III – 2 Religião de Roma
Assim como as demais instituições romanas, as
práticas religiosas da Roma Antiga, segundo a tradição, foram estabelecidas
durante o Reino de Roma.
De acordo com Tito Lívio, Numa Pompilius, o
segundo rei de Roma, fundou a religião romana após ter dedicado um altar a Júpiter
no monte Aventino e consultar os deuses por meio de um augúrio. Ele dividiu o
sistema de ritos religiosos romanos, o que incluiu a forma e o tempo dos
sacrifícios, a supervisão dos fundos religiosos, autoridade sobre todas as
instituições religiosas públicas e privadas e a instrução da população nos
ritos celestes e funerários. Numa também estabeleceu as caerimoniae,
originalmente as instruções rituais secretas, que são descritas como statae
et sollemnes ("estabelecidas e solenes") e que foram
interpretadas e supervisionadas pelo Collegium Pontificum[1], flamines, rex
sacrorum e as vestais.
Localização do Reino e da cidade de Roma |
Os pontifex
tinham a superintendência (judicial e prática) suprema de todos os assuntos,
privados ou públicos, e da religião, além de serem os guardiões dos livros que
continham as ordenações rituais dos romanos. O pontifex maximus era o sacerdote supremo do Colégio dos Pontífices.
Os detalhes acerca de suas atribuições e funções estavam contidos nos chamados libri
pontificalis (ou libri pontificii), os textos fundamentais da
religião romana, que sobreviveram em transcrições fragmentárias e comentários,
dos quais os primeiros escritos foram creditados a Numa Pompilius, a quem se
atribui a codificação dos textos e princípios fundamentais do direito civil e
religioso de Roma.
Os flamines,
sacerdotes romanos dedicados ao serviço de deuses particulares, estiveram entre
os mais importantes sacerdócios da Roma Antiga. Durante a monarquia foram
estabelecidos os três que compunham o grupo chamado flamines maiores,
aqueles que eram escolhidos entre os patrícios e dedicados aos deuses Júpiter (flamen
dialis), Marte (flamen martialis), e Quirino (flamen quirinalis).
Posteriormente estabeleceram-se outros 15 flamines, os flamines
menores, que eram escolhidos entre os plebeus para dedicarem-se aos deuses
menores. Os flamines, cujos cargos eram vitalícios, eram empossados pela
comitia calata e estavam sujeitos à autoridade do pontifex maximus.
O rex
sacrorum, cargo característico da religião etrusca, assim como de algumas
cidades latinas, teve importância notória na religião romana. Em Roma, o
sacerdócio foi deliberadamente despolitizado de modo que o rex sacrorum
não era eleito e sim escolhido pelo pontifex maximus entre os patrícios
subordinados a ele, e sua efetivação era testemunhada pela comitia calata.
As vestais,
sacerdotisas castas da deusa Vesta, foram criadas, como sacerdócio, durante o
reinado de Numa Pompilius, embora, segundo Tito Lívio, as origens das vestais
provenham de Alba Longa. Numa, segundo Plutarco, fundou o Templo de Vesta,
nomeou as primeiras quatro sacerdotisas e apontou um pontifex maximus
para assisti-las. Tinham como principais funções vigiar, em turnos, o fogo
eterno que ardia no altar da deusa Vesta e as relíquias sagradas de Roma, as fatale
pignus imperii, apresentar ofertas à deusa em prazos estabelecidos,
participar da consagração de templos, banquetes sacerdotais e festivais. Em
rituais sacrificiais oficiais, preparavam e aspergiam uma mistura conhecida
como mola salsa (farinha de trigo e/ou cevada com sal) sobre a testa e
entre os chifres de vítimas sacrificiais, bem como no altar e no fogo sagrado.
Além disso,
existiam na Roma Antiga os sacer (singular sacra), cultos
tradicionais, públicos (publica) ou privados (privata), ambos
supervisionados pelo Collegium Pontificum. E cerca de 40 festivais
anuais com durações de vários dias ou apenas um ou menos, tudo regulado por
normas muito específicas. Por fugir bastante das intenções da nossa publicação,
tais itens são apenas mencionados de passagem.
