Homenagem ao lendário herói ancestral dos ingleses que deu título a um dos considerados "Cem Maiores Livros do Mundo" e tido como o mais antigo escrito em "Old English".

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

UMA PEQUENA HISTÓRIA DA INGLATERRA CONTADA POR UM GAÚCHO DE PORTO ALEGRE, DESCENDENTE DE PORTUGUESES E RESIDENTE EM GRAMADO - A HISTÓRIA PROPRIAMENTE DITA (17) (Vigésima Quinta Parte)

O AMBIENTE ARTHURIANO (PARTE 3)
Um personagem que pode ter sido um contemporâneo de Arthur é Mordred que, de acordo com os Annales Cambriae (Medraut), teria morrido junto com Arthur na Batalha de Camlann e com o desenvolvimento dos romances tornou-se a plenitude do traidor miserável na tradição Arthuriana.
Sir Mordred personificando a irreverência
Na versão dos eventos de Geoffrey, Mordred seria sobrinho de Arthur, filho de sua meia irmã Anna. O Vulgate Cycle prosseguiu e tornou-o o filho incestuoso de Arthur com sua meia irmã, agora chamada Morgause - nos romances posteriores a mãe de Mordred chama-se Morgan Le Fay (a Fada Morgana) -, o que explicaria, em parte, o caráter e o senso de lealdade distorcido deste personagem. Contudo, todos os romances coincidem em ratificar a afirmação de Geoffrey de que Mordred rebelou-se contra Arthur, provocando a sua e a própria morte na batalha citada. Como já vimos, os Annales Cambriae apoiam a noção de Geoffrey de que ambos tombaram em batalha, sem estabelecer o parentesco recíproco e sem especificar se lutavam do mesmo lado ou em lados opostos. 
A mais conhecida e influente versão da história de Mordred é o parecer de Thomas Malory, que popularizou um episódio da Post Vulgate Cycle, denominado Suite du Merlin, comumente chamado de “May Day Massacre” (O Massacre de 1º de Maio). Neste episódio, Arthur crê numa profecia de Merlin de que a criança que causará a queda do seu reino nascerá no dia 1º de maio; para evitá-la, reúne num navio todas as crianças do reino nascidas nesta data, algumas delas com apenas 4 semanas de idade, e o lança ao mar, à deriva, na expectativa de que a criança fatal perecerá. O seu plano falha, porque o navio é destroçado contra as rochas, matando todos os seus ocupantes, com exceção de Mordred, que é resgatado e adotado até a idade de 14 anos. Em todo o texto posterior ele aparece em torneios mas não é figura essencial até o fim, quando ele se une a Agravain na trama contra Lancelot e Guinevere. Posteriormente, quando Lancelot salva Ginevere da morte na fogueira, Mordred tenta tomar o trono quando Arthur e Gawain estão fora, no cerco de Benwick.
Mordred mortalmente ferido lança-se sobre Arthur
Estaria Geoffrey certo sobre a rivalidade familiar entre eles? Sob a grafia Welsh do nome, Medraut aparece num certo número de poemas Welsh como opositor de Arthur, embora raramente relacionados; eram considerados líderes legais de diferentes reinos. Infelizmente não há maneira de saber quem está com a razão, pois a Historia Brittonum de Nennius não menciona Mordred e nenhum outro manuscrito da época o registra.
Talvez as mais intrigantes características da história Arthuriana sejam os três elementos místicos que permeiam quase todos os romances: a espada Excalibur, o Santo Graal e a Ilha de Avalon.
Com relação à espada, é preciso que se esclareça, antes de tudo, que as lendas falam de duas espadas: a Espada na Pedra, muitas vezes numa bigorna, é retirada por Arthur, quando ainda jovem, como um teste e um sinal milagroso que prova o seu direito de nascença e sua realeza; a Espada Excalibur é a que lhe foi dada pela Dama do Lago, com poderes mágicos.
A palavra Excalibur foi uma adaptação feita por Wace, do nome que deu Geoffrey à espada de Arthur, Caliburn, fonte de todo o seu poder, depois seguido por todos os romancistas. Em alguns contos Welsh, tais como Culhwch and Olwen, a espada de Arthur é chamada de Caledfwlch, do Irish antigo Caladbolg, que significa “espada flamejante”. Se Caliburn veio portanto de Caledfwlch, isso significaria que o tema Excalibur teria sido tomado de uma antiga lenda Celta.
