Homenagem ao lendário herói ancestral dos ingleses que deu título a um dos considerados "Cem Maiores Livros do Mundo" e tido como o mais antigo escrito em "Old English".

quarta-feira, 10 de junho de 2015

AS TRÊS PRIMEIRAS GRANDES CIVILIZAÇÕES MUNDIAIS: VALE DO INDO OU HARAPPIANA (PARTE 02)

III – GEOGRAFIA

O rio Indo nasce no Himalaia (ou Cordilheira do Himalaia), a cadeia montanhosa mais alta do mundo, que separa a planície indo-gangética, ao sul, do planalto tibetano, ao norte, onde reina, soberano, o Monte Everest. Do Himalaia o rio Indo escoa para o sul em direção ao mar da Arábia onde tem a sua foz, percorrendo uma distância aproximada de 3.000 km, o que o faz o mais longo rio do Paquistão.
Cordilheira do Himalaia e países relacionados à CVI 
A Civilização do Vale do Indo englobou a maior parte do Paquistão, noroeste da Índia, partes do Afeganistão e do Irã, estendendo-se do árido deserto do Baloquistão, no Irã, ao oeste, até o estado de Uttar Pradesh, ao norte da Índia, no leste; do nordeste do Afeganistão, ao norte, até Maharashtra, no centro da Índia, ao sul. A geografia do Vale do Indo coloca a civilização que lá surgiu, em uma situação muito similar à do Egito, com ricas terras cultiváveis, circundadas por montanhas, deserto e oceano. Recentemente, locais do Indo também têm sido descobertos na província de fronteira noroeste do Paquistão. Outras colônias da CVI podem ser encontradas no Afeganistão, enquanto colônias isoladas ainda menores podem ser encontradas até no Turquemenistão e em Gujarate. Vestígios da CVI foram ainda encontrados em muitos outros locais e até em ilhas da Ásia.
De acordo com alguns arqueólogos, mais de 500 sítios harappianos foram descobertos ao longo de leitos secos do rio Ghaggar-Hakra e seus tributários, em contraste a apenas 100 ao longo do Indo e seus tributários, razão pela qual se justificaria a nomenclatura Civilização Ghaggar-Hakra ou Civilização Indo Saraswati. Contudo, esses argumentos politicamente inspirados são disputados por outros arqueólogos que dizem que a área do deserto Ghaggar-Hakra foi mantida intocada por povoamentos e agricultura desde o final do período Indo e, em consequência, mostra mais locais que os encontrados no aluvião do vale do Indo; depois, o número de sítios harappianos ao longo dos leitos do Ghaggar-Hakra tem sido exagerado e o Ghaggar-Hakra, quando ainda existente, era um tributário do Indo, de forma que a nova nomenclatura seria redundante. Assim, “Civilização Harappiana” permanece a forma correta, de acordo com o uso arqueológico comum de nomear uma civilização pelo seu local de descoberta.

IV – HARAPPIANA ANTIGA

A fase Harappiana Antiga Ravi, da proximidade com o rio Ravi, durou de 3300 a 2800 AC. Está relacionada à fase Hakra, identificada no vale do rio Ghaggar-Hakra, ao oeste e se antecipa à fase Kot Diji (2800 a 2600 AC, Harappiana 2), recebendo o nome de um local no nordeste da província de Sindh, sudeste do Paquistão, próximo de Mohenjo Daro. Os primeiros exemplos de escrita datavam do 3º milênio AC e descobertas em Bhirrana, Rajasthan, na Índia, indicam que a manufatura do Hakra desta área, data de aproximadamente 7500 AC.
A fase madura das culturas de aldeias mais antigas é representada por Rehman Dheri e Amri, no Paquistão. Kot Diji representa a fase que conduz à fase Harappiana Madura, com a cidadela alta, sobre uma colina, onde ficavam as construções maiores, talvez o local onde viviam os governantes da cidade - representando a autoridade central e uma qualidade de vida urbana crescente. Outra cidade deste estágio foi encontrada em Kalibangan, na Índia, no rio Hakra.
Redes de comércio ligavam esta cultura com culturas regionais e fontes distantes de material cru, incluindo o lápis-lazúli e outros materiais para a confecção de contas. Os aldeões plantavam várias culturas, incluindo ervilhas, sementes de gergelim, tâmaras e algodão, bem como domesticava animais que incluíam o búfalo da água. Antigas comunidades harappianas se trnasformaram em grandes centros urbanos por volta de 2600 AC, daí iniciando a fase Harappiana Madura.

