Homenagem ao lendário herói ancestral dos ingleses que deu título a um dos considerados "Cem Maiores Livros do Mundo" e tido como o mais antigo escrito em "Old English".

segunda-feira, 18 de junho de 2018

A ORIGEM DAS GALINHAS (E GALOS) - PARTE 2 DE 2

IV – A DOMESTICAÇÃO DAS GALINHAS

Considerando que o progenitor selvagem das galinhas ainda se encontra entre nós, comparações de comportamento e outras alterações ainda nos estão disponíveis. No que se refere a comportamento, as galinhas domesticadas são menos ativas, possuem menos interação social, são menos agressivas aos possíveis predadores e buscam menos as fontes de alimentação que seus ancestrais selvagens. Outras mudanças incluem o aumento de peso, plumagem simplificada, início prematuro e mais frequente da produção de ovos maiores.
Uma espécie domesticada do Gallus gallus espalhou-se, incialmente, do sudeste da Ásia, viajando ao norte, para a China ou ao sudoeste para a Índia? Ou existiram duas áreas centrais separadas de domesticação: Índia e sudeste da Ásia antigas? Qualquer cenário é possível, mas uma investigação mais profunda nas origens da galinha é obstruída por um inconclusivo vestígio de DNA. “É realmente difícil dizer com precisão, pelo fato das aves domesticadas e selvagens terem cruzado ao longo do tempo”, diz Michael Zody, um biólogo computacional que estuda genética no Broad Institute de Harvard e Massachusetts Institute of Technology (MIT).
A real virada da galinha aconteceu em 2004 quando uma equipe internacional de geneticistas produziu um mapa completo do genoma[1] da galinha. A galinha foi o primeiro animal domesticado, o primeiro pássaro – e consequentemente, o primeiro descendente dos dinossauros – assim honrado. O mapa do genoma forneceu uma excelente oportunidade para estudar a forma como milênios de domesticação podem alterar uma espécie. Num projeto conduzido pela Universidade de Uppsala, Suécia, Zody e seus colegas têm pesquisado as diferenças entre a ave selvagem vermelha e seus descendentes do galinheiro, incluindo as “camadas” (espécies criadas para produzir prodigiosas quantidades de ovos) e “frangos” (espécies gordas e carnudas). Os pesquisadores encontraram importantes mutações num gene designado por TBC1D1, que regula o metabolismo da glicose. No genoma humano, mutações neste gene têm sido associadas com a obesidade, mas é um traço positivo numa criatura destinada à mesa de jantar. Outra mutação que resultou de geração seletiva está no gene do HRET (Hormônio Receptor da Estimulação da Tireoide). Em animais selvagens este gene coordena a reprodução com a duração do dia, confinando gerações a estações específicas. A mutação que desabilita este gene, habilita galinhas a chocar - e pôr ovos – ao longo de todo o ano.
Quando as galinhas foram domesticadas, contatos culturais, comércio, migração e conquista territorial resultaram em sua introdução e reintrodução em diversas regiões ao redor do mundo, por vários milhares de anos.
Estudos genéticos sugerem múltiplas origens de domesticação. A primeira evidência arqueológica vem da China, cerca de 5.400 AC, em locais geograficamente bem espalhados, tais como Cishan (província de Heibei), cerca de 5.300 AC, Beixin (província de Shandong), cerca de 4.300 AC. Crê-se que as galinhas foram levadas às Ilhas da Polinésia do sudeste da Ásia com a expansão Lapita[2], cerca de 3.300 anos atrás.
No Vale do Indo, as galinhas domésticas apareceram em Mohenjo Daro, cerca de 2.000 AC, possivelmente carregadas através da Península Arábica como carga ou mantimentos e, de lá, espalharam-se para a Europa e África.
Pelo ano 2.000 AC, placas cuneiformes da Mesopotâmia referem-se ao “pássaro de Meluhha”, nome provável para o Vale do Indo. Aquele pode ou não ter sido uma galinha; o Professor Piotr Steinkeller, um especialista de Harvard em textos antigos do Oriente Próximo, diz que era certamente “algum pássaro exótico desconhecido da Mesopotâmia”. Ele acredita que referências ao “pássaro real de Meluhha” – uma frase que aparece em textos três séculos após – muito provavelmente se referem à galinha.
