Homenagem ao lendário herói ancestral dos ingleses que deu título a um dos considerados "Cem Maiores Livros do Mundo" e tido como o mais antigo escrito em "Old English".

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2023

CHARLEMAGNE OU CARLOS MAGNO
(Parte 2 de 4)

III - ESPOSAS, CONCUBINAS E FILHOS

Carlos Magno teve 18 filhos com oito de suas dez esposas ou concubinas conhecidas. Entretanto, teve apenas quatro netos legítimos, os quatro filhos de seu quarto filho Luís. Além disso, ele teve um neto, Bernardo da Itália (o único filho de seu terceiro filho Carlomano, rebatizado Pepino da Itália), ilegítimo, mas incluído na linha de hereditariedade. Entre seus descendentes estão várias dinastias reais que incluem os Habsburgs, Capetas e Plantagenetas. Em consequência, a maioria, senão todas as famílias nobres europeias estabelecidas desde então podem, genealogicamente, ligar algo do seu passado a Carlos Magno.
Durante a primeira paz de alguma duração substancial em seu reino (780-782), Charles começou a colocar seus filhos em posições de autoridade. Em 781, durante visita a Roma, ele fez seus dois filhos mais novos reis, coroados pelo Papa. O mais velho dos dois, Carlomano, foi feito rei da Itália, tomando a Coroa de Ferro que seu pai havia usado pela primeira vez em 774, sendo na mesma cerimônia rebatizado como Pepino (não confundir com o mais velho e possivelmente ilegítimo filho de Carlos Magno, Pepino, o Corcunda). O mais jovem dos dois, Luís, tornou-se rei da Aquitaine. Carlos Magno ordenou que esses seus dois filhos fossem criados nos costumes de seus reinos, dando a seus regentes algum controle sobre seus sub-reinos mantendo o poder real, embora pretendendo que seus filhos herdassem seus reinos. Nunca tolerou insubordinação de seus filhos: em 792 ele baniu Pepino, o Corcunda, para a Abadia de Prüm porque o jovem uniu-se a uma rebelião contra ele.
Carlos Magno determinou-se a bem educar suas crianças, incluindo suas filhas, da mesma forma que seus pais haviam insuflado a importância de aprender com ele em tenra idade. Seus filhos também aprenderam habilidades de acordo com seus status aristocráticos, que incluíam treinamento em equitação para os homens e bordado, fiação e tecelagem para as mulheres.
Os filhos lutaram muitas guerras para seu pai. Carlos era particularmente preocupado com os bretões, cujas fronteiras ele repartia e que se insurgiram em, pelo menos, em duas ocasiões. Ele também lutou contra os saxões em múltiplas ocasiões. Em 805 e 806 ele foi enviado à Böhmerwald (moderna Bohemia) para se ocupar dos eslavos que lá residiam (tribos bohemias, ancestrais dos modernos tchecos). Sujeitou-os à autoridade franca e devastou o vale do Elba, forçando-os a pagar tributos. Pepino teve que manter as fronteiras Ávara e Beneventana e lutou contra os Eslavos ao norte. Ele foi singularmente motivado a combater o Império Bizantino, quando o conflito surgiu após a coroação imperial de Carlos Magno, e uma rebelião Veneziana. Luís, finalmente, foi o encarregado da Marca Espanhola [1] e lutou contra o Duque de Benevento no sul da Itália, pelo menos em uma ocasião. Tomou Barcelona num grande sítio, em 797.
Carlos Magno manteve suas filhas com ele, em casa, recusando-lhes casamento (embora tenha anteriormente permitido o casamento de sua filha mais velha Rotrude com Constantino VI do Bizâncio, este enlace foi anulado quando Rotrude tinha 11 anos de idade). A oposição de Carlos Magno ao casamento de suas filhas pode, possivelmente, ter pretendido evitar a criação de ramos secundários da família que pudessem desafiar a linha principal. Contudo, ele tolerou suas relações extramaritais, mesmo recompensando seus “maridos habituais” e enriquecendo os netos ilegítimos por eles produzidos. Aparentemente, ele também recusava crer nas histórias de seus comportamentos selvagens. Após sua morte, as filhas sobreviventes foram banidas da corte por seu irmão, o pio Luís, para residirem em conventos que elas tinham recebido por herança de seu pai. Pelo menos uma delas, Bertha, teve uma relação reconhecida, se não casamento, com Angilbert, um membro da corte de Carlos Magno.

