A ALEMANHA DO PÓS-GUERRA
Como consequência da derrota da Alemanha Nazista em 1945 e o estabelecimento da “Guerra Fria”[1] em 1947 e que duraria meio século, o que restou do Terceiro Reich foi dividido em dois blocos globais, no leste e no oeste, num período conhecido como “a divisão da Alemanha”. Milhões de refugiados do Centro e Leste Europeu deslocaram-se para o oeste, a maior parte deles para a Alemanha Ocidental. Dois estados emergiram: (1) a Alemanha Ocidental foi uma democracia parlamentar, membro da OTAN[2], membro fundador do que mais tarde seria a União Europeia e uma das maiores economias do mundo; (2) a Alemanha Oriental foi uma ditadura comunista totalitária, país satélite de Moscou.
Ocupação da Alemanha após a Segunda Grande Guerra, com a Berlim dividida em território russo. |
A ajuda americana à Alemanha global iniciou em 1948 com o Plano Marshall. O sucesso da reforma monetária realizada em 1948 no lado ocidental, enfureceu os soviéticos, que cortaram todas as ligações por rodovias, estradas de ferro e canais navegáveis entre a zona ocidental e Berlim Ocidental (a cidade de Berlim, também dividida nas porções Ocidental e Oriental, ficara totalmente dentro da Alemanha Oriental), concretizando o “Bloqueio de Berlim”, que durou de 24 de junho de 1948 a 12 de maio de 1949. Como resposta, os Estados Unidos e a Grã-Bretanha iniciaram um transporte aéreo de alimentos e carvão, com distribuição de nova moeda em Berlim Ocidental que, desta forma, tornou-se economicamente integrada à Alemanha Ocidental.
Os alemães tiveram muito pouca voz no governo até 1949, quando a ocupação aliada encerrou e os dois estados emergiram. As zonas de ocupação ocidentais (americana, britânica e francesa) foram reunidas na formação da “República Federal da Alemanha” (RFA ou Alemanha Ocidental), uma democracia parlamentar com um sistema econômico capitalista e igrejas e sindicatos livres. A zona de ocupação soviética transformou-se na República Democrática Alemã (RDA ou Alemanha Oriental), uma ditadura marxista-leninista com sua liderança dominada pelo Partido de Unidade Socialista da Alemanha (SED), alinhada aos socialistas e mantida sob a esfera de influência da União Soviética.
Nas zonas ocidentais de ocupação, República Federal da Alemanha, os antigos territórios prussianos foram divididos entre Renânia do Norte-Vestfália, Baixa Saxônia, Hesse, Renânia-Palatinado e Schleswig-Holstein. Württemberg-Baden e Württemberg-Hohenzollern fundiram-se mais tarde com Baden para criar o estado de Baden-Württemberg. A região de Sarre, que tinha sido administrada pelos franceses como um protetorado separado do resto da Alemanha Ocidental, foi admitido na República Federal da Alemanha como um estado separado, em 1956, após um plebiscito.
Na zona de ocupação soviética, República Democrática Alemã, os antigos territórios prussianos foram reorganizados nos estados de Brandenburgo e Saxônia-Anhalt, com as partes restantes da Pomerânia indo para Mecklemburgo-Pomerânia Ocidental. Esses estados foram abolidos em 1952, sendo recriados após a queda da União Soviética, em 1990.
Talvez fosse uma boa ideia separar, neste ponto, a evolução da Alemanha pós-guerra, de acordo com a evolução das “duas Alemanhas”, até a sua reunificação final e definitiva, em 1990.
A REPÚBLICA DEMOCRÁTICA ALEMÃ
Em 1949 a zona soviética tornou-se a República Democrática Alemã (RDA ou Alemanha Oriental), sob o controle do Partido da Unidade Socialista (SED), sem um exército significativo até os anos 1960’, mas com um serviço de Segurança do Estado (STASI) que tem sido descrito como uma das mais efetivas e repressivas agências de inteligência e polícia secreta jamais criadas, que se infiltrou em todos os aspectos da sociedade alemã.
A Alemanha Oriental era um Estado do bloco oriental sob controle político e militar da União Soviética através de suas forças de ocupação e do Tratado de Varsóvia[3]. O poder político era somente exercido pelos membros líderes (Politburo) do SED, de controle comunista. Um comando de economia ao estilo soviético foi estabelecido; em seguida, a RDA tornou-se o mais avançado estado do COMECON. Embora a propaganda da Alemanha Oriental fosse baseada nos benefícios dos seus programas sociais e a alegada ameaça permanente da invasão da Alemanha Ocidental, muitos de seus cidadãos olhavam para o ocidente em busca de liberdade política e prosperidade econômica.
