I - INTRODUÇÃO
A
expressão “Civilizações Antigas”, em geral, evoca imagens do Egito e da
Mesopotâmia, suas pirâmides, múmias e túmulos dourados. Mas em 1920, uma imensa
descoberta, ao sul da Ásia, provou que Mesopotâmia e Egito não eram as únicas
“Civilizações Antigas”. Nas vastas planícies de inundação do Rio Indo,
localizadas no Paquistão de hoje e oeste da Índia, sob camadas de terra e
elevações de lama, arqueólogos descobriram as ruínas de uma cidade com cerca de
4.600 anos de idade. Uma próspera civilização urbana havia existido ao mesmo
tempo do Egito e Mesopotâmia, em uma área duas vezes maior! Evidências de
práticas religiosas nesta área, datam de 5500 AC. Os assentamentos agrícolas
começaram cerca de 4000 AC e cerca de 3000AC surgiram os primeiros sinais de
urbanização. Por 2600 AC, dúzias de vilas e cidades já tinham se estabelecido e
entre 2500 e 2000 AC a Civilização do Vale do Indo (CVI) atingiu o seu ápice.
Esse
povo do Vale do Indo não construiu monumentos imensos, como seus
contemporâneos, nem enterrou seus mortos poderosos em tumbas douradas. Não foram
encontradas múmias, nem restos de imperadores, nem vestígios de guerras
violentas ou batalhas sangrentas em seu território. Entretanto, a ausência de
tudo isso é que faz tal civilização tão excitante e única. Enquanto outras
haviam devotado imensas quantidades de tempo e recursos aos ricos, ao
supernatural e aos mortos, os habitantes do Vale do Indo usaram uma abordagem
prática para manter as pessoas comuns, seculares e vivas. Seguramente eles
acreditavam num após vida e empregavam um sistema de divisões sociais, mas
acreditavam que os recursos eram mais valiosos para circular entre os vivos do
que em exposições ou enterrados. Esta civilização parece ter sido muito
pacífica; poucas armas foram encontradas e nenhuma evidência de exército foi
descoberta. Os ossos escavados não revelaram sinais de violência e as ruínas de
construções não mostraram indicação de batalhas. Toda a evidência apontou a uma
preferência pela paz e sucesso para alcança-la. Assim, como uma civilização tão
prática e pacífica pode alcançar tanto sucesso?
Após
termos visto, com detalhes, duas das maiores civilizações da antiguidade,
iniciaremos hoje a apresentação da terceira e última. Não tão conhecida, nem
tão famosa - e ainda muito pouco estudada -, como as duas anteriores, mas
igualmente antiga e, novamente, como as duas primeiras, nascida às margens de
um grande rio, o vale do Rio Indo.
Figura 1: Localização Geral da Civilização do Vale do Indo |
Eu
gostaria de começar a apresentação, mostrando dois mapas, emprestados do Google
Earth, para que os leitores fiquem perfeitamente localizados. A Figura 1 mostra um mapa em pequena escala, onde
pode-se ver o Paquistão moderno, praticamente ao centro, país onde se localiza
o Vale do Rio Indo. Nessa figura pode-se ver, claramente, a individualização
deste país por uma linha branca, fazendo fronteira com a Índia a leste (à
direita) e com o Afeganistão e o Irã (onde ficava a região da Mesopotâmia,
primeira grande civilização apresentada), a oeste (à esquerda). Mais ainda para
o oeste, passando pelo Iraque e Oriente Médio, pode-se ver o Egito, segunda
grande civilização da antiguidade que apresentamos. Ao norte ele faria
fronteira com a China.
Figura 2: Foco na região do Vale do Indo, em verde |
Na
Figura 2, demos um “zoom” na foto do Google
Earth, para mostrar apenas o Paquistão moderno, ampliado, mas agora
perfeitamente visível, na superfície verde, o Vale do Rio Indo, berço da
terceira grande civilização da antiguidade, cuja apresentação iniciaremos agora.