A evidência concreta mais antiga de galinhas na África oriental, são ilustrações de vários locais no Egito. Elas teriam chegado ao Egito cerca de 250 anos depois, como animais de luta e adições a outros animais selvagens exóticos. Ilustrações artísticas do passado adornaram tumbas reais. Contudo, mais mil anos passariam antes que a ave se tornasse uma mercadoria popular entre os egípcios comuns. Foi naquela época que os egípcios dominaram a técnica da incubação artificial, que libertou as galinhas para darem melhor uso ao seu tempo através da postura de ovos. Não foi assunto fácil: a maioria dos ovos de galinha chocam em três semanas, mas somente se a temperatura for mantida constante em torno de 37 a 41º centígrados e a umidade relativa permanecer próximo dos 55%, crescendo nos últimos dias da incubação; além disso, os ovos devem ser virados cerca de 3 a 6 vezes por dia, para evitar que surjam deformidades físicas. Os egípcios construíam vastos complexos de incubação com centenas de “fornos”, amplas câmaras conectando a uma série de corredores e aberturas que permitiam aos atendentes regular o calor dos fogos mantidos por palha e esterco de camelos. Os atendentes dos ovos mantiveram, por séculos, o segredo de seus métodos. Na África ocidental as galinhas chegaram na Idade do Ferro em locais como Jenne-Jeno, em Mali, Kirikongo, em Burkina Faso e Daboya, em Gana, pelo meio do primeiro milênio DC.
Em torno do Mediterrâneo, escavações arqueológicas descobriram ossos de galinha de cerca de 800 AC. As galinhas eram uma iguaria entre os romanos, cujas inovações culinárias incluíam a omelete e a prática de rechear os pássaros para cozinhar, embora suas receitas tendessem mais para cérebros de galinha esmagados do que para pão amassado. Os fazendeiros começaram a desenvolver métodos para engordar os frangos, que foram logo postos fora da lei pelas autoridades. Os cozinheiros romanos descobriram então que a castração dos galos os fazia engordarem e com isso nascia a criatura hoje conhecida como capão. Com o colapso de Roma, o status da galinha diminuiu na Europa, com o tamanho da galinha, no período pós-romano, retornando ao que era durante a Idade do Ferro, mais de mil anos antes. Com a passagem dos séculos, aves mais vigorosas como os gansos e perdizes começaram a adornar as mesas medievais. 
Moderna criação intensiva de galinhas
Embora admitido que as galinhas tenham sido trazidas às Américas pelos espanhóis conquistadores, presume-se que galinhas pré-colombianas foram identificadas em vários locais das Américas, mais notavelmente na localidade de El Arenal, Chile, cerca de 1.350 DC. Os europeus que chegavam à América do Norte, encontraram um continente repleto de perus e patos nativos para a caça e comida. Alguns arqueólogos acreditam que as galinhas foram introduzidas no Novo Mundo pelos polinésios que alcançaram a costa do Pacífico da América do Sul um século antes das viagens de Colombo. Já no século XX, a criação de galinhas não representava um forte componente na economia americana e apenas com o enriquecimento da alimentação com antibióticos e vitaminas, que permitiu a sua criação em recintos fechados, aconteceu o progresso que resultou nas 250.000 fazendas de galinhas de hoje nos EUA.
Como um dos mais comuns e difundidos animais domésticos, com uma população de mais de 19 bilhões em 2011, há mais galinhas no mundo do que qualquer outra espécie de pássaro ou animal doméstico. Os humanos mantêm as galinhas, primariamente, como fonte de alimentação, consumindo suas carnes e ovos.
As galinhas são onívoras (que se alimentam de tudo, carne ou vegetal). Na mata, elas muitas vezes escavam o solo em busca de sementes, insetos e mesmo animais maiores como lagartos, pequenas cobras ou camundongos jovens. Vivem de cinco a dez anos dependendo da raça. De acordo com o Livro de Recordes Guiness, uma galinha teria morrido de ataque do coração com a idade de 16 anos.
Os galos são geralmente diferenciados das galinhas por sua admirável plumagem de longas caudas ondeantes e brilhantes, penas eriçadas em seu pescoço e costas, tipicamente de cores mais brilhantes e fortes que as das galinhas da mesma raça. Contudo, em poucas raças, o galo tem as penas do pescoço apenas levemente eriçadas, da mesma cor que as galinhas. A identificação pode ser feita através da crista ou, eventualmente, pelo desenvolvimento dos esporões das pernas do galo. Galinhas adultas têm uma crista mais carnuda e abas pendentes de pele de ambos os lados do bico (barbelas). Coletivamente, essas e outras protuberâncias carnudas na cabeça e garganta, são chamadas de carúnculas. Nesta parte, há outras características menos importantes e mais particulares. Galinhas domésticas não são capazes de voos longos, embora as mais leves possam voar por curtas distâncias, como sobre cercas ou em árvores onde, naturalmente, se alojariam. Em geral só dão pequenos voos para fugir de algum perigo. 
Ninho de galinha com ovos
