Homenagem ao lendário herói ancestral dos ingleses que deu título a um dos considerados "Cem Maiores Livros do Mundo" e tido como o mais antigo escrito em "Old English".

sábado, 24 de setembro de 2011

MIKHAIL BAKUNIN E O ANARQUISMO (Parte 2)

II - ANARQUISMO

Anarquismo é uma palavra de origem grega que significa, segundo a etimologia, "sem governantes", e constitui uma filosofia política que engloba teorias, métodos e ações que objetivam a eliminação total de todas as formas de governo compulsório. De um modo geral, anarquistas são contra qualquer tipo de ordem hierárquica que não seja livremente aceita e, assim, preconizam os tipos de organizações libertárias.
Anarquia significa ausência de coerção e não a ausência de ordem. A noção equivocada de que anarquia é sinônimo de caos se popularizou entre o fim do século XIX e o início do século XX, através dos meios de comunicação e de propaganda patronais, mantidos por instituições políticas e religiosas. Nesse período, em razão do grau elevado de organização dos segmentos operários, de fundo libertário, surgiram inúmeras campanhas antianarquistas. Outro equívoco banal foi considerar anarquia como sendo a ausência de laços de solidariedade (indiferença) entre os homens. À ausência de ordem - ideia externa aos princípios anarquistas -, dá-se o nome de "anomia".
Passando da conceituação do Anarquismo à consolidação dos seus ideais, existe uma série de debates em torno da forma mais adequada para se alcançar e se manter uma sociedade anárquica. Eles perpassam a necessidade ou não da existência de uma moral anarquista, de uma plataforma organizacional, questões referentes ao determinismo da natureza humana, modelos educacionais e implicações técnicas, científicas, sociais e políticas da sociedade pós-revolução. Nesse sentido, cada vertente do Anarquismo tem uma linha de compreensão, análise, ação e edificação política específica, embora todas vinculadas pelos ideais-base do Anarquismo. O que realmente varia, segundo os teóricos, são as ênfases operacionais.
O Anarquismo é uma filosofia política muito ampla e dissecá-la não é o objetivo principal da minha postagem, por isso, vamos apenas colocar aqui os seus primórdios e os principais conceitos nela envolvidos.
Piotr Kropotkin
 Piotr Kropotkin advogava que William Godwin seria o fundador do anarquismo filosófico, formulando os conceitos políticos e econômicos do anarquismo, bem como desenvolvendo o que muitos consideram a primeira expressão do pensamento anarquista moderno, mesmo não tendo adotado essa denominação em sua obra.
Nascido em 21 de dezembro de 1842 e morto em 8 de fevereiro de 1921, Piotr Kropotkin foi um geógrafo e escritor russo, um dos principais pensadores políticos do anarquismo no fim do século XIX, considerado também o fundador da vertente anarco-comunista. Seu funeral, em fevereiro de 1921, constituiu o último grande encontro de anarquistas na Rússia, uma vez que este país, desde a revolução de 1917, sob o domínio dos bolcheviques marxistas, passou a perseguir, exilar e aniquilar os ativistas libertários onde quer que fossem encontrados, reeditando a constante universal de que uma vez no poder, as boas intenções são logo esquecidas, qualquer que seja a ditadura. Uma frase de Kropotkin que, entre outras, ficou célebre: "Lenin não se compara a nenhuma figura revolucionária na história. Revolucionários têm ideais. Lenin não tem nada." E dirigindo-se diretamente a Lenin: “(...) Vladimir Ilyich [Lenin], suas ações concretas são completamente contrárias às ideias que você finge sustentar.
William Godwin
William Godwin, nascido em 3 de março de 1756 e morto em 7 de abril de 1836, foi um jornalista, filosófo político e novelista inglês. Muito conhecido por dois livros que publicou no intervalo de um ano, Godwin tornou-se uma figura proeminente entre os círculos radicais de Londres na década de 1790. Na reação conservadora subsequente ao radicalismo britânico, Godwin foi atacado, em parte por causa de seu casamento com a escritora feminista pioneira Mary Wollstonecraft em 1797 e sua cândida biografia sobre ela, após sua morte; sua filha Mary Godwin, que ficou conhecida posteriormente como Mary Shelley, seria a autora de Frankenstein. O anarquismo filosófico de Godwin postula que o Estado não possui legitimidade moral, que não há obrigações individuais ou o dever de obediência ao Estado e, consequentemente, o Estado não detém o direito de comandar indivíduos. No entanto, Godwin não advoga a revolução para eliminar o Estado. Os anarquistas filosóficos podem aceitar a existência do Estado mínimo como um mal necessário, infeliz e temporário, que se tornaria cada vez mais fraco e irrelevante diante da propagação gradual do conhecimento, sem acreditar que os cidadãos possuam obrigação moral de obedecer ao Estado quando suas leis entram em confronto com a autonomia individual. Da forma como é concebido por Godwin, o anarquismo filosófico requer que os indivíduos ajam de acordo com seu próprio julgamento e permitam a todos os outros indivíduos a mesma liberdade.
