Homenagem ao lendário herói ancestral dos ingleses que deu título a um dos considerados "Cem Maiores Livros do Mundo" e tido como o mais antigo escrito em "Old English".

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terça-feira, 8 de dezembro de 2015

A REVOLUÇÃO RUSSA DE 1917 (Parte 6)

VIII – A GUERRA CIVIL RUSSA


Durante o período que se seguiu à tomado do poder pelos bolcheviques, várias medidas de impacto foram tomadas: (1) Pedido de paz imediato à Alemanha; (2) Confisco de propriedades privadas para serem distribuídas entre o povo; (3) Declaração do direito nacional dos povos: o novo governo comprometeu-se a acabar com a dominação exercida pelo governo russo sobre regiões tais como a Finlândia, a Geórgia ou a Armênia; (4) Estatização da economia: o novo governo passou a intervir diretamente na vida econômica, nacionalizando diversas empresas.
A desonrosa assinatura de paz de Brest Litovsk, para a
Rússia, com a Alemanha 
Em 3 de março de 1918, o governo soviético bolchevique assinou, em separado, a Paz de Brest-Litovsk com a Alemanha. Uma paz reconhecidamente insultuosa, em que aceitava entregar à Alemanha, vastos territórios russos além de vultuosa quantia em marcos-ouro, para assim conseguir fazer vingar, em sua pátria, seus ideais marxistas socialistas. No dia 12 de março do mesmo ano, Moscou torna-se a capital da República Federativa Socialista Soviética Russa e da União Soviética, menos de cinco anos após.
A retirada da Rússia da Primeira Guerra Mundial, o Tratado de Brest-Litovsk, com toda a desonra de ter entregue à Alemanha e seus aliados, terras valiosas até então pertencentes à Rússia, o desejo da volta ao poder da então elite russa e o medo de que o ideário comunista se propagasse para a Europa e eventualmente para o mundo, fez eclodir a Guerra Civil Russa, que acabou envolvendo outras nações.

