Homenagem ao lendário herói ancestral dos ingleses que deu título a um dos considerados "Cem Maiores Livros do Mundo" e tido como o mais antigo escrito em "Old English".

terça-feira, 30 de setembro de 2025

HISTÓRIA DO POVO JUDEU APÓS O RETORNO DE SEU EXÍLIO NA BABILÔNIA (PARTE 1)


I – INTRODUÇÃO

O objetivo desta pesquisa é o preenchimento de uma lacuna pessoal sobre a história do povo judeu, durante o período que vai do “Cativeiro na Babilônia” até o início da Era Cristã. O Antigo Testamento é farto de material quando se refere a assuntos anteriores ao mencionado; e o Novo Testamento, dentro das suas limitações, se encarrega de apresentar o período que segue ao período acima citado. Mas o período objeto da presente postagem, pelo menos para mim, sempre ficou um tanto nebuloso.
O Cativeiro Babilônico, ocorrido entre 586 AC e 538 AC, representou um dos episódios mais traumáticos e transformadores na história do povo judeu. Caracterizado pela destruição de Jerusalém e o Primeiro Templo, em 586 AC, e pelo exílio de uma parte significativa da população judaica na Babilônia, este período não foi meramente um deslocamento político ou demográfico. A perda da terra, da monarquia e do Templo, pilares da identidade e da fé judaica, desencadeou uma profunda crise teológica que, por sua vez, levou a questionamentos existenciais sobre a natureza, o poder e a bondade de Deus, forçando uma reavaliação fundamental do que significava ser judeu.
Apesar da desolação, o exílio também se tornou um cadinho para a redefinição da identidade judaica. A população exilada conseguiu preservar sua identidade cultural e religiosa por meio da manutenção de suas tradições, como a observância da Lei, do Sábado e da circuncisão. Este período de adversidade, em vez de levar à assimilação completa ou à dissolução, impulsionou uma profunda reavaliação interna, deslocando o foco de uma religião puramente geográfica e centrada no Templo para uma fé que podia ser praticada e mantida através da adesão à Lei e à identidade comunitária, mesmo em terras estrangeiras. Essa capacidade de adaptação, forjada na adversidade, foi crucial para a sobrevivência e evolução do judaísmo a longo prazo, estabelecendo as bases para seu futuro como uma religião global.
O presente estudo abrange o período que se inicia com o retorno do Cativeiro Babilônico, aproximadamente em 538 AC, e se estende até os primeiros anos da Era Cristã, convencionalmente definidos a partir do ano 1 DC, embora estudos indiquem que o nascimento de Jesus tenha ocorrido entre 7 AC e 4 AC. O recorte temporal escolhido não é arbitrário; ele inclui uma sequência contínua de transições imperiais – persa, helenística e romana – e as complexas respostas internas do povo judeu a essas dominações. Os registros históricos consistentemente destacam esta era como "crucial" e "formativa" para o judaísmo. É um período em que a identidade judaica, despojada de sua monarquia e de seu Primeiro Templo, foi reconstruída e redefinida por meio da Lei, de novas estruturas comunitárias como a sinagoga, e de uma evolução nas compreensões teológicas, incluindo a expectativa messiânica e o desenvolvimento da Lei Oral. As constantes pressões externas atuaram como catalisadores, forçando adaptações que, em última instância, garantiram a resiliência do judaísmo e, de forma talvez inesperada, criaram o ambiente propício para o surgimento do cristianismo como um movimento religioso distinto, embora intrinsecamente ligado.
Para tentar preencher este hiato, resolvi recorrer entre outras fontes, ao historiador Flavius Josephus, que viveu no primeiro século da Era Cristã e escreveu duas grandes obras: “As Antiguidades dos Judeus” e “As Guerras dos Judeus”, além de outras menores. Nossa pesquisa vai se basear na primeira delas. Quem foi Flavius Josephus?
Titus Flavius Josephus
Titus Flavius Josephus (36 a 100 DC) nascido Yosef ben Matityahu, tornou-se um historiador judeu do primeiro século da Era Cristã. Ele era membro de uma família sacerdotal por parte de seu pai (casa e ordem de Jehoiarib), em Jerusalém; sua mãe era descendente da realeza Hasmoneana. Foi educado em Jerusalém e muito provavelmente partilhou da ideologia e simpatia pelo partido dos Fariseus[1].
