Homenagem ao lendário herói ancestral dos ingleses que deu título a um dos considerados "Cem Maiores Livros do Mundo" e tido como o mais antigo escrito em "Old English".

segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

A REVOLUÇÃO RUSSA DE 1917 (Parte 7)


VIII – A GUERRA CIVIL RUSSA (Continuação)


Stalin, Lenin e Kalinin em 1919, Guerra Civil Russa

Terminada a guerra civil, a Rússia estava completamente arrasada, com graves problemas para recuperar sua produção agrícola e industrial; e os bolcheviques interpretaram corretamente a situação. Os camponeses resistentes em entregar sua produção ao governo, os trabalhadores e soldados desanimados diante das dificuldades, a população descontente com os problemas de produção e abastecimento, os operários se insurgindo contra o governo e outras rebeliões internas, deixaram claro que era impossível dar seguimento ao comunismo de guerra. Tornava-se necessário recuar nas ambições de implantação imediata do comunismo. Voltar atrás não era uma medida fácil de ser tomada e somente Lenin tinha condições morais e políticas para ordenar a retirada sem perder apoio dentro do partido, dar uma volta ao capitalismo de Estado, como solução para vencer o impasse econômico. E disse então a famosa frase: 'É preciso dar dois passos atrás para depois voltar a avançar'.


PERDAS DA GUERRA CIVIL RUSSA

Os resultados da Guerra Civil russa foram terríveis. O demógrafo soviético Boris Urlanis estimou o número total de mortos em ação na Guerra Civil e com a Polônia em cerca de 300.000 (125,000 no Exército Vermelho e 175.000 no Exército Branco e entre os poloneses) e o total de pessoal militar morto por doenças, de ambos os lados, em 450.000. Durante o “Terror Vermelho”, a Cheka (primeira de uma sucessão de organizações de segurança e braço militar do Estado Soviético, criada em dezembro de 1917 por um decreto de Lenin, foi o instrumento do Terror Vermelho) realizou pelo menos 250.000 execuções sumárias de “inimigos do povo”, com estimativas que alcançam mais de um milhão. Entre 300.000 e 500.000 cossacos foram mortos ou deportados durante a ‘limpeza” de uma população de três milhões. Uma estimativa diz que 100.00 judeus foram mortos na Ucrânia, a maior parte pelo Exército Branco. Órgãos punitivos do todo poderoso Don Cossack Host (uma república autônoma ou independente ao sul da atual Rússia e a região de Donbas, na Ucrânia, do final do século XVI até 1918), sentenciou 25.000 pessoas a morte, entre maio de 1918 e janeiro de 1919. O governo de Kolchak (estabeleceu um governo comunista na Sibéria e foi reconhecido por algum tempo como o chefe supremo e comandante em chefe das forças militares russas; mais tarde foi preso e executado pelos bolcheviques) executou 25.000 pessoas apenas na província de Ekaterinburg. Ao final da Guerra Civil, a República Socialista Federativa Soviética Russa (RSFSR) estava exausta e próxima da ruína. As secas de 1920 e 1921, bem como a fome de 1921, pioraram o desastre, com as doenças alcançando proporções pandêmicas, com 3 milhões morrendo somente de tifo em 1920. Outros milhões morreram de fome generalizada. Em 1922 haviam pelo menos sete milhões de crianças de rua na Rússia como resultado de aproximadamente dez anos de devastação da Grande Guerra e da Guerra Civil. Outros dois milhões de “russos emigrados” fugiram da Rússia pelo extremo oriente e pelos países recém independentes do Mar Báltico, incluindo uma alta percentagem da população mais culta e especializada da Rússia. A economia russa ficara devastada pela guerra, com fábricas e pontes destruídas, gado e matéria prima saqueados, minas inundadas e o maquinário destruído. O valor da produção industrial caiu a 1/7 do valor de 1913 e a agricultura a 1/3. De acordo com o jornal Pravda, “os trabalhadores das cidades e alguns das vilas sufocavam nos espasmos da fome”. As estradas de ferro rastejavam, as casas ruíam, as cidades se enchiam de resíduos, as epidemias se espalhavam causando muitas mortes e a indústria se extinguia. Estima-se que a produção total de minas e fábricas em 1921 havia caído a 20% dos níveis de antes da guerra e muitos itens cruciais experimentaram declínio ainda mais drástico. Por exemplo, a produção de algodão caiu a 5% e o ferro a 2% dos níveis pré-guerra. O Comunismo de Guerra salvou o governo soviético durante a sua Guerra Civil, mas muito da economia da Rússia havia chegado a uma paralisação. Os camponeses respondiam ao confisco (política e campanha bolchevique de confisco de grãos e outros produtos agrícolas dos camponeses por um preço fixo nominal de acordo com cotas especificados) pela recusa em arar a terra. Em 1921 a terra cultivada encolheu a 62% da área pré-guerra; o rebanho de cavalos caiu de 35 milhões em 1916 para 24 milhões em 1920 e o gado de 58 para 37 milhões. A taxa de câmbio passou de dois rublos por dólar em 1914 para 1200 rublos em 1920. As perdas humanas totais foram avaliadas entre 7 milhões e 12 milhões durante a Guerra, em sua maioria civis. A Guerra Civil Russa foi a maior catástrofe nacional que a Europa jamais vira.
Cadáveres das vítimas da fome russa em 1921,
em Buzuluk, a poucos quilômetros de Saratov

 Visando, portanto, promover a reconstrução do país, Lenin introduziu muitas regras contraditórias à sua própria filosofia, pois enquanto apoiava o “tudo pertence ao Estado”, criou políticas que apoiavam a iniciativa privada de modo a poder reconstruir o país devastado por sucessivas revoluções. Em fevereiro de 1921, criou a Comissão Estatal de Planificação Econômica ou GOSPLAN, encarregada da coordenação geral da economia do país. Em seguida, em março de 1921, adaptou um conjunto de medidas conhecidas como “Nova Política Econômica” ou NEP, que restabelecia as práticas capitalistas vigentes antes da Revolução. Entre as medidas contidas na NEP destacavam-se: liberdade de comércio interno, liberdade de salário aos trabalhadores, autorização para o funcionamento de empresas particulares e permissão de entrada de capital estrangeiro para a reconstrução do país. O estímulo pelo ganho pessoal foi reintroduzido e o igualitarismo teve que ceder passo à hierarquia e aos privilégios materiais. O Estado russo continuou, no entanto, exercendo controle sobre setores considerados vitais para a economia, como o comércio exterior, o sistema bancário e as grandes indústrias de base. Num certo sentido, o país passou a ter uma constituição produtiva anacrônica onde medidas socialistas (estatização das empresas, minas, transportes e bancos) conviviam com medidas capitalistas (o médio produtor rural, o capitalismo urbano) e com a economia tradicional (economia de subsistência empregada pelos camponeses pobres). Entretanto, foi essa política que permitiu a sobrevivência do Regime, dando-lhe a folga necessária para a reordenação de forças. O próprio Lenin teve dificuldade em definir o estado de coisas que, ironicamente, classificava como uma "mistura de czarismo com práticas capitalistas, besuntadas por um verniz soviético". Os resultados práticos não demoraram a surtir efeito. Lentamente a produção agrícola foi sendo restabelecida; o sistema viário voltou a funcionar com maior regularidade e as pequena indústrias começaram a lançar seus produtos no mercado. 
Mais vítimas da fome de 1921 e 1922 na RSFSR

Em dezembro de 1922, foi organizado um congresso geral de todos os sovietes, com a fundação da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS)[1]. O governo da União, cujo órgão máximo era o Soviete Supremo (Legislativo), passou a ser integrado por representantes das diversas repúblicas. Competia ao Soviete Supremo, eleger um comitê executivo (Presidium), dirigido por um presidente com a função de chefe de estado. Competiam ao governo da União as grandes tarefas relativas ao comércio exterior, política internacional, planificação da economia, defesa nacional, entre outras. Paralelamente a essa estrutura formal, funcionava o Partido Comunista, que controlava, efetivamente, o poder da URSS. Sua função era controlar os órgãos estatais, estimulando sua atividade e verificando sua lealdade, e manter os dirigentes em contato permanente com as massas. Também assegurava à população a difusão das ideologias vindas da alta cúpula. 
Iosif Vissarionovich Dzugashvili, o
" Homem de Ferro", terror da Era Stalin

A tragédia do bolchevismo dos anos vinte se deu na medida em que, devido ao peso das circunstâncias, tiveram que transformar-se num partido que representava a si mesmo. Suas bases sociais - o proletariado urbano -, além de escassas numericamente, foram literalmente dizimadas pela guerra civil e pela desorganização da economia ocorrida neste período. Depois de longos anos de guerra e de guerra civil, a extrema tensão a que foram submetidas as massas, tornou-as apáticas. Este comportamento favoreceu a implantação da ditadura partidária, mas os custos políticos foram terríveis - não só para o socialismo russo, como para a causa do socialismo internacional.
O isolamento em que o país se encontrava aprofundou-se ainda mais. A tão esperada revolução que deveria ocorrer num país desenvolvido, não aconteceu. Depois do fracasso dos espartaquistas (na Alemanha) em 1919 e dos comunistas em 1923, a Alemanha deixou de figurar como uma possível aliada. Estes fatores terminaram por fazer com que os bolcheviques fossem obrigados a alterar sua estratégia interna. A União Soviética de agora em diante deveria contar com seus próprios recursos. Evidentemente que aceitar esta nova situação era uma heresia. O socialismo era um movimento internacional, que não podia ser limitado por fronteiras, embora os fatos fossem uma poderosa evidência para qualquer teoria internacionalista. A União Soviética teria que lançar-se na "construção do Socialismo" enfrentando todos os fatores adversos: a falta de quadros técnicos e culturais, o imenso analfabetismo do campesinato, a baixa produtividade e a pouca qualificação de seu operariado. Lenin, contudo, não viveria para ver este dia, pois sua saúde deteriorou-se rapidamente desde julho de 1922, sendo frequentemente incapacitado por derrames e, relutantemente, passando muitas de suas atividades para Stalin e Trotsky. O fundador do primeiro Estado socialista morreu em 21 de janeiro de 1924, com a idade de 53 anos. A Guerra Civil russa terminara em 1923 e a Era Lenin em 1924, contudo, a pior parte da Revolução Russa ainda estava por vir, durante os anos de terror da Era Stalin.

