Homenagem ao lendário herói ancestral dos ingleses que deu título a um dos considerados "Cem Maiores Livros do Mundo" e tido como o mais antigo escrito em "Old English".

segunda-feira, 18 de junho de 2018

A ORIGEM DAS GALINHAS (E GALOS) - PARTE 2 DE 2

IV – A DOMESTICAÇÃO DAS GALINHAS

Considerando que o progenitor selvagem das galinhas ainda se encontra entre nós, comparações de comportamento e outras alterações ainda nos estão disponíveis. No que se refere a comportamento, as galinhas domesticadas são menos ativas, possuem menos interação social, são menos agressivas aos possíveis predadores e buscam menos as fontes de alimentação que seus ancestrais selvagens. Outras mudanças incluem o aumento de peso, plumagem simplificada, início prematuro e mais frequente da produção de ovos maiores.
Uma espécie domesticada do Gallus gallus espalhou-se, incialmente, do sudeste da Ásia, viajando ao norte, para a China ou ao sudoeste para a Índia? Ou existiram duas áreas centrais separadas de domesticação: Índia e sudeste da Ásia antigas? Qualquer cenário é possível, mas uma investigação mais profunda nas origens da galinha é obstruída por um inconclusivo vestígio de DNA. “É realmente difícil dizer com precisão, pelo fato das aves domesticadas e selvagens terem cruzado ao longo do tempo”, diz Michael Zody, um biólogo computacional que estuda genética no Broad Institute de Harvard e Massachusetts Institute of Technology (MIT).
A real virada da galinha aconteceu em 2004 quando uma equipe internacional de geneticistas produziu um mapa completo do genoma[1] da galinha. A galinha foi o primeiro animal domesticado, o primeiro pássaro – e consequentemente, o primeiro descendente dos dinossauros – assim honrado. O mapa do genoma forneceu uma excelente oportunidade para estudar a forma como milênios de domesticação podem alterar uma espécie. Num projeto conduzido pela Universidade de Uppsala, Suécia, Zody e seus colegas têm pesquisado as diferenças entre a ave selvagem vermelha e seus descendentes do galinheiro, incluindo as “camadas” (espécies criadas para produzir prodigiosas quantidades de ovos) e “frangos” (espécies gordas e carnudas). Os pesquisadores encontraram importantes mutações num gene designado por TBC1D1, que regula o metabolismo da glicose. No genoma humano, mutações neste gene têm sido associadas com a obesidade, mas é um traço positivo numa criatura destinada à mesa de jantar. Outra mutação que resultou de geração seletiva está no gene do HRET (Hormônio Receptor da Estimulação da Tireoide). Em animais selvagens este gene coordena a reprodução com a duração do dia, confinando gerações a estações específicas. A mutação que desabilita este gene, habilita galinhas a chocar - e pôr ovos – ao longo de todo o ano.
Quando as galinhas foram domesticadas, contatos culturais, comércio, migração e conquista territorial resultaram em sua introdução e reintrodução em diversas regiões ao redor do mundo, por vários milhares de anos.
Estudos genéticos sugerem múltiplas origens de domesticação. A primeira evidência arqueológica vem da China, cerca de 5.400 AC, em locais geograficamente bem espalhados, tais como Cishan (província de Heibei), cerca de 5.300 AC, Beixin (província de Shandong), cerca de 4.300 AC. Crê-se que as galinhas foram levadas às Ilhas da Polinésia do sudeste da Ásia com a expansão Lapita[2], cerca de 3.300 anos atrás.
No Vale do Indo, as galinhas domésticas apareceram em Mohenjo Daro, cerca de 2.000 AC, possivelmente carregadas através da Península Arábica como carga ou mantimentos e, de lá, espalharam-se para a Europa e África.
Pelo ano 2.000 AC, placas cuneiformes da Mesopotâmia referem-se ao “pássaro de Meluhha”, nome provável para o Vale do Indo. Aquele pode ou não ter sido uma galinha; o Professor Piotr Steinkeller, um especialista de Harvard em textos antigos do Oriente Próximo, diz que era certamente “algum pássaro exótico desconhecido da Mesopotâmia”. Ele acredita que referências ao “pássaro real de Meluhha” – uma frase que aparece em textos três séculos após – muito provavelmente se referem à galinha.