O DESONROSO TRATADO DE PAZ DE BREST-LITOVSK

O tratado de Brest-Litovsk foi um tratado de paz assinado em 3 de março de 1918, entre o novo governo bolchevista da Rússia Soviética e as Potências Centrais (Império Alemão, Império Austro-Húngaro, Bulgária e Império Otomano), que encerrou a participação da Rússia na Primeira Guerra Mundial. Foi assinado em Brest-Litovsk, então Polônia e hoje Bielorrússia, após dois meses de negociações, forçado pela ameaça de avanços adicionais por parte da Alemanha e Áustria. De acordo com o tratado, a Rússia Soviética invalidava todos os compromissos anteriores de aliança com a Tríplice Entente.
A retirada da Rússia da guerra fora um dos principais objetivos da Revolução Russa de 1917 e uma das prioridades do recém-criado governo bolchevique. A guerra tornara-se impopular entre o povo russo, pelas imensas perdas humanas (cerca de quatro milhões de mortos). Entretanto, os termos do Tratado de Brest-Litovski eram humilhantes. Através deste, a Rússia Bolchevique abria mão do controle sobre a Finlândia, cedia à Alemanha os Estados Bálticos (Estônia, Letônia e Lituânia), Bielorrússia e Ucrânia, bem como, ao Império Otomano, as província de Ardaham e Kars Oblast, ao sul do Cáucaso e do distrito georgiano de Batumi, antes sob seu domínio. A Polônia não foi mencionada no tratado. Estes territórios continham um terço da população da Rússia, metade de sua indústria e nove décimos de suas minas de carvão. A Rússia também concordou em pagar seis bilhões de marcos-ouro alemães como reparações. O historiador Spencer Tucker diz: “O Estafe Geral Alemão havia formulado termos extraordinariamente ásperos, que chocaram mesmo o negociador alemão”. Quando os alemães protestaram, mais tarde, que o Tratado de Versailles de 1919 foi muito duro com eles, os Aliados (e historiadores favoráveis aos aliados) responderam que ele havia sido mais brando que o de Brest-Litovsk. O Tratado foi efetivamente encerrado em novembro de 1918, quando a Alemanha rendeu-se aos Aliados, resultando em alívio para os bolcheviques que já se achavam em guerra civil.
O Governo Provisório Russo, já com Kerensky, havia decidido continuar a guerra, através de telegrama enviado pelo Ministro das Relações Exteriores Pavel Milyukov, à Entente, nos mesmos termos que a Rússia Imperial acordara, ao que se opunha o Soviete de Petrogrado, que já possuía sua força paramilitar, os Guardas Vermelhos, em março de 1917. Isso fez com que os alemães oferecessem apoio aos bolcheviques, permitindo a Lenin retornar à Rússia do seu exílio na Suíça e oferecendo-lhe ajuda financeira. Com suas “Teses de Abril”, Lenin incluiu a doação de todo o poder aos sovietes dos operários e soldados, bem como a retirada imediata da Rússia da guerra. Por todo ano de 1917 os bolcheviques espalharam propaganda derrotista e revolucionária, pedindo pela queda do Governo Provisório e um fim à guerra. Após a desastrosa “Ofensiva Kerensky”, a disciplina no exército russo deteriorou-se completamente, com os soldados desobedecendo ordens com orientação bolchevista e permitindo aos comitês de soldados tomarem o controle de suas unidades após a deposição dos oficiais. Ocasionalmente, soldados russos e alemães eram vistos deixando suas posições e confraternizando.
O recém estabelecido governo soviético, com a Revolução de Outubro, decidiu retirar da guerra a Rússia, com a assinatura de Lenin do Decreto de Paz, em 26 de outubro de 1917, aprovado pelo Segundo Congresso do Soviete dos Deputados de Operários, Soldados e Camponeses, chamando todas as nações beligerantes e seus governos a iniciarem imediatas negociações de paz. Em dezembro de 1917 um armistício entre a Rússia Soviética e as Potências Centrais foi concluído e a luta cessou, com as negociações de paz iniciando em Brest-Litovsk, em 22 de dezembro. Lenin tinha muito mais interesse em vencer a revolução interna na Rússia do que em lutar contra os alemães.
Após dois turnos de negociações, Lenin desejava aceitar a proposta de paz alemã imediatamente, mas maioria do Comitê Central Bolchevique discordou. Com isso, a delegação soviética retornou à conferência de paz sem instruções para assinar o tratado proposto. Em fevereiro de 1918, a Alemanha reconheceu o governo separatista da Ucrânia e com ele assinou o primeiro Tratado de Brest-Litovsk. Frustrado com as continuadas demandas germânicas pelas cessões de território, em 10 fevereiro de 1918, Trotsky anunciou que a Rússia, unilateralmente, declarava um fim das hostilidades contra as Potências Centrais e retirava-se das negociações de paz, numa espécie de “sem guerra – sem paz”, pelo que foi denunciado por alguns líderes bolchevistas por ultrapassar suas ordens e prerrogativas. Na verdade Trotsky apostou nas revoluções socialistas nos países europeus, mormente na própria Alemanha e Áustria, que não acabaram acontecendo.
As consequências foram terríveis para os bolcheviques, pois em 18 de fevereiro de 1918, as Potências Centrais cansaram da sua procrastinação e em duas semanas renderam a maior parte da Ucrânia, Bielorrússia e os Estados Bálticos, e pelo mar Báltico uma esquadra alemã aproximou-se de Petrogrado. Em fevereiro de 1918 as Potências Centrais enviaram novos e mais exigentes termos de paz, concedendo 48 horas para a concordância dos soviéticos. Lenin novamente pressionou para que a proposta fosse aceita e, desta feita, obteve maioria do Comitê Central, que despachou novos delegados com instruções para aceita-la. Em 3 de março de 1918 o governo soviético assinou termos ainda piores que os anteriormente rejeitados, com o Império Germânico, Áustria –Hungria e Turquia do outro lado. O tratado marcou a retirada da Rússia da Primeira Guerra Mundial, como um inimigo dos seus cossignatários, sob termos humilhantes, como vimos na introdução. Ao despertar do repúdio russo aos acordos czaristas, nacionalização de propriedades e confisco de bens no estrangeiro, Rússia e Alemanha assinaram um acordo adicional, em 27 de agosto de 1918, pela qual a primeira concordava em pagar seis bilhões de marcos-ouro como compensação aos interesses germânicos por suas perdas. Finalmente, o Tratado de Brest-Litovsk teve ainda uma consequência muito pior para o povo russo: ele acabou por se tornar o maior responsável pela Guerra Civil russa, um evento que causou a morte de milhões de russos e deixou o país completamente na miséria, tudo pela vitória de uma ideologia.
Felizmente – e ironicamente - para o governo bolchevique, as forças aliadas, principalmente representadas por Estados Unidos, Inglaterra e França, venceram a guerra ao final do mesmo ano de 1918 e o tratado foi anulado, salvando a Rússia de consequências ainda piores. A Turquia quebrou o tratado após dois meses, invadindo a recém criada “Primeira República da Armênia”, em maio de 1918. Para a Alemanha, o tratado de Brest-Litovsk durou somente oito meses e meio, quando cortou relações diplomáticas com a Rússia em 5 de novembro de 1918. No armistício com a Alemanha, que encerrou a Primeira Grande Guerra, em 11 de novembro de 1918, uma das primeiras condições foi a completa anulação do Tratado. No tratado de Rapallo, concluído em abril de 1922, a Alemanha aceitou a completa anulação do Tratado de Brest-Litovsk, com as duas potências concordando em abandonar todas as reivindicações recíprocas territoriais e financeiras relacionadas à guerra.

