Homenagem ao lendário herói ancestral dos ingleses que deu título a um dos considerados "Cem Maiores Livros do Mundo" e tido como o mais antigo escrito em "Old English".

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

VIRTUS IN MEDIUM EST


Um dia desses, enquanto realizava as minhas abluções vespertinas (na verdade, tratava-se apenas do meu banho diário), dei-me conta de que é, exatamente, nesta hora, que mais ponho a minha cabeça a funcionar, com ótimo proveito para a solução dos meus problemas. Como tenho um chato hábito de não desperdiçar o meu tempo, sempre procuro fazer, pelo menos, duas coisas ao mesmo tempo. Isso, evidentemente, contrariando à teoria das mulheres que dizem que homem nenhum consegue fazer duas coisas ao mesmo tempo. A favor das mulheres, o fato de que, na verdade, sempre procuro encontrar duas coisas que, razoavelmente, se compatibilizem, pois de outra forma tal ação poderia vir a tornar-se um esforço sobre-humano – ninguém é de ferro! Prosseguindo, em nenhuma outra hora ou situação sinto-me tão à vontade para pensar do que quando estou tomando banho. A sensação é tão agradável que já estou tomando três banhos por dia (e penso seriamente em ampliar essa média) para contar com mais tempo para pensar. Contra a minha salutar intenção, o fato de que tenho outras coisas para fazer e enquanto tomo os meus banhos não posso fazer nenhuma delas, além de pensar. Este é exatamente o outro fator positivo a favor do banho como esta situação privilegiada: o fato de que enquanto alguém toma banho, fica absolutamente impedido de fazer qualquer outra coisa a não ser pensar. O que facilita em muito a minha vida – e faz as mulheres darem muita risada.

Então, como ia dizendo, tomava banho e pensava. E como não tinha qualquer outro compromisso a não ser tomar banho, pensava sobre vários assuntos ao mesmo tempo, meus pensamentos vagavam de um a outro, sem a menor responsabilidade. De onde fico com a impressão de que todos os grandes pensadores e filósofos da história e do mundo passavam a maior parte do seu tempo no banheiro – tomando banho ... e pensando! E o pensamento tem a capacidade impressionante de provocar outros pensamentos; não, de puxar outros pensamentos, às vezes de alguma forma correlacionados, às vezes sem qualquer conexão um com o outro. E de repente me botei a pensar em como as pessoas possuem, em geral, a tendência de se bi polarizarem. Ou estão de um lado da questão, ou estão do outro, não pode nunca haver o meio-termo. Gabam-se de assim proceder e condenam os que assim não agem. Em geral, o que é a favor de um dado argumento, não vê qualquer ponto positivo no argumento contrário. Os poucos que assim ousam, são mal vistos; a primeira reação é a ofensa direta: “fulano está em cima do muro!”. Por que tem que ser assim?

Quando São Tomás de Aquino, no século XIII, usou pela primeira vez a expressão latina "Virtus in Medium Est", que significa, como não é difícil de adivinhar, “A Virtude Está No Meio”, ele pretendeu sintetizar a liturgia da Ascensão de Cristo e seus reflexos em nossas vidas: de nada adianta ficar olhando para o céu se não nos preocupamos em viver as virtudes da fé e da caridade já, aqui na terra; tanto um extremo quanto o outro fazem de nós pessoas alienadas, que ou vivem mergulhadas no mundo como vermes que rastejam sobre a terra, buscando unicamente os bens terrenos, ou como seres aéreos, com a cabeça “fora do ar”, “fora da casinha”, que não se preocupam com o presente.


O nobre objetivo de São Tomás de Aquino, frade dominicano, teólogo, distinto expoente da escolástica, proclamado santo e cognominado Doctor Communis ou Doctor Angelicus pela Igreja Católica e chamado o mais sábio dos santos e o mais santo dos sábios, foi popularizado com o passar dos tempos, mas isso não significa que a expressão não continue valendo. Os extremos são maus, não importa o assunto que esteja sendo tratado. Todo o exagero é pernicioso e entendemos isso a partir das coisas mais simples: comer demais faz engordar e cria problemas para a saúde, da mesma maneira que comer muito pouco leva aos exageros da magreza, tão em moda hoje em dia, responsável por tantos males no mundo das modelos.




Os exemplos são incontáveis e basta pararmos um pouco para pensar e nos daremos conta disso. Mas o mais interessante de tudo isso é o fato de que as pessoas, de uma maneira geral, não se apercebem de que perambulam pelos extremos; e mais, gabam-se disso! É muito comum ouvir-se a sentença: “é preciso ousar, é preciso ir aos extremos!”; da mesma forma que a palavra “medíocre” tornou-se comum para expressar a coisa ou pessoa vulgar, ordinária ou comum quando, na verdade, a origem da palavra é bem outra. E isso não é recente, pois há muito que, por exemplo, “mediocracia”, de acordo com o “Aurélio”, significa “predomínio social das classes médias, da burguesia”, sempre com sentido pejorativo. Mas não é exatamente isso o que se deseja, que não haja nem tão ricos (extremo), nem tão pobres (o outro extremo), mas que haja a predominância de classe média? Sábio era Aluísio Azevedo que em sua “Casa de Pensão”, já dizia: “Não as vá procurar (as moças) na alta sociedade ...! mas indague-as cá por baixo, na mediocracia, que as há de descobrir”.

O resultado desse procedimento generalizado, no cotidiano da vida em sociedade, são as discussões acaloradas e sem término, muitas vezes até mesmo ríspidas, pela única razão de que o meio termo não pode existir: é o famoso “nem oito, nem oitenta” ou o “nem tanto ao mar, nem tanto à terra”, que os nossos avós sensatos diziam. Pessoalmente, estou convicto de muita coisa no mundo poderia mudar para melhor, se as pessoas fossem menos radicais em seus atou ou opiniões; sem que fosse necessário, ao esportista gaúcho, usar camisa azul e vermelha no gre-nal para dizer que é mais ponderado ou, ao tradicionalista rio-grandense-do-sul, usar lenço vermelho e branco ao pescoço para significar que não é nem chimango nem maragato. Nesse caso, estariam ambos “indo ao extremo” da ponderação.

Tenham todos uma boa discussão!

2 comentários:

Alex disse...

Sensacional! Gostei muito do texto! Realmente as pessoas são muito irracionais e só querem satisfazer necessidades materiais! Virtus in medium est!

Antonino Silva disse...

Genial