JOSEF STALIN

Iosif Vissarionovich Dzugashvili (18/12/1879 – 05/03/1953) nasceu filho único na vila de Gori, próximo de Tiflis, capital da Georgia, do Império Russo, de uma pia lavadeira analfabeta e ex-escrava (Ekaterina Gheladze) e de um sapateiro bêbado, ex-servo, de quem sofria (como sua mãe) impiedosas surras e que os abandonou bem cedo, causando seu crescimento em extrema pobreza. A varíola dos seus sete anos deixou-lhe a face marcada e o braço esquerdo levemente deformado, o que lhe causava intimidação por parte das outras crianças, provocando-lhe uma necessidade constante de provar-se a si mesmo. Ainda jovem tornou-se um rebelde, sonhando em liderar uma revolução para libertar a Georgia do Império Russo.
Pobre como era, foi enviado por sua mãe para o seminário ortodoxo em Tiflis, para se tornar padre. A escola era um instrumento da russificação czarista, causando aos alunos georgianos, uma permanente resistência na defesa da nacionalidade e no aumento do sentimento anti-russo que contaminou Stalin e o fez ingressar nas fileiras dos primeiros grupos da social democracia russa, fundada por Lenin e outros intelectuais em 1898. Foi expulso da escola e logo a Okrana, polícia secreta do Czar, colocou-lhe as mãos em cima, submetendo-o às agruras da prisão e deportação, por subversão ao regime. Em 1901 tornou-se membro do Partido Operário Social Democrata Russo (POSDR). No mesmo ano, depois de uma manifestação organizada por ele e reprimida violentamente pelas autoridades tentou, sem sucesso, eleger-se líder do já combalido POSDR de Tiflis. Neste mesmo ano, foi expulso do partido de forma unânime pelos mencheviques, acusado de caluniador e agente provocador.
Sua vida até a Revolução de 1917 foi uma sucessão de prisões, fugas, curtas viagens ao exterior e novos desterros, durante as quais foi descoberto por Lenin, também vivendo no exterior. Em 1906, Stalin casa com sua primeira esposa Ketevan Svanidze, oriunda de família pobre da baixa nobreza, que lhe dá o filho Yakov no ano seguinte. Na facção bolchevique do POSDR, Stalin organizava greves e assaltos a bancos (em 1907 rouba 250.000 rublos de um banco em Tiflis.), de onde provinham os fundos para as atividades revolucionárias, embora fortemente condenado pela maioria dos socialistas. Após o assalto de Tiflis, Stalin e família fogem das forças czaristas para Baku, no Azerbaijão, onde sua esposa morre de tifo e ele fica arrasado com a perda. Entrega o filho para ser criado pelos pais da esposa e dedica-se ao trabalho revolucionário, adotando então o codinome Stalin (“homem de ferro”).
Seu primeiro encontro com Lenin ocorreu numa reunião do Partido na Finlândia, quando este ficou impressionado com seu “implacável operador subterrâneo”. Em 1912 foi indicado por Lenin para integrar o Comitê Central do Partido Bolchevique, considerada por Stalin uma decorrência lógica da sua fidelidade aos princípios leninistas, desde o fracionamento da socialdemocracia russa entre bolcheviques e mencheviques ocorrida em 1903.
A Revolução de 1917 encontrou Stalin preso na Sibéria, por agitação contra a Primeira Grande Guerra. Com o Czar deposto por essa revolução, ele retornou a Petrogrado, seu berço, assumindo, temporariamente a chefia do partido enquanto Lenin não retornava do seu exílio. Saudado como herói quando ajudou Lenin a escapar para a Finlândia, desta vez, é indicado para o círculo mais interno do Partido Bolchevique. Com a queda do Tzar e o início da Guerra Civil, Stalin, como outros da linha dura do Partido, ordena a execução pública de desertores e renegados. Tornou-se editor do Pravda, mas embora Lenin claramente respeitasse suas habilidades, não teve um papel importante no período de março a novembro de 1917, a não ser por um curto período em julho e agosto, quando Lenin ainda encontrava-se na Finlândia e os outros líderes estavam na prisão. Um diarista da revolução, Nikolai Sukhanov (de nome real Gimmer), então um menchevique e membro do Comitê Executivo do Soviete de Petrogrado em 1917, referia-se a Stalin como a “mancha cinza”. Quando Lenin retorna e toma o poder, indica Stalin para o posto de Secretário Geral do Partido Comunista, onde ganha novas habilidades como mediador dos funcionários de todo o Partido. A Guerra Civil, entre 1918 e 1921, deu a Stalin sua primeira chance de comando, fonte de conflitos entre ele e Trotsky, o chefe supremo das forças armadas da Revolução.
Em sua luta pelo poder Stalin tinha várias desvantagens. Não era um orador, falava devagar e com forte acento da Georgia, não era um intelectual como os maiores líderes bolcheviques e escreveu pouco. Seus colegas o viam, inicialmente, como um irrelevante e obtuso camarada, bom administrador que poderia encarregar-se da papelada. E esse foi o grande engano da parte deles. Stalin logo entendeu que poderia usar a burocracia do Partido como a ferramenta para ganhar o poder. Em 1922 ele mantinha as seguintes posições: (1) membro do Politburo (principal órgão executivo do Partido, criado em janeiro de 1919 e mais tarde rebatizado de Presidium); (2) Membro do Comitê Central, onde a política era debatida e as decisões tomadas; (3) Membro do Bureau de Organização, que supervisionava as organizações do Partido; (4) Chefe do Secretariado do Partido, que estabelecia a agenda para o Comitê Central e os encontros do Politburo; (5) Comissário do Inspetorado dos Operários e Camponeses, que controlava o aparelhamento administrativo e, ironicamente, protegia contra a burocratização; (6) Comissário das Nacionalidades; e (7) Secretário Geral do Partido, por recomendação de Lenin, após ter sofrido o seu primeiro derrame em maio de 1922.
Com a morte de Lenin, em janeiro de 1924, o vazio deixado por seu líder logo seria preenchido por Stalin e sua gente. Já durante as pompas fúnebres de Lenin, o Secretário Geral do Partido, encarregado de prestar as últimas homenagens, apresenta-se ao público como herdeiro direto do líder morto. Muitos no Partido esperavam que o líder do Exército Vermelho, Leon Trotsky, fosse o sucessor natural de Lenin, mas suas ideias eram idealistas demais para a maioria do Partido Comunista. Stalin, contudo, desenvolve sua própria marca de marxismo – “Socialismo em um País” -, concentrado no vigor da União Soviética em vez de na revolução mundial. De 1924 a 1929, várias coligações foram estabelecidas entre Stalin e seus companheiros do Comitê Central. Numa primeira ele aliou-se a Zinoviev e Kamenev para neutralizar a ameaça de Trotsky que foi banido para uma região central da Rússia e depois expulso do país. No momento seguinte ele encontrou em Bukharin um aliado contra seus ex-colaboradores e, finalmente, reduziu-o também ao silêncio. As ideias de Stalin tornaram-se populares no Partido e, em 1929, ele torna-se ditador da União Soviética. Nesse ano Stalin fomenta seus Planos Quinquenais para transformar a União Soviética num país industrializado. Para modernizar a agricultura, Stalin determina a “coletivização”: aglutinação e estatização das propriedades. Cerca de 5 milhões morrem de fome, mas Stalin, na crença de que “o fim justifica os meios”, prende e mata milhões de pequenos proprietários. Durante os anos de terror, Stalin promove a sua imagem de líder benevolente e herói da União Soviética ao mesmo tempo em que cresce sua paranoia e os expurgos do Partido e do Exército de todos a que a ele se opõem. 93 dos 139 membros do Comitê Central são assassinados, assim como 81 dos 103 generais e almirantes. A sua polícia secreta impõe o stalinismo e as pessoas são encorajadas à denúncia recíproca. Três milhões de pessoas são acusadas de se oporem ao comunismo e enviadas aos “gulags” (campos de trabalhos forçados da Sibéria). Em 1932, sua segunda esposa Nadezhda Alliluyeva, com quem se casara em 1919 e que lhe dera os filhos Svetlana e Vassily, se suicida pelos maus tratos que recebia de Stalin e sua morte é oficialmente relatada como causada por apendicite. Seu filho da primeira esposa, Yakov, um soldado do Exército Vermelho, é capturado ao início da Segunda Guerra Mundial; os alemães propõem uma troca de prisioneiros para soltá-lo e Stalin recusa por acreditar que seu filho se rendera voluntariamente; Yakov morre num campo de concentração nazista em 1943. Sua filha Svetlana, criada em circunstâncias privilegiadas na União Soviética, por odiar o sistema que seu pai criara, foge para o ocidente, em 1967. Em 1939, Segunda Guerra Mundial, Stalin assina com Hitler um pacto de não agressão. Quando os exércitos de Hitler derrotam a França e a Inglaterra recua, Stalin ignora os avisos de seus generais e não se prepara para o ataque nazista de 1941, que surge da Polônia. Com o futuro da União Soviética pendurado na balança, Stalin sacrifica milhões de russos para vencer a Alemanha. Só em Stalingrado (hoje Volgogrado), ponto de virada da guerra, as forças soviéticas perderam um milhão de homens, mas conseguiram derrotar os nazistas em 1943. É visto como um dos personagens mais importantes da vitória dos aliados contra as forças do Eixo, ao ocupar grandes faixas da Europa Oriental, incluindo Berlim Oriental. Em 1946 até mesmo Berlim Ocidental, ocupada pelos aliados, é bloqueada pelas forças de Stalin. Em seus últimos anos de vida, Stalin torna-se crescentemente desconfiado de tudo e de todos, prosseguindo os expurgos contra os seus inimigos dentro do Partido. Stalin morre de um derrame em 5 de março de 1953 com muitos russos pranteando a perda do grande líder que transformou o país. Mas os milhões de encarcerados saúdam a morte de um dos maiores homicidas e ditadores da História, conforme denunciado por seu sucessor, Nikita Khrushchev, ao iniciar a “desestalinização” da URSS.
Duas frases de Stalin que bem definem o seu caráter:
1 - “A morte de um homem é uma tragédia. A morte de milhões é apenas uma estatística”.
O historiador Anton Antonov- Ovseyenko alega que esta teria sido a resposta de Stalin a Churchill quando este objetou à abertura precipitada de uma nova frente na Europa, em 1943, durante uma conferência em Teerã, com a seguinte versão: “Quando um homem morre é uma tragédia. Quando milhares morrem é uma estatística”.
2 – “Ideias são mais poderosas que armas. Não permitiríamos que nossos inimigos tivessem armas, por que permitiríamos que tivessem ideias?”



[1] A União Soviética (URSS), portanto, sucedeu à Rússia czarista e existiu entre 1922 e 1991, como uma união de 15 repúblicas soviéticas subnacionais, com a capital em Moscou. A República Socialista Russa era a maior e mais populosa das que compunham a URSS, dominando-a durante toda a sua existência de 69 anos. Em 25 de dezembro de 1991, como resultado da dissolução da URSS, a Federação Russa, seu estado sucessor, assumiu os direitos e obrigações da antiga União Soviética e tornou-se reconhecida como a continuação de sua personalidade jurídica. A União Soviética também era conhecida como СССР, um acrônimo para União das Repúblicas Socialistas Soviéticas de acordo com seu nome em russo. Escrita originalmente no alfabeto cirílico (russo), o mundo ocidental “latinizou” as letras, acabando por adotá-la como CCCP. A sigla ficou bastante conhecida no mundo ocidental, devido ao uso do acrônimo em uniformes em competições esportivas e outros objetos, em eventos culturais e tecnológicos ocorridos na URSS, pelo destaque da União Soviética em tais eventos. Durante a gestão de Vladimir Putin, o antigo nome foi retomado, mas desta vez descrito como o original “Rossiya”, restaurando o hino soviético, a águia bicéfala da Rússia czarista e reutilizando a foice e o martelo como símbolo do exército russo.