O ano I da Revolução seria aquele em que as promessas de Lenin deveriam ser cumpridas, mas a transição do governo czarista para o socialista não foi um parto normal. As fábricas, minas, bancos, estradas de ferro e o comércio foram entregues às administrações dos operários e funcionários e foi atendida a "fome de terra" dos camponeses com a abolição da propriedade fundiária. Politicamente, o novo regime proclamou a nova ordem social na Constituição Soviética de 1918, que continha uma declaração de direitos do "povo explorado e trabalhador". Entretanto, se a paz com a Alemanha retirou o país da guerra, a "necessária folga" do novo regime pouco durou.
A guerra civil eclodiu em abril de 1918 e seria uma das mais cruentas da história do nosso século. Os kulaks foram acusados de trair a revolução e o governo central enviou, contra eles, brigadas de operários ao campo para apoiar o movimento camponês. Em várias regiões da Rússia, ex-generais Czaristas levantaram suas tropas contra o governo bolchevique. A execução de kulaks e a morte de militantes bolcheviques nos conflitos com os exércitos de russos brancos caracterizaram o início da guerra civil russa.
As potências que venceriam a Primeira Guerra Mundial, alarmadas pelas medidas tomadas pelo governo soviético, resolveram prestar auxílio militar aos russos brancos e, aproveitando-se do verdadeiro caos em que o país se encontrava, enviaram tropas inglesas, francesas, americanas e japonesas para ajudar os contrarrevolucionários. Tais forças desembarcaram nas regiões ocidentais (Criméia e Georgia) e orientais (Vladivostok e Sibéria Oriental) da Rússia, com o objetivo de derrubar o governo bolchevique (recém-saído da guerra) e instaurar um regime neo-czarista (a favor da continuação da Rússia na mesma guerra). É bem possível que o seu objetivo maior fosse evitar a "contaminação" da Europa Ocidental pelos ideais bolcheviques - daí a expressão utilizada por Clemenceau, Presidente da França, "cordon sanitaire" (cordão sanitário), que passou a vigorar à época como sinônimo da intervenção.
Durante o curto período em que os territórios cedidos pelo Tratado de Brest-Litovski estiveram em poder do exército alemão, as várias forças anti-bolcheviques puderam organizar-se e armar-se. Estas forças dividiam-se em três grupos que também lutavam entre si: 1) czaristas, 2) liberais, eseristas (membros do Partido Social Revolucionário – PSR) e metade dos socialistas e 3) anarquistas. Com a derrota da Alemanha em 1919, esses territórios tornaram-se novamente alvo de disputa, bem como bases das quais partiriam forças que pretendiam derrubar o governo bolchevique.
Trotsky com oficiais alemães, a caminho
da assinatura do Tratado de Paz, 1918
Para enfrentar a maré contrarrevolucionária, o novo governo instituiu o novo “Exército Vermelho”[1], comandado e treinado por Leon Trotsky, que revelou-se brilhante estratego, disciplinador rígido e líder das tropas. Com a ajuda deste, os bolcheviques mostraram-se preparados para resistir aos ataques do também recém-formado exército polonês, dos Exércitos Brancos de Denikin, Kolchak, Yudenich e Wrangel, e também para suprimir o Exército Insurgente de Makhno e a Revolta de Kronstadt (que clamava pela derrubada dos bolcheviques e pela instauração da democracia proletária e da administração direta), ambos de forte inspiração anarquista. Ao iniciar o ano de 1921, todas as formações contrarrevolucionárias haviam sido derrotadas e seus principais expoentes (Koltchak, Wrangel, Denikin e Yudenich) exilados no exterior. As forças expedicionárias aliadas foram obrigadas a retirar-se, tanto pela derrota dos Brancos, quanto pela pressão da opinião pública internacional. Com isso encerrava-se a guerra civil, com a vitória do Exército Vermelho, e o Partido Bolchevique, que desde 1918 havia alterado sua denominação para Partido Comunista, consolidava a sua posição no governo, tendo Lenin como o seu primeiro líder comunista. 
Lenin, primeiro líder
comunista da URSS
No terreno econômico, devido à situação de emergência e pelo próprio ímpeto revolucionário, instituiu-se o "comunismo de guerra". O dinheiro e as leis do mercado foram abolidos, sendo substituídos por uma economia dirigida baseada no confisco de cereais produzidos pelos camponeses. Naturalmente estas medidas criaram um desestímulo ao plantio, levando-os a produzirem exclusivamente para o sustento de suas famílias, com um resultado catastrófico. Os centros urbanos ficaram sem alimentos, provocando um êxodo urbano que viu as populações de Petrogrado e Moscou reduzidas pela metade. A fome de 1921 transformou-se numa das maiores tragédias da Rússia moderna, em que milhões pereceram.

