V.3 – TECNOLOGIA
O
povo da CVI alcançou grande precisão na medição de comprimento, massa e tempo.
Foram um dos primeiros povos a desenvolver um sistema uniforme de pesos e
medidas. Uma comparação de objetos disponíveis indica uma grande variação de
escala pelos territórios do Vale do Indo. Sua menor divisão, marcada sobre uma
régua de marfim, encontrada em Lothal, era de, aproximadamente, 1,704 mm, a
menor divisão já registrada numa escala na Idade do Bronze. Os engenheiros
harappianos seguiam a divisão decimal de medidas para todas as finalidades
práticas, incluindo as medições de massa, como revelado por seus pesos
hexaédricos.
Esses
pesos de pedra, com dimensões numa relação de 5:2:1, com pesos de 0,05; 0,1;
0,2; 0,5; 1,0; 2,0; 5,0; 10,0; 20,0; 50,0; 100,0; 200,0; e 500,0 unidades, com
cada unidade pesando, aproximadamente 28 g, similar à onça imperial inglesa ou
onça grega. Contudo, como em outras culturas, os pesos reais não eram uniformes
por toda a área. Os pesos e medidas mais tarde usados no século IV AC eram os
mesmos que os usados em Lothal.
Os
harappianos desenvolveram novas técnicas em metalurgia e produziram cobre,
bronze, chumbo e estanho. A sua habilidade na engenharia era notável,
especialmente na construção de docas.
Em
2001, arqueólogos estudando os restos mortais de dois homens de Mehrgarth,
Paquistão, descobriram que o povo da CVI, desde os primeiros períodos
harappianos, tinham conhecimento de odontologia. Posteriormente, em abril de
2006, foi anunciado no periódico científico “Natureza”, que a mais antiga (e
primeira do Neolítico antigo) evidência de perfuração de dentes humanos em
pessoas vivas havia sido encontrada em Mehrgarth. Onze coroas molares
perfuradas de nove adultos foram descobertas num cemitério neolítico em
Mehrgarth, datando de 7.500 a 9.000 anos atrás.
Um
conjunto de testes com traços de ouro foi encontrado em Banawali, provavelmente
usado para testes de pureza de ouro, tal como a técnica ainda usada em algumas
partes da Índia.
V.4 – ARTES E OFÍCIOS
Muitos
habitantes das cidades parecem ter sido comerciantes ou artesãos que conviviam
com outros de mesma ocupação em vizinhanças bem definidas. Materiais de regiões
distantes eram usados nas cidades para a confecção de lacres, contas e outros
objetos. Entre os artefatos descobertos achavam-se lindas contas de louça
vitrificada.
Figura da Dançarina (Dancing Girl) |
A
CVI não deixou templos ou tumbas como as pirâmides do Egito, nem grandes
estátuas de reis ou deuses, mas faziam pequenas figuras de pessoas e animais, usando metais e argila.
Várias esculturas, selos, cerâmica, joalheria de ouro e estatuetas
anatomicamente detalhadas em terracota, bronze e pedra sabão, têm sido
encontradas em locais de escavação. Algumas dessas, com meninas em pose de
dança, revelam algum tipo de dança. Essas estatuetas de terracota incluem também vacas, ursos,
macacos e cães.
Em
casa, os habitantes usavam tigelas, pratos, copos e vasos feitos de terracota,
possuindo também pratos de cobre, bronze ou prata. A maioria dos seus potes
eram simples, mas alguns deles eram decorados, usualmente com vermelho e preto.
Os fabricantes adicionavam faixas, padrões de folhas e flores e formas de
escamas de peixes. Alguns potes eram mesmo pintados em azul, vermelho, verde e
amarelo.
Trabalhadores
tinham diferentes ofícios: alguns faziam mós de pedra (para moer o grão
e fazer farinha), outros fiavam e teciam algodão em tecidos e sacolas de
algodão. Os trabalhadores urbanos faziam contas, cestas de pesca, potes, cestas
e tudo o mais que fosse necessário ao povo. As crianças aprendiam ofícios no
âmbito da família.
Trabalhos
em conchas, cerâmicas, contas de ágata e pedra sabão esmaltadas eram utilizados
na confecção de colares, pulseiras, colares, brincos, amuletos e broches, em
todas as fases dos sítios harappianos; alguns destes artefatos ainda são
produzidos hoje na região. Itens de maquiagem e toalete, pentes, colírios,
encontrados nos contextos harappianos, ainda têm contrapartidas similares na
Índia moderna. Foram também encontradas estatuetas femininas de terracota (de
2800 a 2600 AC), com cor vermelha aplicada à repartição dos cabelos. Em Harappa, os arqueólogos encontraram, o túmulo de
um homem enterrado com um colar com mais de 300 contas de pedra sabão. Mulheres
representadas nos selos são mostradas com elaborados penteados, portando
pesadas joias que sugerem que os povos do Vale do Indo eram um povo urbano que
cultivava gostos finos e uma refinada sensibilidade estética.
