Homenagem ao lendário herói ancestral dos ingleses que deu título a um dos considerados "Cem Maiores Livros do Mundo" e tido como o mais antigo escrito em "Old English".

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domingo, 17 de setembro de 2023

GUERRA CIVIL ESPANHOLA (1936 A 1939)

I - ANTECEDENTES

A Espanha permanecera neutra durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1919). Após a Guerra, amplas faixas da sociedade espanhola, incluindo as forças armadas, se uniram na esperança de remover o corrupto governo central do país em Madri, infelizmente sem sucesso. Durante este período, uma percepção popular do comunismo como a principal ameaça, aumentou significativamente. Em 1923, um golpe militar trouxe Miguel Primo de Rivera ao poder. Como resultado, a Espanha alterou seu governo para uma ditadura militar. O apoio para Rivera foi se reduzindo gradativamente e ele renunciou em janeiro de 1930, sendo substituído pelo General Dámaso Berenguer, posteriormente substituído pelo Almirante Juan Bautista Aznar-Cabañas; ambos, como Primeiros-Ministros, seguindo uma política de governo “por decreto”. Havia apoio pequeno para a monarquia nas cidades mais importantes. Em consequência, de forma muito semelhante a Amadeo I, aproximadamente sessenta anos antes, o Rei Alfonso XIII de Espanha cedeu à pressão popular para o estabelecimento de uma república em 1931 e convocou eleições municipais para 12 de abril daquele ano. Organizações da esquerda, como os socialistas e republicanos liberais venceram em quase todas as capitais provinciais e, seguindo à renúncia do governo de Aznar, Alfonso XIII abandonou o país. A esse tempo, foi formada a “Segunda República Espanhola” (a “Primeira República Espanhola” havia sido formada após a renúncia do Rei Amadeo I em 1873), que permaneceu no poder até a deflagração da guerra civil cinco anos após. 
Rei Alfonso XIII exilado com o advento
da Segunda República Espanhola.
O comitê revolucionário encabeçado por Niceto Alcalá-Zamora tornou-se o governo provisório, com o próprio Alcalá-Zamora como Presidente e Chefe do Estado. A República tinha amplo suporte de todos os segmentos da sociedade. Em maio de 1931, um incidente, onde um motorista de táxi foi atacado fora de um clube monarquista, desencadeou violência anticlerical por toda a Madri e a região sudoeste do país. A lenta resposta por parte do governo decepcionou a direita e reforçou sua visão de que a República estava determinada a perseguir a Igreja. Em junho e julho, a Confederação Nacional do Trabalho (CNT) convocou várias greves que conduziram a violentos incidentes entre membros da CNT e a Guarda Civil e a brutais sanções pela Guarda Civil e o Exército contra a CNT em Sevilha. Isso conduziu muitos trabalhadores a crer que a Segunda República Espanhola era tão opressiva quanto a monarquia e a CNT anunciou sua intenção de depô-la via revolução. As eleições de junho de 1931 trouxeram de volta uma grande maioria de Republicanos e Socialistas. Com o início da Grande Depressão, o governo tentou assistir a Espanha rural pela instituição do dia de oito horas e pela redistribuição da posse da terra aos trabalhadores das fazendas. Os trabalhadores rurais viviam, nesse tempo, uma das piores pobrezas da Europa e o governo tentou aumentar seus salários e melhorar suas condições de trabalho. Entretanto, essa ação alienou pequenos e médios proprietários de terra que contratavam trabalhadores. A Lei de Limites Municipais proibia a contratação de trabalhadores de fora da localidade dos pertences do trabalhador. Uma vez que nem todas as localidades tinham força de trabalho suficiente para as tarefas necessárias, a lei tinha consequências negativas não intencionais, tais como algumas vezes excluir camponeses e arrendatários do mercado de trabalho quando eles necessitavam de aporte extra como colhedores. Quadros de arbitragem do trabalho foram estabelecidos para regular salários, contratos e horas de trabalho; esses eram mais favoráveis aos trabalhadores do que aos empregadores tornando-os hostis aos empregados. Um decreto em julho de 1931 aumentou o pagamento de hora extra e várias leis posteriores restringiram a quem os proprietários de terras poderia contratar. Outros esforços incluíram decretos que limitavam o uso de maquinário, esforços para criar monopólio na contratação, greves e esforços de sindicatos para limitar o emprego de mulheres para preservar o monopólio do trabalho para seus membros. A luta entre classes se intensificou à medida que os proprietários de terras buscaram organizações contrarrevolucionárias e oligarquias locais. Greves, roubo de locais de trabalho, incêndios criminosos e assaltos em lojas, fura-greves, empregadores e máquinas tornaram-se cada vez mais comuns. Por fim, as reformas do governo Republicano-Socialista alienavam tantas pessoas quantas lhe agradavam. 
Altar principal da igreja do Salvador de Elche
antes de incendiada pelos Republicanos
em 20 de fevereiro de 1936.

Em outubro de 1931 o Republicano Manuel Azaña tornou-se o Primeiro-Ministro de um governo de minoria. O fascismo permanecia como uma ameaça reativa que foi ainda facilitado por reformas controversas ao exército. Em dezembro, uma nova constituição reformista, liberal e democrática foi declarada. Incluía fortes disposições impondo uma ampla secularização da Igreja Católica, incluindo a abolição de escolas e instituições de caridade, num movimento que sofreu forte oposição. Nesse momento, uma vez que a Assembleia Constituinte havia concluído seu mandato com a aprovação da nova Constituição, ela deveria ter providenciado novas eleições parlamentares e encerrado. Entretanto, temendo a crescente pressão popular, a maioria Radical e Socialista postergou as eleições regulares, prolongando seu tempo no poder por mais dois anos. O governo republicano de Diaz iniciou numerosas reformas para, do seu ponto de vista, modernizar o país. Em 1932 os jesuítas, encarregados das melhores escolas do país, foram banidos e suas propriedades confiscadas. O exército foi reduzido e os proprietários de terras expropriados. Autonomia de governo foi garantida à Catalunha, com um Parlamento local e Presidente próprio. Em junho de 1933 o Papa Pio XI emitiu a encíclica Dilectissima Nobilis, “Sobre a Opressão da Igreja da Espanha”, elevando sua voz contra a perseguição da Igreja Católica na Espanha, alvo frequente da esquerda revolucionária durante a República e a Guerra Civil. 
Mesma igreja incendiada pelos Republicanos
ao tempo da Segunda República Espanhola.

