Homenagem ao lendário herói ancestral dos ingleses que deu título a um dos considerados "Cem Maiores Livros do Mundo" e tido como o mais antigo escrito em "Old English".

sábado, 7 de janeiro de 2012

OS BORGIA (Parte 1)

INTRODUÇÃO

Os Borgia, também conhecidos por Borja, constituíram uma família Papal de origem italiana e espanhola, que tornou-se muito conhecida durante o Renascimento (1) . A família produziu três Papas:

•    Papa Calixto III, nascido Alfons de Borja, cujo pontificado ocorreu de 8 de abril de 1455 até a sua
morte em 1458;

•    Papa Alexandre VI, nascido Rodrigo Lanzol de Borja, com pontificado entre 1492 e sua morte, ocorrida em 18 de agosto de 1503;

•    Papa Inocêncio X, nascido Giovanni Battista Pamphilj (ou Pamphili), com Papado entre 1644 e 1655, tetraneto do Papa Alexandre VI, cujo sobrenome não era Borgia.

O termo “família Papal” não contém a menor justificativa para uso, já que todos conhecem, sobejamente, a forma pela qual um Papa da Igreja Católica Apostólica Romana é eleito, de forma vitalícia, através do Conclave dos Cardeais, na Capela Sistina. Entretanto, por razões várias, entre as quais se destacam as políticas, ao longo da história, de fato tais famílias existiram em outras épocas, citando-se como outro exemplo a casa Conti, de onde provieram nove Papas.

Os Borgia emergiram do Reino de Valência, um dos reinos componentes da Coroa de Aragão, nascido na Península Ibérica à época da Reconquista. Dos três Papas citados, desta família, definitivamente, o mais polêmico e controverso foi, sem qualquer dúvida, o Papa Alexandre VI, foco principal de nossa crônica. Aos demais apenas faremos uma breve referência, para bem estabelecer o seu relacionamento mútuo. 
O Papa Calixto III nasceu em La Torreta, Canals, em 1378 e morreu em Roma, em 1458. Inicialmente trabalhou como professor de leis na Universidade de Lleida e mais tarde como diplomata dos Reis de Aragão, antes de tornar-se Cardeal. Foi eleito Papa em 1455, em idade avançada, com pontificado de apenas três anos.

O Papa Inocêncio X nasceu em Roma, de uma família de Gubbio, na Umbria, que tinha vindo para Roma durante o pontificado do Papa Inocêncio IX. Graduou-se no Collegio Romano e seguiu um Cursus Honorum (2) convencional, seguindo seu tio Girolamo Pamphilj, como auditor e, como ele, atingindo a dignidade de Padre Cardeal da basílica de Sant’Eusebio, Roma, em 1629. Preparado como advogado, ele sucedeu ao Papa Urbano VIII, como um dos mais politicamente astutos Pontífices da era, tendo incrementado, em muito, o poder temporal da Santa Sé.
(1) Renascimento, Renascença ou Renascentismo são termos sinônimos usados para identificar o período da História da Europa, aproximadamente entre fins do século XIII e meados do século XVII, mas os estudiosos não chegaram a um consenso sobre essa cronologia, havendo variações consideráveis nas datas conforme o autor. O período foi marcado por transformações em muitas áreas da vida humana, assinalando o final da Idade Média e o início da Idade Moderna. Apesar destas transformações serem bem evidentes na cultura, sociedade, economia, política e religião, caracterizando a transição do feudalismo para o capitalismo e significando uma ruptura com as estruturas medievais, o termo é mais comumente empregado para descrever seus efeitos nas artes, na filosofia e nas ciências.
(2) Ordem sequencial dos cargos públicos abraçados pelos aspirantes a políticos, tanto na República Romana quanto no Império original.

