VI – A TERCEIRA REPÚBLICA (1870-1940)
O nascimento da Terceira República veria a França ocupada por tropas estrangeiras, a capital numa insurreição popular socialista – a Comuna de Paris – e duas províncias, Alsace e Lorraine, anexadas à Alemanha. Os sentimento de culpa nacional e um desejo por vingança (revanchismo) seriam as maiores preocupações pelas próximas duas décadas. Contudo, em 1900 a França tinha refeito muitos laços econômicos e culturais com a Alemanha e poucos franceses ainda sonhavam com uma revanche e nenhum partido político sequer mencionava Alsace-Lorraine em seus programas. A Terceira República, estabelecida pela legislatura francesa, duraria até a derrota militar da Segunda Guerra Mundial, em 1940, num período mais longo que qualquer governo da França desde a Revolução de 1789.
VI.1 – ORIGENS E FORMAÇÃO
Os deputados parisienses, liderados pelo Ministro da Guerra, Léon Gambetta, estabeleceram o Governo de Defesa Nacional como um governo provisório em 4 de setembro de 1870 e os deputados então escolheram o General Louis-Jules Trochu para atuar como presidente. Esse primeiro governo da Terceira República governou durante o cerco de Paris (19 de setembro de 1870 a 28 de janeiro de 1871). Com Paris isolada do resto da França não ocupada, Léon Gambetta teve sucesso em deixar Paris num balão de ar, estabelecendo o governo republicano provisório na cidade de Tours, no rio Loire.
Após a rendição da França, em janeiro de 1871, o provisório Governo de Defesa Nacional foi concluído e eleições gerais foram convocadas para eleger um novo governo francês, sem a participação dos territórios então ocupados pela Prússia. A Assembleia Nacional, conservadora, elegeu Adolpho Thiers chefe de um governo provisório – “chefe do ramo executivo da República dependendo de uma decisão sobre as instituições da França”. O novo governo negociou um tratado de paz com o recém proclamado Império Germânico: o Tratado de Frankfurt, assinado em 10 de março de 1871. Para apressar a saída dos prussianos da França, o governo aprovou uma série de leis financeiras, entre elas a controversa “Lei das Maturidades”, para pagar as reparações.
Em Paris, ressentimentos construídos contra o governo do final de março até maio de 1871, levaram os trabalhadores e soldados da Guarda Nacional a se revoltar e tomar o poder: a “Comuna de Paris”, que manteve um regime de esquerda radical até que suprimido com sangue, por Thiers, em maio de 1871. A repressão que se seguiu aos apoiadores do movimento trouxe desastrosas consequências ao movimento dos trabalhadores.
VI.2 – A COMUNA DE PARIS
A Comuna de Paris – “Commune de Paris” – foi um governo revolucionário francês paralelo que tomou o poder em Paris de 18 de março a 28 de maio de 1871.
Durante a guerra franco-prussiana de 1870-71, a Guarda Nacional francesa havia defendido Paris e o radicalismo da classe trabalhadora cresceu entre seus soldados. Após o estabelecimento da Terceira República, em setembro de 1870 e a completa derrota do exército francês para os alemães em março de 1871, soldados da Guarda Nacional tomaram o controle da cidade em 18 de março. Mataram dois generais do exército francês e recusaram-se a aceitar a autoridade da Terceira República, tentando estabelecer um governo independente. A Comuna governou Paris por dois meses, estabelecendo políticas que tendiam a um sistema progressivo e antirreligioso próprio, autointitulado socialismo, uma mistura eclética de muitas escolas do século XIX. Essas políticas incluíam a separação da Igreja do Estado, a autorregulação, a remissão do aluguel, a abolição do trabalho para as crianças e o direito do empregados de assumirem uma empresa abandonada por seu proprietário. Todas as igrejas e escolas católicas romanas foram fechadas. As correntes feminista, socialista, comunista, social-democrata ao velho estilo e anarquista, representaram importantes papeis na Comuna.