As galinhas são pássaros gregários, com uma abordagem comunal para a incubação de ovos e criação filhotes. Galinhas individuais num conjunto, dominarão as demais, estabelecendo uma “lei do galinheiro”, com os indivíduos dominantes tendo prioridade para acesso à alimentação e localização dos ninhos. A remoção de galinhas ou galos de um galinheiro causará uma ruptura temporária da ordem social até que uma nova lei seja estabelecida. A adição de galinhas, especialmente mais novas, a um galinheiro, pode conduzir à luta ou injúria. Quando um galo encontra alimento, pode chamar outras galinhas para comer primeiro, o que ele faz cacarejando alto e apanhando e deixando cair o alimento. Este procedimento também pode ser observado em galinhas mães para chamar seus pintos e encorajá-los a comer. O cacarejar de um galo (uma chamada alta e algumas vezes aguda) é um sinal territorial para outros galos. Contudo, o cacarejar também pode resultar de perturbações súbitas em seus arredores. As galinhas cantam alto após porem ovos, mas também para chamar seus pintos. Também dão uma “chamada de aviso” baixa quando pensam ver um predador se aproximando.
Para iniciar uma corte, alguns galos podem dançar em círculo ao redor ou próximo de uma galinha (a dança do círculo), muitas vezes baixando sua asa mais próxima da galinha. A dança desencadeia uma resposta da galinha e quando responde ao seu chamado, o galo inicia o acasalamento.
A cor dos ovos das galinhas varia, dependendo da galinha, variando do branco brilhante ao pardo e mesmo azul, verde e, recentemente reportado, púrpura, encontrado no sul da Ásia (da variedade Araucana). As galinhas tentarão se acomodar em ninhos que já contenham ovos e já se sabe de galinhas que moveram ovos de ninhos vizinhos para seus próprios ninhos. O resultado desse procedimento é que o bando usará somente poucos locais preferidos ao invés de um ninho diferente para cada pássaro. Alguns criadores usam falsos ovos, feitos de plástico ou pedra ou bolas de golfe, para encorajar as galinhas a usarem locais particulares.
Sob condições naturais, a maioria das aves põe até que uma ninhada esteja completa e então elas incubarão os ovos. Muitas galinhas domésticas também farão isso – e então se diz que elas “estão chocas”. A galinha choca para então de por e foca na incubação dos ovos (uma ninhada completa tem cerca de 12 ovos). Ela então “senta” ou se posiciona no ninho, protestando ou bicando em defesa, sempre que perturbada ou removida e, raramente, deixará o ninho para comer, beber ou se banhar na poeira. Enquanto estiver chocando, a galinha mantém o ninho a uma temperatura e umidade constante, virando os ovos regularmente durante a primeira parte da incubação. Para estimular a incubação, o proprietário pode colocar muitos ovos artificiais no ninho, o pará-la se colocarem a galinha numa gaiola elevada com assoalho de fios abertos. 
Pintos antes de sua primeira saída
Modernas raças de poedeiras não necessitam chocar e as que o fazem, muitas vezes param no meio do caminho da incubação. Contudo, algumas raças de “utilidade” (finalidades gerais), chocam regularmente, tornando-se excelentes mães, não somente para ovos de galinhas, mas também para outras espécies – mesmo para aquelas com ovos muito menores ou maiores e com diferentes períodos de incubação, tais como codornas, faisões, perus ou gansos. Ovos de galinha também podem ser chocados por uma pata choca, com sucesso variado.
Ao final do período de incubação (cerca de 21 dias), os ovos, se férteis, darão pintos. O desenvolvimento do ovo começa somente quando começa a incubação, de forma que os ovos estarão todos prontos, apenas com um dia ou dois de diferença, embora tenham sido postos por um período de duas semanas ou algo assim. Antes de encerrado o período, a galinha pode ouvir os pintos piando dentro dos ovos e vai então, gentilmente, cacarejar para estimulá-los a quebrar os ovos e saírem das cascas. O pinto começa piando e bicando um furo para respiro com seu “dente de ovo” em direção à ponta mais rombuda do ovo, em geral para cima. O pinto vai então descansar por algumas horas, absorvendo a gema restante e retirando o abastecimento de sangue da membrana sob a casca (usada antes para respirar pela casca). Ele então alarga o furo, gradualmente arredondando-o e finalmente separando completamente a ponta rombuda da casca para fazer uma tampa. Ele então rasteja para fora da casca e sua umidade seca no calor do ninho. 
Galinha tomando conta de seus pintos
Em geral ele ficará no ninho por dois dias após a primeira rachadura e durante esse tempo vive apenas da gema absorvida. Ovos não fertilizados pelo galo, não chocarão e a galinha acabará por perder o interesse neles, deixando o ninho. Após chocar, a galinha cuidará ferozmente dos pintos, mantendo-os sob si para mantê-los aquecidos, inicialmente retornando ao ninho à noite. Ela os conduz para o alimento e água, chamando-os para a comida, mas raramente alimentando-os diretamente. Ela continua a cuidar deles até que tenham várias semanas quando ela, gradualmente, perderá o interesse e finalmente começará a pôr de novo. Como se vê, a galinha, além de um excelente prato na culinária, acaba de ter sido um ótimo prato na área da pesquisa. Nada, neste mundo de Deus, pode ser subestimado!


