Homenagem ao lendário herói ancestral dos ingleses que deu título a um dos considerados "Cem Maiores Livros do Mundo" e tido como o mais antigo escrito em "Old English".

quinta-feira, 19 de março de 2020

MARINGÁ



Eu havia acabado de ler “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos, quando, sem sentir, comecei a cantarolar a música “Maringá”, que tanto ouvia minha mãe cantar, desde que eu me conheço por gente. Eu não tinha a menor ideia de que essa música antiga falava das secas do nordeste e de seus retirantes. A única lembrança que eu tinha da melodia é que ela era muito triste, mas não sabia nem mesmo o significado da palavra Maringá. Comentei sobre o assunto com minha esposa, durante o café da manhã, que lembrava da música, mas, como eu, pouco lembrava da letra e da sua origem. E então resolvi fazer uma pesquisa sobre ela. O resultado foi tão interessante e inusitado, que resolvi escrever algo para publicar em meu blog, como mais uma pequena homenagem à minha querida mãe, Mariazinha, que tantas coisas maravilhosas me ensinou.

A MÚSICA

“Maringá” é uma música composta pelo médico-compositor Joubert de Carvalho, em 1932. Para melhor explicar a origem da música, nada melhor que apresentar o texto que segue, tirado de uma entrevista concedida por Joubert de Carvalho a seu filho adotivo Jair da Conceição, pouco tempo antes de sua morte, ocorrida em 20 de janeiro de 1977. Nessa entrevista, com gravação original da Fundação Padre Anchieta, do Programa MPB Especial (1974), dirigido por Fernando Faro, ele relata que teria composto essa música por solicitação de Rui Carneiro (deputado federal e senador de Pombal, estado da Paraíba), na época Chefe de Gabinete de José Américo (então ministro de Viação e Obras Públicas), escritor e político paraibano.

“Nessa ocasião, num ônibus, meu amigo Jaime Távora, um Oficial de Gabinete de José Américo, em 1930 ou 1931, me falou:
- ‘ô Joubert, o José Américo queria muito conhecê-lo!’
O José Américo estava muito em moda naquela época, queria ser candidato à Presidência da República. E continuou:
- ‘O José Américo vai na casa do Gama, pai da Nívia Helena, essa artista aí ..., por que você não vai lá à noite? Ele gostaria muito de conhecer você!’
E eu então, querendo brincar com o Jaime, que era muito brincalhão, lhe disse:
- ‘Ah, se o José Américo quiser me conhecer, ele que vá lá em casa, então’.
Mas eu nunca pensei que o Jaime estivesse falando sério. Porque no dia seguinte eu recebo um telefonema perguntando se o José Américo podia ir na minha casa!
- ‘Ué, pode ora!’
E no dia seguinte, lá em casa, me aparece o José Américo com todo o seu gabinete. E saíram lá de casa já era madrugada.
Nessa época, 1932, eu estava muito querendo um emprego de médico no Instituto dos Marítimos e fui ao escritório do José Américo, sendo recebido pelo Rui Carneiro, seu chefe de gabinete, que me disse para eu mesmo ir lá e pedir a ele. Eu respondi que não tinha jeito para aquilo e ele me respondeu:
- ‘Por que você não faz, para ele, uma canção falando das secas do nordeste; ele está construindo açudes por lá, faz uma canção...’
Quando ele falou isso, funcionou o ouvido interno, eu ouvi a música! E perguntei a ele:
- ‘Onde foi que nasceu o José Américo?’
- ‘Ele nasceu em Areias’.
- ‘Puxa, Areias está meio ruim ... E você, Rui, onde foi que você nasceu?’
- ‘Eu nasci em Pombal.’
-‘Pombal? Pombal está ótimo! Antigamente uma alegria sem igual dominava aquela gente da cidade de Pombal. Mas veio a seca, toda a chuva foi-se embora, só restando então as água dos meus óio quando chora ...
Isso tudo foi ali na sala de espera do Gabinete. E eu disse:
- ‘Olha, me diz o nome de uma cidade lá do nordeste onde a seca foi tremenda!’
Ele citou vários nomes e entre eles o município de Ingá; e eu disse:
- ‘Esse negócio ... é a Maria do Ingá, é a protagonista, a que saiu na leva, é a Maria do Ingá!’
E de Maria do Ingá, saiu a Maringá e lá me fui eu para o gabinete dele, com a Maringá! E logo em seguida ganhei o desejado posto de médico do Instituto dos Marítimos!’”
Melhor do que isso, só escutando parte da música Maringá, interpretada pelo próprio compositor, ao piano, concessão feita à própria entrevista.
Maringá foi gravada por vários intérpretes da época. A gravação original foi feita por Gastão Formenti, mas selecionamos também a grande voz de Orlando Silva, o “cantor das multidões”, acompanhado de Jacob do Bandolin, e uma voz feminina, Delora Bueno. Para acompanhar qualquer das três gravações selecionadas (ou as três), aqui está a letra da melodia.