IV - CAMPANHAS ITALIANAS

1 – Conquista do Reino Lombardo

Com sua ascensão em 772, o Papa Adriano I exigiu o retorno de certas cidades do antigo Exarcado de Ravena [2], de acordo com a promessa de Desiderius (último governante lombardo a exercer um reinado regional). Ao invés disso, Desiderius invadiu a Pentápolis (grupo de cinco cidades às margens do Adriático: Rimini, Pesaro, Fano, Sinigaglia e Ancona), dirigindo-se para Roma. Adriano enviou embaixadores a Carlos Magno, solicitando que ele cumprisse as promessas de seu pai Pepino. Desiderius enviou seus próprios embaixadores negando as solicitações do Papa. Os embaixadores se encontraram em Thionville e Carlos Magno tomou o partido do Papa, exigindo o cumprimento das suas solicitações, com o que jurou Desiderius nunca concordar. Carlos Magno e seu tio Bernardo atravessaram os Alpes em 773 e o perseguiram até Pavia (Próximo de Milão) que passaram a sitiar. Carlos Magno abandonou temporariamente o cerco para negociar com Adelchis, filho de Desiderius, que levantava um exército em Verona. O jovem príncipe foi perseguido até o litoral do Adriático e fugiu para Constantinopla em busca de assistência de Constantino V, que fazia guerra contra a Bulgária.
O cerco durou até 774, quando Carlos Magno visitou o Papa em Roma, onde confirmou as promessas de terras de seu pai, recebendo do Papa o título de patrício. Retornou então a Pavia, onde os lombardos iniciavam sua rendição. Em troca de suas vidas os lombardos renderam-se, abrindo seus portões no início do verão. Desiderius foi enviado para a Abadia de Corbie e seu filho Adelchis morreu em Constantinopla. Carlos Magno corou-se com a Coroa de Ferro fazendo com que os magnatas da Lombardia lhe pagassem homenagem em Pavia. Somente o Duque Arechis não se submeteu e proclamou sua independência. Com isso Carlos Magno tornou-se senhor da Itália como rei dos lombardos, deixando a Itália com uma guarnição em Pavia e alguns condes francos em posição no mesmo ano.
A instabilidade prosseguiu na Itália e em 776 os Duques Hrodgaud de Friuli e Hildebrand de Spoleto se rebelaram. Carlos Magno retornou rapidamente da Saxônia, derrotando o Duque de Friuli (assassinado em seguida) em batalha. O Duque de Spoleto assinou um tratado, mas seu vizinho conspirador, Arechis, não foi subjugado. Com isso o norte da Itália era fiel a Carlos Magno.

2 – Sul da Itália

Em 787, Carlos Magno dirigiu sua atenção para o Ducado de Benevento, onde Arechis II reinava independentemente com o autoconcedido título de Príncipe. O sítio de Salerno, por Carlos Magno, forçou Arechis II a submeter-se, mas após sua morte, em 787, seu filho Grimoald III proclamou o Ducado de Benevento novamente independente. Grimoald foi atacado várias vezes pelos exércitos de Carlos Magno ou de seus filhos sem que alcançassem vitória definitiva. Carlos Magno perdeu interesse na região e nunca mais retornou ao sul da Itália onde Grimoald manteve seu ducado livre da suserania franca.