Contudo, os vários participantes (“communards”) tiveram pouco mais de dois meses para alcançar seus respectivos objetivos antes que o Exército Nacional Francês suprimisse a Comuna ao final de maio, durante a “semana sangrenta” iniciada em 21 de maio. O exército nacional matou em batalha ou rapidamente executou estimados 10 a 15 mil communards, embora estimativas não confirmadas elevem esse número a 20.000. Em seus últimos dias, a Comuna executou o Arcebispo de Paris, Georges Darboy, e uma centena de reféns, em sua maior parte gendarmes e padres. Cerca de 43.500 communards foram presos, incluindo 1050 mulheres. Mais da metade foi rapidamente libertada, 15.000 foram julgados, dos quais 13.500 considerados culpados. Noventa e cinco foram condenados à morte, duzentos e cinquenta e um a trabalhos forçados e 1.169 foram deportados, a maioria para a Nova Caledônia (ilhas francesas a leste da Austrália). Milhares de outros membros da Comuna, incluindo vários dos líderes, fugiram para o exterior, principalmente Inglaterra, Bélgica e Suíça. Todos os prisioneiros e exilados receberam perdão em 1880 e puderam retornar ao lar, onde alguns reassumiram a carreira política.
Debates sobre as políticas e resultados da Comuna tiveram influência significativa sobre as ideias de Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895), que a descreveram como o primeiro exemplo de ditadura do proletariado.
VI.3 – EVENTOS DA TERCEIRA REPÚBLICA
Planejando restaurar a monarquia, os “Legitimistas” da Assembleia Nacional apoiaram a candidatura de Henry, Conde de Chambord ou “Henry V”, neto do rei Charles X, o último rei da linha principal da Dinastia Bourbon. Os “Orleanistas” apoiaram Louis-Philipe, Conde de Paris, um neto do rei Louis Philipe I, que substituiu seu primo Charles X em 1830. Os “Bonapartistas” perderam legitimidade devido à derrota de Napoléon III e não puderam avançar com a candidatura de qualquer membro da família Bonaparte.
Legitimistas e Orleanistas afinal concordaram sobre o Conde de Chambord, sem filhos, como rei, com o Conde de Paris como seu herdeiro. Essa era a linha de sucessão esperada para o Conde de Chambord baseada na tradicional regra de primogenitura agnática[1] ou agnatícia francesa, se a renúncia dos Bourbon espanhóis na Paz de Utrecht fosse reconhecida. Em consequência, em 1871 o trono foi oferecido ao Conde de Chambord.
Chambord acreditava que a monarquia restaurada tinha que eliminar todos os traços da Revolução de 1789, para restaurar a unidade entre a monarquia e a nação. A população geral, entretanto, não desejava abandonar a bandeira tricolor e os monarquistas se resignaram em retardar a monarquia até a morte do idoso Chambord, sem filhos, para então oferecer o trono ao herdeiro mais liberal, o Conde de Paris. Um governo republicano “temporário” foi então estabelecido.
Chambord viveu até 1883, mas por aquela época o entusiasmo por uma monarquia havia se atenuado e o trono francês nunca foi oferecido ao Conde de Paris.
Em consequência da rendição francesa à Prússia em Janeiro de 1871, o provisório “Governo de Defesa Nacional” estabeleceu um novo assento em Versailles devido ao cerco de Paris pelas forças prussianas. Novos representantes foram eleitos em fevereiro daquele ano, constituindo o governo que evoluiria para a Terceira República. Esses representantes, predominantemente republicanos conservadores, proclamaram uma série de leis que ajudariam na resistência a elementos radicais e esquerdistas do movimento republicano, levando à eclosão da “Comuna de Paris” em março, sufocada pelas Forças Armadas Francesas sob o comando de Patrice de MacMahon.