Os escritos de Flavius Josephus são crucialmente importantes para várias disciplinas: o Judaísmo do Segundo Templo no primeiro século da Era Cristã, fontes de fundo para a história da Cristandade em seus primórdios, detalhes históricos dos reis clientes do Império Romano no oriente e a linha dos Imperadores Julio-Claudianos em Roma. Nas últimas décadas do século I DC, ele escreveu “As Guerras dos Judeus” (cerca de 75 DC), “As antiguidades dos Judeus” (cerca de 95 DC), “Contra Apion” (cerca de 97 DC) e “A Vida de Flavius Josephus” (cerca de 99 DC).
Como membro da aristocracia de Jerusalém, em 64 DC, Josephus viajou para Roma para negociar com Nero, o imperador romano (que reinou de 54 a 68 DC) para a libertação de alguns sacerdotes judeus mantidos como reféns por várias razões. Quando ele retornou a Jerusalém, o partido dos Zelotes[2] tinha convencido a maioria dos judeus a se revoltarem contra Roma (primeira guerra entre judeus e romanos, 66 a 73 DC). Josephus foi indicado governador militar da Galileia[3] dado que as cidades estavam divididas, com algumas aderindo à autoridade do governo romano e outras que se juntaram às forças rebeldes. Teve algum sucesso na organização da Galileia, mas todas as suas vitórias foram perdidas quando Nero indicou o General Vespasiano para invadir a região. Josephus estava sitiado nas colinas da cidade de Jotapata e com mais 40 companheiros acabaram por ficar presos em uma caverna. De acordo com sua versão da história, ele sugeriu que cometessem suicídio coletivo para não se tornarem escravos de Roma. Ajudaram a matar-se uns aos outros e acabaram restando apenas Josephus e um companheiro, quando Josephus mudou de ideia e resolveu render-se. Enquanto aguardavam a execução, Josephus lembrou a Vespasiano que todos os judeus tinham o dom da profecia e previu que Vespasiano tornar-se-ia o próximo imperador de Roma, o que de fato aconteceu. Afirmou que tinha tido uma visão que explicava a maré da guerra, com Deus usando os romanos para punir os judeus e que o papel dele, Josephus, era agora explicar o que tinha acontecido aos judeus revoltosos
A partir daí, Josephus serviu como um consultor às forças romanas. Quando Vespasiano deixou a região para desafiar, com sucesso, outros pretendentes após a morte de Nero, seu filho Titus (que reinou entre 79 e 81 DC) retirou o cerco de Jerusalém, desenvolvendo com Josephus um bom relacionamento. Após a guerra, ele foi recompensado por seus bons serviços, mudando-se para uma casa de Vespasiano em Roma, quando adotou o nome de seu patrocinador (Titus Flavius Vespasiano). Enquanto em Roma, teve acesso a registros e arquivos de onde retirou as mais importantes fontes para suas histórias.
A partir do século XIX Josephus tornou-se figura central do movimento em busca do histórico Jesus. Como a fonte principal da história e cultura do judaísmo no primeiro século da era cristã, os arqueólogos referenciam a informação de Josephus em suas reconstruções de cidades e vilas na região. Em 2013 o arqueólogo israelense Ehus Netzer declarou ter descoberto a tumba de Herodes, o Grande, através de uma cuidadosa leitura da descrição de Josephus do território circundante. Mas como todos os historiadores antigos, Josephus não se ateve estritamente aos fatos, mas incluiu moralidade e psicologia atrás de atores e ações, por exemplo, com relação aos judeus. Entretanto, a despeito dos problemas e debates, sem os escritos de Josephus teríamos tido muito pouco acesso ao povo e eventos do seu tempo.
A obra principal de Flavius Josephus, “As Antiguidades dos Judeus” dedica-se, quase que integralmente, à história do povo judeu, desde as suas origens até o fim da sua vida. Mas dedica-se pouco aos eventos paralelos, espaciais e temporais, que tiveram importância fundamental na formação do povo judeu já que, embora fundamentalmente ligados à religião judaica, constituiu uma raça, com localização própria e sofrendo, como todos os demais povos da terra, influências dos povos que a cercavam, ao longo de toda a sua história. Por isso, antes de abordar a obra mesmo de Flavius Josephus, realizei uma pequena pesquisa para esclarecer, pelo menos, como chegou até o povo judeu, o grande responsável pelo cativeiro dos judeus na Babilônia, para bem poder situar os nossos leitores no tempo e no espaço dessa narrativa.

