INTRODUÇÃO
Recentemente,
realizando uma pequena pesquisa sobre uma antiga melodia americana, deparei-me
com a expressão “The Great American Songbook”. Já havia visto esse nome antes, várias
vezes, e, intuitivamente, vislumbrado o seu significado, mas nunca me havia
dado ao trabalho de buscar o seu real conceito ou expressão. Decidi então sair
atrás do seu real significado e encontrei muito mais do que isso. Uma longínqua
reminiscência, mansamente, começou a apoderar-se de mim e entendi muito da
razão porque eu sempre senti uma espécie de saudade de uma vida que eu nunca
vivi. Comecei a entender porque eu não conseguia ouvir certas músicas antigas
americanas sem me lembrar de um dos locais onde morei, quando ainda criança,
pelos idos de 1947: uma pequena “Pensão Viaduto”, localizada no centro da
cidade de Porto Alegre, ao pé do Viaduto Otávio Rocha, na esquina da Avenida
Borges de Medeiros com a rua Jerônimo Coelho. Se subíssemos a rua Jerônimo
Coelho, dessa esquina, em direção à Praça da Matriz e Teatro São Pedro,
passando ambos, encontraríamos o antigo Auditório Araújo Viana, palco de
concertos sem fim, interpretados por bandas de todos os tipos e grandezas e
franqueado a todos os que apreciavam a boa música.
Pois bem, numa época em que nem sequer se
cogitava da ideia de um “mundo globalizado” e muito menos de um “You Tube”, as
músicas vindas dos Estados Unidos demandavam um enorme tempo para chegar até
nós e, muito possivelmente, cairiam no nosso conhecimento através da execução
por orquestras ou bandas, antes de serem escutadas em discos de vinil de 78
r.p.m. Assim, no Auditório Araújo Viana, apesar de minha tenra idade, podia
apreciar a execução daquelas maravilhosas canções americanas das décadas de 1930
e posteriores, tão apreciadas dos meus pais. E foi assim que, meio sem querer e
sem saber, travei conhecimento com aquilo que viria a ser chamado, anos depois,
“The Great American Songbook”. Mas vamos começar a história pelo seu início ...
O CONCEITO
Os anos que vão de 1920 a 1960 representaram um
período único na história da música popular americana. Foi um período que viu o
advento de um novo tipo de composição, totalmente original em alguns aspectos,
mas enraizado nas estruturas simples da era “Tin Pan Alley”[1],
que o havia precedido, e fortemente influenciado pela forma musical nascente
conhecida como “Jazz” (e pelos precursores do jazz, “ragtime” e “blues”).
Mormente composta para shows da Broadway e musicais de Hollywood, eleita e
interpretada por cantores e músicos de todas as espécies, gravada em disco e
transmitida pelo rádio, esse estilo de composição rapidamente ganhou as boas
graças da maioria da audiência ouvinte. Essa era se encerraria com a chegada do
“rock’n’roll” ao final da década de 1950 e com a “beatlemania”, poucos anos
depois.
O “Great American Songbook” - em português, o “Grande Livro Americano de Canções”, que seguiremos chamando pelo seu título original, em inglês -, também conhecido por “Clássicos Populares”, é um conceito hipotético que busca representar as melhores canções americanas do período que vai de 1920 a 1960, principalmente dos teatros e palcos da Broadway e cenários dos musicais de Hollywood, que incluem um grande número de músicas de permanente popularidade. Tornou-se, e permanece até hoje, uma parte vital do repertório de músicos de “jazz”, que descrevem tais canções, simplesmente, como “padrões ou clássicos do jazz”.
O “Great American Songbook” - em português, o “Grande Livro Americano de Canções”, que seguiremos chamando pelo seu título original, em inglês -, também conhecido por “Clássicos Populares”, é um conceito hipotético que busca representar as melhores canções americanas do período que vai de 1920 a 1960, principalmente dos teatros e palcos da Broadway e cenários dos musicais de Hollywood, que incluem um grande número de músicas de permanente popularidade. Tornou-se, e permanece até hoje, uma parte vital do repertório de músicos de “jazz”, que descrevem tais canções, simplesmente, como “padrões ou clássicos do jazz”.
Em
um estudo do catálogo “American Popular Song: The Great Innovators, 1900-1950”,
de 1972, o compositor e crítico Alec Wilder criou uma lista de artistas que ele
cria pertencer ao “Great American Song Book”, bem como a sua classificação
sobre o trabalho relativo deles. Ele próprio um compositor, a ênfase primária
de Wilder recaiu sobre a análise dos compositores e seus esforços criativos.