Patrice de MacMahon, primeiro Presidente da Terceira República Francesa |
Em maio de 1873, apoiado por sua vitória sobre a Comuna, MacMahon foi eleito Presidente da República, posto que manteria até janeiro de 1879. Um firme católico conservador com simpatias legitimistas e uma notável desconfiança nos secularistas, MacMahon cresceu em desacordo com o parlamento francês à medida que os republicanos liberais e seculares ganhavam a maioria legislativa durante a sua presidência.
Em fevereiro de 1875 uma série de atos parlamentares estabeleceu as leis constitucionais da nova república. Em sua chefia estava o Presidente da República. Foi criado um parlamento com duas câmaras, uma diretamente eleita Câmara dos Deputados e um Senado indiretamente eleito, além de um Presidente do Conselho (Primeiro-Ministro), nominalmente responsável perante o Presidente da República e à Legislatura. Ao longo dos anos 1870’s, a questão sobre se a monarquia deveria substituir ou se impor à república dominou o debate público.
As eleições de 1876 demonstraram forte apoio público para o crescente movimento antimonarquista republicano quando uma decisiva maioria republicana foi eleita para a Câmara de Deputados enquanto no Senado foi mantida uma maioria monarquista por apenas um assento. O Presidente MacMahon respondeu em 1877 tentando abrandar a crescente popularidade republicana e limitar sua influência política através de uma série de ações conhecidas como “o 16 de maio”. Nessa data MacMahon forçou a resignação de Jules Simon, o primeiro-ministro republicano moderado, indicando o orleanista Alberto de Broglie em seu lugar. A Câmara dos Deputados declarou a indicação ilegítima, ultrapassando os poderes do Presidente e reusando cooperar com MacMahon ou Broglie. MacMahon então dissolveu a Câmara e convocou uma nova eleição geral para o próximo outubro. Posteriormente ele foi acusado pelos republicanos e seus simpatizantes de tentar um golpe de estado constitucional, negado por ele.
Jules Grévy, segundo presidente, criador do Sistema Parlamentar da Terceira República |
As eleições de outubro novamente trouxeram uma maioria republicana à Câmara de Deputados, reiterando a opinião pública. Os Republicanos ganhariam a maioria no Senado em janeiro de 1879, estabelecendo o domínio nas duas casas e efetivamente encerrando o potencial de uma restauração monarquista. MacMahon resignou em 30 de janeiro de 1879 sendo sucedido pelo republicano moderado Jules Grévy. Ele prometeu que não usaria o poder presidencial de dissolução, perdendo com isso o controle sobre a legislatura e efetivamente criando um sistema parlamentar que permaneceria até o final da Terceira República.
VI.3.1 – A CRISE BOULANGER
Em 1889 a República foi abalada por uma súbita crise política precipitada pelo General Georges Boulanger, de enorme popularidade, que venceu uma série de eleições a que renunciaria de seu assento na Câmara de Deputados para concorrer novamente em outro distrito. No apogeu de sua popularidade, em janeiro de 1889, ele criou a ameaça de um golpe de estado e o estabelecimento de uma ditadura. Com sua base de apoio nos distritos operários de Paris e outras cidades, mais católicas tradicionalistas rurais e monarquistas, ele promoveu um agressivo nacionalismo dirigido contra a Alemanha. As eleições de setembro de 1889 marcaram uma decisiva derrota para os “boulangistas”, derrotados pelas alterações nas leis eleitorais que proibiram Boulanger de candidatar-se em diversos distritos eleitorais, pela oposição agressiva do governo e pela ausência do próprio general em autoimposto exílio com sua amante. A queda de Boulanger solapou severamente os elementos conservadores e monarquistas dentro da França, que não se recuperariam até 1940. Estudiosos revisionistas têm ponderado que o movimento “boulangista” mais frequentemente representou elementos da esquerda radical do que da extrema direita. Seu trabalho é parte de um consenso emergente de que a direita radical da França foi formada em parte durante a era Dreyfus (a seguir), por homens que haviam sido partidários “boulangistas” da esquerda radical uma década antes.
