A ORIGEM DAS GALINHAS (E GALOS)
I - INTRODUÇÃO
Esta pesquisa foi iniciada e está sendo postada, por três razões principais: (1) como sempre, motivada pela minha própria ignorância sobre o assunto; (2) para funcionar como uma espécie de descontração para os meus artigos que, ultimamente, têm sido bem mais pesados do que o normal; (3) o fato de eu ter presenciado uma mãe perguntar a uma criança, possivelmente seu filho, se ela sabia de onde vinham as galinhas e a criança ter respondido, sem titubear: “Do supermercado!”.
Possivelmente, a resposta não deve ter deixado muito surpresa a mãe de tal criança, acostumada, desde os três anos de idade – senão menos –, a manusear ferramentas eletrônicas – e só essas ferramentas – doadas pelos próprios pais. A mim, entretanto, que quando criança cheguei a ter em casa uma pequena criação de galinhas dos meus pais, que nos fornecia, principalmente, ovos em abundância, a resposta da criança impressionou vivamente! Claro que a mãe não pretendia ter, da sua criança, uma resposta que explicasse a origem de bichinhos tão apreciados na culinária brasileira; mas pelo menos algo do tipo: bem elas são criadas no campo ou em quintais ou em grandes fazendas industriais etc...., talvez ela gostasse de ter tido como resposta. Então, vejamos como é a história toda ...
II -HISTÓRIAS E LENDAS ANTIGAS SOBRE A GALINHA
A questão real não é “Qual veio primeiro: a galinha ou o ovo?”, mas sim, “De onde veem as galinhas?” Igualmente, “Por que a galinha atravessou a rua?” pode ser uma questão que nunca será respondida, mas as circunstâncias envolvidas na ancestralidade da galinha doméstica, podem ser apreciadas.
Galo e galinha domésticos |
Inicialmente, é importante que eu diga, que a maioria das pesquisas que realizo é baseada em artigos de língua inglesa. Depois de muito trabalhar nessa área, constatei que artigos traduzidos para o português de originais ingleses, ou originalmente escritos em português, em qualquer órgão e setor de pesquisa, são muito inferiores em substância e volume do material original. Nesse contexto, é também preciso que se diga, como introdução, que a palavra inglesa “fowl” (que se pronuncia “faul”) tem uma tradução bastante complicada para o português. Nos livros que li em língua inglesa, em geral na literatura mais antiga, a palavra era muito empregada quando os participantes participavam das tradicionais caçadas da corte ou dos nobres, principalmente ingleses. Nesse caso, a caçada muitas vezes era à “fowl”, genericamente interpretada como “ave”, em geral selvagem, de todos os tipos, preferencialmente as de maior porte. Os dicionários a traduzem como qualquer ave ou pássaro, aves coletivamente, ave comestível, galinha, aves domésticas, carne de galinha etc ... É também um verbo e, nesse caso, traduzido como caçar, matar ou apanhar aves selvagens. Essa palavra aparece muito em nossa postagem e vamos traduzi-la de maneira variada, segundo a oportunidade, por ave, galináceo ou mesmo galinha.
A epopeia galinácea começou há 10.000 anos atrás numa selva asiática e termina hoje nas cozinhas de todo o mundo. De acordo com a lenda, as galinhas foram descobertas ao lado de uma estrada na Grécia, na primeira década do século V AC. O general ateniense Temístocles, no seu caminho para confrontar as forças invasoras persas, parou para olhar dois galos brigando e reuniu suas tropas, dizendo: “Vejam, eles não estão lutando por seus deuses domésticos, pelos monumentos de seus ancestrais, por glória, por liberdade ou pela segurança de seus filhos, mas somente porque um não quer ceder a passagem ao outro”. A história não conta o que aconteceu com o galo perdedor, nem explica por que os soldados acharam a cena de instintiva agressão inspiradora ao invés de sem sentido e deprimente. Mas a história registra que os gregos, assim encorajados, avançaram para repelir os invasores, preservando a civilização que hoje homenageia aquelas mesmas criaturas (os galos), alimentando-as, fritando-as e mergulhando-as em algum molho de sua escolha. Os descendentes daqueles galos bem que poderiam imaginar – desde que fossem capazes de tão profundo pensamento -que os seus ancestrais deveriam ter muita coisa a explicar.
A galinha é onipresente alimento da nossa era, cruzando múltiplas fronteiras com facilidade. Com seu sabor suave e textura uniforme, a galinha apresenta uma intrigante tela vazia para a paleta de sabores de qualquer cozinha. Uma geração de britânicos cresce na crença de que “frango tikka masala”[1] é o prato nacional, e a mesma coisa acontece na China com o famoso “Kentucky Fried Chicken”[2]. Muito tempo após as famílias terem algumas galinhas correndo pelo pátio (como eu tive quando pequeno), que podiam ser agarradas e transformadas em jantar, os frangos permanecem um nostálgico e evocativo prato para muitos americanos. Como as galinhas alcançaram tal domínio cultural e culinário?