                                            MARINGÁ
                                       (Joubert de Carvalho)

Foi numa leva                                                  Antigamente
Que a cabocla Maringá                                   Uma alegria sem igual
Ficou sendo a retirante                                    Dominava aquela gente
Que mais dava o que falá.                               Da cidade do Pombal.
E junto dela                                                     Mas veio a seca
Veio alguém que suplicou                               Toda a chuva foi-se embora
Prá que nunca se esquecesse                           Só restando então as água
De um caboclo que ficou                                Dos meus óio quando chora

Maringá, Maringá,                                          Maringá, Maringá,
Depois que tu partiste,                                    Depois que tu partiste,
Tudo aqui ficou tão triste,                               Tudo aqui ficou tão triste,
Que eu garrei a maginá                                   Que eu garrei a maginá:

Maringá, Maringá,                                          Maringá, Maringá,
Para havê felicidade,                                       Para havê felicidade,
É preciso que a saudade                                  É preciso que a saudade
Vá batê noutro lugá.                                        Vá batê noutro lugá.

Maringá, Maringá,                                          Maringá, Maringá,
Volta aqui pro meu sertão                               Volta aqui pro meu sertão
Pra de novo o coração                                    Pra de novo o coração
De um caboclo assossegá.                              De um caboclo assossegá.

O COMPOSITOR

Joubert de Carvalho, nascido em Uberaba, Triângulo Mineiro, a 6 de março de 1900 e falecido no Rio de Janeiro, em 20 de setembro de 1977, foi um médico e compositor brasileiro, autor de canções como "Maringá" e "Ta-hi", entre muitas outras. Era um dos treze filhos do fazendeiro Tobias de Carvalho e de Dona Francisca de Carvalho.
Foto de Joubert de
Carvalho, 1958
Tinha nove anos quando o pai comprou um piano, onde Joubert passou a tocar, de ouvido, os dobrados que ouvia na banda local. Aos doze, tendo terminado o curso primário em Uberaba, Joubert mudou-se com a família para São Paulo, pela preocupação do pai com a educação e formação dos filhos, que foram estudar no Ginásio São Bento.
A primeira composição de Joubert, a valsa Cruz Vermelha, foi inspirada no hospital infantil do mesmo nome, que havia em São Paulo, e cujas primeiras notas haviam sido tiradas no piano da infância. O pai permitiu a Joubert que vendesse as partituras, desde que o dinheiro revertesse em benefício do Hospital Cruz Vermelha. O relativo sucesso alcançado pela música animou Joubert a compor outras peças, que entregava à Casa Editora Compassi & Camin, com autorização de seu pai, desde que o pagamento se resumisse a alguns exemplares para Joubert distribuir aos amigos. Durante o curso ginasial Joubert foi se familiarizando com os clássicos, na casa de uma tia pianista.
Em 1919 Joubert foi para o Rio de Janeiro, onde o ensino era de melhor nível e, em 1920, entrou para a Faculdade de Medicina. Com uma mesada de 500 mil réis, Joubert continuava a compor e, durante uma de suas visitas a São Paulo, o editor fez novos pedidos, com a oferta de 600 mil réis mensais. Como o filho havia obtido êxito nos exames, o velho Tobias não só se rendeu, como manteve a mesada, propiciando ao jovem Joubert uma vida de estudante rico, que podia até mesmo morar em hotel.
Nessa época, influenciado por ritmos estrangeiros, Joubert compôs diversos tangos, como Cinco de Janeiro, dedicado ao sanitarista Oswaldo Cruz. Sua primeira composição gravada foi a canção Noivos, lançada em 1921. Mas seu primeiro grande sucesso viria em 1922 com O Príncipe, composta por inspiração da chuva e que seria sua primeira composição gravada no exterior, em 1931. No ano seguinte, 1923, compôs o tango Lindos olhos.
As composições se sucederam em grande número enquanto Joubert percorria seu curso de medicina. Em 1925 Joubert se graduou com a tese intitulada "Sopros musicais do coração", tendo sido aprovado com distinção, embora o título da tese beirasse à pilhéria. Sabendo equacionar perfeitamente as atividades de médico e de músico, Joubert continuava a compor.
Em 1927 Joubert casou-se com Elza Faria, que lhe daria o filho Fernando Antônio. E suas composições se sucediam.
Em 1928 Joubert musicou dois poemas de Olegário Mariano, dando início a uma parceria de mais de vinte músicas. Embora as composições de Joubert de Carvalho já viessem sendo gravadas por cantores de destaque na época, como Gastão Formenti e Francisco Alves, a novata Carmen Miranda é que foi a responsável pelo grande sucesso de Ta-hi, lançado em 1930 com o título Pra Você Gostar de Mim, que alcançou uma vendagem de 35.000 discos, numa época em que os grandes cantores vendiam, no máximo, até mil discos.
Em 1931, em parceria com Pascoal Carlos Magno, Joubert compôs Pierrô, um de seus maiores êxitos e que foi interpretado por Jorge Fernandes, na peça teatral de mesmo nome, de autoria de Pascoal Carlos Magno. Sílvio Caldas viria, mais tarde, a gravar essa composição. De Papo pro Ar foi lançado, com sucesso, por Formenti, em 1931, e revivido por Inezita Barroso, em seu LP Canto da Saudade.
Além de muitas outras composições feitas em 1932, o grande êxito de Joubert neste ano, seria a canção Maringá que, gravada por Gastão Formenti, fez sucesso também no exterior, rendendo direitos autorais a Joubert durante muito tempo.
Em 1933 Joubert foi nomeado médico do Instituto dos Marítimos, onde fez carreira, chegando a ser diretor do hospital. Mas não deixou de compor e seria tarefa árdua nominar todas as composições de tão prolifico compositor que teria produzido, segundo algumas fontes, mais de setecentas obras.
No período de 1955 a 1960, Joubert de Carvalho passou a dedicar-se a estudos filosóficos, não publicando nada e produzindo apenas para uso interno. Em 1959, foi homenageado pelo povo da cidade paranaense de Maringá, que deu seu nome a uma das ruas da cidade.
A partir de 1961 Joubert voltou a compor, lançando suas novas obras até poucos anos antes de sua morte. Joubert de Carvalho nunca bebeu, nunca foi boêmio; bares e botequins jamais o atraíram. Homem culto e refinado, chegou também a escrever um romance: Espírito e Sexo, que se aproxima do ensaio social. Como médico, também foi muito talentoso e um dos pioneiros no Brasil em Medicina Psicossomática. Autor de mais de setecentas composições editadas, ao final da vida, Joubert se afastou do mundo musical, pois os novos estilos surgidos deixaram pouco espaço ao romantismo do seresteiro que, de certa forma, ele foi. Joubert de Carvalho morreu no dia 20 de setembro de 1977, vítima de pneumonia, deixando importante legado para a música popular brasileira.