[1] Em termos de biologia e genética molecular moderna, um genoma é o material genético de um organismo. O genoma inclui os genes (as regiões de códigos) e o DNA não codificante, bem como o material genético dos mitocôndrios e cloroplastos. Um genoma é toda a informação genética de um organismo. Por exemplo, o genoma humano é análogo às instruções armazenadas num livro de receitas. Da mesma forma que um livro de receitas dá as instruções para preparar as refeições, incluindo festas e piqueniques, o genoma humano contém todas as instruções necessárias para fazer todo o conjunto de tipos de células humanas, incluindo células musculares ou neurônios.
[2] A cultura Lapita é o nome dado a vestígios artesanais associados ao povo que colonizou a área a leste das Ilhas Solomon, chamada Oceania Remota, entre 3.400 e 2.900 anos atrás. Os sítios Lapita mais antigos foram encontrados nas Ilhas Bismarck e em 400 anos a cultura se espalhou por uma extensão de 3.400 km, alcançando as Ilhas Solomon, Vanuatu e Nova Caledônia, e para leste até Fiji, Tonga e Samoa. Localizados em pequenas ilhas e nas costas das ilhas maiores, separadas umas das outras por até 350 km, os Lapitas viveram em vilas de casas de estacas e fornos de terra, faziam uma cerâmica única, pescavam e exploravam os recursos marinhos, criavam galinhas, porcos e cães domésticos, cultivando árvores frutíferas e castanheiras.