Na próxima postagem, prossegue com a PARTE 08

terça-feira, 8 de dezembro de 2015

A REVOLUÇÃO RUSSA DE 1917 (Parte 6)

VIII – A GUERRA CIVIL RUSSA


Durante o período que se seguiu à tomado do poder pelos bolcheviques, várias medidas de impacto foram tomadas: (1) Pedido de paz imediato à Alemanha; (2) Confisco de propriedades privadas para serem distribuídas entre o povo; (3) Declaração do direito nacional dos povos: o novo governo comprometeu-se a acabar com a dominação exercida pelo governo russo sobre regiões tais como a Finlândia, a Geórgia ou a Armênia; (4) Estatização da economia: o novo governo passou a intervir diretamente na vida econômica, nacionalizando diversas empresas.
A desonrosa assinatura de paz de Brest Litovsk, para a
Rússia, com a Alemanha 
Em 3 de março de 1918, o governo soviético bolchevique assinou, em separado, a Paz de Brest-Litovsk com a Alemanha. Uma paz reconhecidamente insultuosa, em que aceitava entregar à Alemanha, vastos territórios russos além de vultuosa quantia em marcos-ouro, para assim conseguir fazer vingar, em sua pátria, seus ideais marxistas socialistas. No dia 12 de março do mesmo ano, Moscou torna-se a capital da República Federativa Socialista Soviética Russa e da União Soviética, menos de cinco anos após.
A retirada da Rússia da Primeira Guerra Mundial, o Tratado de Brest-Litovsk, com toda a desonra de ter entregue à Alemanha e seus aliados, terras valiosas até então pertencentes à Rússia, o desejo da volta ao poder da então elite russa e o medo de que o ideário comunista se propagasse para a Europa e eventualmente para o mundo, fez eclodir a Guerra Civil Russa, que acabou envolvendo outras nações.

O DESONROSO TRATADO DE PAZ DE BREST-LITOVSK

O tratado de Brest-Litovsk foi um tratado de paz assinado em 3 de março de 1918, entre o novo governo bolchevista da Rússia Soviética e as Potências Centrais (Império Alemão, Império Austro-Húngaro, Bulgária e Império Otomano), que encerrou a participação da Rússia na Primeira Guerra Mundial. Foi assinado em Brest-Litovsk, então Polônia e hoje Bielorrússia, após dois meses de negociações, forçado pela ameaça de avanços adicionais por parte da Alemanha e Áustria. De acordo com o tratado, a Rússia Soviética invalidava todos os compromissos anteriores de aliança com a Tríplice Entente.
A retirada da Rússia da guerra fora um dos principais objetivos da Revolução Russa de 1917 e uma das prioridades do recém-criado governo bolchevique. A guerra tornara-se impopular entre o povo russo, pelas imensas perdas humanas (cerca de quatro milhões de mortos). Entretanto, os termos do Tratado de Brest-Litovski eram humilhantes. Através deste, a Rússia Bolchevique abria mão do controle sobre a Finlândia, cedia à Alemanha os Estados Bálticos (Estônia, Letônia e Lituânia), Bielorrússia e Ucrânia, bem como, ao Império Otomano, as província de Ardaham e Kars Oblast, ao sul do Cáucaso e do distrito georgiano de Batumi, antes sob seu domínio. A Polônia não foi mencionada no tratado. Estes territórios continham um terço da população da Rússia, metade de sua indústria e nove décimos de suas minas de carvão. A Rússia também concordou em pagar seis bilhões de marcos-ouro alemães como reparações. O historiador Spencer Tucker diz: “O Estafe Geral Alemão havia formulado termos extraordinariamente ásperos, que chocaram mesmo o negociador alemão”. Quando os alemães protestaram, mais tarde, que o Tratado de Versailles de 1919 foi muito duro com eles, os Aliados (e historiadores favoráveis aos aliados) responderam que ele havia sido mais brando que o de Brest-Litovsk. O Tratado foi efetivamente encerrado em novembro de 1918, quando a Alemanha rendeu-se aos Aliados, resultando em alívio para os bolcheviques que já se achavam em guerra civil.
O Governo Provisório Russo, já com Kerensky, havia decidido continuar a guerra, através de telegrama enviado pelo Ministro das Relações Exteriores Pavel Milyukov, à Entente, nos mesmos termos que a Rússia Imperial acordara, ao que se opunha o Soviete de Petrogrado, que já possuía sua força paramilitar, os Guardas Vermelhos, em março de 1917. Isso fez com que os alemães oferecessem apoio aos bolcheviques, permitindo a Lenin retornar à Rússia do seu exílio na Suíça e oferecendo-lhe ajuda financeira. Com suas “Teses de Abril”, Lenin incluiu a doação de todo o poder aos sovietes dos operários e soldados, bem como a retirada imediata da Rússia da guerra. Por todo ano de 1917 os bolcheviques espalharam propaganda derrotista e revolucionária, pedindo pela queda do Governo Provisório e um fim à guerra. Após a desastrosa “Ofensiva Kerensky”, a disciplina no exército russo deteriorou-se completamente, com os soldados desobedecendo ordens com orientação bolchevista e permitindo aos comitês de soldados tomarem o controle de suas unidades após a deposição dos oficiais. Ocasionalmente, soldados russos e alemães eram vistos deixando suas posições e confraternizando.
O recém estabelecido governo soviético, com a Revolução de Outubro, decidiu retirar da guerra a Rússia, com a assinatura de Lenin do Decreto de Paz, em 26 de outubro de 1917, aprovado pelo Segundo Congresso do Soviete dos Deputados de Operários, Soldados e Camponeses, chamando todas as nações beligerantes e seus governos a iniciarem imediatas negociações de paz. Em dezembro de 1917 um armistício entre a Rússia Soviética e as Potências Centrais foi concluído e a luta cessou, com as negociações de paz iniciando em Brest-Litovsk, em 22 de dezembro. Lenin tinha muito mais interesse em vencer a revolução interna na Rússia do que em lutar contra os alemães.
Após dois turnos de negociações, Lenin desejava aceitar a proposta de paz alemã imediatamente, mas maioria do Comitê Central Bolchevique discordou. Com isso, a delegação soviética retornou à conferência de paz sem instruções para assinar o tratado proposto. Em fevereiro de 1918, a Alemanha reconheceu o governo separatista da Ucrânia e com ele assinou o primeiro Tratado de Brest-Litovsk. Frustrado com as continuadas demandas germânicas pelas cessões de território, em 10 fevereiro de 1918, Trotsky anunciou que a Rússia, unilateralmente, declarava um fim das hostilidades contra as Potências Centrais e retirava-se das negociações de paz, numa espécie de “sem guerra – sem paz”, pelo que foi denunciado por alguns líderes bolchevistas por ultrapassar suas ordens e prerrogativas. Na verdade Trotsky apostou nas revoluções socialistas nos países europeus, mormente na própria Alemanha e Áustria, que não acabaram acontecendo.
As consequências foram terríveis para os bolcheviques, pois em 18 de fevereiro de 1918, as Potências Centrais cansaram da sua procrastinação e em duas semanas renderam a maior parte da Ucrânia, Bielorrússia e os Estados Bálticos, e pelo mar Báltico uma esquadra alemã aproximou-se de Petrogrado. Em fevereiro de 1918 as Potências Centrais enviaram novos e mais exigentes termos de paz, concedendo 48 horas para a concordância dos soviéticos. Lenin novamente pressionou para que a proposta fosse aceita e, desta feita, obteve maioria do Comitê Central, que despachou novos delegados com instruções para aceita-la. Em 3 de março de 1918 o governo soviético assinou termos ainda piores que os anteriormente rejeitados, com o Império Germânico, Áustria –Hungria e Turquia do outro lado. O tratado marcou a retirada da Rússia da Primeira Guerra Mundial, como um inimigo dos seus cossignatários, sob termos humilhantes, como vimos na introdução. Ao despertar do repúdio russo aos acordos czaristas, nacionalização de propriedades e confisco de bens no estrangeiro, Rússia e Alemanha assinaram um acordo adicional, em 27 de agosto de 1918, pela qual a primeira concordava em pagar seis bilhões de marcos-ouro como compensação aos interesses germânicos por suas perdas. Finalmente, o Tratado de Brest-Litovsk teve ainda uma consequência muito pior para o povo russo: ele acabou por se tornar o maior responsável pela Guerra Civil russa, um evento que causou a morte de milhões de russos e deixou o país completamente na miséria, tudo pela vitória de uma ideologia.
Felizmente – e ironicamente - para o governo bolchevique, as forças aliadas, principalmente representadas por Estados Unidos, Inglaterra e França, venceram a guerra ao final do mesmo ano de 1918 e o tratado foi anulado, salvando a Rússia de consequências ainda piores. A Turquia quebrou o tratado após dois meses, invadindo a recém criada “Primeira República da Armênia”, em maio de 1918. Para a Alemanha, o tratado de Brest-Litovsk durou somente oito meses e meio, quando cortou relações diplomáticas com a Rússia em 5 de novembro de 1918. No armistício com a Alemanha, que encerrou a Primeira Grande Guerra, em 11 de novembro de 1918, uma das primeiras condições foi a completa anulação do Tratado. No tratado de Rapallo, concluído em abril de 1922, a Alemanha aceitou a completa anulação do Tratado de Brest-Litovsk, com as duas potências concordando em abandonar todas as reivindicações recíprocas territoriais e financeiras relacionadas à guerra.