Em novembro de 1933 os partidos de direita venceram as eleições gerais devido ao ressentimento crescente contra o governo causado por um decreto controverso implementando a reforma da terra, pelo incidente de Casas Viejas[1], a formação de uma aliança de direita (Confederação Espanhola de Grupos Autônomos de Direita - CEDA) e pelo recente enfraquecimento das mulheres, que então votaram nos partidos de centro e direita. Os Republicanos de esquerda tentaram cancelar os resultados eleitorais, sem êxito. A despeito da vitória eleitoral da CEDA, o Presidente Alcalá Zamora não convidou seu líder Gil Robles para formar um governo temendo as simpatias monarquistas da CEDA e propôs mudanças na Constituição, convidando Alejandro Lerroux, do Partido Republicano Radical (PRR) para formar o governo em seu lugar. Além disso, à CEDA foram negadas posições no Gabinete por um ano.
Eventos ocorridos no período após novembro de 1933, chamado de “biênio negro”, indicaram a maior probabilidade de uma guerra civil. Alejandro Lerroux, do PRR, formou o novo governo, reverteu as mudanças feitas pela administração anterior e garantiu anistia aos colaboradores do fracassado levante pelo General José Sanjurjo em agosto de 1932. Alguns monarquistas juntaram-se a então nacionalista-fascista Falange[2] Espanhola para tentar atingir seus objetivos. Violência aberta ocorria nas ruas das cidades espanholas e a militância crescia, refletindo um movimento em direção a uma revolta radical ao invés de uma solução democrática pacífica. Uma pequena insurreição por anarquistas ocorreu em dezembro de 1933 como resposta à vitória da CEDA, em que morreram 100 pessoas. Após um ano de intensa pressão, a CEDA, partido com a maioria dos assentos no Parlamento, finalmente teve sucesso em forçar a aceitação de três ministros. Os Socialistas e Comunistas reagiram com uma insurreição que preparavam há nove meses e que se desenvolveu num sangrento levante revolucionário contra a ordem vigente. Revolucionários bem armados conseguiram tomar a totalidade da Província de Asturias, assassinaram numerosos policiais, clérigos e civis, destruindo prédios religiosos (incluindo igrejas e conventos) e parte da Universidade de Oviedo. Os rebeldes nas áreas ocupadas proclamaram a revolução para os trabalhadores e aboliram a moeda existente. A rebelião foi esmagada em duas semanas pela Marinha Espanhola e pelo Exército Republicano Espanhol, que usou principalmente tropas coloniais mouras do Marrocos Espanhol. Na ocasião, Azaña estava em Barcelona e o governo de Lerroux – CEDA tentou implicá-lo, provocando a sua prisão pela acusação de cumplicidade. De fato, Azaña não teve qualquer ligação com a rebelião e foi libertado em janeiro de 1935. 
Manuel Azaña, líder intelectual
da Segunda República Espanhola
O historiador espanhol Salvador de Madriarga, apoiador de Azaña e oponente exilado do General Franco, escreveu uma aguda crítica sobre a participação da esquerda na revolta: “O levante de 1934 foi imperdoável. O argumento de que o senhor Gil Robles tentou destruir a Constituição para estabelecer o fascismo foi totalmente hipócrita e falso. Com a rebelião de 1934, a esquerda espanhola perdeu qualquer sobra de autoridade moral para condenar a rebelião de 1936”.
Reversões na reforma agrária resultaram em expulsões, incêndios e alterações arbitrárias das condições trabalhistas no interior das regiões central e sul em 1935, com os procedimentos dos proprietários de terras alcançando genuína crueldade, com violência contra trabalhadores rurais e socialistas causando várias mortes. Um historiador declarou que os procedimentos da direita no interior da região sul foi uma das principais causas do ódio durante a Guerra Civil e possivelmente da própria Guerra. Os patrões atiravam nos esquerdistas e prendiam militantes socialistas e dos sindicatos; os salários foram reduzidos a salários de fome.
Em 1935 o governo conduzido pelo Partido Radical Republicano entrou numa série de crises. O Presidente Niceto Alcalá-Zamora, hostil a esse governo, convocou novas eleições. A Frente Popular venceu a eleição geral de 1936 por estreita margem. As massas revolucionárias esquerdistas tomaram as ruas e libertaram prisioneiros. Nas 36 horas seguintes à eleição, dezesseis pessoas foram mortas (a maior parte pele polícia tentando mantendo manter a ordem ou intervir em conflitos violentos) e trinta e nove foram gravemente feridas. Cinquenta igrejas e setenta centros políticos conservadores foram atacados ou incendiados. Manuel Azaña foi chamado para formar um governo antes do processo eleitoral terminar. Rapidamente substituiu Zamora como presidente aproveitando uma brecha constitucional. Convencido de que a esquerda não estava mais querendo seguir o estado de direito e que sua visão da Espanha estava sob ameaça, a direita abandonou a opção parlamentar e iniciou o planejamento para derrubar a República ao invés de tentar controlá-la.

