V.1.2 – A Crise do Terceiro Século
Este foi o nome dado a uma série de acontecimentos catastróficos ocorridos no Império Romano ao longo do Século III, mais precisamente do ano 235 ao ano 284. Neste período, o império foi governado sucessivamente por cerca de dezoito imperadores "legítimos" (ver o anexo “Imperadores do Principado”). A maioria deles era de proeminentes generais que assumiram o poder imperial sobre todo ou parte do império, somente para perdê-lo por derrota em combate, assassinato, ou morte natural, governando, em média, apenas dois a três anos. O número exato de imperadores do período é desconhecido, pois não considera os nomeados junto com pais e colegas, além de desconsiderar os pretendentes.
Ao final do século II, uma guerra civil de sucessão aconteceu, que abalou profundamente o império. Na primeira metade do século seguinte, o império se manteve próspero e extenso, até que o poderoso Império Sassânida(1), ao leste, iniciou ataques ao Império Romano. No ano 260, foram capturados o imperador Valeriano e todo o seu exército de 70 mil homens e, sem muita defesa, as províncias do leste foram devastadas. A peste bubônica espalhou-se pelo império tornando-se uma epidemia. Além desses problemas, o Império Romano ainda iria se deparar com outro poderoso inimigo ao norte, os godos, povo de origem germânica, das regiões meridionais da Escandinávia. O avanço da peste e os fracassos militares do império eram tão frustrantes que o povo passou a buscar novas crenças e rituais para afastar os perigos, ao mesmo tempo em que se intensificou a perseguição aos cristãos, sempre culpados do infortúnio do momento.
Uma característica marcante observada na crise do terceiro século foi a fraqueza demonstrada pelos imperadores em manter, de forma prolongada, o controle sobre o império. Essa série de imperadores fracos foi, de certa forma, um reflexo da extensa militarização do império. Em outras palavras, Roma foi abandonando gradativamente seu caráter aristocrático, percebido anteriormente nos poderes investidos ao senado romano, para tornar-se um império militar. Esse processo de enfraquecimento do senado romano foi acompanhado pelo fortalecimento, cada vez maior, das legiões romanas nas decisões relativas à escolha dos imperadores, em função de seus interesses imediatos e, por consequência, na administração do império. Isso levou, inevitavelmente, à escolha de imperadores despreparados e incompetentes.
Foi também durante a “Crise do Terceiro Século” que algumas das Províncias Romanas efetivaram rebeliões contra o governo central e que mencionaremos de passagem, considerando que os imperadores que surgiram com essas rebeliões constam da “Relação dos Imperadores do Principado”.
Império das Gallias (verde) e Palmira (amarelo) no Império Romano (vermelho) |
a) O Império das Gallias
O Império das Gálias (em latim Imperium Galliarum) é o nome moderno dado à secessão das províncias romanas da Gália, Britânia, parte de Hispânia e parte de Germânia, do Império Romano durante a “Crise do Terceiro Século”, de 259 a 274, também conhecido como Império Galo-Romano.
Seu fundador, Marco Cassiano Latínio Póstumo, estabeleceu a capital do Império em Trier, no atual estado alemão da Renânia-Palatinado.
Em seu trono sucederam-se uma série de usurpadores que se proclamaram imperadores romanos e são conhecidos principalmente pelas moedas que cunharam. O imperador romano da época, Galiano, empreendia uma campanha contra os marcomanos(2) no médio Danúbio, enquanto o general Póstumo assumia a defesa da Récia (província romana na atual Suíça). O general aproveitou-se dessa posição e assumiu o trono imperial na Gália. O estabelecimento do Império das Gálias proporcionou uma resposta mais eficaz às invasões germânicas do que poderia oferecer o imperador Galiano, ocupado com a fronteira no leste e no Danúbio.
Imperador Póstumo |
O império das Gálias foi recuperado para Roma pelo imperador Aureliano, que com uma série de campanhas militares conseguiu restabelecer o poder imperial no Ocidente e também no Oriente, onde havia sido proclamado o Reino de Palmira.
Imperador Galiano |
b) O Império de Palmira
A Palmira (hoje chamada de Tadmor) era uma antiga cidade na Síria central, localizada num oásis a cerca de 210 km a nordeste de Damasco. Sua localização estratégica, aproximadamente ao meio da distância que vai do Mar Mediterrâneo até ao rio Eufrates, tornou-a um ponto de paragem obrigatório para muitas das caravanas que seguiam por aí a sua rota comercial. O nome "Palmira" refere-se, tal como o prenome feminino, às palmeiras, árvore que, supostamente, existiria aí em grande quantidade.