O ano I da Revolução seria aquele em que as promessas de Lenin deveriam ser cumpridas, mas a transição do governo czarista para o socialista não foi um parto normal. As fábricas, minas, bancos, estradas de ferro e o comércio foram entregues às administrações dos operários e funcionários e foi atendida a "fome de terra" dos camponeses com a abolição da propriedade fundiária. Politicamente, o novo regime proclamou a nova ordem social na Constituição Soviética de 1918, que continha uma declaração de direitos do "povo explorado e trabalhador". Entretanto, se a paz com a Alemanha retirou o país da guerra, a "necessária folga" do novo regime pouco durou.
A guerra civil eclodiu em abril de 1918 e seria uma das mais cruentas da história do nosso século. Os kulaks foram acusados de trair a revolução e o governo central enviou, contra eles, brigadas de operários ao campo para apoiar o movimento camponês. Em várias regiões da Rússia, ex-generais Czaristas levantaram suas tropas contra o governo bolchevique. A execução de kulaks e a morte de militantes bolcheviques nos conflitos com os exércitos de russos brancos caracterizaram o início da guerra civil russa.
As potências que venceriam a Primeira Guerra Mundial, alarmadas pelas medidas tomadas pelo governo soviético, resolveram prestar auxílio militar aos russos brancos e, aproveitando-se do verdadeiro caos em que o país se encontrava, enviaram tropas inglesas, francesas, americanas e japonesas para ajudar os contrarrevolucionários. Tais forças desembarcaram nas regiões ocidentais (Criméia e Georgia) e orientais (Vladivostok e Sibéria Oriental) da Rússia, com o objetivo de derrubar o governo bolchevique (recém-saído da guerra) e instaurar um regime neo-czarista (a favor da continuação da Rússia na mesma guerra). É bem possível que o seu objetivo maior fosse evitar a "contaminação" da Europa Ocidental pelos ideais bolcheviques - daí a expressão utilizada por Clemenceau, Presidente da França, "cordon sanitaire" (cordão sanitário), que passou a vigorar à época como sinônimo da intervenção.
Durante o curto período em que os territórios cedidos pelo Tratado de Brest-Litovski estiveram em poder do exército alemão, as várias forças anti-bolcheviques puderam organizar-se e armar-se. Estas forças dividiam-se em três grupos que também lutavam entre si: 1) czaristas, 2) liberais, eseristas (membros do Partido Social Revolucionário – PSR) e metade dos socialistas e 3) anarquistas. Com a derrota da Alemanha em 1919, esses territórios tornaram-se novamente alvo de disputa, bem como bases das quais partiriam forças que pretendiam derrubar o governo bolchevique.
Trotsky com oficiais alemães, a caminho
da assinatura do Tratado de Paz, 1918
Para enfrentar a maré contrarrevolucionária, o novo governo instituiu o novo “Exército Vermelho”[1], comandado e treinado por Leon Trotsky, que revelou-se brilhante estratego, disciplinador rígido e líder das tropas. Com a ajuda deste, os bolcheviques mostraram-se preparados para resistir aos ataques do também recém-formado exército polonês, dos Exércitos Brancos de Denikin, Kolchak, Yudenich e Wrangel, e também para suprimir o Exército Insurgente de Makhno e a Revolta de Kronstadt (que clamava pela derrubada dos bolcheviques e pela instauração da democracia proletária e da administração direta), ambos de forte inspiração anarquista. Ao iniciar o ano de 1921, todas as formações contrarrevolucionárias haviam sido derrotadas e seus principais expoentes (Koltchak, Wrangel, Denikin e Yudenich) exilados no exterior. As forças expedicionárias aliadas foram obrigadas a retirar-se, tanto pela derrota dos Brancos, quanto pela pressão da opinião pública internacional. Com isso encerrava-se a guerra civil, com a vitória do Exército Vermelho, e o Partido Bolchevique, que desde 1918 havia alterado sua denominação para Partido Comunista, consolidava a sua posição no governo, tendo Lenin como o seu primeiro líder comunista. 
Lenin, primeiro líder
comunista da URSS
No terreno econômico, devido à situação de emergência e pelo próprio ímpeto revolucionário, instituiu-se o "comunismo de guerra". O dinheiro e as leis do mercado foram abolidos, sendo substituídos por uma economia dirigida baseada no confisco de cereais produzidos pelos camponeses. Naturalmente estas medidas criaram um desestímulo ao plantio, levando-os a produzirem exclusivamente para o sustento de suas famílias, com um resultado catastrófico. Os centros urbanos ficaram sem alimentos, provocando um êxodo urbano que viu as populações de Petrogrado e Moscou reduzidas pela metade. A fome de 1921 transformou-se numa das maiores tragédias da Rússia moderna, em que milhões pereceram.

PERDAS DA GUERRA CIVIL RUSSA

Os resultados da Guerra Civil foram terríveis. O demógrafo soviético Boris Urlanis estimou o número total de mortos em ação na Guerra Civil e com a Polônia em cerca de 300.000 (125,000 no Exército Vermelho e 175.500 no Exército Branco e entre os poloneses) e o total de pessoal militar morto por doenças, de ambos os lados, em 450.000. Durante o “Terror Vermelho”, a Cheka (primeira de uma sucessão de organizações de segurança e braço militar do Estado Soviético, criada em dezembro de 1917 por um decreto de Lenin, foi o instrumento do Terror Vermelho) realizou pelo menos 250.000 execuções sumárias  de “inimigos do povo”, com estimativas que alcançam mais de um milhão. Entre 300.000 e 500.000 cossacos foram mortos ou deportados durante a ‘limpeza” de uma população de três milhões. Uma estimativa diz que 100.00 judeus foram mortos na Ucrânia, a maior parte pelo Exército Branco. Órgãos punitivos do todo poderoso Don Cossack Host (uma república autônoma ou independente ao sul da atual Rússia e a região de Donbas, na Ucrânia, do final do século XVI até 1918), sentenciou 25.000 pessoas a morte, entre maio de 1918 e janeiro de 1919. O governo de Kolchak (estabeleceu um governo comunista na Sibéria e foi reconhecido por algum tempo como o chefe supremo e comandante em chefe das forças militares russas; mais tarde foi preso e executado pelos bolcheviques) executou 25.000 pessoas apenas na província de Ekaterinburg. Ao final da Guerra Civil, a República Socialista Federativa Soviética Russa (RSFSR) estava exausta e próxima da ruína. As secas de 1920 e 1921, bem como a fome de 1921, pioraram o desastre, com as doenças alcançando proporções pandêmicas, com 3 milhões morrendo somente de tifo em 1920. Outros milhões morreram de fome generalizada. Em 1922 haviam pelo menos sete milhões de crianças de rua na Rússia como resultado de aproximadamente dez anos de devastação da Grande Guerra e da Guerra Civil. Outros dois milhões de “russos emigrados” fugiram da Rússia pelo extremo oriente e pelos países recém independentes do Mar Báltico, incluindo uma alta percentagem da população mais culta e especializada da Rússia. A economia russa ficar devastada pela guerra, com fábricas e pontes destruídas, gado e matéria prima saqueados, minas inundadas e o maquinário destruído. O valor da produção industrial caiu a 1/7 do valor de 1913 e a agricultura a 1/3. De acordo com o jornal Pravda, “os trabalhadores das cidades e alguns das vilas sufocavam nos espasmos da fome”. As estradas de ferro rastejavam, as casas ruíam, as cidades se enchiam de resíduos, as epidemias se espalhavam causando muitas mortes e a indústria se extinguia. Estima-se que a produção total de minas e fábricas em 1921 havia caído a 20% dos níveis de antes da guerra e muitos itens cruciais experimentaram declínio ainda mais drástico. Por exemplo, a produção de algodão caiu a 5% e o ferro a 2% dos níveis pré-guerra. O Comunismos de Guerra salvou o governo soviético durante a sua Guerra Civil, mas muito da economia da Rússia havia chegado a uma paralização. Os camponeses respondiam ao confisco (política e campanha bolchevique de confisco de grãos e outros produtos agrícolas dos camponeses por um preço fixo nominal de acordo com cotas especificados) pela recusa em arar a terra. Em 1921 a terra cultivada encolheu a 62% da área pré-guerra; o rebanho de cavalos caiu de 35 milhões em 1916 para 24 milhões em 1920 e o gado de 58 para 37 milhões. A taxa de câmbio passou de dois rublos por dólar em 1914 para 1200 rublos em 1920. As perdas humanas totais foram avaliadas entre 7 milhões e 12 milhões durante a Guerra, em sua maioria civis. A Guerra Civil Russa foi a maior catástrofe nacional que a Europa jamais vira.

Exército Vermelho dispara contra agricultores e opositores
do comunismo na revolta de Kronstadt, março de 1921.
Politicamente, os bolcheviques iniciaram a luta final contra outras facções da Esquerda (mencheviques, anarquistas e social-revolucionários), terminando por se transformarem no único partido legalizado do país. Durante o X Congresso do partido, em 1921, adotaram uma resolução ainda mais drástica: a proibição da existência de facções dentro do partido. Quer dizer, os bolcheviques estendiam a ditadura sobre si próprios. Enquanto a liderança esteve nas mãos de Lenin, não foram tomadas medidas repressivas contra os membros recalcitrantes ou divergentes; mas serviu de poderoso instrumento coercitivo quando Stalin empalmou a direção partidária.


[1] “Exército Vermelho” (em sua forma curta) ou “Exército Vermelho dos Operários e dos Camponeses”, foi o exército da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, criado por Trotsky, em 1918, para defender o regime bolchevista durante a guerra civil russa, desmantelado em 1991. O nome abreviado faz referência à cor vermelha, símbolo do socialismo. Apesar do Exército Vermelho ter sido transformado oficialmente no Exército Soviético em 1946, o termo Exército Vermelho é de uso comum no Ocidente para se referir a todas as Forças Armadas soviéticas ao longo de sua história.

Prossegue com a PARTE 7

segunda-feira, 30 de novembro de 2015

A REVOLUÇÃO RUSSA DE 1917 (Parte 5)

VII.2 – A REVOLUÇÃO DE OUTUBRO OU REVOLUÇÃO VERMELHA

As manifestações, enormes, mas desorganizadas e sem nenhuma direção política, haviam falhado em seu objetivo de implantar um governo soviético, ante a negativa dos dirigentes socialistas moderados do Soviete de Petrogrado em tomar o poder e a ausência de uma direção política alternativa dentro do soviete. Os protestos haviam sido a expressão do descontentamento popular e do desejo da formação de um governo exclusivamente socialista, que aplicasse um programa de reformas radicais que incluísse a saída da Rússia da guerra, mudanças no programa econômico e a solução dos graves problemas que assolavam o país. Os bolcheviques se viram forçados a participar dos protestos por conta de um descontentamento popular que não podiam controlar. Para uma parte cada vez maior da população, a coalizão com as forças da burguesia havia fracassado ao não servir para satisfazer seus anseios por reformas fundamentais. Nas províncias, onde o apoio ao Governo Provisório e à coalizão com os liberais era maior, a população começou a demonstrar seu descontentamento nas semanas seguintes aos protestos ocorridos na capital, atitude que foi subestimada pelos socialistas moderados.
Kerensky, chefe do Governo Provisório
da Rússia, em 1917, durante a revolução.
Por seu lado, as classes médias e altas reagiram aos protestos de julho endurecendo sua posição e se negando cada vez mais a realizar novas concessões políticas ou econômicas, o que complicou ainda mais as relações entre socialistas e burgueses.
A crise de governo foi intensificada pela renúncia do Primeiro Ministro Lvov em favor do seu Ministro da Guerra, advogado Alexander Kerensky, do Partido Social-Revolucionário (apesar do nome, essa era uma agremiação política moderada), que gozava de uma certa popularidade, em 21 de julho. O líder dos Revolucionários Socialistas e Mencheviques dos Sovietes declarou que o Governo Provisório se autoconcedia poderes ilimitados. Os sovietes se tornaram um apêndice, sem poder, do governo. O encerramento das demonstrações marcou o fim do poder duplo e o desenvolvimento pacífico da revolução passou a ser visto como impossível.

