Homenagem ao lendário herói ancestral dos ingleses que deu título a um dos considerados "Cem Maiores Livros do Mundo" e tido como o mais antigo escrito em "Old English".

domingo, 6 de setembro de 2015

ROMA APÓS A QUEDA DO IMPÉRIO ROMANO (PARTE 1)

I - INTRODUÇÃO

Ao iniciar este trabalho, eu não sabia bem por onde começar, nem onde ele iria terminar. A grande ideia inicial era estudar – e após, tentar transmitir – de que forma e por quem teria sido preenchido o vácuo, físico e cultural, criado pelo Império Romano, ao final do século V da Era Cristã, ao deslocar seu quartel general de Roma para Constantinopla, na moderna Turquia, e lá, definitivamente, se extinguir.
O final do Império Romano com sede em Roma, já foi postado anteriormente, quando apresentei a totalidade daquela civilização. Para dúvidas sobre aquele período, eu remeto os meus leitores a uma longa série de publicações que fiz durante o ano de 2013, sob o título geral “Breve História do Império Romano”, em 11 partes. Apenas para relembrar, no ano 330 DC, o imperador romano Constantino I, numa tentativa de resolver a questão logística da enorme distância entre a capital Roma e as frentes militares da época, reconstruiu a capital do Bizâncio, denominando-a Nova Roma (mesmo antes de sua morte rebatizada Constantinopla). A partir daí, o Poder de Roma e da Igreja Romana começou a enfraquecer, até que ao final do século IV, com a morte do imperador Teodósio I, o Império Romano foi afinal e definitivamente dividido entre seus dois filhos, em dois: o Império Romano do Ocidente (com capital em Roma) e o Império Romano do Oriente (com capital em Constantinopla), assim abrindo as portas do ocidente às invasões germânicas. Desta feita, queremos mostrar o que aconteceu após a saída dos romanos da Itália. Quando fizemos aquela apresentação, o foco era o Império Romano e assistimos às invasões bárbaras, de passagem. Agora o foco está, justamente, nessas invasões e nos acontecimentos subsequentes, ou seja, qual a cultura que, a partir daí dominou a região e suas vizinhanças.
O assunto da queda do Império Romano inicia com o Período Migratório, conhecido em alemão como “Migração dos Povos” ou “Invasões Bárbaras”, em português. Este foi um período de intensa migração na Europa, muitas vezes definido a partir do período quando ele seriamente impactou o mundo Romano, de 376 a 800 DC, durante a transição do fim da Idade Antiga para o início da Idade Medieval. Esse período foi marcado por profundas alterações dentro do Império Romano e além de suas “fronteiras bárbaras”. Os primeiros migrantes foram as tribos germânicas (de que muito falaremos) como os Godos, Vândalos, Anglos, Saxões, Lombardos, Suevos, Frígios, Jutos e Francos; posteriormente eles foram empurrados para o oeste, pelos Hunos, Avaros, Eslavos, Búlgaros e Alanos.
É importante que eu alerte os leitores sobre um assunto que é hoje aceito com convicção quase dogmática e ... incorreta. Durante a Renascença[1], surgiu o costume de dividir a história do mundo em três grandes épocas, a saber, antiga, medieval e moderna, como se o nosso planeta tivesse testemunhado apenas dois grandes períodos de progresso: o dos gregos e romanos, de um lado, e o das invenções modernas, do outro lado. Entre os dois se localizaria a Idade Média, considerada como um intervalo de profunda ignorância e superstição, em que o homem teria vivido com os olhos vendados às maravilhas deste mundo. Nada está mais longe da verdade do que crer, por exemplo, que durante todo o período da idade medieval, que vai da queda de Roma (século V DC) ao início da Renascença Italiana, em meados do século XIII, os ideais e as instituições da humanidade eram os mesmos. Na verdade, somente o período de 400 até cerca de 800 é que se caracterizou pela maioria dos atributos comumente designados como “medievais”, onde o intelecto estagnou e mergulhou a abismos profundos de ignorância e credulidade, a atividade econômica baixou a níveis primitivos de troca direta e ruralismo, enquanto o ascetismo mórbido e o desprezo pelo mundo substituíam as atitudes sociais normais. Com a revolução carolíngia (sob o império de Carlos Magnos) do século IX, uma nova vida iniciou-se na Europa, iniciando-se uma das grandes culturas da história, caracterizada por progresso intelectual e alto grau de prosperidade e liberdade; esta segunda metade da civilização medieval, que durou até o final do século XIII, teve mais pontos de semelhança com a idade moderna do que muita gente pensa.
Devo também dizer que não vamos examinar com profundidade as causas do declínio e queda do Império Romano, matéria que excede em muito os objetivos da nossa postagem. As causas e mecanismos do declínio do Império Romano são um tema histórico introduzido pelo historiador Edward Gibbon, em seu livro de 1776 “The History of the Decline and Fall of the Roman Empire” (A História do Declínio e da Queda do Império Romano”), chamado o “primeiro historiador moderno da antiga Roma”. Ele iniciou uma discussão historiográfica sobra as causas da queda do Império Romano do Ocidente e do reduzido poder do remanescente Império Romano do Oriente. Em 1984, Alexander Demandt enumerou 210 diferentes teorias sobre a queda de Roma; novas teorias surgiram posteriormente. Nesta postagem vamos apenas tentar reunir os fatos relativos a tão importante matéria da história universal e, ordenadamente, transmitir aos nossos leitores aquilo que aprendemos.
Então, vamos a eles!
Para podermos falar sobre a migração das tribos germânicas com maior desenvoltura, vamos, inicialmente, introduzir um quadro com uma resumida apresentação de cada uma das várias tribos que participaram dos eventos da queda do Império Romano.