PAPA ALEXANDRE VI
Papa Alexandre VI
O Papa Alexandre VI nasceu Rodrigo Llançol, em 01 de janeiro de 1431, na cidade de Xàtiva, Reino de Valência então e Espanha nos dias de hoje. Seus pais eram o valenciano Jofré Llançol i Escrivá e sua esposa, a aragonesa Isabel de Borja, irmã do Cardeal Alfonso Borja, mais tarde Papa Calixto III. Seu nome de família é escrito Llançol em valenciano e Lanzol em espanhol. Rodrigo adotou o nome da família de sua mãe, Borja, em 1455, assim que seu tio maternal Alfonso de Borja foi elevado a Papa. Foi um dos Papas mais controvertidos da Renascença e seu nome italianizado, Borgia, tornou-se um apelido pejorativo para os degradados padrões do Papado da época, sendo o “Banquete das Nozes” um dos seus exemplos mais notórios (3).
Rodrigo Borgia estudou leis em Bolonha e, após a eleição de seu tio como Papa Calixto III, foi ordenado diácono e nomeado Diácono-Cardeal de San Nicola in Carcere, com a idade de vinte e cinco anos, em 1456. No ano seguinte foi nomeado Vice-Chanceler da Santa Igreja Romana, através de nepotismo característico da época. Em 1468 foi ordenado sacerdote e em 1471 consagrado Bispo e nomeado Bispo-Cardeal de Albano.

Por 1470 iniciou suas relações com a dama romana Vannozza dei Cattanei, futura mãe de seus quatro filhos Giovanni, Cesare, Lucrezia e Gioffre, nascidos, respectivamente em 1474, 1476, 1480, and 1482.
Vanozza di Cattannei
Serviu na Cúria Romana sob quatro Papas – Pius II, Paul II, Sixtus IV e Inocêncio VIII, Rodrigo Borgia adquiriu considerável experiência administrativa, influência e poder.

Com a morte do Papa Inocêncio VIII em 25 de julho de 1492, os mais fortes candidatos ao Papado eram os cardeais Borgia, Ascanio Sforza e Giuliano dela Rovere. Rumores não confirmados dizem que Borgia teve sucesso com a compra do maior número de votos e Sforza, em particular, teria sido subornado com quatro cargas de mula em prata, além de outros benefícios e postos concedidos. O mesmo Protonotário John Burchard, já mencionado, figura proeminente da habitação papal sob diversos Papas, registrou em seu diário que o Conclave de 1492 foi particularmente dispendioso. Della Rovere foi subornado por 200.000 ducados de ouro pelo Rei Charles VIII da França e com outros 100.000 ducados de ouro fornecidos pela República de Gênova. Borgia foi eleito em 11 de agosto de 1492 com o nome de Alexandre VI. Giovanni di Lorenzo de Medici, posteriormente Papa Leão X, fortemente criticou a eleição, emitindo um aviso:

“Agora estamos em poder de um lobo, talvez o mais voraz que esse mundo já viu. E se não fugirmos, ele nos devorará, inevitavelmente.”
Contrastando com o Pontífice precedente, o Papa Alexandre VI aderiu, inicialmente, à estrita administração da justiça e um governo metódico. Em seguida, contudo, ele iniciou o favorecimento de seus parentes às expensas da Igreja e de seus vizinhos. Seu filho, Cesare Borgia, embora um jovem de dezessete anos, estudante em Pisa, foi feito Arcebispo de Valência; seu outro filho Giovanni Borgia herdou o ducado espanhol de Gandia, lar ancestral dos Borgias naquele país; com relação a Gioffre (também conhecido por Goffredo), seu outro filho homem, o Papa propôs criar feudos de estados papais e do reino de Nápoles, política que colocou Ferdinando I, rei de Nápoles, bem como o Cardeal Della Rovere, a quem apoiara em sua candidatura ao papado, em conflito com o Papa.