Walter Ulbricht foi o presidente do SED de 1950 a 1971. Em 1933, ele havia fugido para Moscou onde serviu como agente do Comintern[4], leal a Stalin. À medida que a Segunda Grande Guerra terminava, Stalin atribuiu-lhe a tarefa de projetar o sistema alemão de pós-guerra que centralizaria todo o poder no Partido Comunista. Em 1949 Ulbricht tornou-se o presidente, primeiro ministro e secretário (chefe executivo) do SED (comunista) em 1950.
O Muro de Berlim, construído em 1961 e símbolo da Guerra Fria, foto batida do lado ocidental |
A Alemanha Oriental estagnou na medida em que sua economia era fortemente organizada para atender às necessidades da União Soviética e a Polícia Secreta Russa-Alemã Oriental controlava totalmente a vida diária dos alemães. Cerca de 2,6 milhões de pessoas havia fugido da Alemanha Oriental até 1961, quando o Muro de Berlim foi construído e encerrou o fluxo permanente de refugiados para o Ocidente. O que a RDA chamava de “Muro de Proteção Antifascista”, foi um obstáculo imenso ao programa durante a “Guerra Fria”, mas estabilizou a Alemanha Oriental, postergando o seu colapso. Ulbricht perdeu poder em 1971, mas foi mantido como nominal chefe de estado, sendo substituído por ter falhado na solução das crises nacionais crescentes, tais como a economia decadente de 1969-70, o temor de outro levante popular, como o que ocorrera em 1953, e o sentimento de desprazer causado pela política de afrouxamento em relação ao ocidente.
A transição para Erich Honecker (Secretário Geral de 1971 a 1989) conduziu a uma mudança na direção da política nacional e esforços do Politburo dando mais atenção às reclamações do proletariado. Seus planos não tiveram sucesso, com a discórdia crescendo na população da Alemanha Oriental.
Em 1989 o regime socialista ruiu, após 40 anos, embora a sua onipresente polícia secreta, principalmente pelos graves problemas econômicos e a crescente emigração para o oeste. A cultura da Alemanha Oriental havia sido modelada pelo comunismo e, particularmente, pelo Stalinismo, e sua população original havia sofrido muito por tal exotismo. Críticos da Alemanha Oriental sempre alegaram que a dedicação do estado ao comunismo foi uma ferramenta cínica e vazia da elite governante; o argumento é desafiado por outros estudiosos que alegam que o Partido se dedicava ao avanço do conhecimento científico, desenvolvimento econômico e progresso social. Contudo, a vasta maioria viu os ideais comunistas do estado nada mais serem do que um enganoso método para controle do governo. Mais uma desastrosa experiência do comunismo.
REPÚBLICA FEDERAL DA ALEMANHA
Na Alemanha Ocidental o governo foi inicialmente formado pelo Chanceler Konrad Adenauer e sua aliança conservadora UDC/USC[5], no poder durante a maior parte do período, desde 1949. Sua capital foi Bonn até que se mudou para Berlim, em 1990, quando a RFA absorveu a Alemanha Oriental, promovendo a reunião da Alemanha e ganhando a plena soberania sobre Berlim.
Adenauer em 1952, aliado dos EUA e França, opondo-se à URSS. |
Em todos os pontos a Alemanha Ocidental foi maior e mais rica que a Alemanha Oriental, tornada uma ditadura sob o controle do Partido Comunista e monitorado muito de perto por Moscou e pivô da “Guerra Fria”.
Konrad Adenauer foi o primeiro chanceler da Alemanha Ocidental e seu líder dominante durante o período de 1949-1963. Foi o fundador e, até a sua morte, líder da União Democrática Cristã (UDC), uma coalizão de conservadores, ordoliberais[6] e aderentes do ensino social Católico e Protestante que dominou a política da Alemanha Ocidental pela maior parte de sua história. Durante a sua chancelaria, a economia da RFA cresceu rapidamente e o país estabeleceu relações amigáveis com a França, participou da emergente União Europeia, restabeleceu as forças armadas do país e tornou-se um pilar da OTAN, além de firme aliado dos Estados Unidos. Além disso, seu governo iniciou um longo processo de reconciliação com os Judeus e Israel, após o Holocausto.