PERDAS DA GUERRA CIVIL RUSSA

Os resultados da Guerra Civil foram terríveis. O demógrafo soviético Boris Urlanis estimou o número total de mortos em ação na Guerra Civil e com a Polônia em cerca de 300.000 (125,000 no Exército Vermelho e 175.500 no Exército Branco e entre os poloneses) e o total de pessoal militar morto por doenças, de ambos os lados, em 450.000. Durante o “Terror Vermelho”, a Cheka (primeira de uma sucessão de organizações de segurança e braço militar do Estado Soviético, criada em dezembro de 1917 por um decreto de Lenin, foi o instrumento do Terror Vermelho) realizou pelo menos 250.000 execuções sumárias  de “inimigos do povo”, com estimativas que alcançam mais de um milhão. Entre 300.000 e 500.000 cossacos foram mortos ou deportados durante a ‘limpeza” de uma população de três milhões. Uma estimativa diz que 100.00 judeus foram mortos na Ucrânia, a maior parte pelo Exército Branco. Órgãos punitivos do todo poderoso Don Cossack Host (uma república autônoma ou independente ao sul da atual Rússia e a região de Donbas, na Ucrânia, do final do século XVI até 1918), sentenciou 25.000 pessoas a morte, entre maio de 1918 e janeiro de 1919. O governo de Kolchak (estabeleceu um governo comunista na Sibéria e foi reconhecido por algum tempo como o chefe supremo e comandante em chefe das forças militares russas; mais tarde foi preso e executado pelos bolcheviques) executou 25.000 pessoas apenas na província de Ekaterinburg. Ao final da Guerra Civil, a República Socialista Federativa Soviética Russa (RSFSR) estava exausta e próxima da ruína. As secas de 1920 e 1921, bem como a fome de 1921, pioraram o desastre, com as doenças alcançando proporções pandêmicas, com 3 milhões morrendo somente de tifo em 1920. Outros milhões morreram de fome generalizada. Em 1922 haviam pelo menos sete milhões de crianças de rua na Rússia como resultado de aproximadamente dez anos de devastação da Grande Guerra e da Guerra Civil. Outros dois milhões de “russos emigrados” fugiram da Rússia pelo extremo oriente e pelos países recém independentes do Mar Báltico, incluindo uma alta percentagem da população mais culta e especializada da Rússia. A economia russa ficar devastada pela guerra, com fábricas e pontes destruídas, gado e matéria prima saqueados, minas inundadas e o maquinário destruído. O valor da produção industrial caiu a 1/7 do valor de 1913 e a agricultura a 1/3. De acordo com o jornal Pravda, “os trabalhadores das cidades e alguns das vilas sufocavam nos espasmos da fome”. As estradas de ferro rastejavam, as casas ruíam, as cidades se enchiam de resíduos, as epidemias se espalhavam causando muitas mortes e a indústria se extinguia. Estima-se que a produção total de minas e fábricas em 1921 havia caído a 20% dos níveis de antes da guerra e muitos itens cruciais experimentaram declínio ainda mais drástico. Por exemplo, a produção de algodão caiu a 5% e o ferro a 2% dos níveis pré-guerra. O Comunismos de Guerra salvou o governo soviético durante a sua Guerra Civil, mas muito da economia da Rússia havia chegado a uma paralização. Os camponeses respondiam ao confisco (política e campanha bolchevique de confisco de grãos e outros produtos agrícolas dos camponeses por um preço fixo nominal de acordo com cotas especificados) pela recusa em arar a terra. Em 1921 a terra cultivada encolheu a 62% da área pré-guerra; o rebanho de cavalos caiu de 35 milhões em 1916 para 24 milhões em 1920 e o gado de 58 para 37 milhões. A taxa de câmbio passou de dois rublos por dólar em 1914 para 1200 rublos em 1920. As perdas humanas totais foram avaliadas entre 7 milhões e 12 milhões durante a Guerra, em sua maioria civis. A Guerra Civil Russa foi a maior catástrofe nacional que a Europa jamais vira.

