VIII - A DINASTIA HASMONEANA: AUTONOMIA E CONFLITOS INTERNOS
A Revolta dos Macabeus levou ao estabelecimento da Dinastia Hasmoneana, que governou a Judeia de 140 a 63 AC, marcando um período de autonomia judaica. Simão, irmão de Judas Macabeu, foi nomeado para os títulos de Alto Sacerdote, General e Líder por uma grande assembleia geral, tornando-se o primeiro governante da dinastia Hasmoneana de um estado autônomo. Vislumbrando o poder romano, viajou para Roma para obter dela a garantia de que a Judeia seria um território independente.
Por essa época, já era o mandante do Império Selêucida, Antiochus VII Euergetes, apelidado Sidetes, que reinou de julho de 138 a 129 AC, como último rei Selêucida de alguma estatura; após sua morte em batalha, o reino Selêucida ficou restrito apenas à Síria. Antiochus VII queria as cidades de Gadara, Joppa e Acre de volta, além de um grande tributo. Como Simão quisesse pagar uma fração do desejado pela manutenção de apenas duas das cidades, Antiochus enviou seu general Cendebaeus para atacar. O general foi morto e o exército posto em debandada. Sob o domínio dos hasmoneus, o reino expandiu suas fronteiras, cobrindo uma área quase tão grande quanto a que a nação tinha sob o rei Salomão.
Simão e dois de seus filhos foram mortos numa trama para derrubar os Hasmoneus, que pretendia também matar João Hyrcanus seu filho restante, mas que escapou para Jerusalém para defendê-la. João Hyrcanus conquistou a Transjordânia, a Galileia, a Samaria e a Idumeia (Edom). Hyrcanus tinha muitas questões para resolver como novo Alto Sacerdote. Antiochus invadiu a Judeia e sitiou Jerusalém em 134 AC. Por falta de alimentos Hyrcanus teve que fazer um acordo com Antiochus, pagando uma grande quantidade de dinheiro, abrindo as muralhas da cidade, reconhecendo o poder selêucida sobre a Judeia e ajudando os selêucidas em sua luta contra os Partas, que não aconteceu pela morte de Antiochus em 128 AC. Com isso Hyrcanus tomou de volta a Judeia e manteve o seu poder. Ele também manteve boas relações com os romanos e egípcios, pela grande quantidade de judeus que lá viviam.
Aristobulus I sucedeu a João Hyrcanus, seu pai, sendo o primeiro Hasmoneu a assumir o título de "Rei" e Sumo Sacerdote, durante um curto reinado de um ano. Desafiou os desejos de seu pai que queria sua mãe como sua sucessora, mandando-a para a prisão com todos os seus irmãos, exceto um que logo foi assassinado por suas ordens. Seu feito mais significativo foi a conquista da Galileia.
Com sua morte foi sucedido por seu irmão Alexandre Yanai, apenas preocupado com poder e conquista. Casou-se com a viúva de seu irmão, mostrando muito pouco respeito pela lei judia. Sua primeira conquista foi a cidade egípcia de Ptolomais, cujos habitantes clamaram pela ajuda de Ptolomeu IX que se encontrava em Chipre. Contudo quem veio foi sua mãe Cleópatra III, para ajudar Alexandre e não seu filho.
O reinado dos Hasmoneus foi marcado por intrigas políticas e conflitos internos. A união dos cargos de rei e Sumo Sacerdote na figura dos Hasmoneus gerou insatisfação, pois a realeza deveria ser de descendência davídica, e o Sumo Sacerdócio, da linhagem de Zadoque, o que os Hasmoneus não podiam reivindicar. Essa tensão levou ao surgimento de grupos político-religiosos distintos: os fariseus, os saduceus e os essênios. A luta entre fariseus e saduceus atingiu seu auge com o governo de Alexandre Yanai (100-75 AC), cujo comportamento como Sumo Sacerdote despertou o desprezo dos fariseus. Como Alexandre não fosse um governante popular, uma guerra civil irrompeu em Jerusalém que durou seis anos. Com sua morte, sua viúva, Salomé Alexandra, tornou-se a governante, mas não Alto Sacerdote.