A despeito dos esplendores da corte pontifical, a condição de Roma tornou-se cada dia mais deplorável. A cidade fervilhava de aventureiros, assassinos, prostitutas e informantes, assassinatos e roubos eram cometidos com impunidade e o próprio Papa abandonou qualquer demonstração de decoro, indulgenciando com a caça, a dança e as peças teatrais. Um de seus companheiros mais próximos foi Cem, irmão do Sultão Bayazid II, mantido como refém. A visão geral na Itália era das mais ameaçadoras e o país encontrava-se à beira de uma invasão estrangeira.
Giulia Farnese, por Rafael Santi
Para garantir sua posição, o Papa Alexandre VI foi obrigado a fazer várias alianças, buscando ajuda com Charles VIII da França, aliado a Ludovico Sforza (chamado “o Mouro”, por sua pele escura), o Duque de Milão, “de fato”, que necessitava do apoio francês para legitimar o seu reinado. Como Ferdinando I ameaçou ir em auxílio do Duque “de direito” Gian Galeazzo, marido de sua neta Isabella, Alexandre VI encorajou o Rei Francês nos seus planos da conquista de Nápoles, disputado entre França e Espanha. Mas Alexandre VI, sempre pronto a engrandecer sua família, adotou uma dupla política. Com a intervenção do Embaixador da Espanha ele fez paz com Nápoles em julho de 1493 e consolidou a paz pelo casamento entre o seu filho Gioffre e Dona Sancha, outra neta de Ferdinando I. Ao mesmo tempo, para dominar o Sagrado Colégio de Cardeais, Alexandre VI, num movimento que causou enorme escândalo, criou 12 novos Cardeais, entre eles seu filho Cesare e Alessandro Farnese (posteriormente Papa Paulo III), irmão de uma de suas amantes, a bela Giulia Farnese.
Em 25 de janeiro de 1494 morre Ferdinando I e é sucedido por seu filho Alfonso II. Charles VIII então formulou pretensões oficiais sobre o Reino de Nápoles e o Papa Alexandre VI autorizou-o a passar através de Roma, ostensivamente, em uma Cruzada contra os turcos, sem mencionar Nápoles. Contudo, quando a invasão francesa tornou-se real, o Papa Alexandre VI alarmou-se e reconheceu Alfonso II como rei de Nápoles, concluindo com ele uma aliança em troca de vários feudos para seus filhos. Uma resposta militar aos franceses foi posta em ação mas sem sucesso e em 8 de setembro Charles VIII cruza os alpes e junta-se a Ludovico Sforza em Milão, avançando para Roma em novembro do mesmo ano. Alexandre VI apelou ao Cardeal Ascânio Sforza (irmão de Ludovico) e ao Sultão turco, tentando reunir tropas e colocando Roma em estado de defesa, mas sua posição era precária. Quando Orsini ofereceu admitir os franceses aos seus castelos, Alexandre não teve outra alternativa que não o estabelecimento de termos com os franceses. Em 31 de dezembro Charles VIII entrou em Roma com suas tropas, os Cardeais da facção francesa e Giuliano dela Rovere. Temeroso de que Charles pudesse depô-lo por simonia e reunir um Conselho para nomear um novo Papa, Alexandre VI conquistou o Bispo de Saint-Malo, com forte influência sobre o Rei, com um chapéu cardinalício. Concordou em enviar Cesare como emissário a Nápoles, junto com o exército francês, entregar Cem e a cidade de Civitavecchia a Charles VIII. A 28 de janeiro Charles partiu para Nápoles com Cem e Cesare, que logrou fugir para Spoleto. A resistência napolitano entrou em colapso e Alfonso II fugiu abdicando em nome de seu filho Ferdinando II que, abandonado por todos, fugiu também sendo o Reino de Nápoles conquistados com extrema facilidade.

Logo se estabeleceu uma forte reação contra Charles VIII pois as potências europeias estavam alarmadas com o seu sucesso. Em 31 de março de 1495 uma “Santa Liga” foi criada entre o Papa, o Imperador, Veneza, Ludovico Sforza e Ferdinando da Espanha, teoricamente para lutar contra os Mouros, mas na prática para expulsar os franceses da Itália. Charles VIII se havia auto coroado rei de Nápoles a 12 de maio mas poucos dias após iniciou sua retirada em direção ao norte, encontrando os aliados em Fornovo; após batalha sem vencedor, rompeu seu caminho através deles, chegando à França em novembro do mesmo ano. Logo em seguida, Ferdinando II foi reempossado em Nápoles com ajuda dos espanhóis.

(3) Mais adequadamente conhecido como o Balé das Nozes, refere-se a uma festa em Roma e, particularmente, a uma ceia oferecida no Palácio Papal por Don Cesare Borgia, filho do Papa Alexandre VI e Cardeal, em 30 de outubro de 1501. Cinquenta prostitutas ou cortesãs foram colocadas à disposição  dos convidados e, após o jantar, suportes com castiçais acesos foram dispostos no piso e nozes espalhadas pelo chão. As roupas das cortesãs foram leiloadas e as prostitutas e convidados rastejavam nús entre as lâmpadas buscando as nozes. Imediatamente após o espetáculo, membros do clérigo e outros convidados da festa iniciaram uma orgia sexual com as prostitutas. Um relato do banquete encontra-se preservado em diário, em latim, pelo Protonotário Apostólico e Mestre de Cerimônias Johann Burchard (Liber Notarum) e, segundo ele, “prêmios eram oferecidos – gibões de seda, pares de sapatos, chapéus e outras vestimentas – aos homens de maior sucesso com as prostitutas.

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