Os deuses
romanos eram inumeráveis, muitos assimilados do seu contato com os etruscos,
que acabaram sendo cultuados ao modo romano. Roma não ofereceu nenhum mito
nativo da criação, e a mitografia romana pouco explica do caráter de suas
divindades, suas relações ou suas aspirações com o mundo humano, mas reconheceu
que a teologia romana de deuses imortais (di immortales) governou todos
os reinos dos céus e da terra. Havia deuses dos céus, deuses do submundo e uma
miríade de divindades menores. Entre todos os deuses cultuados, os que se
destacavam compunham as chamadas tríades: a tríade arcaica (Júpiter,
Marte e Quirino) e a tríade capitolina (Júpiter, Juno e Minerva).
Júpiter e Juno, os principais deuses romanos |
Para o conhecimento mais
aprofundado da extensa coleção de deidades romanas, pela mesma razão já anteriormente
exposta, remetemos os nossos leitores à bibliografia especializada.
III – 3 O Direito Romano
Durante a
monarquia romana, segundo alguns autores, o conjunto de leis que vigorou em
Roma foi o leges regiae (leis
régias ou reais). Suas origens remontam à instituição do senado e da assembleia curiata, por Rômulo. Sua
função, mais do que apenas um instrumento do poder dos reis, era criar leis que
respondessem à necessidade de uma sociedade constituída por diferentes tribos,
principalmente em assuntos em que os mores (costumes) não fossem
suficientes. Concediam aos reis uma maneira de resolver questões religiosas e
militares, quer diretamente, quer por meio de algum auxiliar como o magister
populi do período dos Tarquínios. Desse modo, se de um lado, as leges
regiae criavam novas leis diferentes dos costumes, por outro lado elas
transformaram alguns deles em leis.
As leges
regiae foram estabelecidas com bases na influência externa sofrida pelos
romanos ao longo dos séculos. Inicialmente nota-se uma clara influência grega,
uma vez que desde o século VIII AC há indícios de relações comerciais e/ou
políticas entre romanos e gregos. Além disso, segundo autores clássicos, Rômulo
estudou em Gabii, um centro sob influência grega. Outra influência é a sabina,
que se reflete no uso de pele de boi como um suporte para a escrita, assim como
no teor de algumas das leis. E por fim, a influência etrusca torna-se evidente
a partir do governo dos reis etruscos tendo ela sido de natureza política,
econômica e judicial. Um exemplo desta influência seria a postura dos reis em
relação às gentes, que
perderam muito de suas funções durante seus reinados.
Segundo
fragmentos de vários autores clássicos, as leges regiae eram deliberadas
tanto pelo senado como pela comitia curiae (assembleia curiata) e
aprovadas pelo rex sacrorum e pelo pontifex maximus. No entanto,
há quem defenda que, devido ao poder dos reis, eram eles que decidiam, sem o
veto da curiae, tendo apenas o apoio do collegium pontificum,
além da deliberação do senado. Especula-se que a curiae possuía apenas a
função de participar publicamente na promulgação das leis.
O leges
regiae foi, em suma, aplicado para sancionar instâncias de natureza
religiosa; no entanto, estas não foram as únicas sanções em uso. Outras foram o
confisco de propriedade e a pena de morte, que não foi administrada em nome de
qualquer princípio sacro, mas na retribuição de um crime com um castigo igual.
III – 4 Reis Romanos
1) Romulus (Rômulo)
Rômulo foi, portanto, fundador e primeiro rei de
Roma. Segundo a lenda, Rômulo teria morto Remo, após a fundação, por ter
atravessado, de forma sacrílega, o pomerium[2] (literalmente, após o muro). Concretizada
a sua fundação, Rômulo convidou criminosos, escravos fugidos e outros para
auxiliarem na nova cidade, conseguindo assim povoar cinco das sete colinas de
Roma. Para conseguir esposas para seus cidadãos, Rômulo convidou os sabinos para
um festival e então raptou as mulheres sabinas levando-as para Roma.
O rei dos sabinos,
Titus Tatius, declarou guerra a Roma, mas acabaram unindo-se, romanos e sabinos,
sob o governo da diarquia (estado governado, simultaneamente, por dois reis) Rômulo
e Titus.