Os governantes que o sucederam foram Aristobulus II, João Hyrcanus II e o último Hasmoneano, Antigonus, deposto e executado pelos romanos sob Marco Antônio. O fim da Dinastia Hasmoneana ocorreu em 63 AC quando os romanos vieram a pedido do então Rei-Sacerdote Aristobulus II e seu concorrente Hyrcanus II. Foi nesse contexto de conflito interno que o general romano Pompeu interveio em 63 AC, marcando a queda da dinastia Hasmoneana e a conquista da Judeia pela República Romana com o fim da independência Judaica
A ascensão e queda da Dinastia Hasmoneana ilustra a complexidade da autonomia judaica em um cenário geopolítico volátil. A união dos poderes real e sacerdotal pelos Hasmoneus, embora inicialmente um símbolo de vitória e independência, tornou-se uma fonte de discórdia interna, pois desafiava as expectativas tradicionais sobre a linhagem da realeza e do sacerdócio. A fragmentação em seitas como fariseus, saduceus e essênios não foi apenas uma questão de diferenças doutrinárias, mas também de disputas de poder e visões divergentes sobre o futuro da nação. Essa divisão interna enfraqueceu a Judeia, tornando-a suscetível à intervenção externa e, em última análise, à conquista romana. A história hasmoneana demonstrou que a independência política, sem coesão interna e legitimidade religiosa amplamente aceita, era insustentável.
IX - A JUDEIA SOB O DOMÍNIO ROMANO (63 AC - PRIMEIROS ANOS DA ERA CRISTÃ)
Pompeu conquistou Jerusalém em 63 AC, encerrando a independência dos judeus e incorporando a Judeia à República Romana como um reino cliente. Sua entrada no Templo, embora sem causar danos ou remover objetos, foi um grave insulto para os judeus, simbolizando o fim da soberania religiosa e política. A intervenção de Pompeu na guerra civil hasmoneana não foi apenas uma conquista militar, mas um ponto de virada decisivo que marcou o fim da autonomia judaica e o início de um longo período de dominação romana. A decisão dos irmãos Hasmoneus de buscar a ajuda romana para resolver suas disputas internas revelou uma falha fatal na liderança judaica, abrindo as portas para a hegemonia de uma potência externa. A profanação simbólica do Templo por Pompeu foi um presságio das tensões e conflitos que surgiriam sob o domínio romano, onde a sensibilidade religiosa judaica frequentemente colidiria com o poder imperial. Isso estabeleceu um padrão de subordinação que culminaria em revoltas e na eventual destruição do Templo.
Os romanos colocaram Hyrcanus II como Alto Sacerdote, mas a Dinastia chegou ao fim em 40 AC quando Herodes, o Grande, um idumeu (como sinônimo de edomita, originário da região de Edom), tradicionalmente inimigo dos judeus; em 37 AC foi nomeado "rei dos judeus" pelo senado romano com o apoio de Marco Antônio e, posteriormente, de Augusto. Seu reinado, que durou até 4 AC, foi caracterizado por uma mistura de impressionantes realizações arquitetônicas e atos de brutalidade.
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Hrodes, o Grande, o rei cliente romano do reino da Judeia |
Herodes era um rei-vassalo em total lealdade a Roma, e sua ascensão ao poder foi resultado de sua habilidade diplomática e oportunismo político. Ele buscou legitimar seu governo aos olhos do povo judeu casando-se com Mariane, uma princesa hasmoneana, e empreendeu vastos projetos de construção, incluindo a reconstrução e embelezamento extensivo do Segundo Templo em Jerusalém, a construção de seu palácio, a torre Antônia, a fortaleza de Massada e a cidade de Cesareia Marítima.
Apesar de seus esforços para apaziguar os judeus, como o alívio de impostos em épocas de fome e a obtenção de privilégios para os judeus em diversas partes do mundo, Herodes enfrentou dificuldades com o povo judeu durante a maior parte de seu domínio. Sua tirania, crueldade, paranoia (que o levou a executar membros de sua própria família, incluindo Mariane e seus filhos) e a imposição de pesados impostos para financiar suas obras e sua lealdade a Roma, geraram ressentimento generalizado. Sua legitimidade era contestada pelos judeus por ele ser um edomita, um povo rival.
