Homenagem ao lendário herói ancestral dos ingleses que deu título a um dos considerados "Cem Maiores Livros do Mundo" e tido como o mais antigo escrito em "Old English".

terça-feira, 10 de novembro de 2015

A REVOLUÇÃO RUSSA DE 1917 (Parte 2)

III – ALGO SOBRE A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL NA RÚSSIA

É impossível falar sobre a Revolução Russa sem falar na Revolução Industrial, iniciada no século XVIII, no Reino Unido, e propagada pelo mundo a partir do século XIX, e em seus desdobramentos: formação do proletariado, prática do “capitalismo selvagem” e evolução das ideias socialistas. A Revolução Industrial consistiu em um conjunto de mudanças tecnológicas com profundo impacto no processo produtivo em nível econômico e social. Ao longo do processo, a era da agricultura foi superada, a máquina foi superando o trabalho humano, uma nova relação entre capital e trabalho se impôs, novas relações entre nações se estabeleceram e surgiu o fenômeno da cultura de massa, entre outros eventos. Essa transformação foi possível devido a uma combinação de fatores, como o liberalismo econômico, a acumulação de capital e uma série de invenções, entre as quais sobressaiu a máquina a vapor. A Revolução Industrial consolidou o sistema capitalista e as relações de trabalho assalariado.
Como um grupo social novo, o proletariado demorou para adquirir consciência de classe, que lhe daria a coesão necessária para lutar por melhorias em suas condições de trabalho e de vida. Somente a partir de meados do século XIX começaram a se organizar os primeiros sindicatos e apenas em fins daquele século eles começaram a conquistar alguns direitos.
Com a miséria dos trabalhadores permanecendo sem expectativa de solução, alguns intelectuais (geralmente de origem burguesa, mas sensibilizados pela causa operária) começaram a criar teorias que propunham mudanças na estrutura econômica e social do capitalismo, com vistas a criar uma sociedade mais justa e menos diferenciada, assim surgindo as ideias socialistas. As primeiras teorias ficaram conhecidas pelo nome de socialismo utópico, porque não pregavam a destruição do capitalismo, mas apenas sua reforma; os socialistas radicais consideravam o capitalismo intrinsecamente mau, não aceitando a sua reforma, mas apenas a sua destruição. 
Karl Marx, o alemão inspirador da revolta
russa, que viveu a maior parte de sua vida
e morreu na Inglaterra.
O socialismo radical encontrou sua maior expressão em Karl Marx, criador do socialismo científico ou comunismo. Em sua teoria, o capitalismo deveria ser destruído por uma revolução proletária armada, que implantaria uma ditadura socialista. Nesta, a propriedade privada desapareceria e os meios de produção seriam coletivizados, criando o que Marx esperava fosse uma sociedade sem classes. Quando a revolução socialista se estendesse a todos os países, seria possível suprimir o Estado e estabelecer uma sociedade inteiramente igualitária: a sociedade comunista.
Embora o futuro tenha provado que o projeto de uma sociedade comunista era tão utópico quanto as teorias anteriores, o socialismo marxista seduziu milhares de intelectuais e milhões de operários e camponeses. Já em 1871, os comunistas, aliados aos socialistas utópicos e a uma facção de esquerda ainda mais radical — os anarquistas — realizaram aquela que se tornou a maior insurreição socialista antes da Revolução Russa de 1917: a Comuna de Paris. Mas a repressão do governo burguês foi implacável: 13.000 revolucionários foram fuzilados e quase 50.000, deportados.
Marx afirmava que a revolução socialista deveria triunfar nos países mais industrializados, onde o proletariado seria mais numeroso e organizado. Tal previsão falhou redondamente porque, nos países mais desenvolvidos, os operários já haviam conquistado certos direitos e benefícios, o que diminuiu seu entusiasmo por uma revolução armada. Restavam, portanto, os países atrasados, onde a exploração e a miséria dos trabalhadores ainda se encontravam no estágio do capitalismo selvagem e as condições para uma revolução proletária seriam mais favoráveis.
Nas reformas realizadas na Rússia, poucos camponeses receberam terras em quantidade suficiente. Apenas uma minoria de pequenos e médios proprietários, os kulaks[1], se beneficiaram. O restante da população do campo continuava formado por um miserável proletariado rural. O ambiente era adequado à difusão de ideias revolucionárias. O regime czarista governava o império com mão de ferro. Os opositores do regime eram perseguidos por um eficiente aparelho de repressão policial. Havia um controle severo sobre o ensino secundário, as universidades, a imprensa em geral.
Por isso tudo, o desenvolvimento industrial da Rússia começou tardiamente, em relação aos países ocidentais avançados, e apenas foi possível graças à participação de capitais estrangeiros principalmente ingleses e franceses. Mesmo assim, foi inferior ao das demais potências europeias. Em sua economia, as relações capitalistas de produção entrelaçavam-se com as do tipo feudal. O pagamento de juros sobre este capital fazia com que grande parte dos lucros não continuasse no país. Em 1877, dos 150 milhões de habitantes russos, apenas 1 milhão era de operários. Nesse clima, era fatal o surgimento de vários grupos de oposição ao sistema vigente.
Na Primeira Guerra Mundial, de 1914, o Império Russo uniu-se à “Tríplice Entente”, junto com a França e Inglaterra, contra a Tríplice Aliança, formada por Alemanha, Áustria-Hungria e o Império Turco-Otomano. A Rússia tinha interesse em obter um acesso ao Mar Mediterrâneo, e para isso pretendia anexar, sob a justificativa de proteger os “povos eslavos irmãos”, a península balcânica e os estreitos de Bósforo e Dardanelos, então sob domínio do moribundo Império Otomano. Porém a participação russa na 1ª Guerra Mundial foi desastrosa, sofrendo humilhantes derrotas para a Alemanha e abandonando a guerra, em 1917, com a assinatura do tratado de Brest-Litovsk. Isso só veio piorar a situação da Rússia já empobrecida, e toda a culpa pelo evento foi lançada às costas do Czar.

