IV – A REPÚBLICA ROMANA
A República Romana, do latim res publica (coisa pública), é o termo utilizado, por convenção, para definir o Estado romano e suas províncias, desde o fim do Reino de Roma, em 509 AC, até o estabelecimento do Império Romano em 27 A.C. É desta época o surgimento da expressão Senatus Populesque Romanus (Senado e Povo Romano) ou sua sigla, mundialmente conhecida e ostentada em estandartes e bandeiras romanas, SPQR, que acabou por confundir-se com a República Romana.
Símbolo da República Romana |
Durante o período republicano, Roma transformou-se, de simples cidade-estado, em um grande império voltando-se, inicialmente, para a conquista da península Itálica e, mais tarde, para todo o mundo da orla do mar Mediterrâneo.
IV.1 - As Instituições Políticas da República Romana
Os patrícios organizaram o governo republicano de forma a, simultaneamente, monopolizar o poder político, em relação à plebe, e evitar qualquer tentativa absolutista. As instituições básicas da República eram o Senado, as Magistraturas e a Assembleia Centuriata.
O Senado era o órgão principal de governo, composto pelos patrícios mais ilustres. Conduzia a política interna e externa. Escolhia os magistrados e controlava o tesouro público. Os senadores eram vitalícios, mas não hereditários.
Os magistrados, escolhidos pelo Senado, eram referendados pela Assembleia Centuriata. Eram anuais (não podiam repetir a magistratura), de origem patrícia e nunca em número de apenas um para cada cargo.
Entre as magistraturas, o Consulado era a mais importante, com dois cônsules dotados de iguais poderes: dentro de Roma, o poder civil (potestas); fora de Roma, o poder militar (imperium). Assim, neutralizavam-se mutuamente, não havendo perigo de um deles assumir o poder absoluto. Em caso de crise, interna ou externa, excepcionalmente grave, os cônsules eram substituídos por um dictator (ditador). Na República Romana, o dictator (aquele que dita, sugere, inspira, impõe, prescreve) era um magistrado extraordinário (magistratus extraordinarius), com autoridade absoluta para realizar tarefas que iam além do magistrado ordinário (magistratus ordinarius). A ditadura era, portanto, uma magistratura legal e o ditador mantinha poderes absolutos delegados pelo Senado por um prazo máximo de seis meses, improrrogáveis.
Outros magistrados completavam o quadro das magistraturas: Questores, arrecadadores de impostos; Pretores, incumbidos da justiça civil; Edis, que cuidavam das obras públicas; Pontífices, encarregados das cerimônias religiosas oficiais. Estas magistraturas já existiam em 509 AC. Posteriormente, surgiram os Censores, que faziam o recenseamento da população e vigiavam a moral pública, e os Tribunos da Plebe, representantes da plebe junto ao Senado.
Como seria inevitável, o monopólio do poder, pelos patrícios, acarretou problemas para a plebe: constantes mobilizações para a guerra, impostos elevados, endividamento e escravidão por dívidas. Para os patrícios, a guerra trazia espólios em terras e escravos. E a plebe iniciou as suas reivindicações.
Para forçar os patrícios às concessões, os plebeus realizavam greves e ameaçavam abandonar a cidade, com isso obtendo, paulatinamente, várias concessões: os Tribunos da Plebe, a Lei das Doze Tábuas, que transformava as leis orais em escritas; a Lei Canuleia, que autorizava o casamento interestamental (casamento entre classes sociais diversas), até então proibido; mais tarde, os plebeus obtiveram o direito de ocupar as magistraturas inferiores até chegar ao consulado e à ditadura; a Lei Licínia Sextia proibiu a escravidão por dívidas; a Assembleia da Plebe (Comitium Plebis), enfim, escolhia os tribunos plebeus e discutia decisões senatoriais do interesse da plebe, votando o plebiscito.
As vitórias da plebe deram-lhe, praticamente, a igualdade política junto aos patrícios; mas isso ocorria nos meados do III século AC. Nessa época, os romanos já haviam conquistado toda a Itália e estavam iniciando as Guerras Púnicas (de que falaremos em seguida). Tais conquistas estavam mudando de tal maneira, a economia, a sociedade e a vida política de Roma, que o sentido da vitória política da plebe tornou-se praticamente nulo.
Como a expansão territorial provocou profundas transformações na vida econômica, social e política de Roma, costuma-se dividir esse período em duas fases: a primeira, que se estende até o século III AC, identificada com a conquista da península Itálica; e a segunda, que corresponde à formação do poderoso império mediterrâneo.
IV.2 – Conquista da Península Itálica
Durante a monarquia romana, Roma havia imposto o seu domínio no Lácio, conquistando Alba Longa e estendendo o seu território até a foz do rio Tibre.