O reinado de Herodes, o Grande, exemplifica a complexa dinâmica de um rei-vassalo que, embora judeu por ascendência (idumeu), era fundamentalmente leal a Roma. Sua política de construção de grandes obras, incluindo o Templo, pode ser interpretada como uma tentativa de legitimar seu governo e apaziguar a população judaica, mas também serviu para exibir o poder romano e drenar os recursos da Judeia através de impostos exorbitantes. A desconfiança e o ressentimento do povo judeu em relação a Herodes, decorrentes de sua brutalidade e sua subserviência a Roma, demonstram a persistente busca por autonomia e a recusa em aceitar um governante que não fosse visto como divinamente sancionado ou alinhado com os interesses judaicos. Essa tensão entre a elite pró-romana e a população geral seria um fator constante de instabilidade até as grandes revoltas dos judeus.
Herodes, o Grande, é descrito na Bíblia Cristã (Mateus 2:16-18) como o coordenador do Massacre dos Inocentes, por ter mandado matar todas as crianças com menos de dois anos de idade assim evitando que vivesse Cristo, o futuro Rei dos Judeus. A maior parte do Novo Testamento faz referência a seu filho, Herodes Antipas (execuções de João Batista e Jesus de Nazaré em Mateus 14) e a seu neto Herodes Agripa (em Atos 12).
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Máxima extensão do
reino de Herodes e as tetrarquias herodianas |
Com a morte de Herodes, o Grande, em 4 AC, os romanos dividiram seu reino entre três de seus filhos e sua filha. A seu filho Herodes Archelaus teria cabido a etnarquia (território que sugere liderança) da Judeia, Samaria e Idumeia; seu filho, Herodes Antipas, recebeu a tetrarquia (divisão regional que sugere quatro governantes, possivelmente porque Arquelau teria recebido a metade do reino ou dois quartos) da Galileia e Pereia; seu outro filho Filipe teria ficado com a tetrarquia dos territórios ao norte e leste do Rio Jordão; e à sua filha Salomé I teria cabido a toparquia (distrito onde o toparca, mandante do território, exerce o seu poder) que incluia as cidades de Jamnia, Ashdod e Phasaelis.
Após a deposição de Herodes Arquelau (de breve reinado, por incompetência), Roma combinou as províncias sob o seu mando numa só Província da Judeia, governada por um prefeito romano e subordinada ao governador da Síria. Herodes Antipas reinou até 39 DC, quando foi deposto e exilado. Filipe reinou até sua morte em 34 DC, quando suas terras tornaram-se brevemente parte da província romana da Síria. As terras de Salomé I foram aglutinadas sob os demais territórios.
Em 37 DC as terras de Filipe foram dadas a Herodes Agripa, neto de Herodes o Grande; com o banimento de Herodes Antipas, Herodes Agripa tornou-se também mandante da Galileia e Pereia; em 41 DC por favor do Imperador Claudius, Agripa sucedeu ao prefeito romano como Rei da Judeia. Com essa aquisi~]ao, o reino Herodiano dos judeus foi nominalmente reestabelecido até a sua morte em 44 DC. Após o breve reinado de Herodes Agripa I (41-44 DC), o governo foi entregue a um procurador, subordinado diretamente ao imperador romano.
Os procuradores romanos, como Copônio, Pôncio Pilatos e Félix, tinham como principais funções a coleta de impostos, a gestão das propriedades imperiais e a distribuição de pagamentos, principalmente aos militares. Eles também tinham o poder de nomear e depor os Sumos Sacerdotes e de referendar a dependência dos anciãos e da nobreza laica, garantindo o domínio romano sobre Israel.
A administração romana, com sua pesada carga tributária e a interferência na liderança religiosa, gerou crescentes tensões e ressentimento entre os judeus. Embora Roma adotasse uma política de tolerância religiosa, permitindo a prática do judaísmo como uma "religio licita" (religião permitida), qualquer movimento que ameaçasse a ordem pública romana era proibido. A imposição de impostos, a presença militar e a exploração econômica, combinadas com a perda da independência, contribuíram para um quadro de inquietação social e política que culminaria nas grandes revoltas. A situação explosiva da Palestina no século I DC, pode ser explicada em grande parte pela concorrência entre o poder romano e as elites locais pela exploração do país.