Tudo fica ainda mais surpreendente sob a crença de muitos arqueólogos de que a galinha foi inicialmente domesticada, não para servir de alimento, mas para brigas de galo. Até o advento da produção industrial em larga escala, no século XX, a contribuição econômica e nutricional da galinha foi modesta e nada, como o cavalo e o boi, que pudesse mudar o curso da história. Contudo, a galinha tem inspirado contribuições à cultura, arte, cozinha, ciência e religião, por milênios. As galinhas foram, e ainda são, em algumas culturas, um animal sagrado. A prodigiosa e sempre atenta galinha foi, em todo o mundo, símbolo de nutrição e fertilidade. Ovos eram suspensos em templos egípcios para garantir uma enchente generosa. O vigoroso galo sempre teve o significado universal de virilidade – mas também, na antiga fé persa do Zoroastrianismo, um espírito benigno que cantava ao amanhecer para anunciar um ponto de inflexão na luta cósmica entre a escuridão e a luz. As galinhas acompanhavam os exércitos romanos e seu procedimento era cuidadosamente observado antes de uma batalha: um bom apetite significava que uma vitória poderia ser esperada. Em 249 AC, o general romano Publius Claudius Pulcher jogou ao mar suas galinhas sagradas porque se recusaram a comer antes da Batalha de Drepana. A história registra que ele foi derrotado contra os cartagineses e 93 navios romanos foram afundados. Ao voltar para Roma, foi julgado por impiedade e multado pesadamente.
Entretanto, uma importante tradição religiosa – ironicamente a que deu origem à “sopa de bolas de pão ázimo” e à “ceia de galinha dominical” – falharam em inflar as galinhas de muito significado religioso. As passagens do Velho Testamento relativos a sacrifícios rituais, revelam uma distinta preferência da parte de Javé, por carne vermelha sobre a carne de galinha. No Levítico 5:7, uma oferenda de culpa de duas tartarugas marinhas ou pombas é aceitável se o pecador em questão não pode adquirir um cordeiro, mas de forma alguma o Senhor vai solicitar uma galinha. O galo representa um pequeno, mas crucial papel nos Evangelhos, ao ajudar na concretização da profecia de que Pedro negaria a Jesus “antes que o galo cantasse”. No século IX, o Papa Nicolau I decretou que a figura de um galo fosse colocada no topo de cada igreja, como uma lembrança do incidente, razão pela qual muitas igrejas ainda possuem as pás para indicação da direção do vento em forma de galo. Não há implicação de que o galo tenha feito algo além de marcar a passagem das horas, mas até mesmo essa secundária associação com traição não favoreceu a causa da galinha na cultura ocidental. No uso americano contemporâneo, as associações com a galinha são covardia, ansiedade neurótica e pânico sem efeito.
O fato é que o macho da espécie pode ser um animal bastante agressivo, especialmente quando criado e treinado para a luta. A natureza armou o galo com um esporão ósseo na perna; os humanos suplementaram aquela característica com um arsenal de esporas metálicas e pequenas lâminas amarradas às pernas da ave. Em muitos lugares do mundo a briga de galos é proibida e vista como desumana, mas em lugares onde ela ainda é praticada, legal ou ilegalmente, é tida como o esporte contínuo mais antigo do mundo. Representações artísticas de galos combatentes estão espalhadas por todo o mundo antigo, como no mosaico que adorna uma casa de Pompeia, datada do primeiro século de nossa era. A cidade grega de Pérgamo estabeleceu um anfiteatro de briga de galos para ensinar o valor às futuras gerações de soldados.
III – CIENTIFICAMENTE FALANDO
Casal de galináceos selvagens vermelhos |
Belo exemplar de Gallus gallus macho |
Sempre que uma nova pesquisa acontece que esclareça ou apenas coloque uma ponta mais fina sobre algo que Darwin escreveu, alguém deve aparecer e colocar a questão: “Darwin estava errado?”; como se ele tendo feito algo errado desqualificasse o resto de suas contribuições para a biologia e nos fizesse retornar à crença de que moscas fossem espontaneamente geradas na lama. Vejamos o que disse Darwin e o quanto ele estava errado.
Darwin se interessou pelas duas maiores teorias de seu tempo sobre as galinhas. Uma era uma teoria multirregional, muito semelhante à hoje desacreditada versão da evolução humana, onde cada espécie de galinha foi domesticada de uma diferente forma selvagem. A outra era a de que todas descendiam de um ancestral, o Gallus gallus bankiva, também conhecido como Gallus bankiva. Darwin usou galinhas de uma ampla forma no desenvolvimento de suas ideias sobre a evolução e, finalmente, favoreceu a hipótese de uma origem única, descreveu a espécie primordial da sua escolha, a ave selvagem vermelha, como muito mais diversa em caráter do que é geralmente caracterizada hoje.