IV - AS CAUSAS GERAIS DA REVOLUÇÃO DE 1917

John Edward Christopher Hill, (6 de fevereiro de 1912 - 23 fevereiro de 2003), historiador inglês, membro do Partido Comunista da Grã Bretanha, aponta as seguintes “causas gerais” da Revolução Russa:
1) O desenvolvimento econômico do país era extremamente moroso, seu comércio e sua indústria encontravam-se nas mãos de estrangeiros e o grosso da produção era consumido pelo próprio estado. Isso retardou sobremaneira o desenvolvimento da burguesia e da classe média. A burguesia russa jamais atingiu a autonomia da burguesia ocidental, pois sua dependência do Estado era muito grande. O poder concentrado nas mãos do Czar pouco espaço deixava para o florescimento do liberalismo, que atingiu apenas uma pequena fração da população, justamente aqueles que já eram muito ricos.
2) A presença estrangeira no financiamento da industrialização russa, tornou a burguesia um apêndice do sistema internacional fazendo-a procurar proteção junto ao Czar (tarifas protecionistas, etc.).
3) A extraordinária concentração de operários nos grandes centros urbanos do país (perto de três milhões) e a superexploração a que estavam submetidos (o capitalista russo só sabia competir reduzindo os gastos e não implementando tecnologia, levando-os a forçar para baixo o padrão de vida dos operários).
4) Devido à exiguidade do espaço político, que o impedia de participar dos partidos e do parlamento, o operariado russo seguiu a estrada da revolução e não a do Reformismo.
Estes foram os fatores mais amplos, de estrutura, que terminaram por favorecer um tipo específico de Revolução. O colapso geral, deu-se com a entrada da Rússia na Grande Guerra. A incapacidade do czarismo em vencer e as insuportáveis condições internas, terminaram por fazer com que a eclosão do movimento revolucionário fosse incontrolável.
Apesar da Rússia ser, na época, um dos países mais poderosos do mundo em termos militares, só uma pequena parte da população (os nobres) tinha boas condições de vida. Os camponeses eram terrivelmente pobres e trabalhavam de sol-a-sol os seus terrenos sem poder possuí-los. As sucessivas derrotas em várias batalhas da Primeira Guerra Mundial e o descontentamento geral da população, fizeram com que a economia interna começasse a deteriorar-se. A instabilidade e a pobreza tiveram como consequência inevitável, uma revolta, a Revolução Bolchevique, que aconteceria em duas datas significativas: 1905 e 1917. Além disso, a Revolução de 1917, que definitivamente extinguiu o Czarismo, aconteceu em duas etapas e foi seguida por uma guerra civil que ceifou a vida de milhões de russos.