II - A GUERRA CIVIL

Este era o trágico panorama vigente na Espanha às vésperas da real eclosão da Guerra Civil Espanhola, que teve seu início com uma revolta militar contra o governo Republicano da Espanha, apoiada por elementos conservadores[3] dentro do país.
A esquerda socialista através do PETS (Partido Espanhol dos Trabalhadores Socialistas) iniciou suas ações. Julio Álvarez del Vayo (político, jornalista e escritor socialista espanhol) falou “sobre a Espanha estar sendo convertida numa República Socialista em associação com a União Soviética”. Francisco Largo Caballero (político espanhol e sindicalista) declarou que “o proletariado organizado carregará tudo à sua frente e destruirá tudo até que alcancemos nossos objetivos”. O país havia rapidamente se tornado anárquico. Mesmo o contido socialista Indalecio Prieto, numa ação do partido em Cuenca, em maio de 1936, queixou-se: “Nunca vimos um panorama tão trágico ou um colapso tão grande na Espanha até hoje”. No exterior a Espanha é tida como insolvente. Esta não é a estrada para o socialismo ou comunismo, mas sim ao desesperado anarquismo sem nem mesmo a vantagem da liberdade”. O desencanto com o governo de Azaña foi também anunciado por Miguel de Unamuno, um republicano e dos mais respeitados intelectuais que, em junho de 1936, disse ao repórter que publicou sua declaração, que o Presidente Manuel Azaña deveria “cometer o suicídio como um ato patriótico”.
De acordo com Stanley Payne, autor do livro “A Guerra Civil Espanhola”, em julho de 1936 a situação na Espanha havia se deteriorado totalmente. Os comentaristas espanhóis falavam do caos na preparação para a revolução, diplomatas estrangeiros se preparavam para essa possibilidade e um interesse no fascismo se desenvolvia entre os ameaçados. Payne declarava: “As frequentes violações da lei, assaltos à propriedade privada e a violência política na Espanha eram sem precedentes para um moderno país europeu que não estivesse sob uma revolução total. Essas incluíam ondas de greve maciças, algumas vezes violentas e destrutivas, confisco ilegal em larga escala de fazendas no sul, uma onda de incêndios criminosos e destruição de propriedades, fechamento arbitrário de escolas católicas, confisco de igrejas e propriedades católicas em algumas áreas, censura difusa, milhares de prisões arbitrárias, impunidade absoluta para ação criminosa por parte de membros dos partidos da Frente Popular, manipulação e politização da justiça, dissolução arbitrária de organizações direitistas, eleições coercitivas em Cuenca e Granada que excluíram toda a oposição, subversão das forças de segurança e um crescimento substancial na violência política, resultando em mais de 300 mortes. Contudo, no início de julho a oposição do centro e da direita na Espanha permaneciam divididas e impotentes.”
Imediatamente antes do golpe, a polarização na Espanha era tão intensa que confrontos físicos entre esquerdistas e direitistas eram uma ocorrência de rotina em muitas localidades. Durante o primeiro mês do governo da Frente Popular, aproximadamente um quarto dos governadores provinciais haviam sido removidos devido ao seu fracasso em prevenir ou controlar greves, ocupação ilegal de terras, violência política e incêndios criminosos. O governo da Frente Popular processava muito mais facilmente direitistas por violência do que esquerdistas que cometiam ações similares. Azaña hesitava em usar o exército para atirar ou prender desordeiros pois muitos deles apoiavam sua coalizão. Por outro lado, relutava em desarmar os militares pois acreditava que necessitaria deles para impedir as insurreições da extrema esquerda. A ocupação ilegal de terra ampliou-se totalmente com os arrendatários pobres sabedores de que o governo não se inclinava a impedi-las. Já em abril de 1936, 100.000 camponeses haviam se apropriado de 400.000 hectares de terras e talvez 1 milhão de hectares até o início da guerra civil; como comparação, a reforma agrária de 1931-33 tinha cedido a 6.000 camponeses, 45.000 hectares de terras. Entre abril e julho de 1936, ocorreram tantas greves quantas em todo o ano de 1931. Os crimes sociais – recusa em pagar por bens e aluguéis – tornaram-se crescentemente comuns pelos operários, particularmente em Madri. Em alguns caso, tais ações eram perpetradas em companhia de militantes armados. Conservadores, a classe média, homens de negócio e proprietários de terras estavam convencidos de que a revolução já havia iniciado.
O Primeiro-Ministro Santiago Casares Quiroga ignorou os avisos de uma conspiração militar envolvendo vários generais que decidiram que o governo tinha que ser substituído para evitar a dissolução da Espanha. Os dois lados se haviam convencido de que se o outro lado vencesse o poder, ele discriminaria os membros do lado perdedor e tentaria suprimir suas organizações políticas.
A guerra foi consequência de uma polarização da vida e da política espanhola que havia se desenvolvido por várias décadas. De um lado, o Nacionalista, estavam a maioria dos católicos romanos, importantes elementos dos militares, a maioria dos proprietários de terras e muitos homens de negócios. Do outro lado, o Republicano, estavam os trabalhadores urbanos, muitos trabalhadores agrícolas e muitos da classe média educada. Politicamente, suas diferenças muitas vezes encontraram expressão extrema e veemente em partidos como a Falange, de orientação fascista e os anarquistas militantes. Entre esses extremos estavam outros grupos cobrindo o espectro político desde o monarquismo e o conservadorismo através do liberalismo ao socialismo, incluindo um pequeno movimento comunista dividido entre seguidores do líder soviético Joseph Stalin e seu arquirrival Leon Trotsky. Já em 1934 houvera um amplo conflito trabalhista e um sangrento levante dos mineiros das Astúrias[4], suprimido pelas tropas conduzidas pelo General Francisco Franco. Uma sucessão de crises governamentais culminou com as eleições de fevereiro de 1936, que trouxeram ao poder um governo de “Frente Popular”, apoiado pela maioria dos partidos de esquerda e oposto pelos partidos da direita e o que restou do centro.
Um bem planejado levante militar iniciou em 17 de julho de 1936, em cidades com guarnições de toda a Espanha. Em 21 de julho os rebeldes haviam obtido o controle do Marrocos espanhol, Ilhas Baleares (exceto Minorca) e, na parte da Espanha ao norte, das montanhas Guadarrama e do rio Ebro, exceto das Asturias, Santander (antiga Cantábria) e das províncias bascas ao longo da costa norte e da região da Catalunha no nordeste. As forças republicanas tinham eliminado o levante em outras áreas, exceto por algumas das maiores cidades da Andaluzia, incluindo Sevilha, Granada e Córdoba. 
General Francisco Franco,
ditador da Espanha com o
fim da Guerra Civil 1939.
Quando o golpe militar inicial falhou em tomar o controle de todo o país, seguiu-se uma sangrenta guerra civil com grande ferocidade de ambos os lados. Os Nacionalistas, como foram chamados os rebeldes, receberam ajuda da Itália fascista e da Alemanha nazista. Os Republicanos receberam ajuda da União Soviética e das Brigadas Internacionais[5], compostas por voluntários da Europa e dos Estados Unidos.
Os Nacionalistas e Republicanos começaram a organizar seus respectivos territórios e a reprimir a oposição ou suspeita de oposição. A violência republicana ocorreu inicialmente durante os estágios iniciais da guerra antes do restabelecimento do domínio da lei, mas a violência nacionalista era parte de uma política de terror consciente. A questão de quantos foram assassinados permanece controverso; contudo, crê-se que, em geral, a violência nacionalista foi mais elevada. De qualquer forma, a proliferação de execuções, assassinatos e homicídios de ambos os lados refletiu as grandes paixões que a guerra civil desencadeou. 
Mapa da Espanha em setembro de 1936, rosa sob controle
nacionalista e azul sob controle republicano.
O comando dos Nacionalistas foi gradualmente assumido pelo General Franco, conduzindo forças que havia trazido do Marrocos. Em 1º de outubro de 1936 ele foi nomeado chefe de Estado e estabeleceu um governo em Burgos. O governo Republicano, iniciando em setembro de 1936 foi encabeçado pelo líder socialista Francisco Largo Caballero. Foi seguido, em maio de 1937 pelo também socialista Juan Negrin que permaneceu como “premier” por todo o restante da guerra e serviu como “premier” no exílio até 1945. O presidente da República Espanhola até quase o fim da guerra foi Manuel Azaña, um liberal anticlerical. Um conflito destrutivo comprometeu o esforço Republicano desde o início. De um lado estavam os anarquistas e socialistas militantes que viam a guerra como um empenho revolucionário e lideraram uma ampla coletivização da agricultura, indústria e serviços; de outro lado estavam os socialistas mais moderados e os republicanos, cujo objetivo era a preservação da República. Buscando aliados contra a ameaça da Alemanha nazista, a União Soviética tinha adotado uma estratégia de Frente Popular e como resultado o Comintern (Internacional Comunista) conduziu os comunistas espanhóis a apoiar os Republicanos. 
Mapa da Espanha em outubro de 1937, rosa sob controle
nacionalista e azul sob controle republicano
.
Nacionalistas e Republicanos vendo-se muito fracos para obter uma rápida vitória, buscaram ajuda no estrangeiro. Alemanha e Itália enviaram tropas, tanques e aviões para ajudar os nacionalistas. A União Soviética contribuiu com equipamentos e abastecimentos para os Republicanos, que também receberam ajuda do governo mexicano. Durante as primeiras semanas de guerra o governo da Frente Popular da França também apoiou os Republicanos, mas uma oposição interna forçou uma mudança de política. Em agosto de 1936, a França juntou-se à Grã-Bretanha, União Soviética, Alemanha e Itália na assinatura de um acordo de não intervenção que seria ignorado por alemães, italianos e soviéticos. Cerca de 40.000 estrangeiros lutaram ao lado dos Republicanos nas Brigadas Internacionais, principalmente sob o comando do Comintern e outros 20.000 serviram em unidades médicas ou auxiliares. (Figura 7)
Em novembro de 1936 os Nacionalistas haviam avançado até as vizinhanças de Madri, que foi sitiada, mas sem que fossem capazes da avançar além da área da Cidade Universitária. Capturaram as províncias bascas do norte no verão de 1937 e então as Asturias, de forma que em outubro dominavam toda a costa norte. Uma guerra de desgaste foi então iniciada. Os Nacionalistas lançaram uma projeção para o leste, através de Teruel, alcançando o Mediterrâneo e dividindo em duas a República Espanhola em abril de 1938. Em dezembro de 1938 eles se deslocaram sobre a Catalunha no nordeste, forçando os exércitos Republicanos a se deslocarem para o norte em direção à França. 
Mapa da Espanha em julho de 1938, rosa sob controle
nacionalista e azul sob controle republicano.
Em fevereiro de 1939, 250.000 soldados republicanos, com igual número de civis, haviam fugido através da fronteira para a França. Em 5 de março o governo Republicano fugiu para exilar-se na França. Em 7 de março uma guerra civil explodiu em Madri entre facções comunistas e não comunistas. Em 28 de março todos os exércitos Republicanos haviam começado a debandar e render-se e neste dia as forças Nacionalistas entraram em Madri. O General Franco estabelecer-se ia como ditador e permaneceria no poder até a sua morte em 20 de novembro de 1975. (Figuras 8 e 9)
O número de pessoas mortas na Guerra Civil Espanhola pode ser apenas estimado. Os Nacionalistas estimam em 1.000.000 de pessoas, incluindo não somente as mortas em batalha, mas também as vítimas de bombardeios, execuções e homicídios. Estimativas mais recentes reduzem as estimativas a 500.000 ou menos. Essas não incluem todos os que morreram de mal nutrição, fome e doenças causadas pela guerra. 
Mapa da Espanha em fevereiro de 1939, rosa sob controle
nacionalista e azul sob controle republicano.
As repercussões políticas e emocionais da guerra transcenderam de longe às de um conflito nacional porque muitos de outros países viram a Guerra Civil Espanhola como parte de um conflito internacional entre, dependendo do seu ponto de vista, tirania e democracia, ou fascismo e liberdade, ou comunismo e civilização. Para Alemanha e Itália, a Espanha foi um campo de teste para novos métodos de guerra por tanques e aviões. Para a Grã-Bretanha e França, o conflito representou uma nova ameaça ao equilíbrio internacional que eles lutavam para preservar e que, em 1939 acabou na Segunda Guerra Mundial. A guerra também mobilizou muitos artistas e intelectuais às armas. Entre as mais notáveis respostas artísticas à guerra, estavam as novelas “Man’s Hope” (1938) de André Malraux, “Adventures of a Young Man” (1939) de John dos Passos e “For Whom the Bells Toll” (1940) de Ernest Hemingway; as memórias “Homage to Catalonia” (1938) de George Orwell; a pintura “Guernica” (1937) de Pablo Picasso; e a fotografia “Death of a Loyalist Soldier” (1936) de Robert Capa. 
Franco declara o fim da
Guerra Civil Espanhola
em 1° de abril de 1939.

Deixo, nesta minha postagem, um humilde pedido de reflexão aos três poderes constituídos do Brasil, pois resta-me a impressão de que nenhum dos seus membros, se conhece, não deu a devida importância a esse trágico episódio da história mundial. Não enxerga que a situação do Brasil é, neste momento, idêntica à situação da Espanha às vésperas de sua grande guerra civil. Fico me perguntando como é possível tanta cegueira! Não é possível que os homens públicos do Brasil desejem que uma guerra civil ocorra em nosso país, nos mesmos moldes da que ocorreu na Espanha, com milhares e milhares de mortos e feridos e uma tragédia cujas consequências até hoje se fazem sentir na Espanha. Que tristeza assistir a tanta irresponsabilidade e inconsequência por parte das pessoas que regem os destinos do Brasil. Que não haja dúvidas de que a História haverá um dia de responsabilizá-los e deles cobrar pelo que vier a ocorrer no Brasil. Este o meu apelo final nesta simples postagem: Congresso Nacional, STF e Executivo, acordem antes que seja tarde demais!