A evidência concreta mais antiga de galinhas na África oriental, são ilustrações de vários locais no Egito. Elas teriam chegado ao Egito cerca de 250 anos depois, como animais de luta e adições a outros animais selvagens exóticos. Ilustrações artísticas do passado adornaram tumbas reais. Contudo, mais mil anos passariam antes que a ave se tornasse uma mercadoria popular entre os egípcios comuns. Foi naquela época que os egípcios dominaram a técnica da incubação artificial, que libertou as galinhas para darem melhor uso ao seu tempo através da postura de ovos. Não foi assunto fácil: a maioria dos ovos de galinha chocam em três semanas, mas somente se a temperatura for mantida constante em torno de 37 a 41º centígrados e a umidade relativa permanecer próximo dos 55%, crescendo nos últimos dias da incubação; além disso, os ovos devem ser virados cerca de 3 a 6 vezes por dia, para evitar que surjam deformidades físicas. Os egípcios construíam vastos complexos de incubação com centenas de “fornos”, amplas câmaras conectando a uma série de corredores e aberturas que permitiam aos atendentes regular o calor dos fogos mantidos por palha e esterco de camelos. Os atendentes dos ovos mantiveram, por séculos, o segredo de seus métodos. Na África ocidental as galinhas chegaram na Idade do Ferro em locais como Jenne-Jeno, em Mali, Kirikongo, em Burkina Faso e Daboya, em Gana, pelo meio do primeiro milênio DC.
Em torno do Mediterrâneo, escavações arqueológicas descobriram ossos de galinha de cerca de 800 AC. As galinhas eram uma iguaria entre os romanos, cujas inovações culinárias incluíam a omelete e a prática de rechear os pássaros para cozinhar, embora suas receitas tendessem mais para cérebros de galinha esmagados do que para pão amassado. Os fazendeiros começaram a desenvolver métodos para engordar os frangos, que foram logo postos fora da lei pelas autoridades. Os cozinheiros romanos descobriram então que a castração dos galos os fazia engordarem e com isso nascia a criatura hoje conhecida como capão. Com o colapso de Roma, o status da galinha diminuiu na Europa, com o tamanho da galinha, no período pós-romano, retornando ao que era durante a Idade do Ferro, mais de mil anos antes. Com a passagem dos séculos, aves mais vigorosas como os gansos e perdizes começaram a adornar as mesas medievais. 
Moderna criação intensiva de galinhas
Embora admitido que as galinhas tenham sido trazidas às Américas pelos espanhóis conquistadores, presume-se que galinhas pré-colombianas foram identificadas em vários locais das Américas, mais notavelmente na localidade de El Arenal, Chile, cerca de 1.350 DC. Os europeus que chegavam à América do Norte, encontraram um continente repleto de perus e patos nativos para a caça e comida. Alguns arqueólogos acreditam que as galinhas foram introduzidas no Novo Mundo pelos polinésios que alcançaram a costa do Pacífico da América do Sul um século antes das viagens de Colombo. Já no século XX, a criação de galinhas não representava um forte componente na economia americana e apenas com o enriquecimento da alimentação com antibióticos e vitaminas, que permitiu a sua criação em recintos fechados, aconteceu o progresso que resultou nas 250.000 fazendas de galinhas de hoje nos EUA.
Como um dos mais comuns e difundidos animais domésticos, com uma população de mais de 19 bilhões em 2011, há mais galinhas no mundo do que qualquer outra espécie de pássaro ou animal doméstico. Os humanos mantêm as galinhas, primariamente, como fonte de alimentação, consumindo suas carnes e ovos.