Estudo recente afirma que, na base de experimentos observados de diferenças de características e procriação cruzada, Darwin havia concluído que galinhas domésticas eram descendentes apenas da ave selvagem vermelha, embora isso fosse posteriormente refutado por Hutt, que estabeleceu que pelo menos quatro diferentes espécies de aves selvagens teriam contribuído para a domesticação da galinha. Estudos moleculares de DNA e inserção retroviral apoiaram o ponto de vista de Darwin, encontrando evidências de que as aves selvagens cinza e do Ceilão podem se cruzar com galinhas domésticas, mas não fornecem evidência de que essas duas espécies tenham contribuído para a domesticação da galinha. Buscando pela mutação causal, a análise incluiu três outras espécies de aves selvagens na comparação sequencial: aves selvagens cinza (Gallus sonneratii), Ceilão (Gallus lafayetii) e verde (Gallus varius). Tal passo foi motivado pelo fato de que as aves selvagem e do Ceilão têm pernas vermelhas ou amareladas, o que implica na deposição de carotenoides. As aves selvagens cinza e vermelha têm, atualmente, alcances separados, que pode ser produto de alterações ecológicas recentes, incluindo alterações humanas de habitat. Além disso, nos primeiros dias de domesticação da galinha, não havia razão para suspeitar que uma simples origem seria seguida por um isolamento imediato de formas selvagens e, de fato, toda a evidência disponível, incluindo aquela que é aqui relatada, sugere o contrário.
Um novo estudo, da Universidade de Uppsala, em Uppsala, Suécia, sua mais antiga universidade (1477), mostra que as origens da galinha são mais complicadas. Segundo o estudo, os pesquisadores mapearam os genes que dão à maioria das galinhas domésticas, pernas amarelas, e descobriram que a hereditariedade genética deriva de uma espécie que lhe é muito proximamente ligada, a ave selvagem parda, do sudeste asiático. O estudo foi recentemente publicado na edição da Web do “PLOS Genetics” (Genética do PLOS), um jornal acadêmico confiável de acesso público, publicado mensalmente pelo PLOS – Public Library of Science (Biblioteca Pública de Ciência), editora sem fins lucrativos e acesso aberto, na área da ciência, tecnologia e medicina: “Nossos estudos mostram que, embora a maioria dos genes encontrados em aves domésticas, venham da ave selvagem vermelha, pelo menos uma outra espécie deve ter contribuído, especificamente, a ave selvagem parda”, disse Jonas Eriksson, um estudante de doutorado na Universidade de Uppsala. A ave selvagem parda foi provavelmente cruzada com uma forma anterior da galinha doméstica, crê a equipe de Eriksson. Entretanto, a quantidade exata de material genético com que essas outras aves contribuíram para o DNA de galinhas domesticadas, permanece como conjectura apenas.
A verdade parece ser que Darwin não errou, mas estava substancialmente certo. Antes, Darwin tinha uma ideia melhor da variação nas formas selvagens do que podemos apreciar hoje. Não é mau considerar que toda a moderna teoria sobre as origens de formas domesticadas vem após e deriva de Darwin. Os estudos de Darwin de animais domésticos tiveram importância chave à sua teoria da evolução, que também explicou as origens selvagens de animais domésticos. “O que é irônico é que Darwin pensava que mais de uma espécie selvagem havia contribuído para o desenvolvimento do cão, mas que a galinha tinha vindo de uma só espécie selvagem, a ave selvagem vermelha. Agora acontece que a coisa funciona exatamente ao contrário”, diz Greger Larson, um pesquisador da Universidade de Uppsala e da Universidade de Durham, na Inglaterra.
[1] O “Chicken Tikka Masala”, o prato mais frequentemente servido em restaurantes britânicos, é um prato indiano, cujo molho masala foi adicionado para satisfazer o desejo inglês de ter sua comida servida em molho de carne. Trata-se de uma autêntica receita Mughlai preparada pelos ancestrais indianos que eram cozinheiros reais no período Mughal, que se estendeu, grosseiramente, do século XVI ao século XVIII.
[2] KFC, até 1991 conhecido como Kentucky Fried Chicken,é uma cadeia de restaurantes “fast food” que se especializou em galinha frita. Tem quartel general em Louisville, Kentucky, USA, e é a segunda maior cadeia de restaurantes, após o McDonald, com quase 20.000 locais espalhados por 123 países, dados de dezembro de 2015. Foi fundada pelo Coronel Harland Sanders, um empreendedor que começou vendendo galinha frita em seu restaurante de beira de estrada em Corbin, Kentucky, durante a “Grande Depressão”.
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