Homenagem ao lendário herói ancestral dos ingleses que deu título a um dos considerados "Cem Maiores Livros do Mundo" e tido como o mais antigo escrito em "Old English".

domingo, 21 de agosto de 2011

UMA PEQUENA HISTÓRIA DA INGLATERRA CONTADA POR UM GAÚCHO DE PORTO ALEGRE, DESCENDENTE DE PORTUGUESES E RESIDENTE EM GRAMADO - A HISTÓRIA PROPRIAMENTE DITA (16) (Vigesima Quarta Parte)

O AMBIENTE ARTHURIANO (PARTE 2)

Guinevere aparece num bom número de poemas Welsh da Idade Média com o nome Gwenhwyfar, que significa ‘espírito branco’, sugerindo que tenha derivado da deusa Celta Epona, representada como um cavalo branco ou uma dama branca e adorada amplamente por todo o norte da Europa em eras pré-Cristãs. Contudo é improvável que Geoffrey tenha criado a rainha de Arthur, a quem ele chamou Ganhumara, a partir de uma deusa antiga. Afinal, o nome Guinevere foi uma adição de Wace, popularizada por Chrétien.
Segundo Geoffrey, Ganhumara provinha de uma nobre família romana, mas falha em não fornecer detalhes específicos e não há registros históricos de alguma Ganhumara durante os séculos V e VI. Nos romances medievais posteriores Guinevere aparece como a filha de Leodegrance of Cameliard, casando com Arthur e tendo uma relação amorosa com Lancelot, que causaria a queda do Reino de Camelot.
Gravura da Rainha Guinevere por William Morris
Uma das primeiras histórias Arthurianas trata do sequestro de Guinevere por Maleagant e é contada na The Life of St. Gildas (cerca de 1130), por Caradoc of Llancarfan e no Welsh Dialogue of Melwas and Gwenhwyfar. A história do sequestro é a ação central em Lancelot, de Chrétien de Troyes e aparece também em Thomas Malory. Lord Tennyson apresenta Ginevere como uma pecadora que “corrompeu o objetivo” de vida de Arthur, trazendo-a, contudo, bem como a outros personagens femininos, para o papel principal, como fez um de seus contemporâneos, William Morris. Em seu poema The Defence of Guinevere, Morris é o primeiro a dar à rainha sua própria voz, iniciando uma tradição que continuaria por várias novelas futuras. Com relação aos três guerreiros mais famosos da Távola Redonda de Arthur – Galahad, Lancelot e Perceval – todos parecem ter sido invenções literárias medievais.
O último encontro de Lancelot e Guinevere (D. G. Rossetti)
Galahad é o filho de Lancelot e Elaine, concebido por artimanha que o fez crer que dormia com Guinevere. A primeira aparição de Galahad ocorre no romance medieval do Século XIII, Vulgate Cycle, surgindo no primeiro romance, Estoire del Saint Graal, onde ele é o nono da linha de Nascien; foi batizado por Josephus, filho de José da Arimatéia e um dos que levou o Cristianismo à Britain. 
Sir Galahad, o Cavaleiro Perfeito
Galahad ficou conhecido como o cavaleiro que obtém êxito na busca do Saint Grail - o Santo Graal, o cálice que guardaria o sangue de Cristo -, missão em que todos os demais haviam falhado, um tema adotado por Malory na Le Morte Darthur. Como cavaleiro eleito para tal missão, teria assento reservado à Távola Redonda no lugar do Cavaleiro do Graal. Um pequeno poema de Lord Tennyson, Sir Galahad, de sua obra Idylls of the King, apresentou a popular imagem de um cavaleiro perfeito, cuja “força era a força de dez porque seu coração era puro”.
Perceval, embora introduzido nos Romances antes de Galahad, também parece ter nascido da liberdade artística. Ele faz a sua primeira aparição no Conte del Graal (cerca de 1190) de Chrétien de Troyes, como um simples rapaz do campo que afinal transforma-se no mais exitoso dos cavaleiros de Arthur. Daí em diante ele permanece como um personagem central de quase todos os romancistas que seguem, que algumas vezes o pintam como o descobridor do Graal.
Sir Perceval, um dos três Cavaleiros do Graal
Perceval é o personagem principal de um romance da Idade Média English do século XIV, Sir Perceval of Galles, que é, aparentemente, baseado no conto de Chrétien, mas que omite totalmente o Santo Graal. No romance Le Morte dArthur, de Thomas Malory, Perceval é um dos três cavaleiros do Graal, juntamente com Galahad e Bors. Perceval funciona como o narrador do dramático monólogo que compreende a maior parte de The Holy Grail, nos Idylls of the King, de Lord Tennyson e muito do que ele narra, foca em Galahad como o cavaleiro central do Graal.
Lancelot é o maior dos cavaleiros de Arthur, filho do rei Ban of Benwick, e conhecido como "Lancelot of the Lake", por ter sido criado pela fada "Lady of the Lake".
Sir Lancelot du Lac
Entre suas muitas aventuras, encontram-se o resgate do sequestro da Rainha Guinevere por Meleagant, uma busca sem sucesso do Santo Graal e o resgate da Rainha após ter sido condenada por adultério a queimar na fogueira. Lancelot é amado por Elaine de Astolat, filha do rei Pelles, que morre por não ter o seu amor correspondido; antes disso, entretanto, engana Lancelot e o faz dormir com ela, gerando dessa união a Galahad. 
Sir Lancelot