VI.3.2 – O ESCÂNDALO DO PANAMÁ
Os escândalos do Panamá de 1892, vistos como a maior fraude financeira do século XIX, envolveram uma tentativa fracassada de construir o Canal do Panamá, ligando o Oceano Atlântico ao Oceano Pacífico. Flagelada por doenças, mortes e difundida corrupção, com seus problemas encobertos por membros do governo francês subornados, a Companhia do Canal do Panamá foi à bancarrota, com seu patrimônio totalmente desvalorizado e com seus investidores comuns com um prejuízo próximo de um bilhão de francos a preços históricos. Cerca de 800.000 franceses, incluindo 15.000 mulheres solteiras, perderam seus investimentos.
Ferdinand de Lesseps, diplomata francês, herói no Canal de Suez, vilão no Panamá |
Em 1892/1893, grande número de ministros (incluindo o futuro primeiro-ministro e candidato a presidente Georges Benjamin Clemenceau) foram acusados por nacionalistas franceses de receberem suborno de Ferdinand de Lesseps (construtor do Canal de Suez em 1869), que levou a uma ação de corrupção contra ele e seu filho Charles que os levou a sentenças de prisão, posteriormente anuladas. O Barão Reinach, conselho financeiro da Companhia do Canal e agente de vários subornos cometeu suicídio, uma centena de legisladores foi considerada envolvida na corrupção e outros acusados fugiram para a Inglaterra. Lesseps morreu em 1894.
Georges Clemenceau foi derrotado em 1893 por sua associação com o assunto. Embora três governos tenham malogrado, essa crise diferiu do caso Boulanger já que a República nunca esteve realmente em risco. Contudo, ela levantou dúvidas na visão pública que passou a não confiar mais em seus políticos. Para os monarquistas ficou provado que a república era corrupta.
O Projeto foi assumido pelos Estados Unidos em 1904 e o Canal foi aberto em 3 de agosto de 1914.
VI.3.3 – PROSPERIDADE DO ESTADO E SAÚDE PÚBLICA
A França atrasou-se com relação à Alemanha de Bismarck, à Grã-Bretanha e Irlanda no desenvolvimento do bem-estar e saúde pública do Estado, seguro-desemprego e planos nacionais de pensão para os idosos. A profissão médica francesa guardava suas prerrogativas e os ativistas da saúde pública não eram tão bem organizados ou influentes como na Alemanha, Grã-Bretanha ou Estados Unidos. Houve uma longa batalha por uma lei da saúde pública iniciada nos anos 1880’; contudo, os reformadores encontraram oposição dos burocratas, políticos e médicos e pelo fato de representar ameaça a muitos interesses, a proposta foi debatida e postergada por 20 anos antes de se tornar lei em 1902. A implementação finalmente chegou quando o governo constatou que as doenças contagiosas tinham um forte impacto sobre a segurança nacional pelo enfraquecimentos dos recrutas militares e pela manutenção da taxa de crescimento bem abaixo da Alemanha.
VI.3.4 – A REPÚBLICA DOS RADICAIS
O mais importante partido do início do século XX foi o “Partido Republicano Radical e Radical-Socialista”, em 1901. Sua orientação política era classicamente liberal e oposta aos elementos monarquistas e clericais, por um lado, e aos socialistas pelo outro. Com muitos de seus membros recrutados da Maçonaria, os Radicais foram divididos entre ativistas, que clamavam pela intervenção estatal para alcançar a igualdade econômica e social, e os conservadores, cuja prioridade mais importante era a estabilidade. As demandas dos trabalhadores por greves ameaçavam a estabilidade e empurraram muitos radicais em direção aos conservadores. Os radicais se opunham ao voto das mulheres por receio de que votassem em seus oponentes ou em candidatos da Igreja Católica.