II - QUADRO RESUMO DAS TRIBOS GERMÂNICAS PARTICIPANTES DOS EVENTOS
Bacia do Rio Elba, mar do Norte, atuais Alemanha e Polônia


Os ALAMANOS eram uma aliança militar de tribos germânicas que habitavam a região em torno do alto rio Meno, onde hoje é a Alemanha. Aliança agressiva por natureza, foi formada para atacar a província romana da Germânia Superior. Seguiram o modelo da primeira aliança tribal germânica, a dos francos, que primeiro impediu os romanos de prosseguir ao norte do baixo Reno e em seguida invadiu a províncias romanas da Germânia Inferior.
Os FRANCOS formavam uma das tribos germânicas que adentraram o espaço do Império Romano a partir da Frísia (região europeia nas costas do sudeste do mar do Norte, do nordeste dos Países Baixos, pelo norte da Alemanha, até o sudoeste da Dinamarca), como federados, estabelecendo um reino duradouro na área que cobre a maior parte da França atual e na região da Francônia, Alemanha, formando a semente histórica desses dois países modernos. O Reino Franco passou por várias partilhas e repartições, já que os francos dividiam sua propriedade entre os filhos sobreviventes. Essa prática explica em parte a dificuldade de descrever com precisão as datas e limites físicos de quaisquer dos reinos francos e quem reinou sobre as várias seções. Em essência, no entanto, duas dinastias de líderes sucederam uma à outra, primeiro os merovíngios e depois os carolíngios.
Os SAXÕES foram uma confederação de tribos germânicas do norte da planície germânica, quase na Dinamarca, que se estabeleceram em grandes áreas da Grã-Bretanha no início da idade média, fazendo parte do grupo anglo-saxões que, finalmente, organizou o primeiro reino unido da Inglaterra. Muitos saxões, contudo, permaneceram na Alemanha, onde resistiram ao império franco em expansão.
Os FRÍSIOS eram uma antiga tribo germânica que viveu na região baixa entre o delta do Reno-Meuse-Scheldt e o rio Ems, praticamente a costa da atual Holanda, possivelmente os ancestrais da moderna etnia Frísia. Na pré-migração germânica, estes povos com os saxões e anglos ocupavam a costa europeia continental, compartilhando uma cultura comum sem poder ser definido arqueologicamente. Essa região era controlada pelos romanos e considerada parte da Gália, embora muitas de suas tribos fossem consideradas germânicas. Tal área foi posteriormente controlada pelos Francos.
Os TURÍNGIOS foram uma tribo germânica surgida tardiamente em relação a outras tribos germânicas já conhecidas, em torno de 280 DC nas montanhas Harz, da Germania Central, numa região que ainda hoje leva o seu nome - Thuringia. Devem ter preenchido um vazio deixado pelos alamanos, migrados em direção ao sul, mas não se sabe se eram remanescentes dos alamanos ou pertencentes a uma tribo menor. Foram conquistados pelos francos, cerca de 550 DC.
Os TEUTOS eram os povos germânicos que viviam no centro e norte da Europa. Originalmente estavam estabelecidos na península da Jutlândia (atualmente extremo-norte da Alemanha e parte continental da Dinamarca), assim como os jutos e os anglos. Por volta de 120 AC, os teutos se uniram aos cimbros e migraram até a Gália e ali permaneceram até 102 AC, quando foram derrotados pelo general romano Caius Marius. A partir do século II, passaram a viver nas margens do rio Meno, na região central da Alemanha.