II – O NOVO IMPÉRIO ASSÍRIO

O Novo Império Assírio (912-612 AC) foi o quarto e penúltimo estágio do antigo Império Assírio, que se estendeu através da Mesopotâmia, Levante[4], Egito, Anatólia[5] e partes da Pérsia e Arábia. Iniciou com o reino de Adad Nirari II (912-891 AC) e, com seus reis assírios, forjou o maior império no mundo até aquele tempo. A real ascensão do Novo Império Assírio foi iniciada por Tiglath Pileser III (reinando entre 745 e 727 AC), que reorganizou o poder militar e a burocracia do governo, derrotando o reino de Urartu, que se havia revoltado contra os governantes assírios, e subjugando a região da Síria.
Tiglath Pileser III foi seguido por Shamaneser V (reinando entre 727 e 722 AC) que seguiu as políticas do rei, mas não foi tão efetivo nas campanhas militares. Seu sucessor, Sargão II (reinando entre 722 e 705 AC) foi um brilhante líder militar e administrador, que expandiu o Império além de qualquer rei anterior. Foi Sargão II que fundou a dinastia Sargônida (722-612 AC), que governaria o Império Assírio até a sua queda.
Senaqueribe foi rei do Império Neo-Assírio a partir da morte de seu pai Sargão II, em 705 AC, até sua morte em 681 AC. Portanto, segundo rei da dinastia Sargônida, Senaqueribe foi um dos mais famosos reis assírios, pelo papel que representou na Bíblia Hebreia, que descreve sua campanha no Levante. Conquistou Israel, Judá[6] e as províncias gregas da Anatólia. Seu relato é contestado pela versão dos eventos descrita no livro bíblico de “Reis II”, capítulos 18-19, “Crônicas II” e “Isaías 37”, que dizem ter sido Jerusalém salva por intervenção divina, com o exército de Senaqueribe expulso do campo, embora o relato bíblico confirme a conquista assíria da região. Foi assassinado por seus filhos e sucedido por seu filho mais novo Esarhaddon (Assaradão), que reinou entre 681 e 669 AC.
Maior extensão do Novo Império Assírio
Esarhaddon foi o terceiro rei da dinastia Sargônida do Império Neo-Assírio. Sua mãe não era a rainha, mas uma esposa secundária, Zakutu. Ficou conhecido por reconstruir a Babilônia, destruída por seu pai, Senaqueribe. Além de restaurar a babilônia, ele também ficou conhecido por suas campanhas militares no Egito e por garantir uma tranquila sucessão para seu filho Assurbanipal (que reinou entre 668 e 627 AC).
Assurbanipal foi o último dos grandes reis da Assíria. Os gregos o conheceram como Sardanapolos e os romanos como Sardanapulus e ele obteve a maior extensão territorial do Império Assírio, que incluía a Babilônia, Pérsia, Síria e o Egito (embora o Egito tenha sido perdido por uma revolta sob o faraó Psamtik I). Ao mesmo tempo em que reunia sua biblioteca, renovava Nínive, sua capital e maior cidade, ao norte do atual Iraque, a cidade de Mosul, margem oriental do rio Tigre, e governava o império, Assurbanipal continuou a conduzir suas campanhas militares, além de supervisionar as renovações na Babilônia. Deixou o império nas mãos de seu filho Ashur-etel-ilani, mas sua decisão foi desafiada pelo irmão gêmeo do novo rei, Sin-shar-ashkun, e uma guerra civil irrompeu. Os territórios do império Assírio tiraram vantagem desta divisão e começaram a exercer maior autonomia do que lhes tinha sido permitido anteriormente. Quando Assurbanipal morreu em 627 AC, de causas naturais, o Império desmoronou, com os Medos, Persas, Babilônios, Cimérios, Scyntians e Caldeus incendiando e saqueando as cidades assírias. Em 612 AC, com o saque e incêndio da capital Nínive e as grandes conflagrações que destruíram a região, a Biblioteca de Assurbanipal foi enterrada sobre as muralhas incendiadas do seu palácio e perdida para a história por mais de 2.000 anos. Sua descoberta, contudo, alterou a forma como as eras modernas entendiam a cultura e o passado. Antes da sua descoberta, a Bíblia era considerada o livro mais antigo do mundo e as histórias nela contidas, consideradas sem precedentes. Escavações do século XIX por Sir Austen Henry Layard, Hormuzd Rassam e traduções feitas por George Smith trouxeram à luz um mundo até então desconhecido. (Parte 2 na próxima postagem)