V - EXPANSÃO CAROLÍNGIA PARA O SUL

1 – Vasconia (ou Gasconha) e os Pirineus

A guerra conduzida por Pepino, na Aquitânia, embora com um final satisfatório aos francos, provou que a estrutura de poder ao sul do Loire era fraca e não confiável. Após a derrota e morte de Waiofar (último duque independente da Aquitânia), em 768, quando a Aquitânia novamente se submetia à dinastia Carolíngia, uma nova rebelião eclodiu em 769, liderada por Hunald II, um possível filho de Waifer. Ele refugiou-se com o aliado Duque Lupus II da Gasconha o qual, por medo de uma reprise de Carlos Magno, entregou-o ao novo Rei dos Francos a quem hipotecou lealdade, o que parecia confirmar a paz na área Basca ao sul do Garone.
Cauteloso sobre novos levantes bascos, Carlos Magno parece ter tentado conter o poder do Duque Lupus fazendo Seguin o Conde de Bordeaux (778) bem como outros condes de antecedentes francos nas áreas fronteiriças (Toulouse, Condado de Fézensac). O Duque basco, por seu lado, parece ter contribuído decisivamente ou maquinado a Batalha do Passo de Roncevaux (“traição basca”). A derrota do exército de Carlos Magno em Roncevaux (778) confirmou sua determinação de governar diretamente pelo estabelecimento do Reino da Aquitaine (dirigido por Luís, o Piedoso) apoiado numa força base de oficiais francos, distribuindo terras entre colonizadores e alocando terras à Igreja, que tomara como aliada. Um programa de cristianização foi posto em prática através dos Altos Pirineus (778).
O novo arranjo político para a Vasconia não assentou bem aos lordes locais. Em 788 Adalric lutava e capturava Chorson, o conde carolíngio de Toulouse. Este foi, ao final, libertado, mas Carlos Magno, encolerizado com isso, decidiu depô-lo, colocando em seu lugar seu curador William de Gellone. Este lutou contra os bascos e derrotou-os após banir Adalric.
De 781 (Pallars, Ribagorça) a 806 (Pamplona sob influência franca, usando o ducado de Toulouse como base), Carlos Magno firmou autoridade franca sobre os Pirineus, subjugando as fronteiras sudoeste de Toulouse (790) e estabelecendo condados vassalos ao sul dos Pirineus para constituir a Marca Espanhola. Em 794, um vassalo franco, o lorde basco Belasko governou Álava, mas Pamplona permaneceu sob Cardovan e controle local até 806. Belasko e os condados da Marca Espanhola proveram a base necessária para atacar os Andaluzes (uma expedição conduzida por William Conde de Toulouse e Luís o Piedoso para capturar Barcelona em 801). Eventos no ducado de Vasconia (rebelião em Pamplona, deposição do conde em Aragon, deposição do Duque Seguin de Bordeaux, levante dos lordes bascos etc...), provaram sua efemeridade após a morte de Carlos Magno.

2 – Campanha de Roncesvalles

De acordo com o historiador muçulmano Ibn al-Athir, a Dieta (Corpo Deliberativo do Sacro Império Romano) de Paderborn havia recebido os representantes muçulmanos de Zaragoza, Girona, Barcelona e Huesca. Seus líderes haviam sido entocados na Península Ibérica por Abd ar-Rahman I, o Emir Omíada de Córdova. Esses mandatários “sarracenos” (mouros e muladis) ofereceram reverência ao rei dos Francos em troca de apoio militar. Enxergando uma oportunidade de estender a Cristandade e seu próprio poder e acreditando que os saxões eram uma nação totalmente conquistada, Carlos Magno concordou em ir à Espanha.
Em 778 ele conduziu o exército neustriano (da Nêustria, região oeste do reino dos francos) através dos Pirineus Ocidentais, enquanto os austrasianos (ducado da Austrásia), lombardos e burgundianos (de Burgundy) atravessaram pelos Pirineus Orientais. Os exércitos se encontraram em Zaragoza e Carlos Magno recebeu as reverências dos mandatários muçulmanos Sulayman al-Arabi e Kasmin ibn Yusuf, mas a cidade não caiu. De fato, Carlos Magno enfrentou a mais árdua batalha de sua carreira. Os muçulmanos o forçaram a retirar-se e ele decidiu-se a voltar para casa pois não podia confiar nos Bascos, a quem ele havia subjugado na conquista de Pamplona. Iniciou sua retirada da Iberia mas ao passar pelo Passo de Roncevaux ocorreu um dos mais famosos eventos do seu reinado. Os Bascos atacaram e destruíram sua retaguarda e carros de carga. A Batalha do Passo de Roncevaux, menos uma batalha do que uma escaramuça, deixou muitos mortos famosos, incluindo o mordomo Eggihard, o conde do palácio Anselmo e o guardião das fronteiras com a Bretanha (Breton March), Rolando, que inspirou a subsequente criação da “Canção de Rolando”.