Após experimentar o seu “milagre econômico” em 1955, a Alemanha Ocidental tornou-se a mais próspera economia da Europa, com Konrad Adenauer.
Willy Brandt, chanceler alemão e Prêmio Nobel da Paz, 1971 |
A “Grande Coalizão” formada entre UDC/USC e o Partido Social Democrata (PSD), os dois principais partidos da RFA, levou ao poder o líder socialista Willy Brandt, do PSD, como Chanceler Presidente e Ministro das Relações Exteriores. A Grande Coalizão vigorou entre 1966 e 1969 e tornou-se melhor conhecida por reduzir as tensões entre as nações do bloco soviético e estabelecer relações diplomáticas com a Czechoslovakia, Romênia e Iugoslávia. Willy Brandt foi o líder do PSD entre 1964 e 1987 e chanceler entre 1969 e 1974. Sob sua liderança o governo alemão procurou reduzir as tensões com a União Soviética e melhorar as relações com a RDA (Ostpolitik ou Política do Leste). As relações entre as duas “Alemanhas” encontravam-se congeladas com propaganda maciça contra cada direção. O pesado escoamento de talento da RDA havia construído o “Muro de Berlim” em 1961, que veio a piorar as tensões da “Guerra Fria”, impedindo os alemães orientais de viajarem. Embora ansioso por aliviar os sofrimentos das famílias divididas e reduzir a fricção, a política de Willy Brandt estava concentrada no seu conceito de “dois estados alemães numa só nação alemã”. A “Ostpolitik” sofreu a oposição dos elementos conservadores da RFA, mas valeu a Brandt uma reputação internacional e o Prêmio Nobel da Paz de 1971. Em setembro de 1973 a RDA e a RFA foram admitidas às Nações Unidas, passaram a manter representantes permanentes em 1974 e, em 1987, Erich Honecker, líder da RDA realizou uma visita de oficial de estado à RFA.
Helmut Kohl, primeiro chanceler da Alemanha reunificada |
Helmut Kohl trouxe os conservadores de volta ao poder em 1982, com a coalizão UDC/USC – PDL (Partido Democrático Livre da Alemanha) e serviu como chanceler até 1998. Após repetidas vitórias em 1983, 1987, 1990 e 1994; foi finalmente derrotado em 1998 por uma grande maioria de votos à esquerda, sendo sucedido como Chanceler por Gerhard Schröeder, do PSD. Kohl foi muito conhecido por orquestrar a reunificação com a aprovação das quatro grandes potências da Segunda Guerra Mundial, que ainda tinham voz ativa nos assuntos da Alemanha.
A REUNIFICAÇÃO DA ALEMANHA
Durante o verão de 1989, rápidas alterações, conhecidas como “revolução pacífica”, tiveram lugar na Alemanha Oriental que, rapidamente, conduziram à reunificação da Alemanha. Números crescentes de alemães orientais emigraram para a Alemanha Ocidental, muitos via Hungria, após a abertura de suas fronteiras. Milhares de alemães orientais também tentaram alcançar o oeste através de atalhos por protestos em instalações diplomáticas da RFA em outras capitais do Leste Europeu, principalmente em Praga. Tal êxodo gerou demandas, dentro da RDA, por mudanças políticas e demonstrações de massa em várias cidades continuaram a crescer. (Figura Queda Muro Berlim)
Incapaz de deter a crescente intranquilidade civil, Erich Honecker, da RDA, foi forçado a renunciar em outubro e, em 9 de novembro, as autoridades da Alemanha Oriental, inesperadamente, permitiram que cidadãos entrassem em Berlim Ocidental e Alemanha Ocidental. Centenas de milhares de pessoas usaram tal oportunidade, com novos pontos de passagem sendo abertos no Muro de Berlim e ao longo da fronteira com a Alemanha Ocidental. No mesmo ano o Muro de Berlim foi finalmente destruído.
Alemanha em suas fronteiras atuais |
Tais fatos conduziram a uma aceleração no processo de reformas na Alemanha Oriental, que terminou com a reunificação da Alemanha, concretizada em 3 de outubro de 1990, quando os aliados renunciaram a todas as dívidas relacionadas a territórios alemães, com o “Tratado do Ajuste Final com Respeito à Alemanha”, pelo qual a Alemanha também renunciava a todas as suas demandas de territórios perdidos durante a Segunda Grande Guerra. Esse tratado se ocupava também da reorganização da Alemanha como um todo e resolvia outras questões consequentes da Segunda Guerra Mundial.