No início do século V AC, o objetivo fundamental da aristocracia romana era manter sua hegemonia na região do Lácio, o que preocupava as cidades etruscas. Depois da queda da supremacia dos etruscos na península Itálica, em fins do período monárquico e início da República, aproximadamente 30 aldeias e tribos latinas, que ficavam próximas de Roma, formaram contra ela uma confederação, denominada Liga Latina, para fazer frente às suas pretensões expansionistas e assegurar sua mútua defesa.
Em 493 AC, na Batalha do Lago Regilo, Roma celebrou tratado de paz (denominado Foedus Cassianum, tratado de Cassio, em referência a Espurius Cassius, cônsul da República Romana no momento da assinatura do tratado) com a Liga, sem deixar claro se os latinos aceitavam Roma como mais um de seus membros ou se o tratado foi firmado entre ambos em pé de igualdade. Por ele, Roma e a Liga compartilhariam a pilhagem de suas conquistas militares (o que foi, mais tarde, um dos motivos para a Guerra Latina de 341 a 338 AC). O Tratado Também estabelecia que qualquer campanha militar conjunta seria comandada por generais romanos.
No entanto, pouco a pouco, foi-se afirmando a supremacia de Roma até que esta, em 338 AC, ao final da Guerra Latina, rompeu o tratado e dissolveu a Liga Latina. O território de algumas das cidades que a integravam foi incorporado a Roma, que as organizou sob a forma de tribos rurais. Com outras cidades foram firmados tratados (foedera), pelos quais, embora essas cidades mantivessem sua autonomia administrativa, não possuíam o direito de declarar guerra ou fazer paz (ius belli et pacis). Outras cidades mais próximas também foram incorporadas e organizadas em forma de tribos. Assim, além das quatro tribos urbanas criadas por Servius Tullius ao final do período monárquico, surgiram várias outras tribos rurais, perfazendo trinta e uma ao final do século III AC e atingindo o número final de trinta e cinco que não mais se alterou; novas tribos eram incorporadas a uma das 35 tribos já existentes.
De 327 a 290 AC, Roma guerreou três vezes contra os Samnitas[1] pelo domínio da fértil região da Campania. Na terceira guerra, os romanos enfrentaram e venceram uma coligação de samnitas, galos, etruscos e latinos, derrotaram-nos e acabaram com a independência samnita, passando a dominar totalmente o centro da península itálica. A maior parte dos samnitas acabou se aliando aos romanos.
Posteriormente, Roma controlou o norte da Etrúria, cujos domínios compreendiam a Itália central e parte da Itália setentrional. Quando a supremacia romana se estendeu ao Sul da Itália, algumas cidades gregas, como Nápoles, aliaram-se a Roma, enquanto outras, como a rica Tarento, próspera na indústria e comércio, declararam-lhe guerra.
Efígie do Rei Pirro |
Para conquistar essa região, os romanos atacaram Tarento, que pediu ajuda a Pirro, rei do Épiro (região da atual Albânia e parte da Grécia, sudoeste da península balcânica) e Macedônia (parte central da atual Península Balcânica, originalmente grega). Pirro chegou à península Itálica, em 280 AC, com um poderoso exército de 25.000 soldados e 20 elefantes de combate e derrotou os romanos em duas oportunidades, em Heracleia e Ásculo[2]. Mais tarde, os romanos reorganizaram suas forças e liquidaram o exército de Pirro durante a Batalha de Benevento. Em 272 AC, o Sul da Itália, incluindo Tarento, rendeu-se a Roma. Assim, toda a península Itálica, exceto o vale do rio Pó, no extremo norte, passou para o domínio romano.
Ao conquistarem uma região italiana, pelo menos um terço do território ocupado era apropriado pelo Estado, transformado em ager publicus (terras públicas) e depois distribuído aos cidadãos romanos, para várias finalidades: instalação de colônias, distribuição de lotes individuais ou ocupação pela aristocracia, que tinha os meios disponíveis para seu aproveitamento.
Graças ao enorme potencial humano e ao vasto império que dominava, Roma havia se convertido numa enorme potência. Sua influência viu-se fortalecida com a fundação de colônias estratégicas na Itália ligadas por uma importante rede de estradas. Estas colônias eram formadas por cidadãos romanos ou por latinos; os primeiros faziam parte do Estado romano, enquanto os demais eram seus aliados, independentes, porém com privilégios.
IV.3 – Expansão Externa
IV.3.1 Guerras Púnicas
A expansão de Roma fora do território da península Itálica teve início com as Guerras Púnicas, contra Cartago, antiga cidade-Estado fenícia[3], localizada no Norte da África, a leste do lago de Túnis, perto do centro de Túnis, na Tunísia.