Coalizões no governo se destruíam com regularidade e raramente duravam mais do que uns poucos meses, já que radicais, socialistas, liberais, conservadores, republicanos e monarquistas lutavam permanentemente pelo controle.
VI.3.5 – A QUESTÃO DREYFUS
A Questão Dreyfus foi um escândalo político importante que convulsionou a França de 1894 até a sua solução em 1906 e teve ecos ainda por décadas. A condução do caso tornou-se um moderno e universal símbolo de injustiça, permanecendo como um dos mais impactantes exemplos de erro judicial em que o papel central foi representado pela imprensa e a opinião pública. No início, foi um ostensivo antissemitismo, como o praticado pelo exército francês e defendido pelos conservadores e católicos tradicionalistas contra as forças de centro-esquerda, esquerda e republicanas. Ao final os judeus triunfaram.
Alfred Dreyfus, um dos maiores dramas políticos da história francesa do século XIX |
A questão começou em novembro de 1894 com a convicção da traição do Capitão Alfred Dreyfus, um jovem oficial da artilharia francesa de descendência alsaciana judia. Ele foi condenado à prisão perpétua por passar segredos militares franceses à Embaixada Alemã em Paris e enviado à colônia penal da Ilha do Diabo, na Guiana Francesa (apelidada de “guilhotina seca”), onde ele passou quase cinco anos. Dois anos mais tarde foi evidenciado que um major do Exército Francês chamado Ferdinand Walsin Esterhazy era o real espião. Depois que oficiais de alta patente suprimiram a nova evidência, uma corte militar, por unanimidade, absolveu Esterhazy. Baseado em falsos documentos, o exército construiu acusações adicionais contra Dreyfus. Notícias começaram a circular sobre as tentativas da corte militar de falsamente incriminar Dreyfus, principalmente devido a uma carta aberta publicada pelo jornal liberal “L’Aurore” em janeiro de 1898, pelo notável escritor Émile Zola, mundialmente conhecida pelo nome “J’accuse” (Eu Acuso), com os ativistas colocando pressão sobre o governo para reabrir o caso.
Em 1899 Dreyfus retornou à França para outro julgamento. O intenso escândalo político e jurídico que se seguiu, dividiu a sociedade francesa entre os apoiadores de Dreyfus, tal como Anatole France, Henry Poincaré e Georges Clemenceau, e os que o condenavam, como Édouard Drumont, diretor e editor do jornal antissemita “La Libre Parole”. O novo julgamento resultou em outra condenação e uma sentença de 10 anos, mas Dreyfus recebeu perdão e foi posto em liberdade. Ao final todas as acusações contra ele foram consideradas infundadas e, em 1906, Dreyfus foi isento de culpas e reintegrado como major no exército francês.
De 1894 e 1906 o escândalo dividiu profundamente a França em dois campos opostos, exasperando os políticos e facilitando a influência crescente dos políticos radicais dos dois lados do espectro político francês.
VI.4 – A POLÍTICA EXTERIOR FRANCESA NA 3ª REPÚBLICA
Não gostaria de encerrar essa (já extensa) publicação sem dizer algo sobre a política externa da França durante esse conturbado período de sua história, dada a sua enorme importância sobre os eventos mundiais da época e futuros. Tal é o caso da “Primeira Guerra Mundial” (que não fará parte do nosso trabalho) e da consequente “Segunda Guerra Mundial” (que com mais razão também não fará parte da nossa pesquisa). E com essa pretendida breve exposição, daremos fecho ao presente trabalho.