A
Civilização do Vale do Indo foi uma civilização da Idade do Bronze (3000 – 1300
AC) que se estendeu, do que é hoje o nordeste do Afeganistão, ao Paquistão e
noroeste da Índia (Figura 3, abaixo),
cobrindo uma área de 1,25 milhões de quilômetros quadrados, assim representando
a maior das civilizações antigas que já existiu. Ela floresceu na bacia
hidrográfica do rio Indo, um dos maiores rios da Ásia, e do rio Sarasvati (hoje
seco) que à época corria através do noroeste da Índia e leste do Paquistão e é
hoje identificado como o rio Ghaggar-Hakra, por numerosos estudos.
Figura 3: Cidades da Civilização Indo com cidades modernas |
No
seu auge, a Civilização do Indo pode ter tido uma população de mais de cinco
milhões de habitantes, que desenvolveu novas técnicas em artesanato (produtos
de cornalina – pedra semipreciosa castanho-avermelhada -, entalhes em tabletes)
e metalurgia (cobre, bronze, chumbo e estanho). As cidades do Indo são notáveis
por seu planejamento urbano, casas de tijolos cozidos, sistemas de drenagem
elaborados, sistemas de abastecimento de água e agrupamentos de grandes
construções não residenciais.
As
ruínas de duas antigas cidades, em particular, Harappa, no alto vale do Indo, e
Mohenjo-Daro, no seu trecho inferior, ambas no Paquistão moderno, e os restos
de muitos outros povoamentos, têm revelado grandes pistas para os mistérios
dessa civilização. Harappa foi, de fato, uma descoberta tão preciosa que a
Civilização do Vale do Indo é também chamada de Civilização Harappiana. As
evidências sugerem que ambas tinham uma vida urbana altamente desenvolvida,
muitas casas contendo poços e banheiros, bem como um elaborado sistema de
drenagem subterrâneo. As condições sociais dos cidadãos eram comparáveis às dos
habitantes da Suméria e superiores às dos babilônios e egípcios e as cidades
dispunham de uma bem planejado sistema de urbanização.
Harappa
foi o primeiro dos locais a ser escavado em 1920, então em Punjab, província da
Índia britânica e hoje no Paquistão. Sua descoberta e, em seguida, a de
Mohenjo-Daro, foi o ponto culminante de um trabalho iniciado em 1861, com a
fundação do Archaeological Survey of India (Levantamento Arqueológico da Índia)
no regime britânico. A escavação de sítios harappianos iniciou em 1920 com
importantes interrupção em 1999. Houve culturas mais antigas e mais recentes – Harappiana
Antiga e a Harappiana Final, na mesma área da Civilização Harappiana. Esta é,
muitas vezes, chamada de Cultura Harappiana Madura, para distinguir das
anteriores. Em 1999, mais de 1.056 cidades e povoações tinham sido encontradas,
das quais 96 haviam sido escavadas, principalmente na região geral dos rios
Indo e do Sarasvati e seus tributários.
Figura 4: Em azul, algumas das cidades escavadas até 1999 |
Entre os locais escavados estavam os
importantes centros urbanos de Harappa, Mohenjo Daro (Patrimônio Histórico
Mundial da UNESCO), Dholavira, Ganeriwala no deserto de Cholistan e Rakhigarhi
(Figura 4).
II – DESCOBERTAS E CRONOLOGIA
As
ruínas de Harappa, um centro urbano da Civilização Indo, localizada na
província de Punjab, Paquistão, num leito antigo do rio Ravi, foram primeiro
mencionadas em 1842, mas nenhum interesse arqueológico surgiu por quase um
século. Após essa menção, por vários anos, ruínas de povoações próximas foram
usadas como lastro para estradas de ferro inglesas que estavam sendo
construídas. Em 1872 foi publicado o primeiro tablete (selo[1])
harappiano. Meio século após, em 1922, mais selos harappianos foram descobertos
quando se preparava uma expedição de escavação que sairia em 1921-1922,
resultando na descoberta da civilização em Harappa e em Mohenjo-Daro. As
últimas pesquisas revelaram pelo menos cinco montículos em Harappa, que
representações em três dimensões indicam ter sido circundadas por extensivas
muralhas; dois deles possuem grandes muralhas em torno, que indicam terem sido
usadas para regulamentações de comércio e para defesa.