domingo, 10 de junho de 2018

A ORIGEM DAS GALINHAS (E GALOS) - (PARTE 1 DE 2)

A ORIGEM DAS GALINHAS (E GALOS)


I - INTRODUÇÃO

Esta pesquisa foi iniciada e está sendo postada, por três razões principais: (1) como sempre, motivada pela minha própria ignorância sobre o assunto; (2) para funcionar como uma espécie de descontração para os meus artigos que, ultimamente, têm sido bem mais pesados do que o normal; (3) o fato de eu ter presenciado uma mãe perguntar a uma criança, possivelmente seu filho, se ela sabia de onde vinham as galinhas e a criança ter respondido, sem titubear: “Do supermercado!”.
Possivelmente, a resposta não deve ter deixado muito surpresa a mãe de tal criança, acostumada, desde os três anos de idade – senão menos –, a manusear ferramentas eletrônicas – e só essas ferramentas – doadas pelos próprios pais. A mim, entretanto, que quando criança cheguei a ter em casa uma pequena criação de galinhas dos meus pais, que nos fornecia, principalmente, ovos em abundância, a resposta da criança impressionou vivamente! Claro que a mãe não pretendia ter, da sua criança, uma resposta que explicasse a origem de bichinhos tão apreciados na culinária brasileira; mas pelo menos algo do tipo: bem elas são criadas no campo ou em quintais ou em grandes fazendas industriais etc...., talvez ela gostasse de ter tido como resposta. Então, vejamos como é a história toda ...