Exército Vermelho dispara contra agricultores e opositores
do comunismo na revolta de Kronstadt, março de 1921.
Politicamente, os bolcheviques iniciaram a luta final contra outras facções da Esquerda (mencheviques, anarquistas e social-revolucionários), terminando por se transformarem no único partido legalizado do país. Durante o X Congresso do partido, em 1921, adotaram uma resolução ainda mais drástica: a proibição da existência de facções dentro do partido. Quer dizer, os bolcheviques estendiam a ditadura sobre si próprios. Enquanto a liderança esteve nas mãos de Lenin, não foram tomadas medidas repressivas contra os membros recalcitrantes ou divergentes; mas serviu de poderoso instrumento coercitivo quando Stalin empalmou a direção partidária.


[1] “Exército Vermelho” (em sua forma curta) ou “Exército Vermelho dos Operários e dos Camponeses”, foi o exército da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, criado por Trotsky, em 1918, para defender o regime bolchevista durante a guerra civil russa, desmantelado em 1991. O nome abreviado faz referência à cor vermelha, símbolo do socialismo. Apesar do Exército Vermelho ter sido transformado oficialmente no Exército Soviético em 1946, o termo Exército Vermelho é de uso comum no Ocidente para se referir a todas as Forças Armadas soviéticas ao longo de sua história.

Prossegue com a PARTE 7

terça-feira, 10 de novembro de 2015

A REVOLUÇÃO RUSSA DE 1917 (Parte 2)

III – ALGO SOBRE A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL NA RÚSSIA

É impossível falar sobre a Revolução Russa sem falar na Revolução Industrial, iniciada no século XVIII, no Reino Unido, e propagada pelo mundo a partir do século XIX, e em seus desdobramentos: formação do proletariado, prática do “capitalismo selvagem” e evolução das ideias socialistas. A Revolução Industrial consistiu em um conjunto de mudanças tecnológicas com profundo impacto no processo produtivo em nível econômico e social. Ao longo do processo, a era da agricultura foi superada, a máquina foi superando o trabalho humano, uma nova relação entre capital e trabalho se impôs, novas relações entre nações se estabeleceram e surgiu o fenômeno da cultura de massa, entre outros eventos. Essa transformação foi possível devido a uma combinação de fatores, como o liberalismo econômico, a acumulação de capital e uma série de invenções, entre as quais sobressaiu a máquina a vapor. A Revolução Industrial consolidou o sistema capitalista e as relações de trabalho assalariado.
Como um grupo social novo, o proletariado demorou para adquirir consciência de classe, que lhe daria a coesão necessária para lutar por melhorias em suas condições de trabalho e de vida. Somente a partir de meados do século XIX começaram a se organizar os primeiros sindicatos e apenas em fins daquele século eles começaram a conquistar alguns direitos.
Com a miséria dos trabalhadores permanecendo sem expectativa de solução, alguns intelectuais (geralmente de origem burguesa, mas sensibilizados pela causa operária) começaram a criar teorias que propunham mudanças na estrutura econômica e social do capitalismo, com vistas a criar uma sociedade mais justa e menos diferenciada, assim surgindo as ideias socialistas. As primeiras teorias ficaram conhecidas pelo nome de socialismo utópico, porque não pregavam a destruição do capitalismo, mas apenas sua reforma; os socialistas radicais consideravam o capitalismo intrinsecamente mau, não aceitando a sua reforma, mas apenas a sua destruição. 
Karl Marx, o alemão inspirador da revolta
russa, que viveu a maior parte de sua vida
e morreu na Inglaterra.
O socialismo radical encontrou sua maior expressão em Karl Marx, criador do socialismo científico ou comunismo. Em sua teoria, o capitalismo deveria ser destruído por uma revolução proletária armada, que implantaria uma ditadura socialista. Nesta, a propriedade privada desapareceria e os meios de produção seriam coletivizados, criando o que Marx esperava fosse uma sociedade sem classes. Quando a revolução socialista se estendesse a todos os países, seria possível suprimir o Estado e estabelecer uma sociedade inteiramente igualitária: a sociedade comunista.
Embora o futuro tenha provado que o projeto de uma sociedade comunista era tão utópico quanto as teorias anteriores, o socialismo marxista seduziu milhares de intelectuais e milhões de operários e camponeses. Já em 1871, os comunistas, aliados aos socialistas utópicos e a uma facção de esquerda ainda mais radical — os anarquistas — realizaram aquela que se tornou a maior insurreição socialista antes da Revolução Russa de 1917: a Comuna de Paris. Mas a repressão do governo burguês foi implacável: 13.000 revolucionários foram fuzilados e quase 50.000, deportados.
Marx afirmava que a revolução socialista deveria triunfar nos países mais industrializados, onde o proletariado seria mais numeroso e organizado. Tal previsão falhou redondamente porque, nos países mais desenvolvidos, os operários já haviam conquistado certos direitos e benefícios, o que diminuiu seu entusiasmo por uma revolução armada. Restavam, portanto, os países atrasados, onde a exploração e a miséria dos trabalhadores ainda se encontravam no estágio do capitalismo selvagem e as condições para uma revolução proletária seriam mais favoráveis.
Nas reformas realizadas na Rússia, poucos camponeses receberam terras em quantidade suficiente. Apenas uma minoria de pequenos e médios proprietários, os kulaks[1], se beneficiaram. O restante da população do campo continuava formado por um miserável proletariado rural. O ambiente era adequado à difusão de ideias revolucionárias. O regime czarista governava o império com mão de ferro. Os opositores do regime eram perseguidos por um eficiente aparelho de repressão policial. Havia um controle severo sobre o ensino secundário, as universidades, a imprensa em geral.
Por isso tudo, o desenvolvimento industrial da Rússia começou tardiamente, em relação aos países ocidentais avançados, e apenas foi possível graças à participação de capitais estrangeiros principalmente ingleses e franceses. Mesmo assim, foi inferior ao das demais potências europeias. Em sua economia, as relações capitalistas de produção entrelaçavam-se com as do tipo feudal. O pagamento de juros sobre este capital fazia com que grande parte dos lucros não continuasse no país. Em 1877, dos 150 milhões de habitantes russos, apenas 1 milhão era de operários. Nesse clima, era fatal o surgimento de vários grupos de oposição ao sistema vigente.
Na Primeira Guerra Mundial, de 1914, o Império Russo uniu-se à “Tríplice Entente”, junto com a França e Inglaterra, contra a Tríplice Aliança, formada por Alemanha, Áustria-Hungria e o Império Turco-Otomano. A Rússia tinha interesse em obter um acesso ao Mar Mediterrâneo, e para isso pretendia anexar, sob a justificativa de proteger os “povos eslavos irmãos”, a península balcânica e os estreitos de Bósforo e Dardanelos, então sob domínio do moribundo Império Otomano. Porém a participação russa na 1ª Guerra Mundial foi desastrosa, sofrendo humilhantes derrotas para a Alemanha e abandonando a guerra, em 1917, com a assinatura do tratado de Brest-Litovsk. Isso só veio piorar a situação da Rússia já empobrecida, e toda a culpa pelo evento foi lançada às costas do Czar.