V - A REVOLUÇÃO DE 1905

Ao iniciar-se o século XX, o Império Russo apresentava um extraordinário atraso em relação às demais potências europeias. A economia ainda era basicamente agrária, praticada em latifúndios explorados de forma antiquada, através do trabalho de milhões de camponeses miseráveis. A industrialização russa foi tardia, dependente de capitais estrangeiros e se restringia a algumas grandes cidades. A sociedade russa era ainda mais desigual que a sociedade francesa às vésperas da Revolução de 1789. Havia o absoluto predomínio da aristocracia fundiária, diante de uma burguesia fraca e das massas camponesas marginalizadas. O proletariado russo era violentamente explorado; mas já possuía uma forte consciência social e política e estava concentrado nos grandes centros urbanos — o que facilitaria sua mobilização em caso de revolução.
O Império Russo era, oficialmente, uma autocracia (isto é, uma monarquia absoluta), com todos os poderes centralizados nas mãos do czar. Não havia partidos políticos legalizados, embora as agremiações clandestinas fossem bastante atuantes.
Pouco antes da Primeira Guerra Mundial, a Rússia tinha a maior população da Europa, com cerca de 171 milhões de habitantes em 1904. Defrontava-se também com o maior problema social do continente, qual seja, a extrema pobreza da população em geral. Enquanto isso, as ideologias liberais e socialistas penetravam no país, desenvolvendo uma consciência de revolta contra os nobres. Entre 1860 e 1914, o número anual de estudantes universitários cresceu de 5.000 para 69.000, e o número de jornais diários cresceu de 13 para 856.
Nicolau II da Rússia, o Czar da
Revolução Soviética
A população do Império Russo era formada por povos de diversas etnias, línguas e tradições culturais. Cerca de 80% desta população era rural e 90% não sabia ler e escrever, sendo duramente explorada pelos senhores feudais. Com a industrialização, foi-se estabelecendo, progressivamente, uma classe operária, igualmente explorada, mas com maior capacidade reivindicativa e aspirações de ascensão social. A situação de extrema pobreza e exploração em que vivia a população tornou-se assim um campo fértil para o florescimento de ideias socialistas.
Em 1904-5, a Rússia entrou em guerra com o Japão, disputando territórios sobre a região chinesa da Manchúria, no Extremo Oriente, e foi por ele derrotada. As duras condições de vida da maioria da população, a corrupção que reinava na corte e a desastrosa derrota frente aos japoneses, tornaram a situação interna russa mais conflitante e a insatisfação popular se manifestou por meio de greves e motins nas principais cidades, dando origem à Revolução de 1905, que pode ser, resumidamente, descrita por três episódios distintos, todos extremamente significativos:
O encouraçado Potemkin ancorado em
Constança, Romênia, julho de 1905
O primeiro episódio ficou conhecido como a revolta do “Potemkin”, um encouraçado pertencente à frota russa do Mar Negro. Sua tripulação rebelou-se em junho de 1905, ao saber que seria enviada para lutar contra os japoneses. Os demais navios da esquadra não aderiram à revolta do “Potemkin”, cujos tripulantes acabaram refugiando-se na Romênia. De qualquer forma, tratava-se de um motim em uma grande unidade da Marinha Russa, evidenciando que as Forças Armadas já não podiam ser consideradas sustentáculos fiéis da Monarquia.
O segundo deles ficou, posteriormente, conhecido por “Domingo Sangrento”. Em 9 de janeiro, um domingo, uma manifestação pacífica de milhares de operários de São Petersburgo (então capital da Rússia), que pedia audiência ao Czar, foi violentamente dispersada, a bala, pela Guarda Imperial (Cossacos), com centenas de vítimas. Esse acontecimento abalou profundamente a confiança do povo em seu imperador e serviu de pretexto para uma série de revoltas no país inteiro. 
O "Domingo Sangrento", 9 de janeiro de 1905, São Petersburgo
O terceiro episódio foi a greve geral promovida pelos operários de São Petersburgo, Moscou e Kiev. Apesar da repressão militar, os trabalhadores resistiram por algumas semanas, sobretudo em Moscou. Dois fatos importantes ocorreram durante essa greve: foram organizados os primeiros sovietes (conselhos) de trabalhadores e houve operários que se defenderam a bala, mostrando que estavam se preparando para uma insurreição armada.
Em 1906, tendo em vista os abalos produzidos pela Revolução de 1905 e pela derrota frente ao Japão, o czar Nicolau II resolveu criar a Duma[2], como um primeiro passo em direção à liberalização. Tratava-se de uma Assembleia Legislativa com poderes extremamente limitados e tal medida surtiu escasso efeito, visto que os partidos eram sistematicamente vigiados e a Duma era controlada pela aristocracia e pelo Czar, que podia dissolvê-la a qualquer momento; além disso, como era censitária, seus deputados representavam apenas 2% do total da população.