Bandeira da Alemanha Ocidental e Unificada, de 1949 até hoje |
Em 1998 a Alemanha foi um dos países fundadores da Zona do Euro e permanece, até hoje, uma das economias mais poderosas da Europa, contribuindo com um quarto do Produto Interno Bruto anual da Eurozona, como a “Bundesrepublik Deutschland”, ou República Federal da Alemanha, com os territórios e a bandeira que possui até hoje.
[1] A “Guerra Fria” foi um estado de tensão política e militar, após a Segunda Guerra Mundial, entre potências do bloco ocidental (Estados Unidos, seus aliados da OTAN e outros) e potências do bloco oriental (União Soviética e seus aliados do Pacto de Varsóvia). Os historiadores não concordam perfeitamente sobre as datas, mas o período entre 1947 e 1991 é comum. O termo “fria” é usado porque não havia, entre os dois lados, uma luta direta em larga escala, embora guerras regionais importantes tivessem ocorrido, apoiadas pelos dois lados.
[2] A Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) é uma aliança militar intergovernamental baseada no Tratado do Atlântico Norte, assinado em 4 de abril de 1949. A Organização constitui um sistema de defesa coletiva pelo qual seus estados-membros concordam com a defesa mútua em resposta a um ataque por qualquer entidade externa. O quartel general da OTAN está localizado em Haren, Bruxelas, Bélgica, onde reside também o Comandante Aliado Supremo. A Bélgica é um dos 28 membros entre América do Norte e Europa, os mais novos dos quais, Albânia e Croácia, se uniram em abril de 2009. Vinte e dois outros países participam do programa da OTAN “Parceria para a Paz”, com quinze outros países envolvidos em programa de diálogo institucionalizado.
[3] Também chamado de “Pacto de Varsóvia”, criado em maio de 1955, de forma semelhante à OTAN, foi um tratado de defesa coletivo entre a União Soviética e sete Estados satélites soviéticos na Europa Central e Oriental, existente durante a “Guerra Fria”. Foi o complemento militar ao “Conselho para Mútua Assistência Econômica (COMECON)", a organização econômica regional para os estados comunistas da mesma região. O Pacto foi criado como reação à integração da Alemanha Ocidental na OTAN, em 1955, mas também motivado pelos desejos soviéticos de manter controle sobre as forças militares na região. Nunca houve um confronto direto entre a OTAN e o Pacto, mas o conflito foi lutado apenas em base ideológica. O Maior evento militar do Pacto, foi a invasão da Czechoslovakia (com a participação de todas as nações do pacto, com exceção da Romênia e da Albânia). O Pacto deixou de funcionar quando as Revoluções de 1989 se espalharam pela Europa Oriental, começando pelo movimento Solidariedade, da Polônia e seu sucesso em junho de 1989. Em fevereiro de 1991 o Pacto foi declarado findo em um encontro de ministros da defesa e relações exteriores dos membros que restavam, na Hungria. Em julho de 1991, o presidente da Czechoslovakia, Vaclav Havel, formalmente declarou o fim do Pacto.
[4] Ou Komintern, é o termo com que se designa a Terceira Internacional ou Internacional Comunista (1919-1943), isto é, a organização internacional fundada por Vladimir Lenin e pelo PCUS (bolchevique), em março de 1919, para reunir os partidos comunistas de diferentes países. Tinha como propósito, conforme seus primeiros estatutos, “lutar pela superação do capitalismo, pelo estabelecimento da ditadura do proletariado e da República Internacional dos Sovietes, pela completa abolição das classes e a realização do socialismo, como uma transição para a sociedade comunista, com a completa abolição do Estado, para isso se utilizando de todos os meios disponíveis, inclusive armados, para derrubar a burguesia internacional”.
[5] Informalmente também chamado de “Partidos da União” ou simplesmente “União”, o UDC/USC foi a união política da “União Democrática Cristã da Alemanha” (UDC)) com a “União Social Cristã” da Bavária (USC), ambas estabelecidas após a Segunda Guerra Mundial.
[6] O ordoliberalismo é a variante germânica do liberalismo social que enfatiza a necessidade do Estado assegurar que o livre mercado produza resultados próximos ao seu potencial teórico.
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