[1] Os Fariseus eram uma seita que emergiu cerca do ano 150 AC e promoveu a ideia da pureza sacerdotal para todos os judeus, a crença na providência ou destino e o conceito de ressureição dos mortos, além de ensinar que, além dos Mandamentos, a Lei Oral também tinha sido passada por Moisés. O Judaísmo Rabínico (judaísmo tradicional que aceita os textos escritos como revelação divina e a Torá Oral também como fonte de autoridade) do início do século II DC reivindicava descendência espiritual dos Fariseus.
[2] Os Zelotes formavam um movimento político no Judaísmo do Segundo Templo do primeiro século, que buscava incitar o povo da Província da Judeia a se rebelar contra o Império Romano e expulsá-lo da Terra Santa pela força das armas, principalmente durante a Primeira Guerra Romana-Judia (66 a 73 DC). Segundo Josephus, havia 3 principais seitas judias à época, os Fariseus (acima), os Saduceus e os Essênios. Os Zelotes seriam uma quarta seita.
[3] Galileia é a região localizada ao norte de Israel e sul do Líbano. Normalmente refere-se à área montanhosa, dividida em Galileia Superior e Galileia Inferior. A Galileia se refere a toda área localizada ao norte da cumeeira do Monte Carmel-Monte Gilboa e ao sul da seção Leste-Oeste do rio Litani. Na direção Leste-Oeste, a região se estende da planície costeira de Israel e as praias do Mediterrâneo com o Acre, no oeste, até o vale do Jordão a leste.
[4] O Levante é um termo geográfico histórico, aproximado, que se refere a uma grande área na região do Mediterrâneo Oriental da Ásia Ocidental. Em seu sentido mais estreito, hoje em uso na arqueologia e outros contextos culturais, é equivalente a Chipre e uma faixa de terra que margeia o Mar Mediterrâneo na Ásia Ocidental, isto é, a região histórica da Síria (Síria Maior), que inclui os atuais Israel, Jordânia, Líbano, Síria, os territórios palestinos e a maior parte da Turquia a sudoeste do médio Eufrates. Sua característica mais importante é que ele representa a ponte terrestre entre a África e a Eurásia.
[5] A Anatólia, também chamada de Ásia Menor, é a península que hoje constitui a porção asiática da Turquia. Por sua localização, no ponto em que os continentes da Ásia e Europa se encontram, a Anatólia foi, desde o início da civilização, a encruzilhada para numerosos povos que migravam ou conquistavam de qualquer dos continentes
[6] O Reino de Judá foi o reino israelita do Levante Sul formado cerca de 930 AC com a cisão das Doze Tribos de Israel. Centrado na Judeia, a capital do reino era Jerusalém. O outro sistema israelita formado, o Reino de Israel, ficava ao norte. Os judeus tiraram seu nome de “Judá” e descendem, primariamente, dele.

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