KERENSKY

Alexander Fyodorovich Kerensky (02/05/1881–11/06/1970) nasceu em Simbirsk (agora Ulyanovsk), no rio Volga, de Fyodor Kerensky, um professor (foi professor de Lenin, amigo de Kerensky) e diretor do ginásio local e de Nadezhda, filha de um nobre russo germânico. Casado com Olga Lvovna Baranovskay, filha de um general russo, foi um advogado e político russo e segundo Premier do Governo Provisório Russo, de julho a novembro de 1917. Foi líder da fação socialista moderada do Partido Revolucionário Socialista e figura chave da Revolução Russa. Trabalhou como conselheiro legal das vítimas da Revolução de 1905 e ao final do ano foi preso como suspeito de pertencer a um grupo militante. Em 1º de novembro de 1916, na abertura da Duma, Kerensky chamou os ministros de “assassinos de aluguel” e “covardes”, dizendo que eram “guiados pelo desprezível Grishka Rasputin”. Quando a Revolução eclodiu em 1917, foi um dos mais proeminentes líderes, como membro do Comitê Provisório da Duma, vice-presidente do Soviete Petrogrado e ministro da justiça no recém-formado Governo Provisório pós-imperial e democrático de Georgy Lvov. Quando o Soviete passou uma resolução proibindo seus membros de se unirem ao Governo, Kerensky dirigiu um comovente discurso ao Soviete; embora a decisão nunca tenha sido formalizada, ele obteve uma exceção de facto e continuou a atuar nas duas posições. Ao final de maio, já como Ministro da Guerra, Kerensky foi à frente de batalha visitando todas as divisões e convocando os homens ao seu dever em discursos fortes e convincentes, mas de pouco efeito duradouro. Sob a pressão aliada para continuar na Guerra, lançou o que ficou conhecido como Ofensiva Kerensky contra o exército Austro-Húngaro/Alemão do sul, no final de junho. Inicialmente vitorioso, a ofensiva foi logo bloqueada e então forçada a recuar por um forte contra-ataque. O exército russo sofreu pesadas perdas e, pelos muitos incidentes de deserção, sabotagem e motins, ficou clara a total falta de vontade de atacar. Após os “Dias de Julho” e a supressão dos Bolcheviques, Kerensky sucedeu a Lvov como Primeiro Ministro da Rússia e com o caso Kornilov e a renúncia de outros ministros autonomeou-se, também, Comandante em Chefe do Exército. Kerensky manteve suas obrigações para com seus aliados da Primeira Guerra, sabendo que a economia tornar-se-ia totalmente inviável e o dilema da retirada aumentou. Além disso, adotou uma política que isolou os conservadores da ala direita, democratas e monarquistas. Sua filosofia de “sem inimigos à esquerda”, fortificou os bolcheviques, permitindo-lhes tomar o braço militar dos Sovietes Petrogrado e Moscou. Quando prendeu Kornilov e outros oficiais ficou sem aliados de força contra os bolcheviques que se tornaram os seus mais fortes e determinados adversários. Levou menos de 20 horas para os bolcheviques, liderados por Lenin, tomarem o seu governo em 7 de novembro. Kerensky fugiu para Pskov onde liderou algumas tropas leais para retomar a cidade, em vão. Mal conseguiu escapar, escondendo-se para finalmente chegar à França. Permaneceu no exílio pelo resto de sua vida, morrendo em New York com a idade de 89 anos e foi enterrado na Inglaterra.

Este novo governo se deteriorou rapidamente, devido à insistência de Kerensky em continuar a guerra contra a Alemanha, apesar dos anseios de paz da população e da impossibilidade de a Rússia poder sustentar um conflito militar de tais proporções. O processo de desintegração do Estado russo continuava. A comida era escassa, a inflação bateu a casa dos 1.000%, as tropas desertavam da frente matando seus oficiais, propriedades da nobreza latifundiária eram saqueadas e queimadas. Nas cidades, conselhos operários eram criados na maioria das empresas e fábricas.
As medidas repressivas do novo governo de Kerensky foram limitadas e ineficazes, não conseguindo reestabelecer a ordem totalmente. O envio das unidades da guarnição, que tiveram maior envolvimento nos protestos, à frente de combate se deu apenas parcialmente e a população não foi desarmada.
Em agosto de 1917, enquanto Lenin se encontrava na Finlândia, o General Lavr Kornilov[1], enviou tropas para Petrogrado no que pareceu ser uma tentativa de golpe contra o Governo Provisório. O Premier Kerensky voltou-se ao Soviete Petrogrado – incluindo seus membros bolcheviques – por ajuda, armando os revolucionários e permitindo-lhes organizar trabalhadores como “Guardas Vermelhos”, para defender a cidade. O golpe enfraqueceu antes de alcançar Petrogrado; contudo, os eventos haviam permitido aos bolcheviques retornar à arena política aberta. Temendo uma contrarrevolução de forças da direita hostis ao socialismo, os mencheviques e revolucionários socialistas, que então dominavam o Soviete Petrogrado, tentaram pressionar o governo para normalizar relações com os bolcheviques. Entretanto, mencheviques e revolucionários socialistas haviam perdido muito apoio popular por sua afiliação com o Governo Provisório e sua condição impopular na Grande Guerra. No começo de setembro, após o fracassado golpe de Estado de Kornilov, o partido de Lenin havia se recuperado completamente do fracasso das manifestações de julho.
O governo Kerensky não consegue mais se manter isolado das principais facções em luta e da Finlândia, onde se havia exilado, Lenin coordena os preparativos para aprofundar a revolução, passando a exigir a tomada imediata do poder, enquanto a Organização Militar Bolchevique, temerosa em repetir o fracasso de julho, defendia que o golpe fosse preparado de forma minuciosa.
Os bolcheviques ingressam em massa nos sovietes e Trotsky é eleito presidente do Soviete Petrogrado. A Guarda Vermelha, uma milícia popular, foi criada nas fábricas para ser o braço armado dos bolcheviques. Lenin entra clandestinamente na Rússia e convence o comando bolchevique a encampar a ideia de revolução. Em setembro, os bolcheviques ganham a maioria nas secções dos trabalhadores dos Sovietes Moscou e Petrogrado. Algumas medidas foram tomadas em vão, como as tentativas de dissolver o partido bolchevique e suas organizações dependentes, apesar da prisão de alguns de seus dirigentes.

TROTSKY

Leon Trotsky, nascido Lev Davidivich Bronshtein (26/10/1879 – 21/08/1940), foi um revolucionário e teorista marxista, político soviético e fundador e primeiro líder do Exército Vermelho.
No início de 1897, Trotsky ajudou a organizar a União dos Trabalhadores do Sul da Rússia. Em janeiro de 1898, ele e mais de 200 membros da União foram presos e por dois anos aguardaram julgamento. Na prisão de Moscou fez contato com outros revolucionários e pela primeira vez ouviu falar em Lenin e seus livros, tornando-se um marxista e passando a identificar-se com o POSDR. Em 1900 foi sentenciado a quatro anos de exílio na Sibéria, com a esposa Aleksandra, com quem tinha casado na prisão, e lá tiveram duas filhas. Em 1902 fugiu da Sibéria para Londres (onde manteve contato com Lenin também exilado) e logo separou-se de sua esposa, casando-se em seguida, mas permaneceram amigos. Suas filhas morreram diante dos pais e sua esposa foi assassinada em 1938 por forças stalinistas. Voltou à Rússia durante a Revolução de 1905 e no ano seguinte, foi preso e deportado, passando por diversos países e chegando finalmente aos Estados Unidos, onde recebeu a notícia da revolução de fevereiro de 1917. Trotsky, que inicialmente apoiara a facção menchevique do POSDR, uniu-se aos bolcheviques imediatamente antes da Revolução de Outubro, acabando por tornar-se um de seus líderes. Junto com Lenin, Zinoviev, Kamenv, Stalin, Sokolnikov e Bubnov, foi um dos sete membros do primeiro Politburo (o Politburo do Comitê Central do Partido Comunista da União Soviética foi o máximo órgão de governo e direção do Partido Comunista nos períodos intercongressos e era formado pelos principais membros do Comité Central e, na teoria, sujeito à sua disciplina. Na prática, o Politburo funcionava como o órgão principal de tomada de decisões políticas e o seu controle sobre o partido e sobre o Estado era quase absoluto) fundado em 1917 para gerenciar a Revolução Bolchevista. Durante os primeiros dias da República Federativa Socialista Soviética Russa (RFSSR) e da União Soviética serviu, primeiro, como Comissário do Povo para as Relações Exteriores e mais tarde como fundador e comandante do Exército Vermelho, com o título de Comissário do Povo dos Assuntos Navais e Militares. Foi figura importante na vitória bolchevique na Guerra Civil Russa (1918-1921) e tornou-se um dos primeiros membros do Politburo (1919-1926). Após liderar um conflito fracassado da oposição de esquerda contra as políticas e a ascensão de Stalin na década de 1920, e contra o papel crescente da burocracia na União Soviética, Trotsky foi removido do poder em outubro de 1927, expulso do Partido Comunista em novembro de 1927 e, finalmente, exilado da União Soviética, em fevereiro de 1929. Basicamente, Trotsky propugnava a expansão da revolução por outros países, enquanto Stalin formulava a doutrina do socialismo em um país único. Como presidente da Quarta Internacional, Trotsky continuou no exílio como opositor da burocracia stalinista na União Soviética. Por ordem de Stalin, foi assassinado no México, em agosto de 1940, por Ramon Mercader, um agente soviético espanhol. As ideias de Trotsky formaram a base do trotskysmo, escola importante do pensamento marxista que se opõe às teorias do stalinismo. Foi uma das poucas figuras políticas soviéticas que não foram reabilitadas pelo governo sob Nikita Khrushchev, na década de 1950. Ao final da década de 1980 seus livros foram liberados para publicação na União Soviética.