V – HARAPPIANA MADURA

Civilização do Vale do Indo em sua fase Harappiana Madura
Cerca de 2600 AC, as comunidades da Harappiana Antiga haviam se tornado grandes centros urbanos, que incluíam Harappa, Ganeriwala e Mohenjo-Daro, no Paquistão atual, e Dholavira, Kalibangan, Rakhigarhi, Rupar e Lothal, na Índia moderna. No total, mais de 1.052 cidades e povoações foram encontradas, principalmente na região geral do rio Indo e seus tributários.
Uma cultura urbana sofisticada e tecnologicamente avançada é evidente na Civilização do Vale do Indo, como primeiros centros urbanos da região. A qualidade do planejamento das cidades sugere o conhecimento de planejamento urbano e governos municipais eficientes, que punham uma alta prioridade na higiene ou acesso aos meios para rituais religiosos.
Ruínas em Harappa: bloco de artesãos
As construções nas cidades eram feitas de tijolos de barro e estas possuíam muralhas e estradas que podiam ter até 10 metros de largura para passagem de carros. As ruas laterais eram estreitas, mais como vielas. Como a água era muito importante para o povo do Indo, os construtores começavam as obras pela escavação de poços e lançamento de drenos.
Os tijolos eram feitos por pessoal especializado, que misturava solo, argila e água para conseguir um barro pastoso. Em seguida eles amassavam o barro numa forma de madeira com a forma do tijolo, onde ficava até que pudesse ser desenformado. Os tijolos podiam ser secos ao sol ou num forno rudimentar de alta temperatura que lhes conferia maior resistência. Os tijolos do Vale do Indo possuíam as mesmas relações entre suas dimensões, 1:2:4, embora tivessem tamanhos diferentes. Um tamanho muito utilizado possuía 7 cm de altura por 14 cm de largura e 28 de comprimento. Os tijolos eram dispostos em linha ou fila, extremidade a extremidade e atravessados, usando lama úmida como cimento para manter os tijolos unidos. As paredes eram, posteriormente, rebocadas, mas não se pode dizer se eram também pintadas. Suas paredes eram tão fortes que muitas resistiram por mais de 4.000 anos.
Visão global de Mohenjo-Daro
Paquistão Leste
Como visto em Harappa, Mohenjo-Daro e a recente escavação parcial em Rakhigarhi, o plano urbano do Vale do Indo incluiu os primeiros sistemas de saneamento urbano no mundo. Dentro da cidade, lares individuais ou conjuntos de lares obtinham água de poços. A partir de uma peça que parece ter sido reservada para banho, a água usada era conduzida para drenos cobertos, que corriam pelas ruas principais. A construção de casas em alguns povoamentos da região, ainda se assemelham, em alguns aspectos, à construção das casas dos harappianos.
Os sistemas de esgoto e drenagem do antigo Vale do Indo, que foram desenvolvidos e usados em cidades de toda a região, eram mais avançados do que qualquer outro encontrado em locais urbanos contemporâneos do Oriente Médio e ainda mais eficientes do que os de muitas áreas do Paquistão e da Índia de hoje. A arquitetura avançada dos harappianos é mostrada por seus estaleiros, silos, armazéns, plataformas de tijolos e muralhas de proteção.
Em forte contraste com as civilizações contemporâneas da Mesopotâmia e do Egito antigo, no Vale do Indo não foram construídas estruturas monumentais. Não há evidência conclusiva de palácios ou templos – ou de reis, exércitos ou sacerdotes. Na cidade de Mohenjo Daro, encontrou-se uma ruína que pode ter sido um banho público – “O Grande Banho”. As muralhas maciças das cidadelas do Vale do Indo certamente eram defensivas e as protegiam das águas das cheias, podendo ter desestimulado conflitos militares.
Ruínas de Mohenjo-Daro. Na frente, o Grande Banho
As casas do Vale do Indo eram mantidas frias, internamente, pelas espessas paredes que as protegiam do calor do verão. Algumas casas tinham apenas um quarto e grandes casas possuíam vários quartos dispostos em torno de um pátio central. Não havia janelas para a rua principal, mas apenas para os pátios internos e vielas secundárias, para evitar a poeira e o ruído. De uma casa modelo encontrada em Harappa, podemos ver que as janelas podem ter tido venezianas de madeira para deixar entrar o ar e a luz. Tudo o que resta hoje são os pisos térreos das casas que uma vez tiveram dois ou três pisos, servidos por escada que conduzia até o telhado.
A maioria das pessoas vivia em pequenas casas que eram também usadas  como oficinas de trabalhos e nelas não havia muito espaço para relaxamento. Para as famílias ricas, o pátio era um lugar arejado, agradável e aberto, onde as crianças podiam brincar com seus brinquedos e animais domésticos, como macacos, cães e pássaros, e as pessoas cultivavam plantas em vasos.
As pessoas cozinhavam em fogo de lenha, carvão ou fezes secas de animais. Assavam o pão em pedras quentes ou em fornos rudimentares. Nos banheiros as pessoas ficavam sobre “estrados” de tijolos e jogavam água sobre si mesmos, de uma jarra, que era conduzida por drenos para a rua.
Embora algumas casas fossem maiores do que as outras, as cidades da CVI foram notáveis por sua aparente uniformidade. Todas as casas tinham acesso a instalações de água e esgoto. Tudo isso fornece a impressão de uma sociedade com baixa concentração de riqueza, embora claro nivelamento social seja visto em adornos pessoais.
Gravuras em selos e outros artefatos, mostram-nos como o povo do Indo se vestia. Como praticamente as temperaturas eram altas durante todo o ano, as pessoas não necessitavam de roupas pesadas para mantê-las aquecidas. A maioria dos trabalhadores provavelmente vestia apenas uma tanga, que se assemelhava muito a shorts folgados. Homens ricos usavam túnicas e mulheres usavam vestidos que, provavelmente, cobriam a maior parte dos seus corpos, embora alguns pudessem ter sido sem a parte superior. Homens e mulheres usavam joias, especialmente contas e braceletes. Algumas mulheres ostentavam penteados elegantes, arranjados com fitas e contas. Algumas arranjavam seus cabelos em penteados que se assemelhavam a leques.