[1] Em janeiro de 1933, trabalhadores da CNT marcharam nas ruas de Casas Viejas, demonstrando e crendo que estavam iniciando uma revolução, durante a qual dois guardas foram feridos. A Guarda Civil e a Guarda de Assalto chegaram em Casas Viejas em 11 de janeiro. Muitos dos moradores fugiram, mas alguns anarquistas tentaram resistir à prisão e armaram barricadas na casa de um anarquista. Os guardas chegaram e atearam fogo na casa, com os anarquistas e suas famílias dentro. Uma anarquista sobreviveu ao fogo e saiu da casa com uma criança ainda viva. Os soldados e a polícia então prenderam qualquer morador da vila que possuísse uma arma, conduziram-nos para as cinzas fumegantes da casa e seus colegas mortos e os fuzilaram pelas costas. Vinte e quatro pessoas morreram no incidente.
[2] Grupo político nacionalista de extrema direita fundado na Espanha em 1933 por José Antonio Primo de Rivera, filho do ditador precedente Miguel Primo de Rivera. Influenciado pelo fascismo italiano, a Falange juntou forças (fevereiro de 1934) com o grupo de ideias similares, “Juntas de Ofensiva Nacional Sindicalista, emitindo um manifesto de 27 pontos que repudiava a constituição republicana, a política partidária, o capitalismo, o Marxismo e o clericalismo e proclamava a necessidade de um Estado nacional-sindicalista, um governo e exército fortes e uma expansão imperialista espanhola.
[3] De ou relacionado a uma filosofia de conservadorismo. Com tendência ou disposição a manter visões, condições ou instituições existentes. Aquele que adere ao ou advoga o conservadorismo político.
[4] Oficialmente “Principado de Asturias”, comunidade autônoma e região histórica ao noroeste da Espanha. Limitada pelas comunidades autônomas da Cantábria ao leste, Castela-Leão ao sul e Galicia ao oeste. Ao norte fica o Mar da Cantábria. A comunidade autônoma de Asturias foi estabelecida pelo estatuto de autonomia de dezembro de 1981 e sua capital é Oviedo.
[5] Assim chamadas porque seus membros vieram, inicialmente, de cerca de 50 países, as Brigadas Internacionais eram recrutadas, organizadas e dirigidas pela Internacional Comunista, com quartel general em Paris. Grande número da maior parte de jovens recrutas eram comunistas antes de se envolver no conflito e os demais se filiaram ao partido durante o curso da guerra. Os franceses faziam o maior grupo estrangeiro (cerca de 28.000); Alemanha, Áustria, Polônia, Itália, Estados Unidos, Reino Unido, Iugoslávia, Checoslováquia, Canadá, Hungria e Bélgica também foram representados por número significativo de voluntários.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

A REVOLUÇÃO RUSSA DE 1917 (Parte 7)


VIII – A GUERRA CIVIL RUSSA (Continuação)


Stalin, Lenin e Kalinin em 1919, Guerra Civil Russa

Terminada a guerra civil, a Rússia estava completamente arrasada, com graves problemas para recuperar sua produção agrícola e industrial; e os bolcheviques interpretaram corretamente a situação. Os camponeses resistentes em entregar sua produção ao governo, os trabalhadores e soldados desanimados diante das dificuldades, a população descontente com os problemas de produção e abastecimento, os operários se insurgindo contra o governo e outras rebeliões internas, deixaram claro que era impossível dar seguimento ao comunismo de guerra. Tornava-se necessário recuar nas ambições de implantação imediata do comunismo. Voltar atrás não era uma medida fácil de ser tomada e somente Lenin tinha condições morais e políticas para ordenar a retirada sem perder apoio dentro do partido, dar uma volta ao capitalismo de Estado, como solução para vencer o impasse econômico. E disse então a famosa frase: 'É preciso dar dois passos atrás para depois voltar a avançar'.


PERDAS DA GUERRA CIVIL RUSSA

Os resultados da Guerra Civil russa foram terríveis. O demógrafo soviético Boris Urlanis estimou o número total de mortos em ação na Guerra Civil e com a Polônia em cerca de 300.000 (125,000 no Exército Vermelho e 175.000 no Exército Branco e entre os poloneses) e o total de pessoal militar morto por doenças, de ambos os lados, em 450.000. Durante o “Terror Vermelho”, a Cheka (primeira de uma sucessão de organizações de segurança e braço militar do Estado Soviético, criada em dezembro de 1917 por um decreto de Lenin, foi o instrumento do Terror Vermelho) realizou pelo menos 250.000 execuções sumárias de “inimigos do povo”, com estimativas que alcançam mais de um milhão. Entre 300.000 e 500.000 cossacos foram mortos ou deportados durante a ‘limpeza” de uma população de três milhões. Uma estimativa diz que 100.00 judeus foram mortos na Ucrânia, a maior parte pelo Exército Branco. Órgãos punitivos do todo poderoso Don Cossack Host (uma república autônoma ou independente ao sul da atual Rússia e a região de Donbas, na Ucrânia, do final do século XVI até 1918), sentenciou 25.000 pessoas a morte, entre maio de 1918 e janeiro de 1919. O governo de Kolchak (estabeleceu um governo comunista na Sibéria e foi reconhecido por algum tempo como o chefe supremo e comandante em chefe das forças militares russas; mais tarde foi preso e executado pelos bolcheviques) executou 25.000 pessoas apenas na província de Ekaterinburg. Ao final da Guerra Civil, a República Socialista Federativa Soviética Russa (RSFSR) estava exausta e próxima da ruína. As secas de 1920 e 1921, bem como a fome de 1921, pioraram o desastre, com as doenças alcançando proporções pandêmicas, com 3 milhões morrendo somente de tifo em 1920. Outros milhões morreram de fome generalizada. Em 1922 haviam pelo menos sete milhões de crianças de rua na Rússia como resultado de aproximadamente dez anos de devastação da Grande Guerra e da Guerra Civil. Outros dois milhões de “russos emigrados” fugiram da Rússia pelo extremo oriente e pelos países recém independentes do Mar Báltico, incluindo uma alta percentagem da população mais culta e especializada da Rússia. A economia russa ficara devastada pela guerra, com fábricas e pontes destruídas, gado e matéria prima saqueados, minas inundadas e o maquinário destruído. O valor da produção industrial caiu a 1/7 do valor de 1913 e a agricultura a 1/3. De acordo com o jornal Pravda, “os trabalhadores das cidades e alguns das vilas sufocavam nos espasmos da fome”. As estradas de ferro rastejavam, as casas ruíam, as cidades se enchiam de resíduos, as epidemias se espalhavam causando muitas mortes e a indústria se extinguia. Estima-se que a produção total de minas e fábricas em 1921 havia caído a 20% dos níveis de antes da guerra e muitos itens cruciais experimentaram declínio ainda mais drástico. Por exemplo, a produção de algodão caiu a 5% e o ferro a 2% dos níveis pré-guerra. O Comunismo de Guerra salvou o governo soviético durante a sua Guerra Civil, mas muito da economia da Rússia havia chegado a uma paralisação. Os camponeses respondiam ao confisco (política e campanha bolchevique de confisco de grãos e outros produtos agrícolas dos camponeses por um preço fixo nominal de acordo com cotas especificados) pela recusa em arar a terra. Em 1921 a terra cultivada encolheu a 62% da área pré-guerra; o rebanho de cavalos caiu de 35 milhões em 1916 para 24 milhões em 1920 e o gado de 58 para 37 milhões. A taxa de câmbio passou de dois rublos por dólar em 1914 para 1200 rublos em 1920. As perdas humanas totais foram avaliadas entre 7 milhões e 12 milhões durante a Guerra, em sua maioria civis. A Guerra Civil Russa foi a maior catástrofe nacional que a Europa jamais vira.
Cadáveres das vítimas da fome russa em 1921,
em Buzuluk, a poucos quilômetros de Saratov

 Visando, portanto, promover a reconstrução do país, Lenin introduziu muitas regras contraditórias à sua própria filosofia, pois enquanto apoiava o “tudo pertence ao Estado”, criou políticas que apoiavam a iniciativa privada de modo a poder reconstruir o país devastado por sucessivas revoluções. Em fevereiro de 1921, criou a Comissão Estatal de Planificação Econômica ou GOSPLAN, encarregada da coordenação geral da economia do país. Em seguida, em março de 1921, adaptou um conjunto de medidas conhecidas como “Nova Política Econômica” ou NEP, que restabelecia as práticas capitalistas vigentes antes da Revolução. Entre as medidas contidas na NEP destacavam-se: liberdade de comércio interno, liberdade de salário aos trabalhadores, autorização para o funcionamento de empresas particulares e permissão de entrada de capital estrangeiro para a reconstrução do país. O estímulo pelo ganho pessoal foi reintroduzido e o igualitarismo teve que ceder passo à hierarquia e aos privilégios materiais. O Estado russo continuou, no entanto, exercendo controle sobre setores considerados vitais para a economia, como o comércio exterior, o sistema bancário e as grandes indústrias de base. Num certo sentido, o país passou a ter uma constituição produtiva anacrônica onde medidas socialistas (estatização das empresas, minas, transportes e bancos) conviviam com medidas capitalistas (o médio produtor rural, o capitalismo urbano) e com a economia tradicional (economia de subsistência empregada pelos camponeses pobres). Entretanto, foi essa política que permitiu a sobrevivência do Regime, dando-lhe a folga necessária para a reordenação de forças. O próprio Lenin teve dificuldade em definir o estado de coisas que, ironicamente, classificava como uma "mistura de czarismo com práticas capitalistas, besuntadas por um verniz soviético". Os resultados práticos não demoraram a surtir efeito. Lentamente a produção agrícola foi sendo restabelecida; o sistema viário voltou a funcionar com maior regularidade e as pequena indústrias começaram a lançar seus produtos no mercado. 
Mais vítimas da fome de 1921 e 1922 na RSFSR