A política externa da França, de 1871 a 1914, foi baseada numa lenta reconstrução de alianças com a Rússia e a Grã-Bretanha tendo em vista a ameaça da Alemanha. Bismarck cometera um engano ao anexar a Alsace e Lorraine em 1871, em resposta à demanda popular e do exército por uma fronteira mais forte, o que gerou décadas de ódio contra a Alemanha e desejos de revanche. Essa mágoa da França perdurou por alguns anos, mas cerca de 1890 havia quase desaparecido com a constatação francesa de que a nostalgia era menos útil que a modernização. A França reconstruiu seu exército e, após 1905 investiu pesadamente na aviação militar. Além disso, colocou enorme ênfase ao crescimento do império francês, o que lhe trouxe prestígio embora os enormes custos financeiros. Poucas famílias francesas se estabeleceram nas novas colônias, que eram pobres em recursos naturais e comércio para delas beneficiar sua economia global. Contudo, a França já era a segunda economia, abaixo apenas do Império Britânico, obtivera prestígio nas questões internacionais e dera oportunidade aos católicos (sob pesado ataque dos republicanos no Parlamento) para devotar suas energias à difusão da cultura e civilização francesa em todo o mundo. Bismarck foi deposto em 1890 e com isso a política externa germânica tornou-se confusa e imprópria. Como exemplo, Berlim quebrou seus fortes laços com São Petersburgo, permitindo aos franceses entrar com pesados investimentos e concretizar uma aliança militar Paris – São Petersburgo que mostrou-se essencial e durável (lembrar que estamos falando da Rússia Czarista). A Alemanha brigava com a Grã-Bretanha, o que encorajou Londres e Paris a abandonarem suas rixas sobre a África, permitindo a aproximação recíproca até alcançar uma relação militar informal em 1904.
A diplomacia francesa tornou-se totalmente independente das questões domésticas e os grupos de interesses religiosos, econômicos e culturais davam pouca atenção às questões externas. Diplomatas e burocratas profissionais permanentes desenvolveram suas próprias tradições de como operar no Ministério das Relações Exteriores, com seu estilo pouco mudando de geração para geração. A maioria dos diplomatas vinha de famílias aristocráticas de alto status. Embora a França fosse uma das poucas repúblicas da Europa, seus diplomatas conseguiam ótimas relações com os representantes aristocráticos das cortes reais. Nas décadas que antecederam à Primeira Guerra Mundial, a França dominava as embaixadas nos dez maiores países onde mantinha um embaixador (em outros países mantinha ministros de grau inferior). Em termos de política externa havia uma concordância geral sobre a necessidade de tarifas protecionistas, o que manteve os preços agrícolas elevados. O Império criava grande orgulho e administradores, soldados e missionários constituíam ocupações de alto status. A política externa francesa mostrou uma drástica transformação, de potência humilhada e sem amigos em 1871, à peça central no sistema de alianças europeu em 1914, com um império colonial florescente apenas abaixo da Grã Bretanha.
VI.4.1 – 1871 a 1900
No meio da “Escalada pela África”[2], os interesses franceses e britânicos na África chegaram a um conflito. O episódio mais perigoso foi o “Incidente Fashoda”, de 1998, quando tropas francesas reivindicando uma área no Sudão Sul foram surpreendidas por uma força britânica pretendendo agir no interesse do Khedive do Egito[3]. Sob forte pressão os franceses se retiraram, garantindo o controle Anglo-Egípcio da área. A situação foi reconhecida por um acordo pelo qual a França reconhecia a primazia inglesa no Egito e a Grã-Bretanha reconhecia a primazia francesa no Marrocos, mas no global, a França sofreu uma humilhante derrota.
O Canal de Suez, inicialmente construído pelos franceses, tornou-se um projeto conjunto britânico-francês em 1875, pois ambos viram como vital para a manutenção de suas influências e impérios na Ásia. Em 1882, perturbações civis no Egito induziram a Grã-Bretanha a intervir, como um auxílio à França. O governo permitiu que a Grã-Bretanha tomasse controle efetivo do Egito.