IV - AS CAUSAS GERAIS DA REVOLUÇÃO DE 1917

John Edward Christopher Hill, (6 de fevereiro de 1912 - 23 fevereiro de 2003), historiador inglês, membro do Partido Comunista da Grã Bretanha, aponta as seguintes “causas gerais” da Revolução Russa:
1) O desenvolvimento econômico do país era extremamente moroso, seu comércio e sua indústria encontravam-se nas mãos de estrangeiros e o grosso da produção era consumido pelo próprio estado. Isso retardou sobremaneira o desenvolvimento da burguesia e da classe média. A burguesia russa jamais atingiu a autonomia da burguesia ocidental, pois sua dependência do Estado era muito grande. O poder concentrado nas mãos do Czar pouco espaço deixava para o florescimento do liberalismo, que atingiu apenas uma pequena fração da população, justamente aqueles que já eram muito ricos.
2) A presença estrangeira no financiamento da industrialização russa, tornou a burguesia um apêndice do sistema internacional fazendo-a procurar proteção junto ao Czar (tarifas protecionistas, etc.).
3) A extraordinária concentração de operários nos grandes centros urbanos do país (perto de três milhões) e a superexploração a que estavam submetidos (o capitalista russo só sabia competir reduzindo os gastos e não implementando tecnologia, levando-os a forçar para baixo o padrão de vida dos operários).
4) Devido à exiguidade do espaço político, que o impedia de participar dos partidos e do parlamento, o operariado russo seguiu a estrada da revolução e não a do Reformismo.
Estes foram os fatores mais amplos, de estrutura, que terminaram por favorecer um tipo específico de Revolução. O colapso geral, deu-se com a entrada da Rússia na Grande Guerra. A incapacidade do czarismo em vencer e as insuportáveis condições internas, terminaram por fazer com que a eclosão do movimento revolucionário fosse incontrolável.
Apesar da Rússia ser, na época, um dos países mais poderosos do mundo em termos militares, só uma pequena parte da população (os nobres) tinha boas condições de vida. Os camponeses eram terrivelmente pobres e trabalhavam de sol-a-sol os seus terrenos sem poder possuí-los. As sucessivas derrotas em várias batalhas da Primeira Guerra Mundial e o descontentamento geral da população, fizeram com que a economia interna começasse a deteriorar-se. A instabilidade e a pobreza tiveram como consequência inevitável, uma revolta, a Revolução Bolchevique, que aconteceria em duas datas significativas: 1905 e 1917. Além disso, a Revolução de 1917, que definitivamente extinguiu o Czarismo, aconteceu em duas etapas e foi seguida por uma guerra civil que ceifou a vida de milhões de russos.