Em dezembro de 1922, foi organizado um congresso geral de todos os sovietes, com a fundação da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS)[1]. O governo da União, cujo órgão máximo era o Soviete Supremo (Legislativo), passou a ser integrado por representantes das diversas repúblicas. Competia ao Soviete Supremo, eleger um comitê executivo (Presidium), dirigido por um presidente com a função de chefe de estado. Competiam ao governo da União as grandes tarefas relativas ao comércio exterior, política internacional, planificação da economia, defesa nacional, entre outras. Paralelamente a essa estrutura formal, funcionava o Partido Comunista, que controlava, efetivamente, o poder da URSS. Sua função era controlar os órgãos estatais, estimulando sua atividade e verificando sua lealdade, e manter os dirigentes em contato permanente com as massas. Também assegurava à população a difusão das ideologias vindas da alta cúpula. 
Iosif Vissarionovich Dzugashvili, o
" Homem de Ferro", terror da Era Stalin

A tragédia do bolchevismo dos anos vinte se deu na medida em que, devido ao peso das circunstâncias, tiveram que transformar-se num partido que representava a si mesmo. Suas bases sociais - o proletariado urbano -, além de escassas numericamente, foram literalmente dizimadas pela guerra civil e pela desorganização da economia ocorrida neste período. Depois de longos anos de guerra e de guerra civil, a extrema tensão a que foram submetidas as massas, tornou-as apáticas. Este comportamento favoreceu a implantação da ditadura partidária, mas os custos políticos foram terríveis - não só para o socialismo russo, como para a causa do socialismo internacional.
O isolamento em que o país se encontrava aprofundou-se ainda mais. A tão esperada revolução que deveria ocorrer num país desenvolvido, não aconteceu. Depois do fracasso dos espartaquistas (na Alemanha) em 1919 e dos comunistas em 1923, a Alemanha deixou de figurar como uma possível aliada. Estes fatores terminaram por fazer com que os bolcheviques fossem obrigados a alterar sua estratégia interna. A União Soviética de agora em diante deveria contar com seus próprios recursos. Evidentemente que aceitar esta nova situação era uma heresia. O socialismo era um movimento internacional, que não podia ser limitado por fronteiras, embora os fatos fossem uma poderosa evidência para qualquer teoria internacionalista. A União Soviética teria que lançar-se na "construção do Socialismo" enfrentando todos os fatores adversos: a falta de quadros técnicos e culturais, o imenso analfabetismo do campesinato, a baixa produtividade e a pouca qualificação de seu operariado. Lenin, contudo, não viveria para ver este dia, pois sua saúde deteriorou-se rapidamente desde julho de 1922, sendo frequentemente incapacitado por derrames e, relutantemente, passando muitas de suas atividades para Stalin e Trotsky. O fundador do primeiro Estado socialista morreu em 21 de janeiro de 1924, com a idade de 53 anos. A Guerra Civil russa terminara em 1923 e a Era Lenin em 1924, contudo, a pior parte da Revolução Russa ainda estava por vir, durante os anos de terror da Era Stalin.