A França tinha colônias na Ásia e buscava alianças, encontrando no Japão um possível aliado. A pedido do Japão, Paris enviou missões militares em 1872-1880 e em 1918-1919 para ajudar na modernização do exército japonês. Conflitos com a China, sobre a Indochina, culminaram com a guerra sino-francês (1884-1885). A França destruiu a frota chinesa ancorada em Fuzhou e o tratado que encerrou a guerra pôs a França como um protetor sobre o Vietnam Norte e Central, que o dividiu em Tonkin e Annam.
Sob a liderança do expansionista Jules Ferry, a Terceira República expandiu enormemente o Império Colonial Francês. A França adquiriu a Indochina, Madagascar, vastos territórios na África Ocidental e África Central e muito da Polinésia.
VI.4.1 – 1900 a 1914
Num esforço para isolar a Alemanha, a França passou por grandes dores para cortejar a Rússia e a Grã-Bretanha. Primeiro através da Aliança Franco-Russa de 1894, então com o “Acordo Cordial”, com a Grã-Bretanha e finalmente pelo “Acordo Anglo-Russo”, em 1907, que veio a tornar-se o “Triplo Acordo” (Triple Entente).
As Guerras dos Balcãs, dois conflitos entre os estados Balcãs em 1912 e 1913 (Grécia, Servia, Montenegro e Bulgária contra o Império Otomano), acabaram por envolver o Império Austro-Húngaro e com ele a Alemanha, servindo como prelúdio para a Primeira Grande Guerra. A crise dos Balcãs surpreendeu a França que não deu a atenção necessária às condições que conduziram à eclosão da Primeira Guerra Mundial. A “Triple Entente” com a Grã-Bretanha e a Rússia, acabou conduzindo França, Rússia e Grã-Bretanha a participar da Primeira Guerra Mundial como aliadas contra a Alemanha e Áustria.
O que aconteceu com a França, ainda durante a “Terceira República”, mas após a eclosão da Primeira Guerra Mundial, foge ao escopo desta pesquisa, como assunto amplamente divulgado e conhecido dos nossos leitores. O objetivo específico desta pesquisa era trazer ao conhecimento dos meus leitores algum esclarecimento sobre o complexo período de cem anos que se passaram desde a definitiva queda de Napoleão Bonaparte, personagem histórica criado pela Revolução Francesa de 1789, quer queiram, quer não, até o início da Primeira Guerra Mundial, já século XX e que eu denomino de história moderna. Como objetivo secundário, trazer à consideração e ao pensamento dos leitores que a Revolução Francesa, embora considerando seus méritos inegáveis, não trouxe como consequências, apenas felicidade ao povo francês, como muitos podem ser inclinados a pensar. Aliás, hoje já são vários os historiadores internacionais que, em estudos de revisão daqueles acontecimentos, muito colocam em dúvida os tão propalados méritos daquela Revolução.
[1] A Primogenitura Agnática ou Agnatícia ou Primogenitura Patrilinear é a herança de acordo com a senioridade de nascimento entre os filhos de um rei ou cabeça da família, com os filhos herdando antes dos irmãos e os descendentes homens da linha masculina herdando antes dos parentes colaterais da linha masculina, com a total exclusão das mulheres e descendentes através das mulheres. As palavras agnática ou agnatícia veem de “agnação”, parentesco de consanguinidade por linha masculina Essa exclusão das mulheres da sucessão dinástica é também referida como aplicação da lei Sálica.
[2] A “Escalada pela África” foi o nome que se deu à invasão e colonização da maior parte da África por sete potências da Europa Ocidental durante a era do “Novo Imperialismo” (1833-1914). Em 1870, 10% do continente africano estava formalmente sob controle europeu. Em 1914 esse número havia crescido para quase 90%, com apenas Libéria e Etiópia mantendo sua plena soberania.
[3] O Khedivado do Egito era um estado tributário autônomo do Império Otomano, estabelecido e governado pela dinastia Muhammad Ali, em seguida à derrota e expulsão das forças de Napoleão Bonaparte, determinando o fim da ocupação francesa de curta duração do baixo Egito.