Vedas, base do sistema de escrituras sagradas do hinduísmo |
Selos
foram encontrados em Mohenjo-Daro representando uma figura equilibrando-se
sobre sua cabeça e outra sentada com as pernas cruzadas, em posição de Yoga.
Tal figura, às vezes conhecida como Pashupati, tem sido identificada de forma
variada. Se sua semelhança com o deus Hindú, Shiva, puder ser validada, seria
uma evidência de que alguns aspectos do Hinduísmo pré-datam os primeiros
textos, o Veda[1].
Um
instrumento semelhante à harpa, representado em um selo e dois objetos de
concha, encontrados em Lothal, indicam o uso de instrumentos musicais de corda.
Os harappianos também fizeram vários brinquedos e jogos, entre eles, o dado
cúbico (com um a seis furos em suas faces, as opostas sempre somando 7,
encontrados em locais como Mohenjo-Daro.
Uma
forma primária de xadrez pode ter sido jogada pelo povo do Vale do Indo.
Objetos com grades pintadas e peças de jogo foram encontradas em vários locais
da região, que poderiam ser os primeiros tabuleiros e peças de xadrez,
indicando a origem de tal jogo.
V.5 – COMÉRCIO E TRANSPORTE
A
economia da civilização do Indo parece ter dependido, significativamente, do
comércio, facilitado pelos avanços importantes na tecnologia do transporte. A
CVI pode ter sido a primeira civilização a usar transporte com rodas. Tais avanços
podem ter incluído os carros de boi, idênticos aos que são vistos por todo o
sul da Ásia de hoje, bem como barcos, a maioria dos quais, provavelmente,
pequenos, de fundo chato, talvez impelidos por vela, similares aos que podem
ser vistos no rio Indo hoje; mas há também evidências de embarcações marítimas.
Os arqueólogos descobriram um enorme canal dragado que pode ser visto como uma
estrutura para doca na cidade costeira de Lothal, na Índia ocidental, e também uma
extensiva rede de canais de irrigação.
De
4300 a 3200 AC (Idade do Cobre), a área da CVI mostra semelhanças cerâmicas com
o sul do Turquemenistão e norte do Irã, o que sugere uma quantidade
considerável de movimento e comércio. Durante o período Harappiano Antigo,
semelhanças na cerâmica, selos, estatuetas, ornamentos etc... documentam um
intenso comércio com a Ásia Central e o Platô Iraniano. A julgar pela dispersão
dos artefatos da CVI, as redes de comércio integravam, economicamente, uma área
enorme, que incluía porções do Afeganistão, as regiões costeiras da Pérsia, o
norte e o oeste da Índia e a Mesopotâmia. Há também evidência de que algum
contato tenha havido entre a CVI e o Oriente Próximo; conexões comerciais,
religiosas e artísticas foram registradas em documentos sumérios.
Estudos
a partir do esmalte de dentes de indivíduos enterrados em Harappa, sugerem que
alguns residentes haviam emigrado para a cidade, de além do Vale do Indo. Há
alguma evidência de que os contatos de comércio tenham se estendido a Creta e,
possivelmente, Egito.
Havia
uma extensiva rede de comércio marítimo operando entre as civilizações
harappiana e mesopotâmica desde a Fase Harappiana Média, com muito comércio
dirigido pelos “mercadores intermediários de Dilmun” (Bahrain e Failaka
modernos, no Golfo Pérsico). Tal comércio marítimo, a longa distância, foi viável, pelo desenvolvimento de embarcações construídas com pranchões, equipadas com um
só mastro central, suportando uma vela de pedaços costurados ou de tecidos.
Vários
vilarejos costeiros, como Sotkagen-Dor, Sokhta Koh e Balakot, no Paquistão, bem
como Lothal, na Índia, atestam seu papel como postos de comércio harappianos.
Portos rasos, localizados nos estuários de rios, permitiam um comércio marítimo
leve com cidades da Mesopotâmia.