De setembro a outubro, a ofensiva militar contra os alemães, organizada por Kerensky (pressionado pelos aliados franco-britânicos) é derrotada. Milhares de soldados abandonam a frente, desertando em massa, terminando por engrossar as fileiras dos bolcheviques que prometiam paz imediata e distribuição das terras para os camponeses.
Em 6 de Outubro, com o avanço alemão ameaçando Petrogrado, o governo planejou evacuar a cidade. O Comitê Central foi contra e o plano foi abandonado. No dia 9, o Soviete votou a favor de um Comitê Militar Revolucionário (CMR) que o protegesse de possíveis golpes no estilo de Kornilov. Na prática, entretanto, esse comitê foi pouco mais que uma fachada para a atividade dos Guardas Vermelhos. Na noite de 21 de outubro, o CMR tomou o controle da guarnição de Petrogrado em nome da seção dos soldados do Soviete. O comandante do distrito, Coronel Polkovnikov, se recusou a ceder o comando, e foi condenado publicamente como "contrarrevolucionário".
A insurreição bolchevique começou em 24 de outubro, quando as forças contrarrevolucionárias tomaram medidas modestas para proteger o governo. O CMR enviou grupos armados para tomar as principais agências telegráficas e baixar as pontes sobre o rio Neva. A ação foi rápida e sem impedimentos.
O Governo Provisório não tinha mais condições de subsistir. Na madrugada do dia 25 de outubro, os bolcheviques liderados por Lenin, Zinoviev e Radek, com a ajuda de elementos anarquistas e Socialistas Revolucionários, cercaram a capital, onde estavam sediados o Governo Provisório e o Soviete de Petrogrado. Apoiados pelos principais regimentos de Petrogrado, pelos marinheiros da esquadra do Báltico e da Fortaleza de Kronstadt, e pelos Guardas Vermelhos (operários armados), tomam de assalto o Palácio de Inverno - sede do Governo Provisório. O mesmo acontece na maior parte do país, havendo apenas resistência maior em Moscou.
Um comunicado declarando o fim do Governo Provisório e a transferência do poder para o Soviete de Petrogrado foi emitida pelo CMR às 10 horas de 25 de outubro – de fato escrito por Lenin. À tarde, uma sessão extraordinária do Soviete de Petrogrado foi presidida por Trotsky. Ela estava cheia de deputados bolcheviques e socialistas de esquerda. O Segundo Congresso de Sovietes abriu naquela noite, escolhendo um Conselho de Comissários do Povo composto por três mencheviques e 21 bolcheviques e socialistas de esquerda que formaria a base de um novo governo. O Comitê Executivo do Soviete de Petrogrado rejeitou a decisão daquele congresso e convocou os sovietes e o exército para defender a Revolução.
Muitos foram presos, mas Kerensky conseguiu fugir da Rússia. À tarde, numa sessão extraordinária, o Soviete de Petrogrado delegou o poder governamental ao Conselho dos Comissários do Povo, dominado pelos bolcheviques e chefiado por Lenin. O Comitê Executivo do mesmo Soviete de Petrogrado rejeitou a decisão dessa assembleia e convocou os sovietes e o exército a defender a Revolução contra o golpe bolchevique. Entretanto, os bolcheviques predominaram na maior parte das províncias de etnia russa. O mesmo não se deu em outras regiões, tais como a Finlândia, a Polônia e a Ucrânia.
Na noite do dia 26 de outubro o Congresso aprovou o Decreto da Paz, propondo a retirada imediata da Rússia da Primeira Guerra Mundial e o Decreto da Terra, que propunha a abolição da propriedade privada e a redistribuição de terras entre os camponeses. Os bolcheviques finalmente haviam tomado o poder. Os sovietes, controlados por eles, haviam se transformado no poder de fato da Rússia, dissolvendo e anulando o papel da Duma e o governo de Kerensky.
Em 3 de novembro de 1917, um esboço do Decreto sobre o Controle Operário foi publicado. Esse documento instituía a autogestão em todas as empresas com cinco ou mais empregados. Isto acelerou a tomada do controle de todas as esferas da economia por parte dos conselhos operários, e provocou um caos generalizado, ao mesmo tempo que acelerou ainda mais a fuga dos proprietários para o exterior. Até mesmo Emma Goldman[2] viria a reconhecer que as empresas que se encontravam em melhor situação eram justamente aquelas em que os antigos proprietários continuavam a exercer funções gerenciais. Entretanto, este decreto levou a classe trabalhadora a apoiar o recém-criado e ainda fraco regime bolchevique, o que possivelmente teria sido o seu principal objetivo. Durante os meses que se seguiram, o governo bolchevique procurou então submeter os vários conselhos operários ao controle estatal, por meio da criação de um Conselho Pan-Russo de Gestão Operária. Os anarquistas se opuseram a isto, mas foram voto vencido. 
Lenin, Trotsky e a instalação do primeiro Estado Socialista
Era consenso entre todos os partidos políticos russos a necessidade da criação de uma assembleia constituinte, única com autoridade para decidir sobre a forma de governo que surgiria após o fim do absolutismo. Uma imensa manifestação pacífica a favor da assembleia constituinte foi dissolvida à bala por tropas leais ao governo bolchevique. As eleições para essa assembleia ocorreram em condições caóticas, em janeiro de 1918, como planejado pelo Governo Provisório e, à exceção do Partido Constitucional Democrata, perseguido pelos bolcheviques, todos os outros puderam participar livremente. Os bolcheviques dominavam Petrogrado, Moscou, Minsk e Kiev — ou seja, os grandes núcleos urbanos da Rússia Europeia. Mas seu poder estava longe de ser estável nas vastidões do agonizante Império Russo. Assim, as eleições deram imensa maioria aos partidos não-bolcheviques. Em seguida Lenin publicou suas Teses Sobre a Assembleia Constituinte, onde ele defendia os sovietes como uma forma de democracia superior à assembleia constituinte. Até mesmo os membros do partido bolchevique compreenderam que se preparava o fechamento da assembleia constituinte, e a maioria deles foi contra, mas o Comitê Central do partido ordenou o acatamento da decisão de Lenin. Pouco a pouco, se tornou claro que os bolcheviques pretendiam criar uma ditadura para si, inclusive contra os partidos socialistas revolucionários. Comprovada a hostilidade da maioria dos deputados ao Conselho de Comissários do Povo, Lenin ordenou seu fechamento. Isto levou os outros partidos a atuarem na ilegalidade, sendo que alguns deles passariam à resistência armada ao governo.
A Revolução de Outubro triunfara. O poder dos sovietes, dirigidos pelo partido bolchevista, desde então denominado de comunista, foi efetivado. Leon Trotsky assume o Ministério dos Negócios Estrangeiros e Josef Stalin o das Nacionalidades (Interior). A Revolução Russa era vitoriosa e instalava o primeiro Estado socialista do mundo.
Como consequência da vitória bolchevique teve início uma era de terror, com o fuzilamento sumário de milhares de pessoas, que incluíram o do czar Nicolau II e de toda a sua família. O novo governo, presidido por Lenin, adotou uma série de reformas radicais, baseadas no marxismo e executadas por meio da ditadura dos sovietes. O objetivo dos comunistas, não fora apenas derrubar o governo provisório. Pretenderam criar uma nova sociedade, baseada no socialismo, com a nacionalização das terras de propriedade da nobreza e da igreja e cessão, aos camponeses, do direito exclusivo de sua exploração. O controle das fábricas e dos meios de produção seria abolida e transferido aos operários, os estabelecimentos industriais expropriados pelo governo e os bancos nacionalizados.
Começava a ditadura comunista, com todos os seus desdobramentos: a paz com a Alemanha, a Guerra Civil entre Brancos e Vermelhos (1918-23), a socialização (freada temporariamente pela NEP — Nova Política Econômica), a luta pelo poder entre Trotsky e Stalin e, enfim, a ditadura stalinista (1928-53), uma das mais sangrentas de todo o século XX.


[1] O assunto Kornilov (golpe Kornilov) foi uma tentativa militar de golpe de estado pelo então Comandante em Chefe do Exército Russo, General Lavr Kornilov, em agosto de 1917, contra o Governo Provisório Russo, chefiado por Alexander Kerensky. Após o golpe fracassado, Kornilov foi removido de sua posição no exército e encarcerado com outros 30 oficiais do exército, acusados de envolvimento na conspiração. Após a revolução de outubro de 1917, Kornilov conseguiu fugir e estabeleceu um Exército Voluntário, que lutou contra os bolchevistas durante a Guerra Civil Russa. Foi morto em batalha contra as forças bolcheviques em abril de 1918.
[2] Emma Goldman (27/06/1869 – 14/05/1940) foi uma anarquista e feminista lituana, que se tornou muito conhecida por seu ativismo, escritos políticos e conferências nos Estados Unidos. Emigrou para os Estados Unidos em 1885 e viveu em Nova Iorque, onde conheceu e passou a fazer parte do florescente movimento anarquista. Escreve artigos anticapitalistas e sobre a emancipação da mulher, problemas sociais e a luta sindical. Com seu amante, o escritor anarquista Alexander Berkman, planejou assassinar Henry Clay Frick como uma ação de propaganda. Frick sobreviveu ao atentado, mas Berkman foi sentenciado a vinte e dois anos na cadeia. Goldman foi presa várias vezes nos anos que se seguiram, por "incentivar motins" e ilegalmente distribuir informações sobre contracepção. Em 1917, Goldman e Berkman foram sentenciados a dois anos na cadeia por conspirarem para "induzir pessoas a não se alistarem" no serviço militar obrigatório, que havia sido recentemente instituído nos Estados Unidos. Depois de serem soltos da prisão, foram novamente presos, sendo deportados para a Rússia. Inicialmente simpatizantes da Revolução Bolchevique, Goldman rapidamente expressou sua oposição ao uso de violência dos sovietes e à repressão das vozes independentes. Em 1923, escreveu sobre suas experiências na Rússia, dando forma ao livro Minha Desilusão na Rússia.

Prossegue com a PARTE 6

sábado, 21 de novembro de 2015

A REVOLUÇÃO RUSSA DE 1917 (Parte 4)

VII.1 – A REVOLUÇÃO DE FEVEREIRO OU REVOLUÇÃO BRANCA

A Revolução Russa de Fevereiro foi um enorme movimento de massas que, espontaneamente, rebelaram-se contra o czarismo. As pesadas perdas sofridas pelo exército, com as dificuldades de abastecimento, somadas à alta do custo de vida e à ineficiência e corrupção administrativas, levaram o povo russo a uma situação de verdadeiro desespero. Nenhum partido insuflou tais massas. Na verdade, a grande maioria dos revolucionários militantes foi surpreendida, já que a maioria deles estava presa na Sibéria (como Stalin) ou no exílio (Lenin na Suíça, Zurique e Trotski nos Estados Unidos). Como também foi espontânea a organização dos sovietes, em todas as fábricas, repartições, bairros e regimentos militares, que passaram a formar um poder paralelo.
Eclodiram manifestações em Petrogrado (novo nome de São Petersburgo, alterado em 1914, pela guerra contra a Alemanha), exigindo a saída da Rússia da guerra. As tropas da capital recusaram-se a reprimir os manifestantes e aderiram a eles. O czar Nicolau II, que se encontrava em seu quartel-general, foi impedido de entrar em Petrogrado. Em questão de dias, a insurreição alastrou-se por todas as grandes cidades do Império e o governo Czarista ficou totalmente debilitado.
No dia 27 de fevereiro, um mar de soldados e trabalhadores, com trapos vermelhos em suas roupas, invadiu o Palácio Tauride[1], onde a Duma se reunia. Durante a tarde, formaram-se dois comitês provisórios em salões diferentes do palácio. Um, formado por deputados moderados da Duma, que se tornaria o Governo Provisório; o outro era o Soviete de Petrogrado, formado por trabalhadores, soldados e militantes socialistas de várias correntes. Temendo uma repetição do Domingo Sangrento, o Grão-Duque Mikhail ordenou que as tropas leais, baseadas no Palácio de Inverno, não se opusessem à insurreição e se retirassem. Em 2 de Março, cercado por amotinados, Nicolau II assinou sua abdicação. Como o príncipe-herdeiro era hemofílico, Nicolau II preferiu abdicar em favor de seu irmão, mas este recusou o trono.
Após a derrubada do czar, instalou-se o Governo Provisório, constituído de aristocratas e burgueses, sob a chefia do príncipe Georgy Lvov[2], tendo Alexander Kerensky como ministro da guerra. Era um governo de caráter liberal burguês, comprometido com a manutenção da propriedade privada e interessado em manter a participação russa na Primeira Guerra Mundial. No início, o governo de Lvov pretendia consolidar uma monarquia constitucional, mas acabaram por implantar um governo republicano. A burguesia liberal e vários setores da aristocracia apoiaram o novo governo, que iniciou uma série de reformas. Entre elas, destacamos a adoção do sufrágio universal, a convocação de uma Assembleia Constituinte e anistia aos líderes revolucionários bolcheviques então exilados. Enquanto isso, o Soviete de Petrogrado reivindicava para si a legitimidade para governar. Já no início de março, o Soviete ordenava ao exército que lhe obedecesse, em vez de obedecer ao Governo Provisório. O Soviete pretendia dar terra aos camponeses, um exército com disciplina voluntária e oficiais eleitos de forma democrática, bem como o fim da guerra, objetivos bem mais populares do que os almejados pelo Governo Provisório. Dessa forma existiam, na verdade, dois poderes paralelos governando juntos.
Enquanto isso, a guerra contra a Alemanha continuava. A crise criada pela guerra e a variada composição do governo revolucionário não permitiram que os grandes problemas econômicos que afetavam a população russa fossem solucionados. De fevereiro a julho o governo encontrou-se dividido entre o poder formal (o Governo Provisório) e os Sovietes (de operários soldados e marinheiros) sem cuja aquiescência pouco podia ser feito, além de muita confusão entre as fileiras bolcheviques. Tentando ganhar o apoio das massas, o novo governo adotou uma postura liberal, decretando anistia política. Com isso, milhares de prisioneiros seriam libertados e centenas de exilados retornariam à Rússia. Entre eles, inúmeros revolucionários bolcheviques, liderados por Lenin. Imediatamente começaram a ser organizados sovietes de operários, soldados e camponeses, com vistas à realização da revolução socialista.