V - A REVOLUÇÃO DE 1905

Ao iniciar-se o século XX, o Império Russo apresentava um extraordinário atraso em relação às demais potências europeias. A economia ainda era basicamente agrária, praticada em latifúndios explorados de forma antiquada, através do trabalho de milhões de camponeses miseráveis. A industrialização russa foi tardia, dependente de capitais estrangeiros e se restringia a algumas grandes cidades. A sociedade russa era ainda mais desigual que a sociedade francesa às vésperas da Revolução de 1789. Havia o absoluto predomínio da aristocracia fundiária, diante de uma burguesia fraca e das massas camponesas marginalizadas. O proletariado russo era violentamente explorado; mas já possuía uma forte consciência social e política e estava concentrado nos grandes centros urbanos — o que facilitaria sua mobilização em caso de revolução.
O Império Russo era, oficialmente, uma autocracia (isto é, uma monarquia absoluta), com todos os poderes centralizados nas mãos do czar. Não havia partidos políticos legalizados, embora as agremiações clandestinas fossem bastante atuantes.
Pouco antes da Primeira Guerra Mundial, a Rússia tinha a maior população da Europa, com cerca de 171 milhões de habitantes em 1904. Defrontava-se também com o maior problema social do continente, qual seja, a extrema pobreza da população em geral. Enquanto isso, as ideologias liberais e socialistas penetravam no país, desenvolvendo uma consciência de revolta contra os nobres. Entre 1860 e 1914, o número anual de estudantes universitários cresceu de 5.000 para 69.000, e o número de jornais diários cresceu de 13 para 856.
Nicolau II da Rússia, o Czar da
Revolução Soviética
A população do Império Russo era formada por povos de diversas etnias, línguas e tradições culturais. Cerca de 80% desta população era rural e 90% não sabia ler e escrever, sendo duramente explorada pelos senhores feudais. Com a industrialização, foi-se estabelecendo, progressivamente, uma classe operária, igualmente explorada, mas com maior capacidade reivindicativa e aspirações de ascensão social. A situação de extrema pobreza e exploração em que vivia a população tornou-se assim um campo fértil para o florescimento de ideias socialistas.
Em 1904-5, a Rússia entrou em guerra com o Japão, disputando territórios sobre a região chinesa da Manchúria, no Extremo Oriente, e foi por ele derrotada. As duras condições de vida da maioria da população, a corrupção que reinava na corte e a desastrosa derrota frente aos japoneses, tornaram a situação interna russa mais conflitante e a insatisfação popular se manifestou por meio de greves e motins nas principais cidades, dando origem à Revolução de 1905, que pode ser, resumidamente, descrita por três episódios distintos, todos extremamente significativos:
O encouraçado Potemkin ancorado em
Constança, Romênia, julho de 1905
O primeiro episódio ficou conhecido como a revolta do “Potemkin”, um encouraçado pertencente à frota russa do Mar Negro. Sua tripulação rebelou-se em junho de 1905, ao saber que seria enviada para lutar contra os japoneses. Os demais navios da esquadra não aderiram à revolta do “Potemkin”, cujos tripulantes acabaram refugiando-se na Romênia. De qualquer forma, tratava-se de um motim em uma grande unidade da Marinha Russa, evidenciando que as Forças Armadas já não podiam ser consideradas sustentáculos fiéis da Monarquia.
O segundo deles ficou, posteriormente, conhecido por “Domingo Sangrento”. Em 9 de janeiro, um domingo, uma manifestação pacífica de milhares de operários de São Petersburgo (então capital da Rússia), que pedia audiência ao Czar, foi violentamente dispersada, a bala, pela Guarda Imperial (Cossacos), com centenas de vítimas. Esse acontecimento abalou profundamente a confiança do povo em seu imperador e serviu de pretexto para uma série de revoltas no país inteiro. 
O "Domingo Sangrento", 9 de janeiro de 1905, São Petersburgo
O terceiro episódio foi a greve geral promovida pelos operários de São Petersburgo, Moscou e Kiev. Apesar da repressão militar, os trabalhadores resistiram por algumas semanas, sobretudo em Moscou. Dois fatos importantes ocorreram durante essa greve: foram organizados os primeiros sovietes (conselhos) de trabalhadores e houve operários que se defenderam a bala, mostrando que estavam se preparando para uma insurreição armada.
Em 1906, tendo em vista os abalos produzidos pela Revolução de 1905 e pela derrota frente ao Japão, o czar Nicolau II resolveu criar a Duma[2], como um primeiro passo em direção à liberalização. Tratava-se de uma Assembleia Legislativa com poderes extremamente limitados e tal medida surtiu escasso efeito, visto que os partidos eram sistematicamente vigiados e a Duma era controlada pela aristocracia e pelo Czar, que podia dissolvê-la a qualquer momento; além disso, como era censitária, seus deputados representavam apenas 2% do total da população.