O
povo do Vale do Indo não parece ter feito uso do cavalo. Não foi encontrada
evidência osteológica de restos de cavalos no subcontinente indiano antes de
2000 AC, quando os primeiros arianos [2] chegaram; cavalos também não foram
encontrados em selos harappianos e estatuetas de terracota.
V.6 – SISTEMA DE ESCRITA
A
escrita dos povos da CVI era feita com o uso de uma vareta, apontada, em argila
macia, ou uma ferramenta afiada para gravar marcas em pedra ou metal. É provável
que apenas poucas pessoas soubessem ler e escrever, como os escribas. Mas
talvez comerciantes pudessem ler o suficiente para saber o que estava escrito
nos selos. A maioria da escrita do Vale do Indo servia, possivelmente, ao
comércio, ao governo ou à religião.
A
Civilização do Vale do Indo tinha um Sistema de escrita que ainda permanece um
mistério, já que todas as tentativas para decifrá-lo falharam, sendo esta uma
das razões pelas quais sobre ela se sabe menos do que de qualquer outra
importante civilização da antiguidade.
De
400 a 600 símbolos distintos foram encontrados em selos, pequenos tabletes,
potes de cerâmica e mais de uma dúzia de outros materiais que incluem uma
tabuleta pendurada num portão da cidadela interna da cidade de Dholavira, no
Vale do Indo (todos esses locais podem ser vistos nos mapas apresentados até
agora).
As
inscrições típicas do Indo não têm mais do que quatro ou cinco caracteres de
comprimento, a maioria dos quais (fora a tabuleta de Dholavira) é pequena; a
mais longa de uma só superfície, menor do que uma polegada quadrada, tem 17
sinais; a mais longa de qualquer objeto encontrado, tem um comprimento de 26
sinais.
Enquanto
a CVI é geralmente caracterizada como uma sociedade literata, pela evidência
dessas inscrições, outros pesquisadores contestam que o sistema Indo não
representa uma linguagem, mas era similar a uma variedade de sistemas de sinais
não linguísticos extensivamente usados no Oriente Próximo e outras sociedades,
para simbolizar famílias, clãs, deuses e conceitos religiosos. Outros têm
alegado que os símbolos foram usados exclusivamente com finalidades comerciais,
alegação que deixa sem explicação o aparecimento de símbolos Indo em objetos
rituais, muitos dos quais foram produzidos em massa, em seus moldes. Nenhum
paralelo a essas inscrições em massa é conhecido em qualquer outra civilização
antiga.
Um
estudo de peritos no assunto, conduzido em 2009, chegou à conclusão de que o
padrão de escrita do Vale do Indo está mais próximo daquele das palavras
faladas, apoiando a hipótese de que ele se enquadra numa linguagem ainda não
conhecida. Evidentemente tais estudos também foram contestados por outros
especialistas.
As
mensagens encontradas nos selos têm sido sempre muito curtas para serem
decodificadas por um computador. Cada selo tem uma combinação distinta de
símbolos e há poucos exemplos de cada sequência para fornecer um contexto
suficiente. Os símbolos que acompanham as imagens variam de selo para selo,
fazendo impossível derivar um significado para os símbolos, a partir das
imagens. Tem havido, entretanto, um número grande de interpretações oferecidas
para o significado dos selos, mas sempre marcadas por ambiguidade e
subjetividade. Fotos de muitos dos milhares de inscrições existentes têm sido
publicadas no “Corpo de Selos e Inscrições do Indo” e as pesquisas,
relativamente novas, prosseguem.
V.7 RELIGIÃO
O
sistema de religião e crenças do povo do Vale do Indo têm recebido muita atenção,
especialmente com relação à identificação de precursores a deidades e práticas
religiosas de cultos indianos que mais tarde se desenvolveram na área. Por
exemplo, alguns deuses hindus apresentam semelhanças com os deuses mostrados
nos selos do Vale do Indo; o povo da CVI acreditava que a água era santa, como
os hindus acreditam que são purificados, num sentido religioso, quando se
banham nas águas sagradas do seu rio Ganges. Contudo, devido à escassez de
evidências, aberta a interpretações variáveis, e ao fato de que a escrita Indo ainda
não foi decifrada, as conclusões são muito especulativas e muito baseadas numa
visão retrospectiva de uma perspectiva hindu muito posterior.
Em
1931, foram identificadas as seguintes características da religião do Indo: um
importante deus masculino e uma deusa mãe; a deificação ou veneração de animais
e plantas; representação simbólica do pênis (linga) e da vulva (yoni);
e o uso de banhos e água em práticas religiosas. Essas interpretações foram
muito debatidas e algumas vezes disputadas pelas décadas seguintes.