NICOLAU II

Nicolau II foi o último Czar da Rússia, da dinastia Romanov. Nasceu em 06 de maio de 1868 (calendário Juliano) em Pushkin, Rússia, como Nikolai Aleksandrovich Romanov, primeiro filho de seus pais. Seu pai era Alexandre III, Czar da Rússia e sua mãe, Maria Feodorovna, dinamarquesa.
Sofreu forte influência de seu pai que moldou seus valores religiosos conservadores e sua crença num governo autocrático. Muito forte em história e línguas estrangeiras, tinha muita dificuldade para entender as sutilezas da política e da economia, e seu pai falhou em seu treino nas relações do Estado. Quando Nicolau II tinha 13 anos, seu avô, Alexandre II, foi assassinado por um revolucionário, o que causou a ascensão de seu pai ao trono. Aos 19 anos entrou no exército e, apaixonado pela arte militar, ascendeu ao posto de coronel.
Subiu ao trono quando seu pai morreu de uma doença dos rins, com a idade de 49 anos, em 20 de outubro de 1894. Vacilante com a sua perda e pouco treinado nas relações de Estado, temeu ao assumir o papel de seu pai, confidenciando a um amigo próximo não estar preparado para ser um Czar. Casou-se com a princesa Alix de Hesse-Darmstadt (apenas conhecida como Alexandra), um mês após a morte do seu pai. Como soberano tinha que casar e ter filhos rapidamente para assegurar um herdeiro ao trono. Em 1895 o par teve a sua primeira filha Olga. Em 1897 nasceu a segunda filha do casal, Tatiana, seguida por uma terceira, Maria, em 1899 e por uma quarta, Anastasia, em 1901. Em 1904 Alexandra deu à luz o tão esperado herdeiro homem, Alexei, que para tristeza do casal logo foi diagnosticado como hemofílico. Desesperado por encontrar um tratamento efetivo para Alexei, excedeu-se ao se tornar uma espécie de refém emocional do monge Rasputin, em quem o casal depositava uma fé inabalável.
Inicialmente, o principal objetivo da política externa de Nicolau II foi manter o status quo na Europa e não conquistar novos territórios. Mas na década de 1890, com o crescimento econômico da Rússia, iniciou a expansão de sua indústria para o extremo oriente, com a construção da estrada de ferro Trans-Siberiana, ligando a Rússia à Costa do Pacífico. Com isso, o Japão sentiu-se ameaçado e, em 1904, declarou Guerra à Rússia, uma guerra catastrófica que acabou com a rendição da Rússia, na primavera de 1905.
Em janeiro de 1905 Nicolau II teve que enfrentar o “Domingo Sangrento”, e foi responsabilizado pela morte de mais de mil russos. Como reação, operários indignados realizaram greves por toda a Rússia, no que contaram com a simpatia de camponeses de todo o país. Os levantes foram abafados pelas tropas de Nicolau II, o que serviu para aumentar ainda mais as tensões. Nicolau II acabou sendo forçado a criar a Duma, mas persistiu resistindo à reforma governamental.
Com o exército russo atuando muito mal na Primeira Guerra Mundial, Nicolau II nomeou-se comandante em chefe das forças russas, contra os conselhos de seus ministros. Com isso, passou do final de 1915 a Agosto de 1917 ausente do Palácio em São Petersburgo. Na sua ausência, a imperatriz tornou-se totalmente dependente de Rasputin que passou a exercer grande influência na política do país. Seus ministros renunciavam em rápida sucessão e eram substituídos pelas escolhas de Alexandra sob a influência de Rasputin, até o seu assassinato, ordenado pelos nobres, em 1916.
Responsabilizado pelo fracasso na Primeira Grande Guerra e pela derrocada do país, sob todos os aspectos, Nicolau II renunciou sob pressão em 15 de março de 1917; ele e sua família foram transferidos para os Montes Urais em prisão domiciliar. Na primavera de 1918 a Rússia entrou em guerra civil e em 17 de julho de 1918 Nicolau II e sua família foram assassinados pelos Bolcheviques, sob as ordens de Lenin, em Yekaterinburg, Rússia, assim encerrando mais de três séculos de dinastia Romanov.


Vladimir Ulyanov (Lenin), 1920, comunista
revolucionário russo, político teórico
Em 15 de março, Lenin preparava-se para ir à biblioteca de Altstadt, em Zurique, quando um colega de exílio, Mieczyslav Bronski, perguntou-lhe se não escutara a notícia de que havia uma revolução na Rússia. No dia seguinte, Lenin escreve para Alexandra Kollontai, em Estocolmo, fornecendo-lhe instruções para a formação da propaganda revolucionária. Lenin estava determinado a voltar à Rússia, árdua tarefa no meio da Guerra, já que a Suíça ficara cercada pelos países em guerra e com os mares dominados pela Grã-Bretanha. Ignorando o Governo Provisório Russo que buscava a obtenção de passagem, através da Alemanha, para os exilados russos, em troca de prisioneiros alemães e austro-húngaros da guerra, o suíço comunista Fritz Platten obteve permissão do ministro alemão das Relações Exteriores, através de seu embaixador na Suíça, o barão Gisbert von Romberg, para que Lenin e outros exilados russos viajassem da Alemanha para a Rússia, de trem. Em 9 de abril Lenin e sua esposa Krupskaia, com 30 outros exilados, iniciaram a sua viagem de retorna à Rússia, partindo de Berna, via Zurique, Gottmadingen (daí escoltados por dois oficiais do exército alemão), Frankfurt e Berlim. Nesta capital permaneceu por um dia, para a realização de acordos, recebendo do governo alemão uma quantia de 40 milhões de Marcos de Ouro (substituído pelo Marco papel, justamente com o advento de Primeira Grande Guerra) para financiar sua revolta na Rússia (exatamente quando seu país se encontrava em guerra com a Alemanha!). Importante figura nessas negociações foi o russo Aleksandr Parvus, que durante anos procurou obter recursos do II Reich para rebeliões na Rússia. Em suas Teses de Abril, Lenin explicitou seu desejo de retirar a Rússia da guerra, algo vital para os alemães. O objetivo do Império Alemão ao financiar o projeto revolucionário de Lenin, era desestabilizar o governo provisório, obrigando a Rússia a retirar-se da guerra, encerrando a frente Oriental e assim concentrando suas tropas na frente Ocidental. Pouco antes da meia-noite de 16 de abril de 1917, o trem de Lenin chegou à Estação Finlândia, em Petrogrado. Ele foi recebido, ao som da Marselhesa, por uma multidão de trabalhadores, marinheiros e soldados levando bandeiras vermelhas, um ritual na Rússia revolucionária para os exilados que retornavam. E a grande ironia, Lenin , o presidente dos bolcheviques, foi formalmente recebido por Nikolay Chkheidze, o presidente menchevique do Soviete de Petrogrado.
Os sovietes continuaram a funcionar, o governo provisório tornava-se cada vez mais impopular. A timidez da política social do novo governo propiciou o avanço dos bolcheviques. Nesse quadro, a liderança de Lenin cresce. O líder bolchevista prega a saída da Rússia da guerra, o fortalecimento dos sovietes e o confisco das grandes propriedades rurais, com a distribuição de terra aos camponeses afirmando que seu governo traria pão, paz e terra ao povo. Os bolcheviques tornaram-se mais numerosos, chegando a 80 mil militantes. Lenin pregava o "Todo o poder aos sovietes" e sua meta era a adoção da ditadura do proletariado para realizar a revolução socialista na Rússia e alcançar a paz. Várias sublevações e protestos atingiram as principais cidades russas.
Durante a tarde de 4 de julho, o ministro da justiça, Pereverzev, sem consultar o Soviete de Petrogrado, decidiu publicar uma investigação levada a cabo pelo governo sobre a possibilidade de que Lenin estivesse trabalhando para os alemães. A investigação se encontrava ainda incompleta e os indícios em favor desta tese se baseavam em testemunhos duvidosos, porém o ministro decidiu levar os dados à imprensa para tentar enfraquecer os bolcheviques e ganhar o apoio dos regimentos da capital que não haviam apoiado a revolta. Sua ação surtiu efeito, e várias unidades foram postas a caminho do Palácio Tauride. As discussões continuaram na sede do soviete, que foi ocupada pela multidão, sem que isto tenha interrompido o debate. Ao passar da meia noite e com a maioria dos delegados opostos à derrubada do Governo Provisório e à transferência do poder aos sovietes, chegaram as tropas leais aos dirigentes soviéticos, para alívio da maioria dos delegados.
Após o alvoroço causado pela chegada das tropas favoráveis ao Governo Provisório, os comitês executivos aprovaram a resolução dos defensistas, apresentada pelo socialista revolucionário Avram Gots, que reconhecia a autoridade do governo formado pelos novos ministros que haviam substituído os kadetes[3] e adiou os debates sobre a formação de um novo Conselho de Ministros até a reunião plenária do Comitê Executivo Central (CEC), eleito em junho, que deveria ocorrer duas semanas mais tarde. A resolução, acordada entre os líderes defensistas antes da eclosão dos protestos, permitiu que estes dispusessem de mais tempo para recompor a aliança com a burguesia, que se sentia lesada após a demissão dos ministros kadetes, e também serviu para tentar acabar com os distúrbios causados nos últimos dias pelos protestos. A crescente indignação de parte da população por conta da acusação feita contra Lenin, a iminente chegada das tropas da frente de combate, o apoio de parte da guarnição às autoridades e a desmoralização de uma parte considerável dos manifestantes reforçaram a postura do Soviete de Petrogrado e do Governo Provisório na madrugada de 5 de julho.
Ante a crescente oposição às manifestações, o partido bolchevique, que havia fomentado e apoiado os protestos a tal ponto que não poderia se retirar das manifestações sem sofrer prejuízos, teve que optar entre uma tentativa de golpe contra o Governo Provisório ou persuadir os manifestantes para cessarem os protestos o quanto antes. O jornal Pravda[4] anunciou que as greves e manifestações previstas para o dia 5 de julho haviam sido suspensas; a maioria dos marinheiros, principal força de apoio aos manifestantes, haviam regressado à fortaleza nacional da cidade portuária de Kronstadt, na noite anterior.
As manifestações começaram a ser reprimidas com violência pelos partidários do Governo Provisório. Nas primeiras horas da manhã, um oficial encarregado de um destacamento arrasou os escritórios do jornal Pravda. Por volta do meio dia, as tropas leais ao Soviete de Petrogrado e ao governo já controlavam a maior parte da cidade, com exceção dos bairros operários; o ambiente na capital havia se tornado perigoso para os agitadores bolcheviques e a possibilidade de uma contrarrevolução alarmou até mesmo os socialistas moderados. Pela tarde, começaram as negociações entre as partes; as forças leais exigiam a rendição dos manifestantes, o que não ocorreu. Um acordo preliminar entre os representantes do Soviete de Petrogrado e dos bolcheviques, que limitava as represálias e garantia o desarmamento dos insurretos foi descumprido durante o período da noite. A maioria dos marinheiros de Kronstadt voltou para a base naval sem problemas, restando apenas algumas forças para defender a sede do partido bolchevique e a Fortaleza de São Pedro e São Paulo[5].
Apesar dos rumores sobre a relutância dos bolcheviques em resistir às tropas leais ao Soviete de Petrogrado e ao Governo Provisório, o comando do distrito militar decidiu tomar à força as áreas ainda sob controle bolchevique. As operações começaram na madrugada de 6 de julho; a Fortaleza de São Pedro e São Paulo e a sede do partido foram isoladas.