Foi uma potência na Antiguidade, disputando com Roma o controle do mar Mediterrâneo. Com as Guerras Púnicas, começa a fase verdadeiramente histórica de Roma, cujos acontecimentos possuem registros documentados pelo historiador grego Políbio, que conviveu com os protagonistas romanos do conflito.
Comércio dos fenícios e Cartago |
Os ricos comerciantes cartagineses possuíam diversas colônias na Sicília, Sardenha, Córsega, Malta (ao sul Sicília) e Gozo (ao noroeste de Malta e parte desta república). Mais a oeste, eles tiveram colônias nas ilhas Baleares (a leste da Espanha), cujos nativos tiveram papel importante nas tropas cartaginesas. Na península Ibérica, colonizaram partes de Granada e Andaluzia (no sul da Espanha). Além do estreito de Gibraltar (saída do mar Mediterrâneo para o Atlântico, entre o sul da Espanha e o norte da África), eles conheciam, e talvez colonizaram as ilhas Canárias (costa africana a oeste do Marrocos) e conheciam a costa da África ocidental até o rio Senegal (que nasce na Guiné, penetra no Mali e deságua no Oceano Atlântico, já no Senegal).
Império de Cartago pré Guerras Púnicas |
Os conflitos entre Roma e Cartago iniciaram-se a partir da expansão romana pelo sul da península Itálica. O motivo da guerra foi o choque entre o expansionismo romano e o cartaginês. Quando Roma anexou os portos do Sul da península e os interesses de Nápoles e Tarento (colônias gregas rivais de Cartago) tornaram-se interesses romanos, a guerra passou a ser inevitável. Era quase certo que Roma, como líder dos gregos ocidentais, iria intervir na luta secular entre sicilianos e cartagineses.
A maior parte da ilha da Sicília era habitada por cartagineses, em luta constante com as colônias gregas ali existentes. Os romanos intervieram e uma de suas legiões, com o apoio de Siracusa, ocupou a cidade de Messina (ambas na Sicília). Os cartagineses declararam guerra a Roma[4].
As forças das duas potências eram bastante equilibradas, pois o poderio de ambas era sustentado por uma comunidade de cidadãos e um poderoso exército, fortalecido por aliados em caso de guerra. Nas três Guerras Púnicas (264 a 146 AC), os romanos venceram os cartagineses. Dominaram a Sicília, a Córsega e a Sardenha, além da península Ibérica, totalmente submetida a Roma após a vitória final, em 133 AC. Parte do Norte da África também foi subjugado pelos romanos, a partir da queda e destruição de Cartago, em 146 AC. Todo o Mediterrâneo ocidental passou ao domínio romano.
As antigas ruínas de Cartago |
Ao mesmo tempo em que se envolvia com as guerras púnicas, Roma voltou sua atenção para o Mediterrâneo oriental, onde o império formado por Alexandre, o Grande, havia se desagregado. Filipe V da Macedônia, aliado a Cartago na Segunda Guerra Púnica, apoiou Antíoco III, rei da Síria, contra Ptolomeu V Epifânio, rei do Egito e protegido de Roma. O cônsul Titus Quinctius Flamininus o derrotou na batalha de Cinocéfalo em 197 AC, tornando a Macedônia um protetorado romano. Mais tarde, seu filho, Perseu, reiniciou a luta contra os romanos, na chamada “revolta dos macedônios” e foi derrotado por Lucius Aemilius Paullus Macedonicus (168 AC), sendo então transformada em província romana.
Segue na PARTE 6
Segue na PARTE 6
[1] Os samnitas eram um
povo indo-europeu que se instalou no centro da península itálica, região
montanhosa do Samnio, cerca do ano 800 AC.
[2] Apesar de ter
derrotado duas vezes os romanos, Pirro sofreu tão pesadas baixas em seus
exércitos, que teria exclamado: "Mais
uma vitória como esta e fico sem
soldados". Daí se originou a expressão: "Vitória de
Pirro", para indicar uma batalha ou questão qualquer em que o vencedor perde
quase tanto quanto o vencido.
[3] A Fenícia
foi uma antiga civilização cujo epicentro se localizava ao norte da
antiga Canaã, ao longo das regiões litorâneas dos atuais Líbano, Síria e norte
de Israel. A civilização fenícia foi uma cultura comercial marítima
empreendedora, que se espalhou por todo o Mediterrâneo, durante o período entre
1500 e 300 AC. Os fenícios realizavam comércio através da galé, um barco movido
a velas e remos.
[4] É desta época a
famosa frase latina “Delenda Cartago” ou “Delenda est Cartago” – Cartago deve
ser destruída -, frequente e persistentemente proferida pelo senador romano Catão, de maneira quase absurda, ao encerramento de seus discursos.
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