Assim,
Wilder devota capítulos inteiros a somente seis artistas: Jerome Kern, Irving
Berlin, George Gershwin, Richard Rodgers, Cole Porter e Harold Arlen. Vincent
Youmans e Arthur Schwartz repartem outro capítulo; Burton Lane, Hugh Martin e
Vernon Duke compartilham outro. Wilder produz um capítulo que cobre os
compositores que ele creu serem “Os Grandes Artífices”: Hoagy Camichael, Walter
Donaldson, Harry Warren, Isham Jones, Jimmy McHugh, Duke Ellington, Fred
Ahlert, Richard A. Whiting, Ray Noble, John Green, Rube Bloom and Jimmy Van
Heusen. E conclui com um capítulo tipo caixa, de 67 páginas, intitulado
“Relevantes Canções Inviduais: 1920 a 1950”, que inclui outras canções
individuais por ele consideradas memoráveis.
Alec Wilder, iniciador do "Great American Songbook" |
O
“Great American Songbook”, é um corpo “sui generis” de trabalhos musicais que,
coletivamente, representam um dos reais tesouros culturais da América e
ilustram o que há de melhor na composição popular, com letras vívidas e cultas,
harmonias elusivas e melodias suntuosas, que surgiram para ocupar um lugar de
destaque na cultura americana e ao redor do mundo.
A
maioria das composições do “Great American Songbook” foi escrita para locais
específicos em shows, filmes, atos peculiares ou revistas. Foram produto de
compositores e letristas profissionais trabalhando em seus ofícios. Quando um
roteiro chamava por uma exposição de certos humores ou sentimentos, os
compositores atendiam. Nas mãos de um cantor competente como Billie Holiday ou
Frank Sinatra, ou um músico como Louis Armstrong ou Miles Davis, os Clássicos
servem como uma espécie de tesauro do espectro das emoções humanas, ainda
provocando profunda e verdadeira reação até os dias de hoje.
É difícil dizer se compositores da segunda metade do século XX se ajustariam ao Great American Songbook. Para muitos, a sua era teria terminado com o advento do “rock-and-roll; Wider a encerra com o ano de 1950.
É difícil dizer se compositores da segunda metade do século XX se ajustariam ao Great American Songbook. Para muitos, a sua era teria terminado com o advento do “rock-and-roll; Wider a encerra com o ano de 1950.
[1] Tin Pan Alley (Beco Tin
Pan) é o nome dado ao agrupamento de compositores e editores de música de New
York, que dominavam a música popular dos EUA, entre o final do século XIX e o
início do século XX. Originalmente, o nome referia-se a um local específico:
West 28th Street, entre a Quinta e a Sexta Avenidas, em Manhattan.
COMPOSITORES
E CANÇÕES
Não
existe uma lista definitiva de músicos e letristas cujos trabalhos constituem
“The Great American Songbook”, nem é minha intenção aqui arrolar todos os que
foram considerados. Apenas gostaria, como uma homenagem de reconhecimento,
listar alguns dos compositores mais conhecidos, com suas canções mais ouvidas
em todo mundo, para dar o devido crédito aos responsáveis por composições de
cerca de um século atrás, que continuam sendo tocadas e admiradas, enquanto
seus autores, na maior parte dos casos, permanecem no mais completo anonimato.
Quem não ouviu ou cantarolou, incluindo gente das gerações mais jovens, algumas
ou todas as melodias que seguem, com os seus respectivos autores e letristas,
basta clicar para seguir o “link”, pois realmente vale à pena. E deliciem-se!
“The Way You Look Tonight” (Jerome Kern & Dorothy Fields); “Long Ago and Far Away” (Jerome Kern & Ira Gershwin); “All the Things You Are” e “The Song Is You” (Jerome Kern & Oscar
Hammerstein II); “Smoke Gets in Your Eyes” (Jerome Kern & Otto Harbach).
Jerome Kern, autor de "Smoke Gets in Your Eyes" |
“Someone to Watch Over Me”, “’S Wonderful”, “Summertime”, “But Not ForMe”, “Embraceable You”, “The Man I Love”, “They Can't Take That Away from Me” (George Gershwin & Ira Gershwin).