Os CIMBROS eram uma tribo germânica que, segundo Tácito (historiador, orador e político romano que viveu entre 55 e 120 DC) e Ptolomeu (cientista grego que viveu em Alexandria, Egito, entre 90 e 168 DC), era originária da Jutlândia. Por volta de 110 AC, juntamente com elementos celtas confederados com os teutos, atacaram e pilharam a Gália e norte da Itália, entrando em conflito com a República Romana. Finalmente, foram derrotados pelos Romanos em 101 AC.
Os SUEVOS foram um grupo de povos germânicos, parte dos quais migraram à Hispânia durante as invasões bárbaras, fundando um reino na antiga província romana da Galécia (atual norte de Portugal e Galiza) que duraria entre 409 e 585 DC, data em que foi anexado pelos Visigodos. Eram originários da região entre os rios Elba e Oder, na atual Alemanha. O historiador romano Tácito chegou a referir-se a todos os germanos do além-Elba como "suevos".
Os QUERUSCOS eram uma tribo germânica que habitava a região da Baixa Saxônia, num ponto que ia de Osnabruque até Hamburgo, durante o século I AC e o século I DC. Posteriormente foram absorvidos pela confederação tribal dos Saxões. 
Curso do Danúbio entre o mar Tirreno e o mar Negro
Os MARCOMANOS eram uma tribo germânica com estreitas ligações aos suevos, que habitavam a região sul do rio Danúbio. As fontes romanas indicam que, no início da era cristã, as tribos marcomanas se estabeleceram na atual Bohemia, depois de terem sido derrotadas por Nero Cláudio Druso, general do imperador romano Augusto.
Os GODOS eram um povo germânico originário das regiões meridionais da Escandinávia. Nenhuma outra fonte primária, além de Jordanes, menciona esta longa migração, que poderia ter-se iniciado no Báltico ou no mar Negro e é possível que os godos tenham se desenvolvido como um povo distinto dos demais bárbaros nas fronteiras do Império Romano. Os godos, segundo Jordanes, distinguiam-se por usarem escudos redondos e espadas curtas e obedecerem fielmente a seus reis. No séc. II, os Godos migram sucessivamente e em pequenos grupos para as margens do Mar Negro, para aquilo que hoje é a Roménia, a Moldávia e a Ucrânia. Aí eles se dividiram em dois grupos: os tervíngios, povo gótico do qual possivelmente se originaram os visigodos, residentes nas margens do rio Danúbio e os Grutungos, povo gótico do qual possivelmente se originaram os ostrogodos, nas margens do rio Dniester. Tanto os ostrogodos quanto os visigodos nitidamente se romanizaram durante o século IV pela influência do comércio com os bizantinos, e por sua participação em um pacto militar com o Império Bizantino para ajuda militar mútua. Eles se converteram ao arianismo durante esta época.
Os HUNOS foram uma antiga confederação eurasiática de nômades ou seminômades equestres, com aristocracia de núcleo altaico (família linguística que inclui 66 idiomas e é falada por um número entre 348 e 558 milhões de habitantes, concentrados na Ásia Central). Algumas dessas tribos moveram-se para a Europa no século IV, provavelmente devido a mudanças climáticas. Eram excelentes criadores de cavalos e adeptos de combates a cavalo, com espada, lança e arco. Migraram com suas famílias e grandes rebanhos de animais domesticados e cavalos, em busca de novos pastos para se estabelecerem. Provocaram uma corrente migratória anterior à sua própria, pois outros povos se moveram para sair do seu caminho. Esse efeito dominó, de grandes populações, contornou Constantinopla e o Império Romano do Oriente, chegando aos rios Danúbio e Reno e resultando na tomada do Império Romano do Ocidente em 476, pelos hérulos chefiados por Odoacro.