As galinhas são onívoras (que se alimentam de tudo, carne ou vegetal). Na mata, elas muitas vezes escavam o solo em busca de sementes, insetos e mesmo animais maiores como lagartos, pequenas cobras ou camundongos jovens. Vivem de cinco a dez anos dependendo da raça. De acordo com o Livro de Recordes Guiness, uma galinha teria morrido de ataque do coração com a idade de 16 anos.
Os galos são geralmente diferenciados das galinhas por sua admirável plumagem de longas caudas ondeantes e brilhantes, penas eriçadas em seu pescoço e costas, tipicamente de cores mais brilhantes e fortes que as das galinhas da mesma raça. Contudo, em poucas raças, o galo tem as penas do pescoço apenas levemente eriçadas, da mesma cor que as galinhas. A identificação pode ser feita através da crista ou, eventualmente, pelo desenvolvimento dos esporões das pernas do galo. Galinhas adultas têm uma crista mais carnuda e abas pendentes de pele de ambos os lados do bico (barbelas). Coletivamente, essas e outras protuberâncias carnudas na cabeça e garganta, são chamadas de carúnculas. Nesta parte, há outras características menos importantes e mais particulares. Galinhas domésticas não são capazes de voos longos, embora as mais leves possam voar por curtas distâncias, como sobre cercas ou em árvores onde, naturalmente, se alojariam. Em geral só dão pequenos voos para fugir de algum perigo. 
Ninho de galinha com ovos
As galinhas são pássaros gregários, com uma abordagem comunal para a incubação de ovos e criação filhotes. Galinhas individuais num conjunto, dominarão as demais, estabelecendo uma “lei do galinheiro”, com os indivíduos dominantes tendo prioridade para acesso à alimentação e localização dos ninhos. A remoção de galinhas ou galos de um galinheiro causará uma ruptura temporária da ordem social até que uma nova lei seja estabelecida. A adição de galinhas, especialmente mais novas, a um galinheiro, pode conduzir à luta ou injúria. Quando um galo encontra alimento, pode chamar outras galinhas para comer primeiro, o que ele faz cacarejando alto e apanhando e deixando cair o alimento. Este procedimento também pode ser observado em galinhas mães para chamar seus pintos e encorajá-los a comer. O cacarejar de um galo (uma chamada alta e algumas vezes aguda) é um sinal territorial para outros galos. Contudo, o cacarejar também pode resultar de perturbações súbitas em seus arredores. As galinhas cantam alto após porem ovos, mas também para chamar seus pintos. Também dão uma “chamada de aviso” baixa quando pensam ver um predador se aproximando.
Para iniciar uma corte, alguns galos podem dançar em círculo ao redor ou próximo de uma galinha (a dança do círculo), muitas vezes baixando sua asa mais próxima da galinha. A dança desencadeia uma resposta da galinha e quando responde ao seu chamado, o galo inicia o acasalamento.
A cor dos ovos das galinhas varia, dependendo da galinha, variando do branco brilhante ao pardo e mesmo azul, verde e, recentemente reportado, púrpura, encontrado no sul da Ásia (da variedade Araucana). As galinhas tentarão se acomodar em ninhos que já contenham ovos e já se sabe de galinhas que moveram ovos de ninhos vizinhos para seus próprios ninhos. O resultado desse procedimento é que o bando usará somente poucos locais preferidos ao invés de um ninho diferente para cada pássaro. Alguns criadores usam falsos ovos, feitos de plástico ou pedra ou bolas de golfe, para encorajar as galinhas a usarem locais particulares.
Sob condições naturais, a maioria das aves põe até que uma ninhada esteja completa e então elas incubarão os ovos. Muitas galinhas domésticas também farão isso – e então se diz que elas “estão chocas”. A galinha choca para então de por e foca na incubação dos ovos (uma ninhada completa tem cerca de 12 ovos). Ela então “senta” ou se posiciona no ninho, protestando ou bicando em defesa, sempre que perturbada ou removida e, raramente, deixará o ninho para comer, beber ou se banhar na poeira. Enquanto estiver chocando, a galinha mantém o ninho a uma temperatura e umidade constante, virando os ovos regularmente durante a primeira parte da incubação. Para estimular a incubação, o proprietário pode colocar muitos ovos artificiais no ninho, o pará-la se colocarem a galinha numa gaiola elevada com assoalho de fios abertos. 