O rapto das sabinas por Rômulo e seus homens |
Rômulo dividiu a
população de Roma entre homens fortes e não aptos para combater. Os combatentes
constituíram as primeiras legiões romanas; dos restantes, constituindo-se em
plebeus de Roma, Rômulo selecionou cem dos homens de linhagem mais alta para
senadores. Estes homens foram chamados paters
e seus descendentes os patrícios, constituindo
a nobreza romana. Após a união entre romanos e sabinos, Rômulo agregou outros
cem homens ao senado. Sob o reinado de Rômulo estabeleceu-se também a
instituição dos áugures como parte da
religião romana, assim como a comitia curiata. Rômulo dividiu o povo de
Roma em três tribos: romanos (ramnes), sabinos (titios) e o resto
(luceres). Cada tribo elegia dez curiata (cúria) e fornecia cem cavaleiros
(celeres) e mil soldados de infantaria (milites), formando assim
a primeira legião de 300 ginetes e 3.000 infantes, comandados pelos tribuni
celerum e tribuni militum,
respectivamente.
Depois de 38
anos de reinado, Rômulo travara numerosas guerras, estendendo a influência de
Roma por todo o Lácio e outras áreas circundantes. Logo seria recordado como o
primeiro grande conquistador e como um dos homens mais devotados da história de
Roma. Após sua morte aos 54 anos de idade, foi
divinizado como o deus da guerra Quirino, honrado como um dos três deuses principais
de Roma.
2) Numa Pompilius
Numa Pompilius,
de origem sabina, relutante a aceitar o cargo, foi o sucessor de Rômulo. Realizou
um reinado sábio e marcado pela paz e prosperidade. Reformou o calendário
romano, ajustando-o para o ano solar e lunar, adicionando os meses de janeiro e
fevereiro para completar doze meses ao antigo de apenas dez. Instituiu
numerosos rituais religiosos romanos e criou novos sacerdócios: os salii
para adorar Marte e um flamen maioris como sacerdote supremo de Quirino,
o flamen quirinalis. Organizou o território circundante de Roma em
distritos, para uma melhor administração, e repartiu as terras conquistadas por
Rômulo entre os cidadãos, organizando a cidade em grêmios e ofícios.
Ruínas do Templo de Vesta, no Fórum Romano |
Numa foi
recordado como o mais religioso dos reis, mesmo acima do próprio Rômulo. Sob
seu reinado foram erigidos templos a Vesta e Jano, consagrado um altar no Capitólio ao deus da
fronteira Término, e se organizaram os flamines, as vestais e os pontífices
de Roma, assim como o collegium pontificum. Como homem bondoso e amante
da paz, Numa semeou ideias de piedade e de justiça na mentalidade romana.
Durante seu reinado as portas do templo de Jano (o Deus de duas faces, voltadas
para o passado e para o futuro) estiveram sempre fechadas, como era tradição, a
demonstrar que Roma, neste período, não se envolvera em qualquer guerra. Morreu
de morte natural após 43 anos de reinado.
(Segue com a Parte 4)
[1] O Collegium
Pontificum (Colégio dos Pontífices) era o corpo constituído pelos
sacerdotes da mais alta hierarquia da religião estatal romana. Era formado pelo
Pontifex Maximus e outros pontífices,
o Rex Sacrorum, os quinze flamens e as vestais, sendo um dos quatro maiores colégios sacerdotais, além do augurs, do quindecimviri sacris
faciundis (literalmente “os quinze responsáveis pelos ritos”), e os Epulones.
[2] Na Roma Antiga, o pomerium
ou pomoerium era uma designação romana para a fronteira simbólica
da cidade de Roma (a urbs), onde se
encontravam as pessoas vivas e desarmadas. Os mortos eram enterrados fora dos
limites do pomerium, geralmente em tumbas marginais às estradas que davam
acesso à urbs. Os soldados eram expressamente proibidos de andar armados
dentro destes limites, devendo reunir-se fora deles, no campus. Em
termos legais, a cidade de Roma existia dentro dos limites do pomerium. O
que estava fora dele pertencia a Roma mas não era Roma.
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