Os HÉRULOS foram um povo germânico, possivelmente originários do sul da Escandinávia, que invadiram o Império Romano no século III, provavelmente após serem expulsos de sua região de origem. Segundo historiadores medievais, os hérulos, junto com os godos, participaram de várias expedições ao longo da costa saqueando os mares Negro e Egeu. São mencionados pela primeira vez em fontes romanas do século III, quando em 268 e 269 participaram de uma coalizão bárbara que reuniu mais de 300.000 guerreiros (cifra certamente exagerada por cronistas romanos e gregos) e atacou as forças do imperador Cláudio II, sobre o Danúbio. Fixaram-se na costa do mar Negro, onde foram dominados pelos ostrogodos e pelos hunos, entre os séculos III e IV.
Os BURGÚNDIOS formavam a mais antiga das tribos germânicas de áreas a leste do rio Oder, possuindo uma tradição de origem escandinava. No baixo Império Romano, instalaram-se na Germânia e na Gália na qualidade de federados. Tendo procurado se estender na Bélgica, foram abatidos por Aécio em 436 e transferidos para Saboia. De lá, eles se espalharam nas bacias do Saône e do Ródano. Foram submetidos pelos francos em 532 e seu território foi reunido à Nêustria. Deram seu nome à Borgonha.
Os LOMBARDOS ou LONGOBARDOS (em latim, "os de barba longa") eram um povo germânico originário da Europa Setentrional que colonizou o vale do Danúbio e, a partir dali, invadiu a Itália bizantina, em 568, sob a liderança de Alboíno.
Os VÂNDALOS eram uma tribo germânica oriental que penetrou no Império Romano durante o século V e criou um estado no norte da África, ocupando a cidade de Cartago, antiga cidade fenícia, que fora ocupada pelos romanos desde o fim das Guerras Púnicas. A localização de Cartago às margens do Mediterrâneo era estratégica para os vândalos. Ali centralizaram seu Estado, e logo após se estabelecerem, saquearam Roma no ano de 455, destruindo muitas obras primas de arte que se perderam para sempre.
Os TERVÍNGIOS foram um povo gótigo (dos godos) das planícies do Danúbio, a oeste do rio Dniester, nos séculos III e IV DC. Tiveram contato íntimo com os greutungios, outro povo gótico do leste do rio Dniester, bem como com o Império Romano final (ou Império Bizantino inicial).

[1] Renascimento, Renascença ou Renascentismo são termos usados para identificar o período da história da Europa, aproximadamente, entre fins do século XIV e início do século XVII. Os estudiosos, contudo, não chegaram a um consenso sobre essa cronologia, havendo variações consideráveis nas datas conforme o autor. Tal período foi marcado por transformações em muitas áreas da vida humana. Apesar destas transformações serem bem evidentes na cultura, sociedade, economia, política e religião, caracterizando a transição do feudalismo para o capitalismo e significando uma ruptura com as estruturas medievais, o termo é mais comumente empregado para descrever seus efeitos nas artes, filosofia e ciências. Chamou-se "Renascimento" em virtude da redescoberta e revalorização das referências culturais da antiguidade clássica, que nortearam as mudanças deste período em direção a um ideal humanista e naturalista, período definido por Jacob Burckhardt como uma época de "descoberta do mundo e do homem".

Na PARTE 2, a seguir, origem e movimentos das Tribos Germânicas.

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