VII.2 – DECLÍNIO E DERROTA DOS MUÇULMANOS
Durante o século IX, os berberes retornaram à África, como consequência das revoltas no mundo muçulmano. Muitos governadores de grandes cidades distantes da capital, Córdoba, tinham planejado estabelecer suas independências. Então, em 929, o Emir de Córdoba, Abd-ar-Rahman III, o líder da dinastia Omíada, declarou-se Califa, independente dos Abássidas de Bagdá. Tomou os poderes militar, religioso e político, reorganizando o exército e a burocracia. Após ganhar o controle sobre os governadores dissidentes, Abd-ar-Rahman III tentou conquistar os reinos cristãos remanescentes na Ibéria, atacando-os várias vezes e empurrando-os para além das Montanhas Cantábricas (cordilheira ao norte da Espanha, com 480 km de extensão). Seu neto tornou-se um fantoche nas mãos do grande Vizir Almanzor (al-Mansur), que empreendeu várias campanhas atacando e saqueando Burgos, Leão, Pamplona, Barcelona e Santiago de Compostela, antes de sua morte, em 1002. Entre sua morte e 1031, o Al-Andalus sofreu muitas guerras civis, que terminaram com a divisão nos Reinos Taifas, já mencionados, 34 (trinta e quatro) pequenos reinos centrados em suas capitais. Seus governadores não possuíam visão de escala sobre a presença moura na península e não tinham receio de atacar os reinos vizinhos sempre que pudessem tirar vantagem disso. Essa divisão em reinos menores enfraqueceu a presença islâmica e os reinos cristãos avançaram quando Alfonso VI conquistou Toledo em 1085. Cercados por seus inimigos, os governantes taifa enviaram um apelo desesperado ao chefe berbere Yusuf ibn Tashfin, líder dos Almorávidas.
Cronograma geral da Reconquista, já com o Reino de Astúrias ampliado para Reino de Leão e Navarra |
Os Almorávidas eram uma milícia muçulmana, primariamente composta por berberes e mouros africanos e, diferentemente dos governadores muçulmanos anteriores, não tão tolerantes com os cristãos e judeus. Seus exércitos entraram na Ibéria em várias ocasiões e derrotaram o rei Alfonso em 1086, na Batalha de Sagrajas, mas seu objetivo inicial era unir as taifas num só califado Almorávida. Suas ações retardaram a expansão dos reinos cristãos e sua única derrota ocorreu em Valência, 1094, pelas ações de El Cid.
Enquanto isso, Navarra perdia toda sua importância sob o rei Sancho IV, que perdeu Rioja para Sancho II de Castela e quase tornou-se vassalo de Aragão. Com sua morte os navarrenses escolheram para seu rei Sancho Ramirez, rei de Aragão, que se tornou Sancho V de Navarra e I de Aragão (1063). Sancho Ramirez ganhou reconhecimento internacional para Aragão, unindo-o a Navarra e expandindo as fronteiras para o sul, conquistando Huesca (nordeste da Espanha) em 1096 e construindo o forte El Castelar, a 25 km de Zaragoza.
A Catalunha esteve sob intensa pressão das taifas de Zaragoza e Lérida, bem como de disputas internas, pois Barcelona sofreu uma crise dinástica que conduziu à guerra entre os condados menores. Mas pela década de 1080, a situação havia se acalmado e o domínio de Barcelona foi restaurado.
Após um breve período de desintegração, os Almóadas, poder em ascensão no norte da África, descontentes com o insucesso dos Almorávidas, tomaram a maioria do Al-Andalus. Os papas chamaram os cavalheiros da Europa às Cruzadas na Península, fazendo com que exércitos da França, Navarra, Castela, Portugal e Aragão se unissem contra as forças muçulmanas, decisivamente derrotando os Almóadas na Batalha das Navas de Tolosa, em 1212, que assim perderam quase todas as terras remanescentes do Al-Andalus nas décadas que se seguiram. Por 1252, somente o reino de Granada permanecia como um estado muçulmano soberano na Península Ibérica.
A capitulação de Granada em 1492: Fernando e Isabel e Muhammad XII |
O reino mouro de Granada ainda continuaria por quase três séculos, ao sul da Ibéria. Fernando e Isabel, que herdaram os reinos de Aragão e Castela, respectivamente, eram primos, casaram-se em 1469 e completaram a Reconquista com a guerra contra o Emirado de Granada, iniciada em 1482 e encerrada com a rendição de Granada em 2 de janeiro de 1492. Os habitantes mouros não receberam qualquer ajuda militar ou resgate de outras nações muçulmanas. Os mouros, em Castela, chegaram a atingir meio milhão de pessoas dentro do reino. Por 1492, 100.000 (cem mil) haviam morrido ou sido escravizados, 200.000 (duzentos mil) haviam emigrado e 200.000 (duzentos mil) permaneceram em Castela. Muito da elite muçulmana, considerando o domínio cristão intolerável, emigrou para Tlemcen, noroeste de Argélia, norte da África. Os judeus restantes também foram forçados a deixar a Espanha, converterem-se à cristandade católica romana ou serem mortos por se recusarem.