3 – Contato com os Sarracenos [3]

A conquista da Itália colocou Carlos Magno em contato com os Sarracenos que, à época, controlavam o Mediterrâneo. Seu filho mais velho, Pepino, o Corcunda, esteve muito ocupado com os sarracenos na Itália. Carlos Magno conquistou a Córsega, Sardenha e as Ilhas Baleares. As ilhas foram frequentemente atacadas por piratas sarracenos, mas os condes de Gênova e da Toscana controlaram esses ataques com grandes frotas até o final do reinado de Carlos Magno. Ele teve também contato com a corte do califado em Bagdá e em 797 (ou possivelmente 801) o califa Harun al-Rashid o presenteou com um elefante asiático (Abul-Abas) e um relógio.

4 – Guerras com os Mouros [4]

Na Espanha, os conflitos com os mouros continuaram, sem atenuação, por toda a última metade de seu reinado, com Luís encarregado da fronteira espanhola. Em 785 seus homens capturaram Girona permanentemente e estenderam o controle franco no litoral catalão até o final do reinado de Carlos Magno (a área permaneceu nominalmente franca até o Tratado de Corbeil, em 1258). Os chefes muçulmanos no nordeste da Espanha Islâmica estavam em permanente rebelião contra a autoridade de Córdova e frequentemente recorriam à ajuda dos francos. A fronteira franca foi lentamente se estendendo até 795, quando Girona, Cardona, Ausona e Urgell foram unidas à nova fronteira Espanhola, dentro do velho ducado da Septimania.
Em 797, Barcelona, a maior cidade da região caiu aos francos, quando Zeid, seu governador, rebelou-se contra Córdova e, falhando, entregou-a a eles. A autoridade Omíada recapturou-a em 799. Entretanto, Luís da Aquitânia marchou com todo o exército de seu reino, pelos Pirineus, e sitiou Córdova por dois anos, quando ela capitulou. Os francos continuaram a pressionar contra o Emir, tomando Tarragona e Tortosa em 811. A última conquista os levou à foz do Ebro, dando-lhes acesso a Valência e forçando o Emir Al-Hakam a reconhecer suas conquistas em 813.

Segue na próxima postagem, com a Parte 3 de 4.


[1] Área militar neutra além da original província da Septimania, estabelecida por Carlos Magno em 795, como barreira defensiva entre os mouros omíadas de Al-Andalus e o Império Carolíngio Franco.
[2] O Exarcado de Ravena, ou da Itália, foi um território do Império Romano do Oriente (Império Bizantino), na Itália, que sobreviveu de 584 a 751, quando o último exarca (mantenedor de qualquer dos vários escritórios históricos, alguns deles políticos ou militares e outros eclesiásticos) foi condenado à morte pelos Lombardos (povo germânico que governou a maior parte da Península Itálica, de 568 a 774, com origens próximas do Elba, ao norte da Alemanha e sul da Suécia, antes do Período da Migração). Foi um dos dois exarcados estabelecidos pelo Imperador Justiniano em sua Reconquista do ocidente, para mais efetivamente poder administrar os territórios, junto com o Exarcado da África (Cartago).
[3] Sarraceno foi um termo usado por escritores cristãos, durante a Idade Média, para se referir a muçulmanos, principalmente de origem árabe, mas também de origem turca ou persa. O significado do termo evoluiu com o uso na história; nos primeiros séculos da era cristã, escritos gregos e latinos usaram o termo para se referir às pessoas que habitavam as áreas desérticas da província romana de Arabia Petrae ou próximas dela, bem como da Arábia Deserta. Durante os primórdios da Idade Média na Europa, o termo veio a ser associado com as tribos da Arábia. A mais antiga fonte que menciona “sarracenos” relacionados ao Islã, data do século VII e foi encontrada num comentário cristão, em grego, que discutia, entre outras coisas, a conquista do Levante pelos muçulmanos, ocorrida após o estabelecimento do Califado Rashidun, após a morte de Maomé. Pelo século XII, “sarraceno” se tornara sinônimo de “muçulmano”.
[4] O termo “Mouro” é uma palavra estrangeira primeiramente usada por cristãos europeus para designar os habitantes muçulmanos do Maghreb (região oeste do norte da África), Península Ibérica, Sicília e Malta durante a Idade Média. Os mouros eram, inicialmente, os indígenas Bérberes do Maghreb. O termo foi, posteriormente, aplicado a árabes e habitantes da Península Ibérica arabizados.

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