LENIN

Vladimir Ilyich Ulyanov (22/04/1870–21/01/1924) foi um revolucionário comunista, político e teórico político russo. Foi o líder de governo da República Federativa Socialista Soviética Russa de 1917, e da União Soviética de 1922 até a sua morte. Sob sua administração o Império Russo foi dissolvido e substituído pela União Soviética, como Estado de um só partido, quando toda terra, recursos naturais e indústria foram confiscados e nacionalizados. Ideologicamente, um marxista, suas teorias políticas são conhecidas como leninismo. Nascido de uma família abastada da classe média, em Simbirsk, Lenin ganhou interesse na política revolucionária de esquerda com a execução de seu irmão Aleksandr, em 1887. Expulso da Universidade Estatal de Kazan por participar de protestos anti-czaristas, devotou-se a um título de advogado e à política radical, tornando-se marxista. Em 1893 mudou-se para São Petersburgo e tornou-se sênior do Partido Operário Social-Democrata Russo (POSDR). Foi preso por incitação ao motim e exilado em Shushenkoye por 3 anos, quando casou com Nadezhda Krupskaya. Ao fim do seu exílio fugiu para a Europa Ocidental onde ficou conhecido como proeminente teorista por suas publicações. Em 1903 teve um papel chave no cisma do POSDR por diferenças ideológicas, liderando a facção Bolchevique contra os Mencheviques de Julius Martov. Retornando brevemente à Rússia durante a fracassada revolução de 1905, fomentou a insurreição violenta e fez campanha para transformar a Primeira Guerra Mundial na revolução proletária na Europa que, como marxista, acreditava resultaria na derrubada do capitalismo e sua substituição pelo socialismo. Após a Revolução de 1917 ter expelido o Czar e estabelecido um Governo Provisório, ele retornou à Rússia e estimulou a substituição do novo governo por um governo dos sovietes liderados pelos bolcheviques. Representou importante papel na Revolução vitoriosa de 1917, estabelecendo o “Conselho dos Comissários do Povo”, como seu Presidente. Introduzindo uma radical reforma agrária, transformou o país na República Socialista Federativa Soviética Russa (RSFSR). Foi guindado a chefe do governo pelo Congresso dos Sovietes Russos. A feroz oposição ao mando bolchevique resultou na Guerra Civil de 1917 a 1922 em que estes se tornaram vitoriosos com o uso do “Terror Vermelho”. Lenin apoiou uma revolução mundial e a paz imediata com a Alemanha e seus aliados, concordando com um tratado punitivo que entregou parcela significativa da Rússia Imperial à Alemanha. O tratado foi anulado após os aliados vencerem a Guerra. Lenin propôs a Nova Política Econômica (NEP), um sistema econômico misto de capitalismo estatal que iniciou o processo de industrialização e recuperação da Guerra Civil. Em 1922, a RSFSR uniu antigos territórios do Império Russo, transformando-se na União Soviética com Lenin na chefia do governo. Lenin sobreviveu a duas tentativas de assassinato. Em 14/01/1918, em Petrogrado, foi emboscado em seu automóvel com Fritz Platten, que ficou ferido ao salvá-lo. Na segunda tentativa, em 30/08/1918, Lenin foi ferido no braço, queixo e pescoço, pela revolucionária socialista Fanya Kaplan, que declarou nos interrogatórios, que o considerava “um traidor da Revolução”, por dissolver a Assembleia Constituinte e colocar fora da lei outros partidos esquerdistas. Com a saúde se deteriorando, morreu em sua casa em Gorki. Reconhecido como uma das figuras históricas mais influentes do século XX, Lenin permanece como uma figura altamente controversa. Os admiradores o vêm campeão dos direitos e riqueza dos operários, enquanto seus críticos como fundador de uma ditadura responsável pela guerra civil e abusos em massa dos direitos humanos.

Trotsky, 1921, revolucionário, teorista
marxista, criador do Exército Vermelho
No período da manhã, os bolcheviques receberam um ultimato exigindo sua rendição e se refugiaram na fortaleza. As forças governamentais ocuparam a sede do partido logo depois, sem encontrar resistência. Até o meio dia, as negociações entre as partes acabaram com a rendição dos bolcheviques. Nas províncias houve pouco apoio às manifestações desde o início e ocorreram incidentes em poucas cidades.
Após o fim das manifestações, os dirigentes mencheviques enfatizaram sua postura de rejeição à formação de um governo exclusivamente socialista, como haviam reivindicado os manifestantes. Na opinião dos dirigentes mencheviques, a formação de um poder soviético poderia levar a Rússia a um conflito armado entre os socialistas e a burguesia que resultaria no triunfo da contrarrevolução. Para os mencheviques, o atraso social, político e econômico da Rússia impediria o sucesso de um governo exclusivamente socialista. Os socialistas moderados sustentaram, portanto, a necessidade de realizar uma nova coalizão com os representantes da burguesia para manter o sistema democrático e evitar conflitos civis.
Foi emitido um mandado de prisão contra Lenin, Zinoviev[6] e Kamenev[7] que, certos de que não teriam um julgamento imparcial, decidiram passar à clandestinidade, com Lenin e Zinoviev fugindo para Helsinque, Finlândia.
O partido bolchevique decidiu, no dia 6 de julho, não passar à clandestinidade e continuar suas atividades legalmente, ainda que tenham ocultado Lenin e Zinoviev, que estavam sendo procurados pelo governo. Outros dirigentes bolcheviques considerados culpados pela revolta, como Kamenev e Trotsky, foram presos nos dias seguintes à repressão. Cerca de duzentas pessoas foram acusadas formalmente pelo governo de haver instigado os protestos.
O desgaste dos bolcheviques parecia evidente, com a fuga de parte dos dirigentes, a prisão de outros, a hostilidade por parte de outras correntes socialistas e a estagnação no número de filiações ao partido.

[1] Construído ao final do século XVIII, em São Petersburgo, é um dos maiores e mais históricos palácios da Rússia. Logo após a Revolução de Fevereiro de 1917, Tauride sediou o Governo Provisório e o Soviete Petrogrado. A incipiente Assembleia Constituinte Russa teve lá os seus encontros, em 1918. Em maio de 1918, os Bolcheviques lá realizaram seu 7o Congresso, onde pela primeira vez se autonomearam Partido Comunista Russo (Bolcheviques).
[2] O Príncipe Georgy Yevgenyevich Lvov (02/11/1861 – 08/03/1925) foi um estadista russo e o primeiro Primeiro Ministro da Rússia pós-imperial, de 15/03 a 21/07 de 1917. Durante a Revolução Russa de Fevereiro e a renúncia do Imperador Nicolau II, Lvov foi feito líder do Governo Provisório fundado pela Duma em 2 de março. Impossibilitado de grupar apoio suficiente, resignou em julho de 1917 em favor do seu Ministro da Guerra, Alexander Kerensky. Lvov foi preso quando os bolcheviques tomaram o poder, no mesmo ano. Conseguiu fugir e estabeleceu-se em Paris, onde ficou até morrer.
[3] O Partido Democrático Constitucional, também chamados Democratas Constitucionais, formalmente Partido da Liberdade do Povo e informalmente Kadetes, era um partido liberal no império russo. Seus membros eram chamados de Kadetes, a partir das iniciais K D do nome do partido, em russo, nome que não deve ser confundido com os cadetes, estudantes das escolas militares russas do mesmo império. O historiador Pavel Miliukov foi o líder do partido por toda a sua existência. A base de apoio dos Kadetes era formada por intelectuais e profissionais, tendo professores universitários e advogados como figuras proeminentes dentro do partido, que fora formado a partir de vários grupos e organizações liberais. Seu programa econômico favorecia o direito dos trabalhadores a oito horas diárias, era decididamente comprometido com a plena cidadania a todas as minorias russas e apoiava a emancipação judia.
[4] O Pravda (Verdade) foi o principal jornal da União Soviética e órgão oficial do Comitê Central do Partido Comunista da União Soviética entre 1918 e 1991. Foi fundado por Leon Trotsky, Victor Kopp, Adolf Joffe e Matvey Skobelev como um jornal socialdemocrata russo semanal voltado para os operários, como Zvezda. Publicado no exterior para evitar censura, de lá enviava a Rússia. A primeira edição foi publicada em Viena, em 3 de outubro de 1908. A redação era constituída por Trotsky e, em épocas diferentes, Victor Kopp, Adolf Joffe e Matvey Skobelev. Os dois últimos, de pais ricos, sustentavam o jornal financeiramente.
[5] A Fortaleza de São Pedro e São Paulo é a cidadela original de São Petersburgo (Petrogrado). Foi projetada por Domenico Trezzini e inaugurada em 1703. A fortaleza contém diferentes edifícios memoráveis, entre eles a Catedral de Pedro e Paulo, onde estão enterrados os czares, desde Pedro, o Grande a Nicolau II e sua família.
[6] Grigory Yevseevich Zinoviev (23/09/1883–25/08/1936), foi um revolucionário bolchevique e político comunista soviético, um dos sete membros do primeiro Politburo, fundado em 1917, para gerenciar a revolução bolchevista, juntamente com Lenin, Kamenev, Trotsky, Stalin, Sokolnikov e Bubnov. Zinoviev é melhor lembrado como líder da Internacional Comunista e arquiteto de tentativas fracassadas para transformar a Alemanha num país comunista no início da década de 1920. Entrou em choque com Stalin que o eliminou da liderança política do Soviete. Com o início do chamado “Grande Terror” na Rússia, foi preso por ordem de Stalin e executado um dia após a sua prisão, em Agosto de 1936.
[7] Lev Borisovich Kamenev (18/07/1883-25/08/1936). Ver nota acima, como complemento. Era cunhado de Leon Trotsky. Foi brevemente o líder de estado do Partido Comunista da Rússia Soviética, em 1917 e Premier no último ano da vida de Lenin, entre 1923 e 1924. Mais tarde, visto como fonte de inquietação e oposição à sua liderança, caiu no desagrado de Joseph Stalin e foi executado por suas ordens, após julgamento sumário, em 25 de agosto de 1936.
Prossegue com a PARTE 5