O Palácio Real de Alhambra, Granada, Espanha |
Diz-se que os muçulmanos lamentam, anualmente, a perda de Granada, com seu maravilhoso palácio e jardins de Alhambra, seu palácio real na cidade. Na Espanha, festas anuais comemoram a vitória. O ano de 1492 foi um ano significativo não apenas para a Espanha, mas globalmente. Ele marcou o fim do domínio muçulmano no Al-Andaluz, a expulsão de judeus e muçulmanos e a viagem de Cristóvão Colombo às Américas. Em seu diário, Colombo colocou sua aventura no contexto da conquista de Granada por seus benfeitores. Argumenta-se que o sucesso dos espanhóis no que eles viram como uma cruzada contra o Islamismo, forneceu o estímulo e o ímpeto para as suas conquistas do Novo Mundo, o que eles fizeram “com a espada numa mão e a Bíblia na outra, a partir do seu recente triunfo sobre os muçulmanos”.
VIII – O REPOVOAMENTO CRISTÃO DA PENÍNSULA IBÉRICA
A Reconquista foi um processo não somente de guerra e conquista, mas também de repovoamento. Os reis cristãos moveram seus próprios povos para localidades abandonadas pelos muçulmanos, para ter uma população capaz de defender as fronteiras. As principais áreas de repovoamento foram a bacia do Douro (planalto norte), o alto vale do Ebro (La Rioja) e a Catalunha central. O repovoamento da bacia do Douro teve lugar em duas fases distintas: na área norte da bacia, entre os séculos IX e X, o sistema de presura foi empregado; no sul do Douro, nos séculos X e XI, a presura conduziu aos fueros ou forais, que também foram usados ao sul da Cordilheira Central.
Os reis católicos Fernando e Isabel, de Aragão e Castela |
A presura se referia a um grupo de camponeses que atravessavam as montanhas e se estabeleciam nas terras abandonadas da bacia do Douro. As leis Asturianas promoveram esse sistema, por exemplo, outorgando a um camponês toda a terra que ele poderia cultivar e defender como sua propriedade. Claro que os nobres menores, da Galícia e Astúrias enviaram suas próprias expedições com os camponeses que eles mantinham, conduzindo a muitas áreas feudalizadas, como Leão e Portugal, enquanto Castela, uma área árida com vastas planícies e clima severo, somente atraiu camponeses sem esperanças de irem para Biscaia (província da Espanha ao norte da comunidade autônoma do País Basco). Por consequência, Castela era governada por um só conde, mas com território predominantemente não feudal, com muitos camponeses livres. A presura também surgiu na Catalunha, quando o conde de Barcelona ordenou ao bispo de Urgell e ao conde de Gerona que repovoassem as planícies de Vic (capital da comarca de Osona, província de Barcelona, Catalunha).
Do século X em diante, as cidades grandes e pequenas ganharam mais importância e poder, à medida que o comércio ressurgia e a população continuava crescendo. Os fueros, conforme já comentado anteriormente, eram documentos que relacionavam os privilégios e usos concedidos a todo o povo que repovoava uma cidade, e forneciam uma forma de escapar do sistema feudal, pois eram concedidos somente pelo rei. Como resultado, o conselho da cidade era dependente somente do monarca e, em troca, deviam fornecer ajuda ou tropas ao seu rei. A força militar das cidades transformou-se nos caballeros villanos (cavalheiros das vilas). O primeiro fuero foi dado ao conde Fernán Gonzales para os habitantes de Castrojeriz, na década de 940. As mais importantes cidades da Ibéria medieval tinham fueros ou forais. Em Navarra os fueros foram o sistema mais importante de repovoamento. Mais tarde, no século XII, Aragão também empregou o sistema, por exemplo, o fuero de Teruel, um dos últimos, no início do século XIII. Do meio deste século para diante, não foram concedidas mais cartas, pois a pressão demográfica havia desaparecido e outros meios de repovoamento foram criados.
A língua falada nas partes da Península sob o domínio muçulmano, era o árabe andaluso, extinto com a expulsão dos mouriscos (descendentes da população muçulmana espanhola convertida ao cristianismo), mas cuja influência na língua espanhola, até hoje é encontrada.
Embora o número de muçulmanos colonizadores (em sua maioria mouros) fosse pequeno, muitos habitantes ibérios nativos se converteram ao islamismo. Pelo ano 1000, cerca de 5 milhões dos 7 milhões de habitantes, a maioria deles descendentes de ibérios nativos convertidos, eram muçulmanos. Havia também africanos do sub Saara, que haviam sido absorvidos no Al-Andalus para serem usados como soldados e escravos. O Califado de Córdoba entrou em colapso em 1031 e o território muçulmano na Ibéria caiu sob o domínio do Califado Almóada em 1153. Este segundo estágio foi guiado por uma versão do islamismo que deixou para trás as práticas mais tolerantes. Em 1480, para exercer o controle social e religioso, Fernando e Isabel concordaram com a entrada da Inquisição na Espanha. A população muçulmana de Granada rebelou-se em 1499 e assim permaneceu até 1501, dando às autoridades de Castela uma desculpa para anular o Tratado de Granada, (final de 1491) que garantia vários direitos aos muçulmanos que se rendiam. Em 1501, as autoridades de Castela emitiram um ultimato aos muçulmanos de Granada: converterem-se ao cristianismo ou serem expulsos. Alguns converteram-se e permaneceram na Ibéria.
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