Mohenjo-Daro é, provavelmente, o local mais conhecido do Indo. O significado do seu nome é “Cidade dos Mortos”, embora até hoje nenhum cemitério tenha sido encontrado na cidade ou suas proximidades. Localizado na província de Sindh, Paquistão, leito maior do rio Indokistan, está próximo das antigas minas de exploração de pederneira de Rohri. O rio Indo pode, em algum tempo, ter escoado a oeste de Mohenjo-Daro, mas está agora localizado a leste.
Vários
arqueólogos trabalharam na CVI antes da independência da Índia, em 1947. Após a
independência, a maior parte dos achados arqueológicos foram herdados pelo
Paquistão, onda a maioria da CVI estava baseada e outras expedições
arqueológicas foram montadas, até Sutkagan Dor, no extremo sudoeste do
Paquistão, para o norte até Shortugai (hoje já no Afeganistão), para o leste,
até Alamgirpur, longitude central da Índia, e para o sul até Malwan, na costa
da Índia em sua latitude central. Em 2010, pesadas cheias atingiram Haryana, na
Índia, causando danos no sítio arqueológico de Jognakhera, onde antigas
fundições de cobre foram encontradas, datando de quase 5.000 anos atrás. Nessa
ocasião, a CVI foi atingida por quase três metros de lâmina d’água, com o
rompimento de um canal.
A
fase madura da civilização harappiana durou de 2600 a 1900 AC. Com a inclusão
das culturas predecessora e sucessora – Harappiana Antiga e Harappiana Final -,
a completa Civilização do Vale do Indo pode ter durado do 33º ao 14º século AC.
Dois termos são empregados para a periodização da CVI: Fases e Eras. As fases
Harappiana Antiga, Harappiana Madura e Harappiana Final são também chamadas de
Eras de Regionalização, Integração e Localização, respectivamente, com a Era de
Regionalização retroagindo até o período Neolítico Mehrgarh II (um dos mais
importantes sítios arqueológicos do Neolítico). Abaixo a sequência completa de
Eras e Fases:
Datas
AC
|
Fases
|
Eras
|
7000–5500
|
Mehrgarh I (Neolítico sem cerâmica)
|
Produção inicial de alimentos
|
5500–3300
|
Mehrgarh II-VI (Neolítico com cerâmica)
|
Regionalização
|
3300–2600
|
Harappiana Antiga
|
|
3300–2800
|
Harappiana 1 (Fase Ravi)
|
|
2800–2600
|
Harappiana 2 (Fase Kot Diji, Nausharo I, Mehrgarh VII)
|
|
2600–1900
|
Harappiana Madura (Civilização do Vale do Indo)
|
Integração
|
2600–2450
|
Harappiana 3A (Nausharo II)
|
|
2450–2200
|
Harappiana 3B
|
|
2200–1900
|
Harappiana 3C
|
|
1900–1300
|
Harappiana Final (Cemitério H); Cerâmica Colorida Ocre
|
Localização
|
1900–1700
|
Harappiana 4
|
|
1700–1300
|
Harappiana 5
|
|
1300–300
|
Louça Cinza Pintada, Louça Polida Negra do Norte (Idade do
Ferro)
|
Tradição Indo-Gangética[2]
|
[1]
Selos eram peças chatas de pedra, de Harappa, com
escritos ou figuras. Hoje, mais de 3.500 selos já foram encontrados, em geral
quadrados ou retangulares e pequenos, com cerca de 2,5 cm de lado, feitas de
pedra sabão ou faiança, cozidas e após trabalhadas com ferramentas de cobre.
Pressionadas sobre argila macia, deixavam uma impressão e depois de secas
podiam ser utilizadas como etiquetas ou outras finalidades.
[2] A tradição
Indo-Gangética refere-se à cultura comum dos vales dos rios Indo e Ganges. O
Ganges é um rio internacional que flui pela Índia e Bangladesh e também o mais
sagrado rio dos hindus. É o salva-vidas de milhões de indianos que vivem às
suas margens e dele dependem para suas necessidades básicas diárias. É adorado
como a deusa Ganga no hinduísmo.
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