V.1 – AUTORIDADE E GOVERNO

Registros arqueológicos não fornecem respostas imediatas para um centro de poder ou para representações de pessoas no poder na sociedade harappiana, mas há indicações de decisões complexas tomadas e implementadas. As principais teorias são as que seguem:

  •     Havia um só estado, considerada a semelhança dos artefatos, a evidência de povoados planejados, a relação padronizada nos tamanhos dos tijolos e o estabelecimento das vilas próximas das fontes de material bruto;
  •        Não havia um só mandatário, mas vários: Mohenjo-Daro tinha um separado, Harappa outro e assim por diante;
  •        Na sociedade harappiana não havia reis e todos gozavam de idêntico status.


V.2 – AGRICULTURA E PECUÁRIA

A grande maioria dos povos do Vale do Indo não vivia em cidades. Talvez nove em dez pessoas fossem agricultores ou comerciantes que viviam em pequenas vilas. Usavam algumas ferramentas que ainda hoje são usadas: martelos, facas, agulhas, anzóis, machados, navalhas e serras, a maioria delas feita de pederneira. Usavam também muito cobre em suas ferramentas, em geral com estanho, para obter o bronze.
Para alimentar as pessoas nas cidades, os agricultores do Vale do Indo tinham que produzir uma grande quantidade de alimentos. Para isso cultivavam grandes áreas com o uso de seus arados de madeira puxados por bois. Muitos modelos de arado, possivelmente brinquedos, têm sido encontrados pelos arqueólogos. Os agricultores aproveitavam bem as águas dos rios, semeando após a inundação dos seus leitos maiores, que tornavam ricos seus solos. Plantavam diferentes espécies no inverno - ameno e úmido – e no verão – quente e seco. Foram, possivelmente, os primeiros agricultores a usar a água de poços subterrâneos e certamente terão usado água do rio para irrigar seus campos. No inverno plantavam trigo, cevada, ervilhas, lentilhas, linhaça e mostarda; no verão plantavam o painço, gergelim e, provavelmente, algodão; os especialistas não encontraram evidências do plantio de arroz. Como frutas, cultivavam tâmaras, uvas e melões, o que lhes proporcionava uma dieta bastante saudável, pela ingestão de mais frutas e vegetais do que animais.
Em Harappa as evidências mostram que cerca de metade dos ossos de animais vinha do gado e seus criadores dele exploravam o leite, a carne e também o couro, além de o usarem como animal de tração para seus carros, ao mercado, e seus arados. Criavam também ovelhas, cabras, porcos e, possivelmente, jumentos e camelos, além de frangos.
O “Grande Silo” é uma construção misteriosa em Harappa, com mais de 60 metros de comprimento, com seis grandes salões, erigida acima do solo sobre paredes, com um grande número de plataformas de tijolos próximas a ela. Inicialmente, os arqueólogos pensaram que se tratava de um armazém de grãos (silo), construído acima do solo para que o ar pudesse circular sob ele, assim mantendo o trigo seco. Nesse caso, as plataformas seriam para a carga e descarga dos carros de sementes. Entretanto, não encontraram qualquer evidência de grãos! Além disso, a construção principal e as plataformas foram construídas em épocas diferentes. Talvez fosse um palácio, talvez um templo, ainda um mistério a ser resolvido.
Rinocerontes e elefantes viviam no Vale do Indo e caçadores podiam tê-los caçados em armadilhas. Havia também veados e outros animais que os habitantes caçavam para alimento, com uso de lanças, arcos e flechas e fundas (com pedras).
Ao longo dos rios e praias os habitantes caçavam pássaros selvagens, como patos. Usavam as redes para apanhar carpas e outros peixes, e também se alimentavam de moluscos (conchas). Os caçadores tinham que ser cuidadosos porque havia predadores perigosos, como crocodilos, tigres e cobras venenosas.
Pelo exame dos dentes e ossos dos esqueletos descobertos, os arqueólogos puderam dizer o que os povos do Vale do Indo comiam, atestar que os homens eram mais bem alimentados do que as mulheres e que os dentes, da maioria das pessoas, eram saudáveis. Examinaram também valas de resíduos para ossos de animais, conchas, sementes de frutos e outros restos de comidas, para obter pistas de sua dieta.

Na próxima postagem, continuação da CVI, com a PARTE 03

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