Um
selo do Vale do Indo mostra uma figura com um ornato de cabeça de chifre,
sentada, possivelmente com o pênis ereto, rodeada por animais. A figura foi
identificada como uma forma primitiva do deus Shiva (ou Rudra), associado com
asceticismo, yoga e linga, visto como um senhor dos animais e muitas vezes
representado com três cabeças. O selo tem, desde então, sido conhecido como
Selo de Pashupati (Senhor dos Animais), um epíteto de Shiva. Como em muitos
outros, sobre este assunto o debate permanece aberto.
Outra
hipótese surgida foi a existência do culto de uma Deusa Mãe, baseada na escavação
de várias estatuetas femininas, imaginada como precursora da seita hindu do
Shaktism. Contudo, a função das estatuetas femininas na vida do povo do Vale do
Indo permanece obscura. Alguns dos baetylus
(pedras sagradas), consideradas representações fálicas, estão agora sendo
repensadas como sendo pilões ou contadores de jogos, ao passo que os aros de
pedra, imaginados como simbolizando yonis, foram admitidas como características
arquitetônicas usadas para fixar pilares, embora a possibilidade de seu
simbolismo religioso não possa ser eliminada. Muitos selos do Vale do Indo
mostram animais, muitos deles sendo carregados em procissões e outros como
criações quiméricas (fantasiosas). Um selo de Mohen-Daro mostra um monstro meio
humano, meio búfalo, atacando um tigre, que pode ser uma referência ao mito
sumério do monstro criado pela deusa Aruru para combater Gilgamesh. Outros
incluem elefantes, rinocerontes, tigres, crocodilos e zebus. O animal mais
representado é um ‘unicórnio’, uma besta mítica semelhante a um cavalo com um
só chifre. Algumas pessoas pensam que o ‘unicórnio’ do Vale do Indo possa ter
sido somente uma vaca vista de perfil e apenas um amuleto de boa sorte ou um
distintivo de importante grupo de mercadores.
Em
contraste com as civilizações contemporâneas da Mesopotâmia e do Egito, a do
Vale do Indo não possui palácios monumentais, embora as cidades escavadas
indiquem ter possuído o conhecimento de engenharia necessário. Nem Harappa, nem
Mohenjo-Daro, mostram qualquer evidência de altares com fogo, o que pode
sugerir que as cerimônias religiosas, se existissem, podiam ser confinadas aos
lares individuais, pequenos templos ou ao ar livre, ou que tais rituais, tão
críticos no hinduísmo, foram introduzidos posteriormente, pelos arianos. Vários
locais foram propostos pelos estudiosos como possivelmente devotados a
finalidades religiosas, mas atualmente, somente o Grande Banho de Mohenjo-Daro
é imaginado ter sido usado como local para purificação ritual. As práticas
funerárias da civilização harappiana são marcadas por sua diversidade, com
evidência do enterro de costas e da redução do corpo aos restos esqueléticos
por exposição dos elementos antes do enterro final e da cremação.
[1] Os Vedas são um grande corpo de textos originados na antiga Índia, compostos em sânscrito e constituindo a mais antiga camada da literatura sânscrita e os mais antigos escritos do hinduísmo. O Veda, para teólogos indianos ortodoxos, é considerado como revelações, de uma forma ou outra, trabalhos de deidades. Há quatro Vedas: o Rigveda, o Yajurveda, o Samaveda e o Atharvaveda, cada um deles subclassificado em em quatro tipo principais de textos.
[2] A palavra "ariano", ao referir-se a um grupo étnico, tem vários significados. Refere-se, mais especificamente, ao sub-grupo dos indo-europeus que se estabeleceu no planalto iraniano do final do terceiro milênio AC. Por extensão, a designação "arianos" passou a referir-se a vários povos originários das estepes da Ásia Central - os Indo-europeus - que se espalharam pela Europa e pelas regiões já referidas, a partir do final do neolítico. Até recentemente, acreditava-se que os arianos teriam invadido o subcontinente indiano por volta de 1500 AC, vindo do norte, pelo Punjabe, disseminando-se pela Índia, Pérsia e regiões adjacentes. Teriam sido os descendentes dos indo-europeus que fundaram a civilização indiana, subjugando as populações locais, dando origem ao sistema de castas e, mais especificamente, às castas dominantes dos brâmanes, xátrias e vaixás. A sua cultura teria ficado particularmente expressa nos Vedas e, principalmente, no Rig Veda, considerado como o mais antigo.
Na próxima postagem, finalização da CVI, com a PARTE 04
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