“Younger than Springtime”, “If I Loved You”, “Some Enchanted Evening”, “My Favorite Things”, “Something Wonderful”, “Climb Every Mountain”, “Edelweiss”, “The Sound Of Music”, “A
Wonderful Guy” (Richard Rodgers & Oscar
Hammerstein).
“Bewitched, Bothered and Bewildered”, “With A Song In My Heart”, “My Funny Valentine”, “Blue Moon”, “Manhattan”, “The Lady Is a Tramp”, “Lover”, “Isn't It Romantic?” (Richard Rodgers & Lorenz Hart).
“Night and Day”, “I've Got You Under My Skin”, “Begin the Beguine”, “Let's Do It, Let's
Fall in Love (Let's Do It)”, “Just One of Those Things”, “I Get a Kick Out of You”, “Ev'ry
Time We Say Goodbye”, “In the Still of the Night”, “I Concentrate on You”, “You
Do Something to Me” (Cole Porter).
"How Deep Is the Ocean", "White Christmas",
"Always", "Blue Skies", "Cheek to Cheek" (Irving Berlin).
“Tea For Two” (Vincent Youmans & Irving Caesar).
“Tea For Two” (Vincent Youmans & Irving Caesar).
“Dancing in the Dark” (Arthur Schwartz and Howard Dietz).
“Stardust” (Hoagy Carmichael & Mitchell Parish), “Georgia on My Mind” (Hoagy
Carmichael & Stuart Gorrell),
“The Nearness of You” (Hoagy Carmichael & Ned Washington).
“My Blue Heaven” (Walter Donaldson & George A. Whiting), “Love Me Or Leave Me” (Walter Donaldson & Gus Kahn).
“At Last”, “The More I See You”, “You'll Never Know” (Harry Warren
& Mack Gordon), “An Affair To Remember” (Harry Warren, Leo
McCarey & Harold Adamson), “I Only Have Eyes For You” (Harry Warren
& Al Dubin), “That's Amore” (Harry
Warren & Jack Brooks).
“All the Way”, “Love Is The Tender Trap”, (Jimmy Van Heusen & Sammy Cahn), “Swinging on a Star”, (Jimmy Van Heusen & Johnny Burke).
“Over the Rainbow” (Harold Arlen & E.Y. Harburg), “Stormy Weather”, “I've Got the World on a
String”, “Let's Fall in Love” (Harold Arlen & Ted Koehler); “That Old Black Magic” (Harold Arlen & Johnny Mercer).
“Paradise” (Nacio Herb Brown &
Gordon Clifford), “Singin' in the Rain”, “Temptation” (Nacio Herb Brown
& Arthur Freed).
“I'll Be Seeing You” (Sammy Fain
& Irving Kahal), “Love Is a Many-Splendored Thing”, “April Love”, “Tender
is the Night” (Sammy Fain & P. F.
Webster).
“Who's Sorry Now?” (Ted Snyder,
Harry Ruby & Bert Kalmar), “A Kiss to Build a Dream
On” (Harry Ruby, Bert Kalmar
& Oscar Hammerstein II).
“Let It Snow! Let It Snow! Let It Snow!” (Jule Styne & Sammy Cahn), “People” (Jule Styne & Bob Merrill).
“Happy Days Are Here Again” (Milton Ager & Jack Yellen).
“Stella by Starlight”, “Love Letters”, “My Foolish Heart” (Victor
Young & Ned Washington),
“When I Fall in Love” (Victor Young & Edward Heyman), “Around theWorld” (Victor Young).
“Something's Gotta Give” (Johnny Mercer), “Moon River”, “Days of Wine and Roses” (Johnny
Mercer & Henry Mancini), “Laura” (David Raksin & Johnny Mercer).
INTÉRPRETES
Desde a década de 1930, vários cantores têm gravado
ou interpretado grandes partes do “Great American Songbook”. Lee Wiley esteve
entre os primeiros a gravar coleções de um compositor ou equipe de composição
específicos, começando por George Gershwin e Ira Gershwin (1939), seguido por
Cole Porter (1940), Richard Rodgers e Lorenz Hart (1940), Harold Arlen (1943),
Irving Berlin (1951) e Vincent Youmans (1951).
A popular e influente série “Songbook” de Ella Fitzgerald, editada pela Verve, nas décadas de
1950 e 1960, reuniu 252 canções do “Songbook”. Essas oito coleções prestaram
tributo a Cole Porter (1956), Richard Rodgers e Lorenz Hart (1956), Duke
Ellington (1957), Irving Berlin (1958), George Gershwin e Ira Gershwin (1959),
Harold Arlen (1961), Jerome Kern (1963) e Johnny Mercer (1964).