JOSEF STALIN

Iosif Vissarionovich Dzugashvili (18/12/1879 – 05/03/1953) nasceu filho único na vila de Gori, próximo de Tiflis, capital da Georgia, do Império Russo, de uma pia lavadeira analfabeta e ex-escrava (Ekaterina Gheladze) e de um sapateiro bêbado, ex-servo, de quem sofria (como sua mãe) impiedosas surras e que os abandonou bem cedo, causando seu crescimento em extrema pobreza. A varíola dos seus sete anos deixou-lhe a face marcada e o braço esquerdo levemente deformado, o que lhe causava intimidação por parte das outras crianças, provocando-lhe uma necessidade constante de provar-se a si mesmo. Ainda jovem tornou-se um rebelde, sonhando em liderar uma revolução para libertar a Georgia do Império Russo.
Pobre como era, foi enviado por sua mãe para o seminário ortodoxo em Tiflis, para se tornar padre. A escola era um instrumento da russificação czarista, causando aos alunos georgianos, uma permanente resistência na defesa da nacionalidade e no aumento do sentimento anti-russo que contaminou Stalin e o fez ingressar nas fileiras dos primeiros grupos da social democracia russa, fundada por Lenin e outros intelectuais em 1898. Foi expulso da escola e logo a Okrana, polícia secreta do Czar, colocou-lhe as mãos em cima, submetendo-o às agruras da prisão e deportação, por subversão ao regime. Em 1901 tornou-se membro do Partido Operário Social Democrata Russo (POSDR). No mesmo ano, depois de uma manifestação organizada por ele e reprimida violentamente pelas autoridades tentou, sem sucesso, eleger-se líder do já combalido POSDR de Tiflis. Neste mesmo ano, foi expulso do partido de forma unânime pelos mencheviques, acusado de caluniador e agente provocador.
Sua vida até a Revolução de 1917 foi uma sucessão de prisões, fugas, curtas viagens ao exterior e novos desterros, durante as quais foi descoberto por Lenin, também vivendo no exterior. Em 1906, Stalin casa com sua primeira esposa Ketevan Svanidze, oriunda de família pobre da baixa nobreza, que lhe dá o filho Yakov no ano seguinte. Na facção bolchevique do POSDR, Stalin organizava greves e assaltos a bancos (em 1907 rouba 250.000 rublos de um banco em Tiflis.), de onde provinham os fundos para as atividades revolucionárias, embora fortemente condenado pela maioria dos socialistas. Após o assalto de Tiflis, Stalin e família fogem das forças czaristas para Baku, no Azerbaijão, onde sua esposa morre de tifo e ele fica arrasado com a perda. Entrega o filho para ser criado pelos pais da esposa e dedica-se ao trabalho revolucionário, adotando então o codinome Stalin (“homem de ferro”).
Seu primeiro encontro com Lenin ocorreu numa reunião do Partido na Finlândia, quando este ficou impressionado com seu “implacável operador subterrâneo”. Em 1912 foi indicado por Lenin para integrar o Comitê Central do Partido Bolchevique, considerada por Stalin uma decorrência lógica da sua fidelidade aos princípios leninistas, desde o fracionamento da socialdemocracia russa entre bolcheviques e mencheviques ocorrida em 1903.
A Revolução de 1917 encontrou Stalin preso na Sibéria, por agitação contra a Primeira Grande Guerra. Com o Czar deposto por essa revolução, ele retornou a Petrogrado, seu berço, assumindo, temporariamente a chefia do partido enquanto Lenin não retornava do seu exílio. Saudado como herói quando ajudou Lenin a escapar para a Finlândia, desta vez, é indicado para o círculo mais interno do Partido Bolchevique. Com a queda do Tzar e o início da Guerra Civil, Stalin, como outros da linha dura do Partido, ordena a execução pública de desertores e renegados. Tornou-se editor do Pravda, mas embora Lenin claramente respeitasse suas habilidades, não teve um papel importante no período de março a novembro de 1917, a não ser por um curto período em julho e agosto, quando Lenin ainda encontrava-se na Finlândia e os outros líderes estavam na prisão. Um diarista da revolução, Nikolai Sukhanov (de nome real Gimmer), então um menchevique e membro do Comitê Executivo do Soviete de Petrogrado em 1917, referia-se a Stalin como a “mancha cinza”. Quando Lenin retorna e toma o poder, indica Stalin para o posto de Secretário Geral do Partido Comunista, onde ganha novas habilidades como mediador dos funcionários de todo o Partido. A Guerra Civil, entre 1918 e 1921, deu a Stalin sua primeira chance de comando, fonte de conflitos entre ele e Trotsky, o chefe supremo das forças armadas da Revolução.
Em sua luta pelo poder Stalin tinha várias desvantagens. Não era um orador, falava devagar e com forte acento da Georgia, não era um intelectual como os maiores líderes bolcheviques e escreveu pouco. Seus colegas o viam, inicialmente, como um irrelevante e obtuso camarada, bom administrador que poderia encarregar-se da papelada. E esse foi o grande engano da parte deles. Stalin logo entendeu que poderia usar a burocracia do Partido como a ferramenta para ganhar o poder. Em 1922 ele mantinha as seguintes posições: (1) membro do Politburo (principal órgão executivo do Partido, criado em janeiro de 1919 e mais tarde rebatizado de Presidium); (2) Membro do Comitê Central, onde a política era debatida e as decisões tomadas; (3) Membro do Bureau de Organização, que supervisionava as organizações do Partido; (4) Chefe do Secretariado do Partido, que estabelecia a agenda para o Comitê Central e os encontros do Politburo; (5) Comissário do Inspetorado dos Operários e Camponeses, que controlava o aparelhamento administrativo e, ironicamente, protegia contra a burocratização; (6) Comissário das Nacionalidades; e (7) Secretário Geral do Partido, por recomendação de Lenin, após ter sofrido o seu primeiro derrame em maio de 1922.
Com a morte de Lenin, em janeiro de 1924, o vazio deixado por seu líder logo seria preenchido por Stalin e sua gente. Já durante as pompas fúnebres de Lenin, o Secretário Geral do Partido, encarregado de prestar as últimas homenagens, apresenta-se ao público como herdeiro direto do líder morto. Muitos no Partido esperavam que o líder do Exército Vermelho, Leon Trotsky, fosse o sucessor natural de Lenin, mas suas ideias eram idealistas demais para a maioria do Partido Comunista. Stalin, contudo, desenvolve sua própria marca de marxismo – “Socialismo em um País” -, concentrado no vigor da União Soviética em vez de na revolução mundial. De 1924 a 1929, várias coligações foram estabelecidas entre Stalin e seus companheiros do Comitê Central. Numa primeira ele aliou-se a Zinoviev e Kamenev para neutralizar a ameaça de Trotsky que foi banido para uma região central da Rússia e depois expulso do país. No momento seguinte ele encontrou em Bukharin um aliado contra seus ex-colaboradores e, finalmente, reduziu-o também ao silêncio. As ideias de Stalin tornaram-se populares no Partido e, em 1929, ele torna-se ditador da União Soviética. Nesse ano Stalin fomenta seus Planos Quinquenais para transformar a União Soviética num país industrializado. Para modernizar a agricultura, Stalin determina a “coletivização”: aglutinação e estatização das propriedades. Cerca de 5 milhões morrem de fome, mas Stalin, na crença de que “o fim justifica os meios”, prende e mata milhões de pequenos proprietários. Durante os anos de terror, Stalin promove a sua imagem de líder benevolente e herói da União Soviética ao mesmo tempo em que cresce sua paranoia e os expurgos do Partido e do Exército de todos a que a ele se opõem. 93 dos 139 membros do Comitê Central são assassinados, assim como 81 dos 103 generais e almirantes. A sua polícia secreta impõe o stalinismo e as pessoas são encorajadas à denúncia recíproca. Três milhões de pessoas são acusadas de se oporem ao comunismo e enviadas aos “gulags” (campos de trabalhos forçados da Sibéria). Em 1932, sua segunda esposa Nadezhda Alliluyeva, com quem se casara em 1919 e que lhe dera os filhos Svetlana e Vassily, se suicida pelos maus tratos que recebia de Stalin e sua morte é oficialmente relatada como causada por apendicite. Seu filho da primeira esposa, Yakov, um soldado do Exército Vermelho, é capturado ao início da Segunda Guerra Mundial; os alemães propõem uma troca de prisioneiros para soltá-lo e Stalin recusa por acreditar que seu filho se rendera voluntariamente; Yakov morre num campo de concentração nazista em 1943. Sua filha Svetlana, criada em circunstâncias privilegiadas na União Soviética, por odiar o sistema que seu pai criara, foge para o ocidente, em 1967. Em 1939, Segunda Guerra Mundial, Stalin assina com Hitler um pacto de não agressão. Quando os exércitos de Hitler derrotam a França e a Inglaterra recua, Stalin ignora os avisos de seus generais e não se prepara para o ataque nazista de 1941, que surge da Polônia. Com o futuro da União Soviética pendurado na balança, Stalin sacrifica milhões de russos para vencer a Alemanha. Só em Stalingrado (hoje Volgogrado), ponto de virada da guerra, as forças soviéticas perderam um milhão de homens, mas conseguiram derrotar os nazistas em 1943. É visto como um dos personagens mais importantes da vitória dos aliados contra as forças do Eixo, ao ocupar grandes faixas da Europa Oriental, incluindo Berlim Oriental. Em 1946 até mesmo Berlim Ocidental, ocupada pelos aliados, é bloqueada pelas forças de Stalin. Em seus últimos anos de vida, Stalin torna-se crescentemente desconfiado de tudo e de todos, prosseguindo os expurgos contra os seus inimigos dentro do Partido. Stalin morre de um derrame em 5 de março de 1953 com muitos russos pranteando a perda do grande líder que transformou o país. Mas os milhões de encarcerados saúdam a morte de um dos maiores homicidas e ditadores da História, conforme denunciado por seu sucessor, Nikita Khrushchev, ao iniciar a “desestalinização” da URSS.
Duas frases de Stalin que bem definem o seu caráter:
1 - “A morte de um homem é uma tragédia. A morte de milhões é apenas uma estatística”.
O historiador Anton Antonov- Ovseyenko alega que esta teria sido a resposta de Stalin a Churchill quando este objetou à abertura precipitada de uma nova frente na Europa, em 1943, durante uma conferência em Teerã, com a seguinte versão: “Quando um homem morre é uma tragédia. Quando milhares morrem é uma estatística”.
2 – “Ideias são mais poderosas que armas. Não permitiríamos que nossos inimigos tivessem armas, por que permitiríamos que tivessem ideias?”



[1] A União Soviética (URSS), portanto, sucedeu à Rússia czarista e existiu entre 1922 e 1991, como uma união de 15 repúblicas soviéticas subnacionais, com a capital em Moscou. A República Socialista Russa era a maior e mais populosa das que compunham a URSS, dominando-a durante toda a sua existência de 69 anos. Em 25 de dezembro de 1991, como resultado da dissolução da URSS, a Federação Russa, seu estado sucessor, assumiu os direitos e obrigações da antiga União Soviética e tornou-se reconhecida como a continuação de sua personalidade jurídica. A União Soviética também era conhecida como СССР, um acrônimo para União das Repúblicas Socialistas Soviéticas de acordo com seu nome em russo. Escrita originalmente no alfabeto cirílico (russo), o mundo ocidental “latinizou” as letras, acabando por adotá-la como CCCP. A sigla ficou bastante conhecida no mundo ocidental, devido ao uso do acrônimo em uniformes em competições esportivas e outros objetos, em eventos culturais e tecnológicos ocorridos na URSS, pelo destaque da União Soviética em tais eventos. Durante a gestão de Vladimir Putin, o antigo nome foi retomado, mas desta vez descrito como o original “Rossiya”, restaurando o hino soviético, a águia bicéfala da Rússia czarista e reutilizando a foice e o martelo como símbolo do exército russo.

Na próxima postagem, prossegue com a PARTE 08

sábado, 14 de novembro de 2015

A REVOLUÇÃO RUSSA DE 1917 (Parte 3)