Pierre-Joseph Proudhon
 O primeiro a descrever-se como um anarquista foi Pierre-Joseph Proudhon, um filósofo francês e político, que levou alguns a chamá-lo de fundador da teoria anarquista moderna. Nascido em 15 de janeiro de 1809 e morto a 19 de janeiro de 1865, foi membro do Parlamento francês e é considerado um dos mais influentes teóricos e escritores do Anarquismo. Foi, ainda em vida, chamado de socialista utópico, por Marx e seus seguidores. Sua frase mais famosa “Propriedade é roubo!” está presente em seu primeiro e maior trabalho “O que é a propriedade”, publicado em 1840. A publicação desse livro atraiu a atenção Karl Marx, que começou a corresponder-se com seu autor. Tal amizade chegou ao fim quando Marx respondeu ao seu texto “Sistema das Contradições Econômicas, ou A Filosofia da Miséria” com outro, provocadoramente intitulado “A Miséria da Filosofia”. Proudhon favoreceu as associações dos trabalhadores ou cooperativas, bem como a propriedade coletiva dos trabalhadores da cidade e do campo em relação aos meios de produção, em contraposição à nacionalização da terra e dos espaços de trabalho. Ele considerava que a revolução social poderia ser alcançada através de formas pacíficas.
O anarquismo desempenhou papéis significativos nos grandes conflitos da primeira metade do século XX. Durante a Revolução Russa de 1917, Nestor Makhno tentou implantar o anarquismo na Ucrânia, com apoio de várias comunidades camponesas, mas acabou derrotado pelo Estado bolchevique de Lenin. Quinze anos depois, anarquistas organizados em torno de uma confederação anarcossindical impedem que um golpe militar fascista seja bem sucedido na Catalunha (Espanha), e são os primeiros a organizar milícias para impedir o avanço destes na consequente Guerra Civil Espanhola. Durante o curso desta guerra civil, os anarquistas controlaram um grande território que compreendia a Catalunha e Aragão, onde se incluía a região mais industrializada da Espanha, sendo que a maior parte da economia passou a ser autogerida.
Após a Segunda Guerra Mundial, o movimento anarquista deixou de ser um movimento de massas, e perdeu a influência que tinha no movimento operário dos vários países europeus. Entretanto, continuaria a influenciar revoltas populares que se seguiram na segunda metade do século XX, como o "Maio de 68", na França, o "Movimento Anti-Poll Tax", no Reino Unido e os protestos contra a reunião da OMC em Seattle, nos Estados Unidos.
Segundo a ótica anarquista, a revolução social consistiria na quebra drástica, rápida e efetiva do Estado e de todas as estruturas, materiais e não-materiais, que o regiam ou a ele sustentavam. Este princípio é primordial na diferenciação da vertente de pensamentos libertária em relação a qualquer outra corrente ideária. É a diferença básica entre o socialismo libertário e o socialismo autoritário (comunismo).
Sob a ótica do marxismo, seria necessária a instrumentalização do Estado para a prossecução planejada, detalhada e gradativa da revolução, sendo instituída a ditadura do proletariado para o controle operário dos meios de produção até a eclosão do comunismo. Sob o ideário anarquista, a revolução deve ser imediata, para não permitir que os elementos revolucionários possam ser corrompidos pela realidade estatal. De acordo com os libertários, a ditadura do proletariado nada mais é do que uma ditadura "de fato", continuando a exercer coerção, opressão e violência sobre a sociedade. Por isso, segundo os libertários, a revolução social deve ascender o mais rápido possível à sociedade anarquista, ao comunismo puro, para, através dos princípios da defesa da revolução, não permitir a ressurreição do Estado, parecendo, em tudo, bem mais honesta do que o comunismo propagado e executado. Por fim, por intermédio do processo de destruição completa do Estado, sob todas as suas formas, torna-se plenamente tangível a liberdade, podendo o sujeito renovar de forma efetiva os seus princípios e preceitos humanistas.
Desta forma, a partir da conscientização, aceitação e internalização da sua essência humana, ideia suprimida anteriormente pelo Estado, segundo os anarquistas, emerge naturalmente na sociedade humana o anseio pela ascensão da ideia-base de qualquer forma de vida real: a Liberdade. Sem sombra de dúvida, a ideia é muito boa; mas exequível na prática?