Lancelot foi também introduzido por Chrétien de Troyes e seu caso de amor com Guinevere tornou-se fundamental em muitos dos romances posteriores. Na versão original de Chrétien, Le Chevalier de la Charrete, Lancelot simplesmente faz amor com a Rainha após uma épica busca para resgatá-la. Contudo, a Vulgate Cycle (e posteriormente Malory) eleva esse breve caso à causa da rebelião que, ao fim de tudo, destruiria o reino. Chrétien não fornece conhecimento anterior para o seu herói, mas afirma que o material para a sua história veio de sua patrocinadora, Marie, Condessa de Champagne, sem ficar claro que isso signifique que toda a história teria sido sua invenção.
Sir Lancelot e Guinevere
É possível que Marie tenha fornecido a Chrétien um personagem de um conto folclórico francês que ele teria adaptado para incluí-lo num poema Arthuriano. Como Galahad e Perceval, Lancelot parece ter sido uma adição posterior sem qualquer associação com o Arthur histórico.
Gawain, por outro lado, é um dos cavaleiros encontrados na Historia de Geoffrey, onde aparece como irmão (na verdade, meio-irmão) de Mordred e sobrinho de Arthur, filho de Morganna e Lot of Orkney. 
Sir Gawain
Com a morte de Lot, Gawain torna-se o líder da clã Orkney, que inclui seus irmãos Aggravain, Gaheris, Gareth e seu meio-irmão Mordred. Passaram-se mais de dois séculos e meio até que Gawain aparecesse como figura de proa no mais famoso de todos os romances da Idade Média English, Sir Gawain and the Green Knight (Sir Gawain e o Cavaleiro Verde), obra anônima de escritor do Noroeste das Midlands, em torno de 1400. Infelizmente, ficou demonstrado que Gawain foi outro personagem sem associação com o Arthur histórico. Há, até mesmo, considerável evidência de que foi adotado por Geoffrey de um herói de ficção francês chamado Walwanus, que aparece num grande número de manuscritos e cujas façanhas ecoam as de Gawain em muitos aspectos.
Destoando dos cavaleiros mencionados que são, basicamente, heróis do folclore Francês, surge a figura de Bedivere que, segundo Geoffrey, era Duque da Normandy e braço direito de Arthur e que, ao tempo de Malory, é o cavaleiro que, relutantemente, lança a espada Excalibur à Lady of the Lake (a Dama do Lago). 
Sir Bedivere lança a Excalibur à Lady of the Lake
Geoffrey apresenta Bedivere como um habilidoso lanceiro maneta, exatamente como ele é retratado no conto Culhwch and Olwen, embora aqui seu nome seja escrito como Bedwyr. Há grande evidência que demonstra ser esse conto um genuíno poema Celtic composto muito antes de Geoffrey, mas é impossível dizer se Bedwyr estava associado às lendas de Arthur antes do Século XII, embora seja muito provável que anteceda em muito a Geoffrey of Monmouth.
O mesmo Geoffrey concentrou-se muito em Merlin, apresentando-o como o real poder atrás do trono. Seus dois outros trabalhos Arthurianos incluem Merlin como o personagem principal: Prophetiae Merlini (As Profecias de Merlin), completadas em 1130, enquanto ele ainda escrevia a Historia, e a Vita Merlini (A Vida de Merlin), um longo poema escrito cerca de 1150. De acordo com Geoffrey, a mãe de Merlin era a Princesa de Demetia e seu pai um incubus, ou seja, um espírito que seduziu a filha real enquanto ela dormia.
Antigo reino de Demetia, hoje Dyfed, a sudoeste de Wales
O mesmo tema foi retomado por Robert de Boron, em torno de 1200, que fornece uma explicação da peculiar origem de Merlin. Em sua versão, um grupo de demônios delineia um plano para criar um anticristo que seria meio humano e meio demônio. Contudo um padre intervém e a mulher escolhida para gerar o diabo-profeta é abençoada. Embora o filho, Merlin, nasça com o dom da profecia, ele é inerentemente bom. No poema de Robert, Merlin retribui mais tarde ao padre, revelando-lhe como José de Arimatéia teria trazido o Santo Graal aos “Vales de Avalon”. Parece muito claro que pelo menos uma das supostas façanhas de Merlin tenha sido tomada de uma lenda originalmente associada a um personagem inteiramente diferente. A história relatada por Geoffrey, dos dois dragões sob as bases de uma fortaleza que Vortigern tentava construir é, exatamente, a mesma lenda relatada na Historia Brittonum de Nennius com a diferença de que nesta o mágico era Ambrosius, sem que haja qualquer intenção de confundir os dois personagens. Tudo leva a crer que a figura de Merlin foi baseada em um trovador (“bard”) Welsh chamado Myrddin que, por estar encarregado de louvar os feitos do seu protetor, gozava de notável influência na sociedade Welsh primitiva. Os “bards” eram, em geral, também considerados possuir o dom da vidência e eram por isso tidos como os mais cultos da tribo.
Merlin aconselha o Rei, de Gustave Doré
De acordo com Geoffrey, Merlin teria nascido na cidade de Carmarthen e, na tradição Welsh, o nome significaria “Cidade de Myrddin”. Na primitiva literatura Welsh, Merlin é muitas chamado Myrddin, embora os manuscritos que sobrevivem e que incluem esses trabalhos venham após Geoffrey. Nesses contos ele raramente é o mágico da corte de Arthur, mas sim o trovador, e um grande número de poemas Welsh são atribuídos a ele. Em conclusão, embora Merlin possa ter sido baseado em uma figura histórica, o Myrddin histórico parece ter vivido mais de meio século após o período do Arthur real, parecendo ter sido outro personagem erroneamente introduzido na saga Arthuriana.

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