VI - ASPECTOS TEÓRICOS QUE CONDUZIRAM À REVOLUÇÃO DE 1917


Antes de entrar no desenvolvimento da Revolução de 1917, propriamente dita, acho importante colocar alguns aspectos teóricos que conduziram até ela e as principais ideias que forjaram o pensamento revolucionário.
É comum lermos que a Revolução Russa de 1917 teve o mesmo significado para o século XX que a Revolução Francesa para o século anterior. Ambas foram formidáveis movimentos de massas e ideias que deram novo perfil à História da Humanidade, transformando a vida de milhões e empolgando ou aterrorizando outros tantos.
É um erro dizer que o confronto antigo entre Rússia e Estados Unidos representa um choque entre Oriente e Ocidente ou entre duas “civilizações” antagônicas. Na verdade, o grande motivo são os dois sistemas econômicos, políticos e ideológicos que as duas potências defendem. As grandes provas disso são a existência de uma Cuba entre as Américas e de uma Ilha de Formosa no extremo oriente do Planeta. O real conflito situa-se entre o Capitalismo e o Socialismo nas mais variadas formas com que ambos os sistemas se apresentam. E o mais grave aspecto nessa dicotomia (sempre perigosa) é que os dois sistemas são “ecumênicos”, no sentido de que podem ser aplicados em qualquer circunstância, independentemente da cultura, raça, religião ou tradição que, embora de alguma forma, sempre vão importar.
Friedrich Engels, fundador do Socialismo
Científico e co-autor do Manifesto Comunista.
Para alguns historiadores, o Socialismo surgiu durante a Revolução Francesa, como uma de suas correntes subterrâneas, como por exemplo, o movimento de Babeuf[1]. No entanto, ele tornou-se substancialmente sólido, muito tempo depois com Karl Marx e Friedrich Engels, com a publicação do Manifesto Comunista, em 1848, e a fundação do “Socialismo Científico” em substituição ao “Socialismo Utópico”.
Sinteticamente suas ideias podem ser assim descritas: “Toda a História da Humanidade nada mais é do que um conflito permanente entre classes sociais antagônicas: senhores e escravos, patrícios e plebeus, nobres e burgueses e, na época contemporânea, burgueses e proletários. Isto é, as classes sociais e sua existência são condicionadas pela história e a sociedade do futuro implica na sua abolição e na implantação da igualdade que até hoje não existiu, por impossível”.
Segundo Carl Marx, esta abolição da sociedade de classes se faria devido a própria crise do Sistema Capitalista. Por gerar a constante concentração da Propriedade e das Rendas nas mãos de poucos, levaria a aumentar a miséria geral dos não-proprietários, que se rebelariam e destruiriam tal sistema. Como o processo histórico é dialético (união incessante de contrários), tudo aquilo que existe (O Capitalismo) será superado por uma forma social superior (O Socialismo) nascida no próprio ventre da sociedade anterior. O Feudalismo teria sido mais ameno que o Escravagismo; o Capitalismo uma forma superior ao Feudalismo e, por consequência, o Socialismo, superior ao Capitalismo. Tais transformações são feitas pelos homens organizados em classes sociais: a burguesia depôs a nobreza, o proletariado deporá a burguesia.


SOVIETES

Os Sovietes (termo russo) ou Conselhos Operários, são colegiados ou corpos deliberativos, constituídos de operários ou membros da classe trabalhadora que regulam e organizam a produção material de um determinado território, ou mesmo indústria. Esse termo é comumente usado para descrever trabalhadores governando a si mesmos, sem patrões, em regime de autogestão. Os Conselhos Operários surgiram, pela primeira vez, na Revolução Russa de 1905, por iniciativa de Trotsky, embora tenham surgido esboços desta forma de organização durante a Comuna de Paris. A partir de sua emergência na Revolução Russa de 1905, os conselhos passam a ser teorizados por Rosa Luxemburgo* (ver nota de rodapé) e, principalmente, pelos chamados comunistas de conselhos. O reaparecimento dos conselhos na Revolução Russa de 1917, e em outras da mesma época, forneceu a base para a teoria dos conselhos de Anton Pannekoek - o principal teórico dos conselhos operários - e demais comunistas conselhistas. Os sovietes, essencialmente, eram comitês de greve. Como as greves na Rússia começaram em grandes fábricas, e rapidamente se espalharam pelas cidades menores e distritos, os trabalhadores precisaram manter contato permanente. Nas oficinas, os trabalhadores se juntavam e discutiam regularmente no final da jornada de trabalho, ou continuamente, o dia inteiro, em momentos de tensão. Eles enviavam seus delegados a outras fábricas e aos comitês centrais, onde a informação era trocada, dificuldades discutidas, decisões tomadas, e novas tarefas consideradas. Mas aqui as tarefas se mostraram mais abrangentes do que em greves comuns. Os trabalhadores precisavam se livrar da pesada opressão Czarista; eles sentiram que, por sua ação, a sociedade russa estava transformando suas bases. Eles tiveram que discutir não só salários e condições de trabalho, mas todas as questões relativas à sociedade em geral. Eles tiveram que achar seu próprio rumo nesse campo e tomar decisões sobre questões políticas. Quando a greve se alastrou, se estendeu por todo o país, parou toda a indústria e tráfego e paralisou as funções do governo, os sovietes foram confrontados com novos problemas. Eles tiveram que regular a vida pública, tiveram que cuidar da ordem e da segurança públicas, eles tiveram que providenciar os serviços públicos essenciais, desempenhando funções de governo; o que eles decidiam era executado pelos trabalhadores, enquanto o governo e a polícia ficavam de lado, conscientes de sua impotência contra as massas rebeldes. Então os delegados de outros grupos, de intelectuais, camponeses, soldados, que vieram para se juntar aos sovietes centrais, tomaram parte nas discussões e decisões. Quando finalmente o governo Czarista reuniu sua força militar e golpeou o movimento, os sovietes desapareceram.

*Rosa Luxemburgo (05/03/1871-15/01/1919) foi uma teórica marxista, economista e socialista revolucionária de descendência judia-polonesa, naturalizada cidadã alemã, membro de vários partidos de base socialista na Polônia e Alemanha e co-fundadora da Liga Espartaquista (1915), que transformou-se no Partido Comunista da Alemanha. Capturada durante o levante Espartaquista, em 1919, pelos veteranos da Primeira Guerra Mundial, de orientação direitista, foi assassinada e seu corpo lançado no canal Landwehr, em Berlim.

O Socialismo seria, por sua vez, uma etapa intermediária, onde conviveriam formas da sociedade anterior (Capitalista) com formas da sociedade futura, atingindo, posteriormente, a etapa final da pré-história da Humanidade - o Comunismo. Esta etapa de transição seria gerida pela "Ditadura do Proletariado". A nova classe instalada no poder não poderia se desfazer do aparato Estatal, pois teria que enfrentar as ameaças da contrarrevolução burguesa. Para Marx, o estado tem que continuar existindo (ao contrário dos anarquistas que propunham sua imediata abolição) como uma arma de defesa da Revolução.

Ainda segundo ele, a Revolução Proletária seria, pois, inevitável, havendo dois caminhos para concretizá-la: um conquistando posições estratégicas dentro da sociedade capitalista através da dinamização dos sindicatos e dos partidos operários; outra, por um golpe dado por revolucionários audazes que empalmariam o poder em favor dos proletários. Estas duas tendências estiveram sempre latentes dentro dos escritos políticos de Marx e Engels, gerando a atual diferenciação entre socialdemocracia e comunismo.
Como consequência lógica do que foi exposto, Marx acreditava que a Revolução Proletária ocorreria num país onde o Capitalismo fosse suficientemente desenvolvido para gerar as condições necessárias à sua transformação. Para uma sociedade chegar ao Socialismo teria que, necessariamente, percorrer um longo desenvolvimento capitalista. Isto excluía a possibilidade de se chegar ao Socialismo numa sociedade atrasada onde a maioria da população fosse composta de camponeses e não de proletários urbanos (os exclusivos agentes de transformação da História). A implantação do Socialismo nas sociedades capitalistas não seria socialmente onerosa porque o desenvolvimento tecnológico permitiria atender a todos "segundo suas necessidades".
Durante séculos a Rússia permaneceu isolada das grandes transformações sociais, econômicas e culturais porque passava a Europa Ocidental. A Reforma ou o Renascimento, poucos efeitos tiveram em sua paisagem política e cultural, o mesmo acontecendo com o Iluminismo e as Revoluções burguesas. O governo dos czares - a autocracia absoluta - fora uma decorrência da necessidade de integração deste vasto território heterogêneo em tudo. Com a queda do Bizâncio para os Turcos Otomanos, o Príncipe de Moscóvia atraiu para sua capital os restos da administração e do clero grego ortodoxo, assimilando suas práticas funcionais e hierárquicas. A igreja, tal como em Constantinopla, era subordinada ao Estado e seu chefe nomeado diretamente pelo Imperador. A Rússia desconheceu, pois, o latente conflito existente na Europa Ocidental, entre o clero e o aparato estatal. Esta fusão completa entre Estado e Igreja, naturalmente, contribuiu para o sufocamento do livre-pensar. A intelectualidade russa vivia sob a vigilância permanente, ou do Estado, ou do Santo Sínodo (mandatários da Igreja Ortodoxa). No entanto, a maior aproximação da Rússia com o Ocidente, no século XIX (principalmente após as guerras napoleônicas), tornou inevitável a penetração dos ideais libertários vindos da Europa.
Em março de 1898, na cidade de Minsk (capital e maior cidade da Bielorrússia), nove delegados (entre os quais Lenin) representando as principais cidades do país, reuniram-se para a realização do 1º Congresso do POSDR, inspirados no Partido Social-Democrata alemão fundado por Lassale em 1863 e o mais poderoso partido político operário do Ocidente. Como resultado concreto do Congresso, foi difundido o Manifesto do POSDR, redigido por Struve[2] que, dentro da ortodoxia marxista, aceitava as duas etapas da futura Revolução Russa (a primeira de cunho democrático-burguesa e a segunda socialista-proletária sem fazer menção à ditadura do proletariado nem aos meios para realizar sua missão). Os marxistas diferiam profundamente dos populistas e, tanto na Rússia como no exílio, intensificaram a polêmica sobre o destino do país e quais as táticas corretas a serem empregadas para a derrubada da autocracia. Em síntese, defendiam as seguintes posições: (1) era um profundo equívoco querer transformar a Rússia em um país socialista, pois o capitalismo ainda era incipiente não gerando as condições necessárias para a transição; (2) a prática do terrorismo era absolutamente inócua pois não abalava a estrutura do regime: sai um czar e entra outro; (3) era necessário desenvolver um longo e amplo trabalho de "preparação" das massas, através da propaganda e da agitação, levando-as à consciência da certeza da derrubada do czarismo como um todo e não em ações isoladas; (4) era necessário favorecer a implantação do capitalismo na Rússia: quanto mais empresas e indústrias lá se instalassem, mais cresceria o proletariado urbano, favorecendo o surgimento da única classe verdadeiramente revolucionária. Ironicamente, esta posição dos marxistas fez com que fossem vistos como menos perigosos pela polícia secreta do Czar (Okhrana), que passou dedicar maior atenção àqueles que, no momento, lhes pareciam mais ameaçadores, os terroristas populistas.

