Correio da Manhã noticiou 30 feridos, entre ambas as forças, 13 praças e 1 "inferior" (provavelmente sargento) e o 2º Tenente Mario Carpenter entre os revoltosos, mas a essa altura o tenente Newton Prado ainda não havia falecido. Entre os tenentes, apenas Siqueira Campos e Eduardo Gomes sobreviveram. Alguns praças, porém, sobreviveram e fugiram ou foram presos. Segundo outras fontes, teriam morrido, entre oficiais e praças, 12 pessoas no dia 6 e mais duas no dia seguinte, num total de 14 mortos.
A lista a seguir, em ordem alfabética, é uma composição de várias fontes.

1. Altino Gomes da Silva, praça ferido em combate. Sobreviveu vindo a falecer em 1999 com 92 anos em Paquetá.
2. Benedito José do Nascimento, soldado, feito prisioneiro.
3. Eduardo Gomes, tenente, ferido, teve o fêmur partido; posteriormente Brigadeiro e candidato a presidente.
4. Francisco Ribeiro de Freitas, soldado, feito prisioneiro. 
Fotografia histórica dos 18 do Forte,
em marcha, Copacabana.
5. Heitor Ventura da Silva, soldado, feito prisioneiro.
6. Hildebrando da Silva Nunes, praça, morto em combate.
7. Hipólito José dos Santos, praça morto ainda na noite do dia 5.
8. João Anastácio Falcão de Melo, soldado, morto em combate.
9. José Pinto de Oliveira, sargento, ferido.
10. Manoel Ananias dos Santos, praça, sobreviveu ao combate.
11. Manoel Antônio dos Reis, praça corneteiro, ferido.
12. Mario Carpenter, tenente, falecido.
13. Newton (Sizenando) Prado, tenente, faleceu no dia seguinte diante do Presidente.
14. Octávio Correia, civil que se juntou aos militares, morto com um tiro no coração.
15. Pedro Ferreira de Melo, soldado, morto com uma bala nas costas no início dos combates na rua.
16. (Antônio) Siqueira Campos, tenente, ferido gravemente no combate e sobrevivente.
 
Antônio de Siqueira Campos,
Ten. sobrevivente da Revolta,
precocemente morto em
acidente aviatório, 1930.

LEGADO DA REVOLTA

Embora não tenham conseguido atingir seus objetivos, os rebeldes da Revolta dos 18 do Forte de Copacabana conseguiram estabelecer um importante marco na luta contra o domínio das oligarquias no poder, tornando-se um exemplo para militares e civis do país, como a primeira ação articulada contra a República Velha. Esta revolta inspirou outros movimentos tenentistas no país, como a Coluna Prestes, a Revolta Paulista de 1924 e a Comuna de Manaus, tendo preparado o caminho para a revolução de 1930.


[1] O “tenentismo” foi um movimento político-militar, baseado em uma série de rebeliões de jovens oficiais de baixa e média patente do Exército Brasileiro (tenentes), de camadas médias urbanas, que estavam insatisfeitos com o governo da República Oligárquica no início da década de 1920 no Brasil. As revoltas ocorreram durante o governo de Epitácio Pessoa, também conhecido como ''o patativa''. O tenentismo defendia reformas na estrutura de poder do país, entre as quais se destacam o fim do voto aberto (fim do voto de cabresto), modalidade de voto que favorecia o coronelismo presente na República Oligárquica, além de defenderem a instituição do voto secreto e a reforma na educação pública. 
Ten. Eduardo Gomes, sobrevivente da
Revolta do Forte, candidato a presidência
em 1945 e 1950, Mal. do ar da FAB.
[2] A “Primeira República Brasileira”, também conhecida como “República Velha” ou “República das Oligarquias”, é o período da história do Brasil que se estendeu da Proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, até a Revolução de 1930 que depôs seu 13º e último presidente efetivo, Washington Luís. A Primeira República foi dividida pelos historiadores em dois períodos. O primeiro deles, chamado de "República da Espada", foi dominado pelos setores mobilizados do Exército apoiados pelos republicanos, e vai da Proclamação da República do Brasil, até a posse do primeiro presidente civil, Prudente de Moraes (1894). A República da Espada teve viés mais centralizador do poder, em especial por temores da volta da Monarquia, bem como para evitar uma possível divisão do Brasil. O segundo período ficou conhecido como "República Oligárquica", e se estendeu de 1894 até a Revolução de 1930. Caracterizou-se por dar maior poder para as elites regionais, em especial do sudeste do país. As oligarquias ("governo de poucos" – forma de governo em que o poder político está concentrado num pequeno número pertencente a uma mesma família, mesmo partido político, grupo econômico ou corporação) dominantes eram as forças políticas republicanas de São Paulo e Minas Gerais, que se revezavam na presidência, impedindo a ocupação do principal cargo do Poder Executivo por representantes dos interesses de outros estados economicamente importantes à época, como Rio Grande do Sul e Pernambuco.
[3] A “Política do café com leite” derivou-se da "Política dos Governadores" e visava a predominância do poder nacional por parte das oligarquias paulista e mineira, tacitamente arquitetada e executada na República Velha, a partir da Presidência de Campos Sales (1898-1902), por presidentes civis fortemente influenciados pelo setor agrário dos estados de São Paulo — com grande produção de café — e Minas Gerais — produtor de leite e maior polo eleitoral do país de então —, impedindo que o principal cargo do Poder Executivo fosse ocupado por representante dos interesses de outros estados economicamente importantes à época, como Rio Grande do Sul e Pernambuco. Essa política perdurou até a Revolução de 1930. Tornaram-se predominantes no poder representantes do Partido Republicano Paulista (PRP) e do Partido Republicano Mineiro (PRM), que controlavam as eleições e gozavam do apoio da elite agrária de outros estados do Brasil.

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