II -HISTÓRIAS E LENDAS ANTIGAS SOBRE A GALINHA

A questão real não é “Qual veio primeiro: a galinha ou o ovo?”, mas sim, “De onde veem as galinhas?” Igualmente, “Por que a galinha atravessou a rua?” pode ser uma questão que nunca será respondida, mas as circunstâncias envolvidas na ancestralidade da galinha doméstica, podem ser apreciadas.
Galo e galinha domésticos
Inicialmente, é importante que eu diga, que a maioria das pesquisas que realizo é baseada em artigos de língua inglesa. Depois de muito trabalhar nessa área, constatei que artigos traduzidos para o português de originais ingleses, ou originalmente escritos em português, em qualquer órgão e setor de pesquisa, são muito inferiores em substância e volume do material original. Nesse contexto, é também preciso que se diga, como introdução, que a palavra inglesa “fowl” (que se pronuncia “faul”) tem uma tradução bastante complicada para o português. Nos livros que li em língua inglesa, em geral na literatura mais antiga, a palavra era muito empregada quando os participantes participavam das tradicionais caçadas da corte ou dos nobres, principalmente ingleses. Nesse caso, a caçada muitas vezes era à “fowl”, genericamente interpretada como “ave”, em geral selvagem, de todos os tipos, preferencialmente as de maior porte. Os dicionários a traduzem como qualquer ave ou pássaro, aves coletivamente, ave comestível, galinha, aves domésticas, carne de galinha etc ... É também um verbo e, nesse caso, traduzido como caçar, matar ou apanhar aves selvagens. Essa palavra aparece muito em nossa postagem e vamos traduzi-la de maneira variada, segundo a oportunidade, por ave, galináceo ou mesmo galinha.
A epopeia galinácea começou há 10.000 anos atrás numa selva asiática e termina hoje nas cozinhas de todo o mundo. De acordo com a lenda, as galinhas foram descobertas ao lado de uma estrada na Grécia, na primeira década do século V AC. O general ateniense Temístocles, no seu caminho para confrontar as forças invasoras persas, parou para olhar dois galos brigando e reuniu suas tropas, dizendo: “Vejam, eles não estão lutando por seus deuses domésticos, pelos monumentos de seus ancestrais, por glória, por liberdade ou pela segurança de seus filhos, mas somente porque um não quer ceder a passagem ao outro”. A história não conta o que aconteceu com o galo perdedor, nem explica por que os soldados acharam a cena de instintiva agressão inspiradora ao invés de sem sentido e deprimente. Mas a história registra que os gregos, assim encorajados, avançaram para repelir os invasores, preservando a civilização que hoje homenageia aquelas mesmas criaturas (os galos), alimentando-as, fritando-as e mergulhando-as em algum molho de sua escolha. Os descendentes daqueles galos bem que poderiam imaginar – desde que fossem capazes de tão profundo pensamento -que os seus ancestrais deveriam ter muita coisa a explicar.
A galinha é onipresente alimento da nossa era, cruzando múltiplas fronteiras com facilidade. Com seu sabor suave e textura uniforme, a galinha apresenta uma intrigante tela vazia para a paleta de sabores de qualquer cozinha. Uma geração de britânicos cresce na crença de que “frango tikka masala”[1] é o prato nacional, e a mesma coisa acontece na China com o famoso “Kentucky Fried Chicken”[2]. Muito tempo após as famílias terem algumas galinhas correndo pelo pátio (como eu tive quando pequeno), que podiam ser agarradas e transformadas em jantar, os frangos permanecem um nostálgico e evocativo prato para muitos americanos. Como as galinhas alcançaram tal domínio cultural e culinário?
Tudo fica ainda mais surpreendente sob a crença de muitos arqueólogos de que a galinha foi inicialmente domesticada, não para servir de alimento, mas para brigas de galo. Até o advento da produção industrial em larga escala, no século XX, a contribuição econômica e nutricional da galinha foi modesta e nada, como o cavalo e o boi, que pudesse mudar o curso da história. Contudo, a galinha tem inspirado contribuições à cultura, arte, cozinha, ciência e religião, por milênios. As galinhas foram, e ainda são, em algumas culturas, um animal sagrado. A prodigiosa e sempre atenta galinha foi, em todo o mundo, símbolo de nutrição e fertilidade. Ovos eram suspensos em templos egípcios para garantir uma enchente generosa. O vigoroso galo sempre teve o significado universal de virilidade – mas também, na antiga fé persa do Zoroastrianismo, um espírito benigno que cantava ao amanhecer para anunciar um ponto de inflexão na luta cósmica entre a escuridão e a luz. As galinhas acompanhavam os exércitos romanos e seu procedimento era cuidadosamente observado antes de uma batalha: um bom apetite significava que uma vitória poderia ser esperada. Em 249 AC, o general romano Publius Claudius Pulcher jogou ao mar suas galinhas sagradas porque se recusaram a comer antes da Batalha de Drepana. A história registra que ele foi derrotado contra os cartagineses e 93 navios romanos foram afundados. Ao voltar para Roma, foi julgado por impiedade e multado pesadamente.
Entretanto, uma importante tradição religiosa – ironicamente a que deu origem à “sopa de bolas de pão ázimo” e à “ceia de galinha dominical” – falharam em inflar as galinhas de muito significado religioso. As passagens do Velho Testamento relativos a sacrifícios rituais, revelam uma distinta preferência da parte de Javé, por carne vermelha sobre a carne de galinha. No Levítico 5:7, uma oferenda de culpa de duas tartarugas marinhas ou pombas é aceitável se o pecador em questão não pode adquirir um cordeiro, mas de forma alguma o Senhor vai solicitar uma galinha. O galo representa um pequeno, mas crucial papel nos Evangelhos, ao ajudar na concretização da profecia de que Pedro negaria a Jesus “antes que o galo cantasse”. No século IX, o Papa Nicolau I decretou que a figura de um galo fosse colocada no topo de cada igreja, como uma lembrança do incidente, razão pela qual muitas igrejas ainda possuem as pás para indicação da direção do vento em forma de galo. Não há implicação de que o galo tenha feito algo além de marcar a passagem das horas, mas até mesmo essa secundária associação com traição não favoreceu a causa da galinha na cultura ocidental. No uso americano contemporâneo, as associações com a galinha são covardia, ansiedade neurótica e pânico sem efeito.
O fato é que o macho da espécie pode ser um animal bastante agressivo, especialmente quando criado e treinado para a luta. A natureza armou o galo com um esporão ósseo na perna; os humanos suplementaram aquela característica com um arsenal de esporas metálicas e pequenas lâminas amarradas às pernas da ave. Em muitos lugares do mundo a briga de galos é proibida e vista como desumana, mas em lugares onde ela ainda é praticada, legal ou ilegalmente, é tida como o esporte contínuo mais antigo do mundo. Representações artísticas de galos combatentes estão espalhadas por todo o mundo antigo, como no mosaico que adorna uma casa de Pompeia, datada do primeiro século de nossa era. A cidade grega de Pérgamo estabeleceu um anfiteatro de briga de galos para ensinar o valor às futuras gerações de soldados.