A transição para a administração direta romana e o papel dos procuradores revelam a intensificação da subjugação judaica e a crescente exploração econômica. A capacidade dos romanos de nomear e depor Sumos Sacerdotes corroeu a autoridade religiosa interna e transformou o sacerdócio em um instrumento do poder imperial, alienando ainda mais a população. A imposição de impostos onerosos e a percepção de que a riqueza de Jerusalém estava sendo drenada para Roma alimentaram um profundo descontentamento. Essa dinâmica de opressão e resistência, onde as liberdades religiosas eram concedidas apenas na medida em que não desafiassem a ordem romana, criou um ambiente de instabilidade crônica, culminando nas guerras judaico-romanas e na destruição do Segundo Templo (70 DC), com a consequente dispersão dos judeus por todas as nações do mundo. No seu conjunto, a Diáspora judaica refere-se à dispersão dos judeus por diversas regiões do mundo, deixando sua terra original, a Palestina, após eventos como o cativeiro na Babilônia e a destruição do Segundo Templo pelos romanos. Essa dispersão forçada, resultou na formação de comunidades judaicas em diferentes partes do mundo, que mantiveram sua identidade e tradições.
X - CONCLUSÕES
O período que se estende do retorno do Cativeiro Babilônico aos primeiros anos da Era Cristã foi uma era de transformações profundas e contínuas para o povo judeu. A destruição do Primeiro Templo e o exílio, embora traumáticos, atuaram como um catalisador para uma redefinição fundamental da identidade judaica. Desprovidos de sua monarquia e de seu centro cultual original, os judeus foram forçados a se reorientar, solidificando sua identidade não mais em estruturas políticas ou geográficas, mas na adesão à Lei, na prática religiosa e na coesão comunitária.
A reconstrução do Segundo Templo e das muralhas de Jerusalém, liderada por figuras como Zorobabel, Esdras e Neemias, simbolizou um renascimento físico e espiritual. Essa liderança diversificada – um príncipe, um escriba-sacerdote e um governador – marcou a emergência de um modelo de governança não monárquico, onde a autoridade religiosa do Sumo Sacerdote e a autoridade interpretativa dos escribas ganharam proeminência. A despeito dos desafios internos e da oposição externa, a comunidade demonstrou uma notável resiliência, reafirmando seu compromisso com a fé e a identidade.
A sucessão de dominações imperiais – persa, helenística e romana – impôs desafios distintos, mas também impulsionou adaptações cruciais. Sob os persas, os judeus gozaram de uma autonomia limitada, que permitiu a consolidação da liturgia e a compilação de textos sagrados. O helenismo, com sua disseminação cultural, gerou respostas variadas, desde a assimilação e a tradução da Septuaginta até a resistência ferrenha que culminou na Revolta dos Macabeus e na breve independência hasmoneana. No entanto, as divisões internas e a fragilidade política dos Hasmoneus abriram caminho para a conquista romana, que trouxe consigo uma administração direta, pesada tributação e uma nova camada de tensões.
A ascensão de seitas como fariseus, saduceus, essênios, zelotes e herodianos reflete a efervescência intelectual e as profundas divisões ideológicas que caracterizaram o judaísmo do Segundo Templo. Essas diferenças, que variavam da interpretação da Lei à relação com o poder romano, demonstram a busca contínua por um caminho para preservar a fé e a identidade em um mundo em constante mudança.
Em suma, o período do retorno do Cativeiro Babilônico aos primeiros anos da Era Cristã foi um cadinho de provações e inovações. A capacidade do povo judeu de se adaptar, reinterpretar sua fé, desenvolver novas instituições como a sinagoga e codificar sua tradição oral foi fundamental para sua sobrevivência e para a resiliência de sua identidade. Essa era não apenas moldou o judaísmo que conhecemos hoje, mas também forneceu o contexto histórico, cultural e religioso essencial para o surgimento do cristianismo, marcando-a como um dos períodos mais dinâmicos e formativos na história da civilização ocidental.
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