A CIDADE DE MARINGÁ

A cidade de Maringá é um outro assunto, mas o seu nome tem muito a ver com a música homônima.
Em 1938, época em que a cidade de Maringá aparece pela primeira vez no estado do Paraná (embora alguns lotes já estivessem sendo negociados um pouco antes disso), a música Maringá fazia sucesso no Brasil inteiro, na interpretação de vários cantores.
Maringá é um município brasileiro do estado do Paraná, sendo uma cidade média-grande planejada e de urbanização recente. É a terceira maior cidade do estado e a sétima da região sul do Brasil em relação à população, destacando-se pela qualidade de vida oferecida a seus moradores e por ser um importante entroncamento rodoviário regional. É considerada uma das cidades mais arborizadas e limpas do país.
Planejada e fundada pela empresa Companhia de Melhoramentos Norte do Paraná, em 10 de maio de 1947, Maringá foi uma vila e depois, distrito do município de Mandaguari, sendo elevada à categoria de município pela Lei nº 790, de 14 de fevereiro de 1951 e assim desmembrando-se daquele município.
Com traçado urbanístico inicialmente planejado pelo urbanista Jorge Macedo Vieira, seguindo o princípio de Ebenezer Howard de cidade-jardim, sofreu crescimento acelerado nas décadas seguintes. Ainda assim, o município mantém índices de qualidade de vida elevados, preservando no perímetro urbano grandes áreas de mata nativa como o Horto Florestal, o Parque dos Pioneiros (bosque II) e o Parque do Ingá, sendo este último aberto ao público. Inclui ainda fragmentos menores como o Parque do Cinquentenário, ou áreas particulares e uma grande rede de áreas de conservação de fundos de vale.
Em 2019, sua população foi estimada, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 423.666 habitantes e sua Região Metropolitana conta com 754 570 habitantes (dados IBGE/2015).
A parte interessante, que liga a cidade de Maringá à música Maringá, é que segundo a “Nova História da MPB - Volume 22”, o nome foi dado ao município porque durante a fase construtiva da cidade, a música Maringá, era cantada, noite e dia, sem parar, pelos operários que construíam a nova cidade do norte do Paraná. Ao ser fundada, oficialmente, em 1947, a cidade recebeu o nome de Maringá.
A cidade possui uma rua com o nome do compositor da música Maringá, Joubert de Carvalho. E para corroborar a história, na placa da Rua Joubert de Carvalho, está escrito: "Compositor da música que deu o nome à cidade". Em 1962, por sugestão de Antenor Sanches, a cidade que até então fora conhecida pelo apelido de “Cidade Menina”, passou a ser chamada pelo apelido de “Cidade Canção”!

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