VII - A REVOLUÇÃO DE 1917

Não bastassem os reflexos da derrota militar frente ao Japão, em 1905, a Rússia envolveu-se em um outro grande conflito, a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), em que, novamente, sofreu pesadas derrotas nos combates contra os alemães.
A causa imediata da Revolução Russa foram os efeitos desastrosos do envolvimento russo na I Guerra Mundial. Na qualidade de membro da Tríplice Entente, juntamente com a Grã-Bretanha e a França, o Império Russo entrou em guerra com a Alemanha, a Áustria-Hungria e o Império Turco-Otomano, em 1914. Mas, embora seu gigantesco exército tivesse o apelido de “rolo compressor”, os russos não estavam à altura de seus adversários alemães. Estes impuseram às tropas do czar derrotas esmagadoras, que só não levaram a Rússia à rendição porque a Alemanha, dividida entre duas frentes de batalha (havia a Frente Ocidental, contra ingleses e franceses), não pôde explorar suas vitórias a fundo. Mesmo assim, boa parte do território russo encontrava-se em poder dos invasores — principalmente a Ucrânia, cujo tchernoziom (terra negra) era considerado o celeiro do Império. O desastre foi completo, com falta de alimentos e munições; o exército russo teve milhões de mortos e feridos e muitos desertaram. Em apenas doze meses o país trocou várias vezes de ministério: foram quatro primeiros ministros, três ministros de guerra, três ministros das relações exteriores.
A eclosão e os efeitos da Primeira Guerra Mundial, em 1914, demonstraram a incompetência da corte e da aristocracia russa, desmascarando a falsa ordem constitucional. Durante a guerra, a economia russa desmoronou. Especuladores obtinham grandes lucros, enquanto a maioria da população passava por necessidades. A inflação corroía os salários, empresas faliam.
É importante lembrar, pois muitas pessoas não se fixam na questão, que os primeiros movimentos revolucionários dessa época, aconteceram enquanto a Rússia se achava ainda em plena operação de guerra contra a Alemanha e seus aliados, posto que fazia parte da aliança com a Inglaterra e França. O que significa dizer que o governo oficial russo, bom ou mau, teve que lutar, ao mesmo tempo, contra um inimigo externo e contra as revoltas internas, fato extremamente favorável aos revolucionários russos. Neste cenário, os operários organizavam greves, manifestações e passeatas, e os membros do POSDR, partido da oposição, participavam ativamente do movimento contra a guerra e contra o regime.
Jardins e Palácio Tauride, sede da DUMA, início século XX
Com a crise, dois grupos passaram a planejar mais ativamente a derrubada da monarquia: (1) os liberais, que queriam fazer da Rússia uma república com democracia representativa (com os próprios cidadãos elegendo os seus representantes) e vencer a guerra contra os alemães; e (2) o Partido Operário Social-Democrata Russo (POSDR) que pretendia o país fora da guerra e, influenciado pelas ideias marxistas, transformar a economia e a sociedade russas como primeiro passo rumo à revolução do proletário mundial. Entretanto, é importante que se deixe bem claro o que nem sempre foi colocado com clareza – provavelmente, de forma proposital -, pelo menos na literatura mais conhecida, geral e menos profunda. Se a Revolução de Fevereiro de 1917 foi mais um movimento popular e espontâneo, motivado pelo triste desempenho da Rússia na Primeira Grande Guerra, pelo desejo da população que o país dela se retirasse e pelas penosas consequências que, principalmente, sobre o povo se abatiam, o prosseguimento da Revolução seguiu os mesmos padrões das grandes revoluções que a antecederam. Ou seja, sempre que uma revolução popular começa a se configurar, por razões evidentes, que afetam diretamente o povo, imediatamente surge a classe intelectual e mais poderosa, que almeja, sem qualquer dúvida, além da vitória da revolução, a tomada do poder que estará vacante após a queda do poder vigente e, mais do que isso, a imposição de suas próprias ideias, sejam elas quais forem; neste caso, os ideais socialistas/marxistas. Porque o povo, em verdade, deseja apenas interromper um processo que lhe causa danos e não lhe oferece alternativas de mudança ou atenuação dos seus sofrimentos. Mas, em geral, e este era o caso, não possui os esclarecimentos políticos ou ideológicos transportados na bagagem dos líderes intelectuais que, aproveitando as revoluções, acabam por dirigir os seus rumos e usufruir dos seus resultados, quando positivos. Tal foi, exatamente, o que aconteceu na revolução francesa, com várias organizações disputando a liderança da insurreição e vários indivíduos disputando o poder final ao seu encerramento. Senão, vejamos o desenrolar dos acontecimentos.
A Revolução de 1917 – sem incluir a guerra civil posterior, a sua etapa mais sangrenta -, compreendeu duas fases distintas: (1) a Revolução de Fevereiro (apenas para dirimir dúvidas, março de 1917, pelo calendário ocidental ou Gregoriano[3]) ou Revolução Branca, que derrubou a autocracia do Czar Nicolau II, o último Czar a governar, e procurou estabelecer, em seu lugar, uma república de cunho liberal; (2) a Revolução de Outubro (novembro de 1917, pelo calendário Gregoriano) ou Revolução Vermelha, em que os Bolcheviques derrubaram o governo provisório estabelecido e impuseram o governo socialista soviético.


[1] François-Noël Babeuf (23 de novembro 1760–27 maio 1797), conhecido como Gracchus (dos antigos tribunos romanos do povo) Babeuf, foi um jornalista e agitador do período revolucionário francês. Seu jornal, Le Tribun du Peuple (A Tribuna do Povo), foi mais conhecido por advogar em favor do povo e chamá-lo a uma revolta popular contra o “Diretório”, governo da França Revolucionária administrado por uma liderança coletiva de cinco diretores, entre o “Comitê de Segurança Pública” e o “Consulado”, deposto por Napoleão (02/11/1795-10/11/1799). Advogou pela democracia, abolição da propriedade privada e igualdade dos resultados. Enfurecendo as autoridades que fortemente restringiam as atividades de seus inimigos políticos, foi executado por elas. Embora as palavras “anarquista” e “comunista” não existissem ao tempo de Babeuf, elas foram usadas por estudiosos posteriores para descrever suas ideias. A palavra “comunismo” foi cunhada por Goodwyn Barmby numa conversa com pessoas que ele descrevia como discípulos de Babeuf, que acabou por ser chamado “O Primeiro Comunista Revolucionário”.
[2] Peter (ou Pyotr ou Petr) Berngardovich Struve (26 de janeiro de 1870- 22 de fevereiro de 1944) foi um filósofo, economista político e editor russo que iniciou como um marxista, tornando-se posteriormente um liberal e, após a Revolução Bolchevique, juntou-se aos russos brancos. A partir de 1920 viveu no exílio, em Paris onde tornou-se um proeminente crítico do comunismo russo.
[3] O calendário Gregoriano é um calendário de origem europeia, utilizado oficialmente pela maioria dos países do mundo. Foi promulgado pelo Papa Gregório XIII (1502–1585) em 24 de fevereiro de 1582, pela bula Inter gravíssimas, em substituição ao calendário Juliano, implantado pelo líder romano Júlio César (100–44 AC) em 46 AC, com o objetivo de fazer regressar o equinócio da primavera para o dia 21 de março, desfazendo o erro de 10 dias existente na época. Como convenção e praticidade, o calendário gregoriano foi adotado para demarcar o ano civil no mundo inteiro, assim facilitando o relacionamento entre as nações.

Prossegue com a Parte 4.