O Rei Arthur, com Merlin, recebe a Excalibur da Dama do Lago
A conhecida história da espada mágica de Arthur não é contada por Geoffrey que apenas nos diz ter sido forjada em Avalon e que manejada por Arthur, “esculpiria as almas para fora de seus inimigos com o seu sangue”. Foi a Vulgate Cycle, um século depois, que introduziu a história da Excalibur como a conhecemos hoje. Segundo essa versão, Arthur teria, originalmente, sido levado por Merlin e recebido a Excalibur de uma ninfa misteriosa, The Lady of the Lake (a Dama do Lago) e teria, após ter sido mortalmente ferido no campo de batalha, ordenado ao seu cavaleiro Girflet que a lançasse de volta ao lago encantado. Após desobedecer ao seu rei duas vezes, Girflet relutantemente a lança ao lago e um braço emerge de suas águas, apanha a espada e a conduz às suas águas profundas. Esta é a encarnação do conto como elaborado posteriormente por Sir Thomas Malory, embora em sua versão o cavaleiro que devolve a espada ao lago é Sir Bedivere e não Girflet. Segundo Graham Phillips, há claras idéias Celtic esboçadas no tema Excalibur, sugerindo que os escritores da Vulgate Cycle possam ter empregado material muito mais antigo. Escavações arqueológicas modernas têm desenterrado muitos artefatos preciosos, incluindo espadas lançadas em lagos sagrados pelos povos celtas do norte europeu, como oferendas a deidades da água. Será que o tema Excalibur poderia ser derivado dessas práticas Celtic de oferendas a deusas das águas , talvez com a esperança de restaurar a saúde do rei?
O jovem Arthur retira a espada da bigorna
O conto de Arthur retirando a espada da pedra parece ser um tema totalmente diferente. Não foi a Excalibur que foi puxada da pedra nos romances originais, mas uma outra espada. Malory simplesmente diz que a espada apareceu no pátio da “maior igreja de London”, nas seguintes palavras: ‘Foi visto no pátio da igreja uma grande pedra como de mármore e no meio dela havia como que uma bigorna de aço e nela cravada uma bela espada nua e letras escritas em ouro próximo da espada, que diziam assim: ‘Aquele que arrancar a espada desta pedra e bigorna será, por direito de nascimento, o rei de toda a England”.’ Roberto de Boron foi, na verdade, o primeiro a introduzir este tema que Malory parafraseou posteriormente. Segundo Graham Philips, de Boron pode ter baseado sua concepção em tradições da elite guerreira Celtic que resolvia o assunto em combate toda a vez que uma disputa surgia sobre a eleição de um novo líder da tribo. Tal combate entre os rivais nem sempre seria mortal e como sinal de que o perdedor e os seus aliados se conformariam com a decisão, um símbolo de autoridade era entregue ao vencedor, em geral uma espada consagrada por um sacerdote pagão e colocada sobre um altar durante o duelo. Os guerreiros criam que uma vez que a vitória fosse materializada pelo artefato simbólico, uma maldição cairia sobre quem quer que quebrasse o tratado. Talvez essa pudesse ser a origem da história. De qualquer maneira, sempre poderia haver associações genuínas entre as histórias da espada de Arthur e a história Arthuriana que se originou no início da Idade Média.
Com relação ao Santo Graal – ou o Cálice Sagrado, como é mais conhecido entre nós -, tudo leva a crer que foi uma adição posterior à lenda Arthuriana, pois não guarda qualquer relação com o próprio Arthur. Mais do que isso, parece ter origem muito mais longínqua e ter nascido de um manuscrito árabe descoberto em Toledo, Espanha, muito mais ao gosto das suas origens e das Cruzadas, então em pleno desenvolvimento. Muitos contos árabes foram assim adaptados com heróis medievais substituindo os personagens originais. No caso do Santo Graal, casos há em que os cavaleiros eram Templários, ordem militar em tempo integral, criada na França, no início do século XII, com o objetivo específico de combater pela Cristandade na Terra Santa. Os Templários não eram cavaleiros comuns, mas monges Cistercianos – ordem religiosa católica que seguia estritamente as regras dos Beneditinos - especialmente treinados para combater como Cruzados.