Irving Berlin: a imortal "White Christmas" |
Outros intérpretes influentes do “Great
American Songbook”, mais antigos, incluem Fred Astaire, Tony Bennett, Rosemary
Clooney, Nat King Cole, Perry Como, Bing Crosby, Vic Damone, Bobby Darin, Sammy
Davis Jr., Doris Day, Billy Eckstine, Helen Forrest, Judy Garland, Eydie Gorme,
Billie Holiday, Louis Armstrong, Lena Horne, Al Jolson, Frankie Laine, Julie
London, Dean Martin, Johnny Mathis, Dinah Shore, Frank Sinatra, Jo Stafford,
Barbra Streisand, Sarah Vaughan, Dinah Washington, Andy Williams e Nancy
Wilson.
Pelas várias últimas décadas, tem havido um
reflorescimento do “Songbook” por artistas contemporâneos. Em 1970, Ringo Starr lançou “Sentimental Journey”, um álbum de 12 clássicos arranjados por
vários músicos. Em 1973, o cantor e compositor Harry Nilsson, vencedor do
Grammy, lançou um álbum de 12 clássicos, muito bem recebido pela crítica, “A
Little Touch of Schmilsson in the Night”, arranjado por Gordon Jenkins. O álbum
foi reeditado em CD, em 1988, com um total de 18 clássicos cantados por
Nilsson. No mesmo ano de 1973, Bryan Ferry, da famosa Roxy Music, lançou “These Foolish Things” e, subsequentemente,
gravou vários álbuns do mesmo tipo. Em 1978, o cantor “country” Willie Nelson
lançou uma coleção de clássicos populares compostos por notáveis como Hoagy
Carmichael, George Gershwin e Irving Berlin, intitulado “Stardust”. Foi um lançamento considerado muito arriscado, à época,
mas mostrou-se, talvez, seu álbum mais duradouro.
Em 1983, a popular vocalista de rock, Linda Ronstadt
lançou “What’s New”, o seu primeiro de uma trilogia de álbuns de clássicos. Sobre ele, escreveu Stephen Holden, do New
York Times:
Victor Young: "Volta ao Mundo em 80 Dias" |
“What’s New”
não é o primeiro álbum de um cantor de rock a prestar tributo à idade de ouro
do pop, mas é ... a melhor e mais séria tentativa para reabilitar uma ideia de
pop que a Beatlemania e o marketing de massa dos LP’s de rock para teenagers
desfizeram durante os anos 1960. Durante a década anterior à Beatlemania, a
maioria dos grandes cantores de bandas e “crooners” das décadas de 1940 e 1950
codificaram meio século de clássicos do pop americano em um sem número de
álbuns, muitos dos quais permanecem agora esgotados.”
Em 1991, Natalie Cole lançou um álbum de enorme
sucesso chamado “Unforgettable ... with
Love”, que desovou o “Top 40” sucesso “Unforgettable”, num dueto virtual com
seu pai Nat King Cole. Os álbuns que se seguiram, como “Take a Look”, também tiveram muito sucesso.
Desde meados da década de 1980, vocalistas como
Diana Krall, Michael Bublé, Michael Feinstein e outros menos conhecidos no
Brasil, tornaram-se notáveis intérpretes do “Songbook” através de suas
carreiras, particularmente o último, que tornou-se um dedicado patrocinador,
arquivista, propagador e preservador do material, desde os últimos anos da
década de 1970. Iniciando em 2002, Rod Stewart, de cujas interpretações sou
particular admirador, tem devotado uma série de álbuns de estúdio a intérpretes
do “Songbook”, tendo mesmo usado, explicitamente, o nome “Great American
Singbook”.
Outros artistas, pop e de rock, que têm utilizado o
trabalho, incluem Carly Simon, Betty Midler, Barry Manilow, Caetano Veloso,
Queen Latifah e Robbie Williams. E, em 2012, Paul McCartney juntou-se a essa
lista, com o álbum “Kisses of the Bottom".
Atualmente, o objetivo da Sociedade de Preservação do “Great
American Songbook” é manter vivas essas canções na consciência pública,
executando-as em todo o país e no mundo, com a mais alta integridade e
interpretação musical de um elenco de cantores e músicos altamente capacitados,
como embaixadores da música americana. Realmente, o mundo precisa muito desse tipo de música!
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