Pintos antes de sua primeira saída
Modernas raças de poedeiras não necessitam chocar e as que o fazem, muitas vezes param no meio do caminho da incubação. Contudo, algumas raças de “utilidade” (finalidades gerais), chocam regularmente, tornando-se excelentes mães, não somente para ovos de galinhas, mas também para outras espécies – mesmo para aquelas com ovos muito menores ou maiores e com diferentes períodos de incubação, tais como codornas, faisões, perus ou gansos. Ovos de galinha também podem ser chocados por uma pata choca, com sucesso variado.
Ao final do período de incubação (cerca de 21 dias), os ovos, se férteis, darão pintos. O desenvolvimento do ovo começa somente quando começa a incubação, de forma que os ovos estarão todos prontos, apenas com um dia ou dois de diferença, embora tenham sido postos por um período de duas semanas ou algo assim. Antes de encerrado o período, a galinha pode ouvir os pintos piando dentro dos ovos e vai então, gentilmente, cacarejar para estimulá-los a quebrar os ovos e saírem das cascas. O pinto começa piando e bicando um furo para respiro com seu “dente de ovo” em direção à ponta mais rombuda do ovo, em geral para cima. O pinto vai então descansar por algumas horas, absorvendo a gema restante e retirando o abastecimento de sangue da membrana sob a casca (usada antes para respirar pela casca). Ele então alarga o furo, gradualmente arredondando-o e finalmente separando completamente a ponta rombuda da casca para fazer uma tampa. Ele então rasteja para fora da casca e sua umidade seca no calor do ninho. 
Galinha tomando conta de seus pintos
Em geral ele ficará no ninho por dois dias após a primeira rachadura e durante esse tempo vive apenas da gema absorvida. Ovos não fertilizados pelo galo, não chocarão e a galinha acabará por perder o interesse neles, deixando o ninho. Após chocar, a galinha cuidará ferozmente dos pintos, mantendo-os sob si para mantê-los aquecidos, inicialmente retornando ao ninho à noite. Ela os conduz para o alimento e água, chamando-os para a comida, mas raramente alimentando-os diretamente. Ela continua a cuidar deles até que tenham várias semanas quando ela, gradualmente, perderá o interesse e finalmente começará a pôr de novo. Como se vê, a galinha, além de um excelente prato na culinária, acaba de ter sido um ótimo prato na área da pesquisa. Nada, neste mundo de Deus, pode ser subestimado!


[1] Em termos de biologia e genética molecular moderna, um genoma é o material genético de um organismo. O genoma inclui os genes (as regiões de códigos) e o DNA não codificante, bem como o material genético dos mitocôndrios e cloroplastos. Um genoma é toda a informação genética de um organismo. Por exemplo, o genoma humano é análogo às instruções armazenadas num livro de receitas. Da mesma forma que um livro de receitas dá as instruções para preparar as refeições, incluindo festas e piqueniques, o genoma humano contém todas as instruções necessárias para fazer todo o conjunto de tipos de células humanas, incluindo células musculares ou neurônios.
[2] A cultura Lapita é o nome dado a vestígios artesanais associados ao povo que colonizou a área a leste das Ilhas Solomon, chamada Oceania Remota, entre 3.400 e 2.900 anos atrás. Os sítios Lapita mais antigos foram encontrados nas Ilhas Bismarck e em 400 anos a cultura se espalhou por uma extensão de 3.400 km, alcançando as Ilhas Solomon, Vanuatu e Nova Caledônia, e para leste até Fiji, Tonga e Samoa. Localizados em pequenas ilhas e nas costas das ilhas maiores, separadas umas das outras por até 350 km, os Lapitas viveram em vilas de casas de estacas e fornos de terra, faziam uma cerâmica única, pescavam e exploravam os recursos marinhos, criavam galinhas, porcos e cães domésticos, cultivando árvores frutíferas e castanheiras.

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