A Távola Redonda do Rei Arthur acolhia os seus cavaleiros agregados e, como seu nome sugere, não possuía cabeceira, propositalmente, para demonstrar a igualdade de status entre eles, assim evitando disputas entre seus nobres, nenhum dos quais aceitaria um lugar inferior aos demais. Seu simbolismo desenvolveu-se com o tempo até que ao final do século XII representava a ordem cavalheiresca associada à corte de Arthur, os “Cavaleiros da Távola Redonda”.
A Távola Redonda apareceu pela primeira vez no Roman de Brut, de Wace, uma adaptação em língua Norman da Historia Regum Britanniae, de Geoffrey of Monmouth, concluída em 1155 e baseada em representações prévias do fabuloso séquito de Arthur. Layamon, quando adaptando o trabalho de Wace em sua obra Middle English Brut (Brut da Idade Média English), do início do século XIII, adicionou à história o fato de que uma disputa entre os vassalos de Arthur havia conduzido à violência numa festa em Yuletide. Como solução para evitar futuras disputas, um carpinteiro Cornish (da Cornwall) construiu uma enorme, embora facilmente transportável, mesa redonda. Wace afirma não ser a fonte da Távola Redonda, creditando-a aos Bretons, do que alguns estudiosos discordam enquanto outros aceitam. Há alguma semelhança entre a descrição dos cronistas da Távola Redonda e um costume registrado em histórias Celtic, em que guerreiros sentavam-se ao redor do rei ou guerreiro líder, algumas vezes brigando pela ordem de precedência.
A Távola Redonda pendurada no Great Hall de Winchester Castle, com o Rei Arthur e os nomes dos Cavaleiros
Embora a Távola Redonda não seja mencionada antes de Wace, o conceito de que Arthur teria uma corte maravilhosa constituída por muitos guerreiros proeminentes é muito mais velha. Geoffrey diz que, após o estabelecimento da paz pela Britain, Arthur teria “aumentado o seu séquito pessoal convidando homens muito distinguidos de reinos distantes para juntar-se a ele”. O código de nobreza, tão importante em romances posteriores, também surge, como salienta Geoffrey ao dizer que Arthur estabeleceu “tal código de cortesia em sua família, que acabou por inspirar as pessoas que viviam longe, a imitá-lo. Muito antes de Geoffrey, a corte de Arthur era bem conhecida dos contadores de histórias Welsh; no romance Culhwch and Olwen, escrito cerca de 1100, o protagonista Culhwch invoca os nomes de 225 indivíduos afiliados a Arthur. De fato, a fama do séquito de Arthur tornou-se tão proeminente na tradição Welsh que em adições posteriores às Welsh Triads, a fórmula “Corte de Arthur” nos títulos das tríades ultrapassou a fórmula mais antiga “Island of Britain”. Embora o código de nobreza, crucial aos romances continentais posteriores que trataram da Távola Redonda, estivessem ausente do material Welsh, algumas passagens de Culhwch and Olwen parecem prenunciá-lo, por exemplo, quando Arthur explica o caráter de sua corte, dizendo: “somos nobres enquanto somos buscados como tal: quanto maior a generosidade que entregamos, maior a nossa nobreza, fama e honra”.
Embora nenhuma Távola Redonda apareça nos textos Welsh antigos, Arthur é associado com vários itens de mobília doméstica por toda a Britain a partir do século XII, com vários marcos sendo nomeados: “Cadeira de Arthur”, “Forno de Arthur” e “Quarto de Dormir de Arthur”. O anfiteatro romano, ainda visível, em Caerleon, tem sido associado com a Távola Redonda e sugerido como possível fonte para a lenda. Em 2010, após descobertas arqueológicas em ruínas romanas em Chester, alguns escritores sugeriram que o Anfiteatro Romano de Chester era o modelo original da Távola Redonda, mas a “English Heritage”, atuando como consultora ao documentário da “History Channel” em que a afirmação foi feita, declarou não haver base arqueológica para a história.

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