Palmira tornou-se parte da província romana da Síria durante o reinado de Tibério (14 a 37 DC). A cidade continuou a desenvolver-se e a ganhar importância até que se tornou uma cidade livre, sob o império de Adriano, em 129. No século III, a sua rainha, Septímia Zenóbia criou alguns embaraços ao Império Romano ao autoproclamar-se rainha do reino de Palmira (Império de Palmira); mas em 272, o imperador romano Aureliano capturou-a e levou-a para Roma. Depois de expô-la numa parada triunfal, acorrentada a cadeias de ouro, permitiu-lhe que se retirasse para uma vila em Tibur (hoje, Tivoli, Itália) onde continuou a ter um papel politicamente ativo, durante anos.
Imperador Aureliano |
c) Imperadores Ilírios
Não se tratando propriamente de uma dinastia, é antes de tudo um conjunto de imperadores romanos que, devido à sua origem comum, ficaram conhecidos como "Ilírios". A Ilíria é uma região histórica que corresponde, aproximadamente, à antiga Iugoslávia no período entre 268 e 285. Os imperadores Ilírios ficaram famosos também por serem quase todos militares. Com Cláudio II, o Gótico (268-270), inaugura-se precisamente essa época, em que quase todos os imperadores provinham da Ilíria, que compreendia a Dalmácia, região fortemente romanizada na costa do Adriático e toda a área montanhosa adjacente, também indelevelmente marcada pela ação civilizadora romana. Apesar da escassa duração deste período Ilírio, conseguiu-se nessa época restabelecer, pela força, a unidade do Império, então muito abalada. A sucessão desses imperadores pode ser vista na relação anexa (Imperadores do Principado). Os Ilírios foram, de fato, os últimos imperadores da unidade e da afirmação da coesão do Império, que não lhes sobreviveu como unidade geopolítica una e indivisível.
Com a crise do terceiro século, começaram as transformações que, mais de um século depois, levariam ao fim do período histórico conhecido como Antiguidade e o início da Idade Média. Foram os sucessos de Aureliano que, efetivamente, encerraram a Crise do Terceiro Século do Império Romano, rendendo-lhe o título de “Restaurador do Mundo”.
V.2 – O DOMINATO
O Dominato, palavra que se origina de dominus (senhor), é o período do Império Romano que vai de 284 DC, com Diocleciano, a 565 DC, data da morte de Justiniano. O Dominato foi uma monarquia despótica e militar, do tipo helenístico, sob a influência de ideias orientais, em que o princeps converteu-se em dominus, isto é, em amo ou governante absoluto, à frente de uma grande burocracia. Durante o Dominato, os imperadores mostravam claramente a sua condição, usando coroas, púrpuras e outros ornamentos imperiais. O imperador tornava-se "senhor e deus" e todos que eram admitidos em sua presença eram obrigados a ajoelhar-se e beijar a ponta do manto real. Extinguiu-se, com isso, o Principado: os civis haviam sido derrotados pelos militares.
O cargo de princeps já trazia, na realidade, o germe da situação de Dominato: fatos como a “apoteose” dos imperadores, o poder sem limites, e o lento declinar, por parte dos Romanos, da importância que davam a vida política entre iguais, contribuíram, de forma decisiva, para a adoção de uma monarquia oriental, especialmente bem sucedida no Império Romano do Oriente.
Imperador Diocleciano |
Durante o Dominato persistiram as dinastias (“Anexo 2 - Imperadores do Dominato”), que se iniciou com Diocleciano, em 284 DC e a sua constituição da Tetrarquia, em 293 DC. A Tetrarquia designa qualquer sistema de governo em que o poder esteja dividido entre quatro indivíduos, denominados "tetrarcas", e aplica-se, usualmente, à introduzida por Diocleciano, que perdurou até 313 DC, marcando a resolução da crise do século III e a recuperação do Império Romano.
A primeira medida importante de Diocleciano foi indicar Maximiano como seu augusto ou co-imperador, em 285. Não foi propriamente uma divisão de poder, pois, na realidade, Diocleciano estava em posição superior à de Maximiano; entretanto, a partir daí, o império passou a ter dois augustos (augusti), cada qual com exército, administração e capital próprios, embora Diocleciano continuasse a ser o chefe do Estado, representando a unidade do mundo romano. Com isso, o império foi dividido entre os sectores orientais (pars Orientis), sob o controle pessoal de Diocleciano, e ocidentais (pars Occidentis), governados por Maximiano.