A Liberdade é a base inconteste de qualquer pensamento, formulação ou ação anarquista, representando o elo sublime que conjuga de forma plena todos os anarquistas. Assim, entre os anarquistas, a Liberdade deixa apenas o plano abstracionista (do pensamento) para ganhar uma funcionalidade prática, sendo o símbolo e a dinâmica do desenvolvimento humano real. Em outras palavras, o princípio básico para qualquer pensamento, ação ou sociedade ser definida como anarquista é que esteja imersa, tanto ideologicamente, quanto pragmaticamente (no âmbito das ações), no conceito de Liberdade. Liberdade física, de gênero, de pensamento, de ação, de expressão, de usufruto consciente dos recursos humanos, sociais e naturais, de negociação e interação, de apoio mútuo, de relacionamento e vinculação sentimental, de fé e espiritualidade, de produção intelectual e material e de realização coletiva e pessoal.
Para a encarnação da Liberdade, no entanto, é necessária a erradicação completa de qualquer forma de autoridade.
O Antiautoritarismo consiste na repulsa e no combate total a qualquer tipo de hierarquia imposta ou a qualquer domínio de uma pessoa sobre a(s) outra(s), defendendo uma organização social baseada na igualdade e no valor supremo da liberdade. Tem como principais objetivos, mas não únicos, a supressão do Estado, da acumulação de riqueza própria do capitalismo e as hierarquias religiosas. O Anarquismo difere do Marxismo por rejeitar o uso instrumental do Estado para alcançar seus objetivos e por prever uma Revolução Social de caráter direto e incisivo, ao contrário da progressão sócio-política gradual - socialismo - rumo à derrubada do Estado - comunismo - proposta por Karl Marx.
De acordo com a corrente de pensamentos libertária, a supressão da autoridade é condicionada pela ação direta de cada indivíduo livre, prescindindo-se completamente de qualquer intermediário entre o seu objetivo, enquanto defensor da Liberdade, e a sua vontade. O anarquista entende que "enquanto houver autoridade, não haverá liberdade".
Os anarquistas afirmam que não se deve delegar a solução de problemas a terceiros, mas antes, atuar diretamente contra o problema em questão, ou, de forma mais resumida, "A luta não se delega aos heróis". Sendo assim, rejeitam meios indiretos de resolução de problemas sociais, como a mediação por políticos e/ou pelo Estado, em favor de meios mais diretos como o mutirão, a assembleia (ação direta que não envolve conflito), a greve, o boicote, a desobediência civil (ação direta que envolve conflito), e em situações críticas a sabotagem e outros meios destrutivos (ação direta violenta).
Os anarquistas acreditam que todas as sociedades, quer sejam humanas ou animais, existem graças à vantagem que o princípio da solidariedade garante a cada indivíduo que as compõem. Este conceito foi exaustivamente exposto por Piotr Kropotkin, em sua famosa obra "Mutualismo: Um Fator de Evolução". Da mesma forma, acreditam que a solidariedade é a principal defesa dos indivíduos contra o poder coercitivo do Estado e do Capital.
Mas, para que a solidariedade se torne uma virtude "de fato" é necessária a erradicação de qualquer fator de segregação ou discriminação humanas. Com esse objetivo, o internacionalismo se firma enquanto o princípio proeminente da integração sócio libertária.
Para os anarquistas, todo tipo de divisão da sociedade - em todos os aspectos - que não possua uma funcionalidade plena no campo humano deve ser completamente descartada, seja pelos antagonismos infundados que ela gera, seja pela burocracia contraproducente que ela encarna na organização social, esterilizando-a. Logo, a ideia de "pátria" é negada pelos anarquistas.
Os libertários acreditam que as virtudes - bem como o seu pleno exercer - não devem possuir "fronteiras". Assim, acreditam que a natureza humana é a mesma em qualquer lugar do mundo, exigindo, independentemente do universo material ou cultural onde o ente humano esteja inserido, uma gama infinita de necessidades e cuidados. Em outras palavras: se a fragilidade do homem não tem fronteiras, por que estabelecer empecilhos ao seu auxílio?
Vale lembrar que o conceito libertário de internacionalismo se difere completamente do conceito que conhecemos - portanto, capitalista - de globalização. Globalização é a ampliação a nível mundial da difusão de produtos - ideológicos, culturais e materiais - de determinados segmentos capitalistas, visando à potencialização máxima da capacidade mercadológica dos agentes operantes - na maioria das vezes, as empresas e as grandes corporações -, sendo, para isso, desconsideradas parcial ou completamente todas as consequências humanas do processo, já que é a doutrina do "lucro máximo" que rege essas operações. Por outro lado, o internacionalismo, por se alijar completamente de todo o ideário capitalista, não possui nenhuma intenção lucrativa, capitalista, e não é permeado por estruturas privilegiadas de produção - como as indústrias capitalistas -, sendo regido pela solidariedade e mutualismo máximos.

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