O POSDR

O Partido Operário Social-Democrata Russo (POSDR) foi um partido político fundado em 1898, em Minsk (hoje, a capital e maior cidade da Bielorrússia), de modo a unir as várias organizações revolucionárias em um partido único. Ao final do primeiro congresso, em março de 1898, todos os nove delegados foram presos. O POSDR foi criado para fazer oposição aos narodniks e o seu populismo revolucionário, que privilegiava o campesinato. Já o programa do POSDR era baseado nas teorias de Karl Marx e Friedrich Engels - que diziam que, apesar da natureza agrária russa, o verdadeiro potencial da revolução estava no proletariado.
Antes do Segundo Congresso, um jovem intelectual, Vladimir Ilyich Ulyanov, entrou no partido, usando o pseudônimo Lênin. Em 1902 ele havia publicado “Que fazer?”, em que expunha suas ideias sobre as tarefas do partido e sua metodologia e afirmava não bastar uma luta por uma simples reforma salarial ou jornada de trabalho.
Em 1903 o Segundo Congresso reuniu-se na Bélgica numa tentativa de criar uma organização unida. Lênin teve a chance de afirmar suas posições políticas: os socialistas deveriam lutar por uma estrutura de poder centralizada; trabalhar sem alianças com outras agremiações políticas; e só aceitar no partido os versados na doutrina marxista. Na ocasião, Lênin reiterou as posições políticas que vinha defendendo na revista "Iskra", órgão de imprensa dos ativistas revolucionários, propondo-se a assumir o seu controle editorial.
Lênin foi contestado, em todas as propostas, por seu amigo e aliado, Martov, também responsável pela edição da revista. Lênin teve apoio majoritário e o partido se dividiu em duas facções irreconciliáveis, em 17 de Novembro: os Bolcheviques (maioria, em russo), liderados por Lênin; e os Mencheviques (minoria, em russo), liderados por Julius Martov. Na verdade, os Mencheviques obtiveram o apoio da maioria dos delegados ao congresso, pois eram, de fato, a maior facção; entretanto, a maior parte do comitê central, instância máxima de decisão do partido, optou por apoiar as ideias de Lênin.
Os mencheviques, liderados por Martov, defendiam que os trabalhadores podiam conquistar o poder participando normalmente das atividades políticas. Acreditavam, ainda, que era preciso esperar o pleno desenvolvimento capitalista da Rússia e o desabrochar das suas contradições, para se dar início efetivo à ação revolucionária.
Os bolcheviques, liderados por Lênin, defendiam que os trabalhadores somente chegariam ao poder pela luta revolucionária. Pregavam a formação de uma ditadura do proletariado, na qual também estivesse representada a classe camponesa.
Pouco depois de os Bolcheviques terem chegado ao poder durante a Revolução Russa de 1917, mudaram o seu nome para o Partido Comunista de Toda a Rússia (Bolcheviques) em 1918 e passaram a ser conhecidos apenas como Partido Comunista da União Soviética – PCUS a partir daí. No entanto, não seria antes de 1952 que esse partido removeria formalmente a palavra Bolchevique do seu nome.
No Brasil, Bolcheviques ou Bolchevistas são usados como sinônimos.


Até 1905, o sistema político da Rússia czarista não possuía partidos políticos, com todo o poder concentrado nas mãos do imperador. As medidas adotadas à época, embora significativas do ponto de vista político, não alteravam o quadro social da maior parte da população russa. Foi nesta ocasião que emergiram com força os Sovietes e o Partido Operário Social-Democrata Russo (POSDR – ver o quadro acima), dividido entre Mencheviques e Bolcheviques. Tal quadro político-social foi profundamente alterado pela deflagração da Primeira Guerra Mundial.

[1] Kulak era um termo pejorativo, usado no linguajar político soviético, para se referir a camponeses relativamente ricos do Império Russo, que possuíam grandes fazendas e faziam uso de trabalho assalariado em suas atividades. 
[2] A Duma, foi extinta em 1917 com a Revolução Russa. Com o fim da União Soviética, a Duma foi restabelecida, em 1993, pelo então presidente Boris Iéltsin, após a sua vitória política na Crise constitucional daquele ano. Atualmente, junto com o Soviete da Federação (Câmara Alta), a Duma (Câmara Baixa) forma o Legislativo da Federação Russa. Sua sede encontra-se em Moscou e é composta por 450 deputados, eleitos para mandatos com a duração de quatro anos.

Continua na próxima postagem com a Parte 3.

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