Imperador Maximiano |
Oito anos mais tarde, em 293, dada a crescente dificuldade de conter as numerosas revoltas no interior do império, procedeu a uma nova divisão funcional e territorial, a fim de facilitar as operações militares: nomeou um imperador menos "graduado", denominado César, subordinado a cada imperador mais graduado (augusto). Como seu césar para o oriente, Diocleciano designou Galério; Maximiano fez o mesmo, nomeando Constâncio Cloro para o ocidente. A tetrarquia concretizou-se com a divisão do império em quatro territórios:
• Diocleciano controlava as províncias orientais e o Egito, com capital na Nicomédia (atual İzmit, na Turquia);
• Galério administrava as províncias balcânicas, com capital em Sirmium (atual Sremska Mitrovica, na Sérvia);
• Maximiano governava a Itália e a África Proconsular, com a capital em Mediolanum (atual Milão, na Itália);
Imperador Galerio |
• Constâncio Cloro, pai de Constantino I, recebeu a Hispânia, a Gália e a Britânia, com capital em Augusta Treverorum (atual Trier ou Tréveris, na Alemanha).
Os césares eram chefes militares capazes de governar e proteger o império, adotados como filhos pelos augustos, a quem sucederiam em caso de morte, de incapacidade provocada pela velhice ou decorridos vinte anos de seus governos. Lugares-tenentes dos augustos, os césares também possuíam capital, exército e administração próprios.
Com a abdicação de Diocleciano (305), teve início uma guerra entre os augustos e os césares por ele nomeados e a anarquia se instaurou. De 316 a 323, Constantino e Licínio governaram Roma. A partir de 324, Constantino passou a ser o único senhor de todo o império, valendo à pena escrevermos algumas linhas sobre ele, por razões que logo serão entendidas.
Imperador Constâncio Cloro |
Constantino I, também conhecido como Constantino Magno ou Constantino, o Grande, foi um imperador romano, proclamado Augusto pelas suas tropas em 25 de julho de 306, que governou uma porção crescente do Império Romano até a sua morte.
Quando Diocleciano e Maximiano abdicaram conjuntamente em 305, Constâncio (pai de Constantino) seria proclamado “augusto”, mas Constantino seria descartado como “césar” em proveito de Flávio Severo. Pouco antes da morte de seu pai, em 25 de julho de 306, Constantino conseguiu a permissão de Galério para reunir-se a ele no Ocidente, onde participou de campanha contra os “picts”, estando junto ao leito de morte de seu pai na Britânia, o que lhe permitiu impor o princípio da hereditariedade em seu proveito, proclamando-se "césar" e sendo reconhecido como tal por Galério, então "augusto" do Oriente. Assim, desde o início de seu reinado, Constantino tinha o controle da Britânia,Gália,Germânia e Hispânia, com sua capital em Trier, cidade que fez embelezar e fortificar.
Imperador Constantino I |
As guerras civis constantes e prolongadas fizeram de Constantino, antes de mais nada, um reformador militar, que, para aumentar o número de tropas a sua disposição imediata, constituiu o cortejo militar do imperador (comitatus) num corpo de tropas de elite auto suficiente - um verdadeiro exército de campanha —, principalmente pelo recrutamento de grande número de germanos que se apresentavam ao exército romano nos termos de diversos tratados de paz, a começar pelo chefe dos alamanos, Chrocus, que teve um papel decisivo na aclamação de Constantino como Augusto.
Constantino acabou, no entanto, por entrar na História como o primeiro imperador romano a professar o cristianismo, na sequência da sua vitória sobre o imperador Magêncio na Batalha da Ponte Mílvio, próximo de Roma, em 312, que ele mais tarde atribuiria ao Deus cristão. Constantino legalizou e apoiou fortemente a cristandade por volta do tempo em que se tornou imperador, com o Édito de Milão (3), sem tornar o paganismo ilegal ou fazer do cristianismo a religião estatal única. Na sua posição de Pontifex Maximus, estabeleceu as condições do seu exercício público e interferiu na organização da hierarquia, quando convocado.
Quando Licínio expulsou os funcionários cristãos da sua corte, Constantino encontrou um pretexto para enfrentar seu colega e, tendo negada a permissão para entrar no Império do Oriente, durante uma campanha contra os sármatas, fez disto a razão para derrotar e eliminar Licínio em 324, quando tornou-se imperador único.
Apesar de a Igreja ter prosperado sob o auspício de Constantino, ela própria decaiu no primeiro de muitos cismas públicos. Após ter unificado o mundo romano, Constantino convocou o “Primeiro Concílio de Niceia” (4), em um grande centro urbano da parte oriental do império, em 325, um ano depois da queda de Licínio, a fim de unificar a Igreja cristã, pois com as divergências desta, o seu trono poderia ficar ameaçado.