O POSDR

O Partido Operário Social-Democrata Russo (POSDR) foi um partido político fundado em 1898, em Minsk (hoje, a capital e maior cidade da Bielorrússia), de modo a unir as várias organizações revolucionárias em um partido único. Ao final do primeiro congresso, em março de 1898, todos os nove delegados foram presos. O POSDR foi criado para fazer oposição aos narodniks e o seu populismo revolucionário, que privilegiava o campesinato. Já o programa do POSDR era baseado nas teorias de Karl Marx e Friedrich Engels - que diziam que, apesar da natureza agrária russa, o verdadeiro potencial da revolução estava no proletariado.
Antes do Segundo Congresso, um jovem intelectual, Vladimir Ilyich Ulyanov, entrou no partido, usando o pseudônimo Lênin. Em 1902 ele havia publicado “Que fazer?”, em que expunha suas ideias sobre as tarefas do partido e sua metodologia e afirmava não bastar uma luta por uma simples reforma salarial ou jornada de trabalho.
Em 1903 o Segundo Congresso reuniu-se na Bélgica numa tentativa de criar uma organização unida. Lênin teve a chance de afirmar suas posições políticas: os socialistas deveriam lutar por uma estrutura de poder centralizada; trabalhar sem alianças com outras agremiações políticas; e só aceitar no partido os versados na doutrina marxista. Na ocasião, Lênin reiterou as posições políticas que vinha defendendo na revista "Iskra", órgão de imprensa dos ativistas revolucionários, propondo-se a assumir o seu controle editorial.
Lênin foi contestado, em todas as propostas, por seu amigo e aliado, Martov, também responsável pela edição da revista. Lênin teve apoio majoritário e o partido se dividiu em duas facções irreconciliáveis, em 17 de Novembro: os Bolcheviques (maioria, em russo), liderados por Lênin; e os Mencheviques (minoria, em russo), liderados por Julius Martov. Na verdade, os Mencheviques obtiveram o apoio da maioria dos delegados ao congresso, pois eram, de fato, a maior facção; entretanto, a maior parte do comitê central, instância máxima de decisão do partido, optou por apoiar as ideias de Lênin.
Os mencheviques, liderados por Martov, defendiam que os trabalhadores podiam conquistar o poder participando normalmente das atividades políticas. Acreditavam, ainda, que era preciso esperar o pleno desenvolvimento capitalista da Rússia e o desabrochar das suas contradições, para se dar início efetivo à ação revolucionária.
Os bolcheviques, liderados por Lênin, defendiam que os trabalhadores somente chegariam ao poder pela luta revolucionária. Pregavam a formação de uma ditadura do proletariado, na qual também estivesse representada a classe camponesa.
Pouco depois de os Bolcheviques terem chegado ao poder durante a Revolução Russa de 1917, mudaram o seu nome para o Partido Comunista de Toda a Rússia (Bolcheviques) em 1918 e passaram a ser conhecidos apenas como Partido Comunista da União Soviética – PCUS a partir daí. No entanto, não seria antes de 1952 que esse partido removeria formalmente a palavra Bolchevique do seu nome.
No Brasil, Bolcheviques ou Bolchevistas são usados como sinônimos.


Até 1905, o sistema político da Rússia czarista não possuía partidos políticos, com todo o poder concentrado nas mãos do imperador. As medidas adotadas à época, embora significativas do ponto de vista político, não alteravam o quadro social da maior parte da população russa. Foi nesta ocasião que emergiram com força os Sovietes e o Partido Operário Social-Democrata Russo (POSDR – ver o quadro acima), dividido entre Mencheviques e Bolcheviques. Tal quadro político-social foi profundamente alterado pela deflagração da Primeira Guerra Mundial.

[1] Kulak era um termo pejorativo, usado no linguajar político soviético, para se referir a camponeses relativamente ricos do Império Russo, que possuíam grandes fazendas e faziam uso de trabalho assalariado em suas atividades. 
[2] A Duma, foi extinta em 1917 com a Revolução Russa. Com o fim da União Soviética, a Duma foi restabelecida, em 1993, pelo então presidente Boris Iéltsin, após a sua vitória política na Crise constitucional daquele ano. Atualmente, junto com o Soviete da Federação (Câmara Alta), a Duma (Câmara Baixa) forma o Legislativo da Federação Russa. Sua sede encontra-se em Moscou e é composta por 450 deputados, eleitos para mandatos com a duração de quatro anos.

Continua na próxima postagem com a Parte 3.