III – CIENTIFICAMENTE FALANDO

Casal de galináceos selvagens vermelhos
 A galinha domesticada tem uma genealogia complicada que retroage de 7.000 a 10.000 anos e envolve, de acordo com pesquisa recente, pelo menos dois progenitores selvagens e, possivelmente, mais de um evento de domesticação inicial. Os mais antigos fósseis ósseos identificados como possivelmente pertencentes a galinhas, aparecem em regiões do nordeste da China, datando de cerca de 5.400 AC, mas os ancestrais selvagens dos pássaros nunca viveram naquelas frias e secas planícies. Assim, se eles são realmente ossos de galinha, devem ter vindo de outros lugares, muito provavelmente do sudeste da Ásia. De acordo com uma teoria desenvolvida por Charles Darwin e recentemente confirmada por análises de DNA, o progenitor selvagem da galinha é o galináceo selvagem vermelho, Gallus gallus. A semelhança do pássaro às galinhas modernas manifesta-se pela papada e crista vermelha dos machos, o esporão que ele usa para lutar e seu canto de acasalamento. As fêmeas, de cor parda, chocam seus ovos e cacarejam exatamente como as galinhas no galinheiro. Em seu habitat, que se estende do nordeste da Índia às Filipinas, o Gallus gallus garimpa os solos das florestas em busca de insetos, sementes e frutos, voando para o ninho nas árvores à noite. Esse é todo o voo que ele consegue, um traço que tinha um apelo óbvio à busca humana para a captura e criação. Posteriormente, isso valorizaria a galinha aos africanos, cujas nativas galinhas de angola tinham o mau hábito de voar para a floresta quando o espírito as movia.
Belo exemplar de Gallus gallus macho
Sempre que uma nova pesquisa acontece que esclareça ou apenas coloque uma ponta mais fina sobre algo que Darwin escreveu, alguém deve aparecer e colocar a questão: “Darwin estava errado?”; como se ele tendo feito algo errado desqualificasse o resto de suas contribuições para a biologia e nos fizesse retornar à crença de que moscas fossem espontaneamente geradas na lama. Vejamos o que disse Darwin e o quanto ele estava errado.
Darwin se interessou pelas duas maiores teorias de seu tempo sobre as galinhas. Uma era uma teoria multirregional, muito semelhante à hoje desacreditada versão da evolução humana, onde cada espécie de galinha foi domesticada de uma diferente forma selvagem. A outra era a de que todas descendiam de um ancestral, o Gallus gallus bankiva, também conhecido como Gallus bankiva. Darwin usou galinhas de uma ampla forma no desenvolvimento de suas ideias sobre a evolução e, finalmente, favoreceu a hipótese de uma origem única, descreveu a espécie primordial da sua escolha, a ave selvagem vermelha, como muito mais diversa em caráter do que é geralmente caracterizada hoje.
Estudo recente afirma que, na base de experimentos observados de diferenças de características e procriação cruzada, Darwin havia concluído que galinhas domésticas eram descendentes apenas da ave selvagem vermelha, embora isso fosse posteriormente refutado por Hutt, que estabeleceu que pelo menos quatro diferentes espécies de aves selvagens teriam contribuído para a domesticação da galinha. Estudos moleculares de DNA e inserção retroviral apoiaram o ponto de vista de Darwin, encontrando evidências de que as aves selvagens cinza e do Ceilão podem se cruzar com galinhas domésticas, mas não fornecem evidência de que essas duas espécies tenham contribuído para a domesticação da galinha. Buscando pela mutação causal, a análise incluiu três outras espécies de aves selvagens na comparação sequencial: aves selvagens cinza (Gallus sonneratii), Ceilão (Gallus lafayetii) e verde (Gallus varius). Tal passo