Para resolver definitivamente o problema logístico da distância entre a capital e as principais frentes militares da época, sem recorrer ao expediente de uma residência imperial "interina", Constantino reconstruiu a antiga cidade grega de Bizâncio, em maio de 330 chamando-a Nova Roma, dotando-a de um Senado e instituições cívicas semelhantes aos da antiga Roma. Entretanto, era uma cidade cristã onde encontrava-se o mausoléu onde Constantino seria sepultado. Os templos pagãos de Bizâncio foram nela preservados, mas foram proibidos os sacrifícios e o culto das imagens dos deuses. Após a morte de Constantino, Bizâncio foi renomeada Constantinopla – em sua homenagem -, gradualmente transformando-se na capital permanente do império romano, por mais de mil anos, sendo por isso considerado como um dos fundadores do Império Romano do Oriente. A fundação de Constantinopla foi complementada pelo tratado entre Constantino e seus descendentes e os godos que, a partir de 332, passaram a defender a fronteira do Danúbio, fornecendo homens ao exército romano, em troca de abastecimentos. A mudança da capital imperial enfraqueceu a influência do papado de Roma, fortalecendo a influência do bispo de Constantinopla sobre o Oriente, um dos eventos notáveis que provocaria, futuramente, o Grande Cisma do Oriente (5).
Além de derrotar os imperadores Magêncio e Licínio durante as guerras civis, Constantino lutou com sucesso contra os francos e alamanos, visigodos e sármatas, durante boa parte do seu reinado.
Constantino foi sucedido, em 337, por seus três filhos com sua esposa Fausta: Constantino II, Constante e Constâncio II, que dividiram entre si a administração do império até que, após uma série de lutas confusas, Constâncio II emergiu como “augusto” único.
Durante as décadas das dinastias Constantina e Valentiniana que se seguiram, o império foi dividido ao longo de um eixo leste-oeste, com dois centros de poder, um em Constantinopla e outro em Roma (logo falaremos sobre isso com mais detalhe). O reinado de Juliano, que tentou restaurar a religião helenística e romana clássica, apenas interrompeu, brevemente, a sucessão de imperadores cristãos. Teodósio I, que sucedeu à casa Valentiniana, o último imperador a governar Oriente e o Ocidente, em Constantinopla, morreu em 395 D.C., depois de, efetivamente, tornar o Cristianismo a religião oficial do Estado.
(1) O Império Sassânida foi o último Império Persa pré-islâmico, governado pela dinastia sassânida de 224 a 651 DC. O Império Sassânida, que sucedeu ao Império Parta, foi reconhecido como uma das principais potências da Ásia Ocidental e Central, juntamente com o Império Romano/Bizantino, por um período de mais de 400 anos.
(2) Os marcomanos constituíam uma tribo germânica com estreitas ligações aos suevos e que habitavam a região sul do rio Danúbio. As fontes romanas indicam que, no início da era cristã, as tribos marcomanas se estabeleceram na atual Boêmia, depois de terem sido derrotadas por Nero Cláudio Druso, general do imperador romano Augusto. No século II DC, os marcomanos federaram-se com outros povos (quados, vândalos e sármatas) para enfrentar o Império Romano. Sendo essencialmente guerreiros, os marcomanos empregavam também mulheres em combates.
(3) O Édito de Milão (313 DC), também referenciado como Édito da Tolerância, declarava que o Império Romano seria neutro em relação ao credo religioso, acabando oficialmente com toda perseguição sancionada oficialmente, especialmente do Cristianismo. O édito foi emitido em Milão, pelo tetrarca ocidental Constantino I e por Licínio, o tetrarca Oriental.
(4) O Primeiro
Concílio de Niceia foi um concílio de bispos cristãos reunidos na cidade
de Niceia da Bitínia (atual İznik, Turquia), pelo imperador romano Constantino
I em 325 DC. O concílio foi a primeira tentativa de obter um consenso da igreja
através de uma assembleia representando toda a cristandade. O seu principal
feito foi o estabelecimento da questão cristológica entre Jesus e Deus, o Pai;
a construção da primeira parte do Credo Niceno (credo ou profissão de fé, mais utilizado na liturgia cristã); a fixação da
data da Páscoa; e a promulgação da lei canônica (lei eclesiástica interna que rege as Igrejas Cristãs).
(5) O Cisma do Oriente, também chamado de Grande Cisma ou Cisma Ocidente-Oriente, foi a divisão definitiva da “Igreja Católica Apostólica” em “Igreja Católica Apostólica Romana” e “Igreja Ortodoxa”. O cisma ocorreu no ano de 1054, na cidade de Constantinopla.
Continua na Parte 9.
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