foi motivado pelo fato de que as aves selvagem e do Ceilão têm pernas vermelhas ou amareladas, o que implica na deposição de carotenoides. As aves selvagens cinza e vermelha têm, atualmente, alcances separados, que pode ser produto de alterações ecológicas recentes, incluindo alterações humanas de habitat. Além disso, nos primeiros dias de domesticação da galinha, não havia razão para suspeitar que uma simples origem seria seguida por um isolamento imediato de formas selvagens e, de fato, toda a evidência disponível, incluindo aquela que é aqui relatada, sugere o contrário.
Um novo estudo, da Universidade de Uppsala, em Uppsala, Suécia, sua mais antiga universidade (1477), mostra que as origens da galinha são mais complicadas. Segundo o estudo, os pesquisadores mapearam os genes que dão à maioria das galinhas domésticas, pernas amarelas, e descobriram que a hereditariedade genética deriva de uma espécie que lhe é muito proximamente ligada, a ave selvagem parda, do sudeste asiático. O estudo foi recentemente publicado na edição da Web do “PLOS Genetics” (Genética do PLOS), um jornal acadêmico confiável de acesso público, publicado mensalmente pelo PLOS – Public Library of Science (Biblioteca Pública de Ciência), editora sem fins lucrativos e acesso aberto, na área da ciência, tecnologia e medicina: “Nossos estudos mostram que, embora a maioria dos genes encontrados em aves domésticas, venham da ave selvagem vermelha, pelo menos uma outra espécie deve ter contribuído, especificamente, a ave selvagem parda”, disse Jonas Eriksson, um estudante de doutorado na Universidade de Uppsala. A ave selvagem parda foi provavelmente cruzada com uma forma anterior da galinha doméstica, crê a equipe de Eriksson. Entretanto, a quantidade exata de material genético com que essas outras aves contribuíram para o DNA de galinhas domesticadas, permanece como conjectura apenas.
A verdade parece ser que Darwin não errou, mas estava substancialmente certo. Antes, Darwin tinha uma ideia melhor da variação nas formas selvagens do que podemos apreciar hoje. Não é mau considerar que toda a moderna teoria sobre as origens de formas domesticadas vem após e deriva de Darwin. Os estudos de Darwin de animais domésticos tiveram importância chave à sua teoria da evolução, que também explicou as origens selvagens de animais domésticos. “O que é irônico é que Darwin pensava que mais de uma espécie selvagem havia contribuído para o desenvolvimento do cão, mas que a galinha tinha vindo de uma só espécie selvagem, a ave selvagem vermelha. Agora acontece que a coisa funciona exatamente ao contrário”, diz Greger Larson, um pesquisador da Universidade de Uppsala e da Universidade de Durham, na Inglaterra.


[1] O “Chicken Tikka Masala”, o prato mais frequentemente servido em restaurantes britânicos, é um prato indiano, cujo molho masala foi adicionado para satisfazer o desejo inglês de ter sua comida servida em molho de carne. Trata-se de uma autêntica receita Mughlai preparada pelos ancestrais indianos que eram cozinheiros reais no período Mughal, que se estendeu, grosseiramente, do século XVI ao século XVIII.
[2] KFC, até 1991 conhecido como Kentucky Fried Chicken,é uma cadeia de restaurantes “fast food” que se especializou em galinha frita. Tem quartel general em Louisville, Kentucky, USA, e é a segunda maior cadeia de restaurantes, após o McDonald, com quase 20.000 locais espalhados por 123 países, dados de dezembro de 2015. Foi fundada pelo Coronel Harland Sanders, um empreendedor que começou vendendo galinha frita em seu restaurante de beira de estrada em Corbin, Kentucky, durante a “Grande Depressão”.