Homenagem ao lendário herói ancestral dos ingleses que deu título a um dos considerados "Cem Maiores Livros do Mundo" e tido como o mais antigo escrito em "Old English".

sexta-feira, 25 de setembro de 2020

O IMPÉRIO OTOMANO (PARTE 2 - FINAL)

II.2 – RESTAURAÇÃO DO IMPÉRIO OTOMANO: 1402 A 1481

Mehmed I, iniciador
da reconquista otomana

O objetivo de Timur na Anatólia tinha sido, não a conquista, mas um flanco ocidental seguro que lhe permitiria conquistas adicionais no leste. Por isso, após sua vitória, retirou-se da Anatólia após restaurar no poder os príncipes turcomanos que se haviam aliado a ele; evidentemente, Timur assumia que uma Anatólia dividida não constituiria ameaça às suas ambições. Nem mesmo os filhos de Bayezid conseguiram assumir o controle sobre as possessões anteriores da família e o Império Otomano na Europa foi deixado praticamente intocado. Àquele tempo, uma forte Cruzada Europeia poderia ter empurrado os Otomanos totalmente fora da Europa, mas a fraqueza e a divisão ao sul do Danúbio e a dispersão para outras questões ao norte, deixaram aos Otomanos uma oportunidade para restaurar o que tinha sido feito em pedaços, sem perdas significativas. 
Divisões internas, contudo, obstaculizaram os esforços otomanos para restaurar seu poder durante um período que se tornou conhecido como o Interregno (1402 a 1413), durante o qual, quatro dos filhos de Bayezid competiram pelo direito ao controle de todo o Império. Seu filho mais velho, Suleiman, assumiu o controle na Europa, estabelecendo uma capital em Edirne e ganhou o apoio dos vassalos cristãos e daqueles que haviam estimulado Bayezid a dirigir suas conquistas para o leste. Os descendentes dos Turcomanos notáveis que haviam assistido às conquistas iniciais dos Otomanos na Europa, apoiaram as reivindicações de Mehmed, outro dos filhos de Bayezid. Com o apoio adicional das ordens religiosas muçulmanas da Anatólia e sindicatos de artesãos, Mehmed conseguiu derrotar e matar seus irmãos Mûsa Bey - que havia estabelecido sua capital em Bursa - e Isa Bey de Balikesir, no sudoeste da Anatólia, bem como Suleiman, e assim assumir a posse indisputada de todo o Império, como Sultão Mehmed (Muhammad) I.

II.2.1 – MEHMED I E MURAD II

Sob Mehmed I (governou de 1413 a 1420) e Murad II (1421 a 1451) houve um novo período de expansão em que o império de Bayezid foi restaurado e novos territórios foram incorporados. Mehmed restaurou o sistema de vassalagem[1] na Bulgária e na Sérbia, prometendo que realizaria novas incursões na Europa. Seu filho e sucessor, Murad II, foi também obrigado a devotar a maior parte dos anos iniciais do seu reinado a problemas internos, particularmente aos esforços dos comandantes ghazis e os príncipes vassalos dos Balcãs na Europa, bem como os príncipes e vassalos turcomanos na Anatólia, para reter a autonomia e, em algumas áreas, a independência que havia sido ganha durante o interregno. Em 1422-1423, Murad suprimiu a resistência dos Balcãs e colocou Constantinopla sob novo sítio que terminou somente após os Bizantinos lhe pagarem enormes tributos. Ele então restaurou o domínio Otomano na Anatólia e eliminou todos os principados turcomanos deixados por Timur, com as exceções de Karaman e Candar (Jandar, região ao norte da Anatólia, hoje Turquia), que ele deixou como autônomas, embora tributárias, para não excitar os renovados medos dos sucessores de Timur no leste.
Murad então iniciou a primeira guerra Otomana com a cidade-estado de Veneza (1423 – 1430), que havia mantido relações amistosas com os sultões a fim de desenvolver uma forte posição de comércio nos domínios otomanos, mas tinha aceito Salônica (atual Tessalônica, Grécia) do Bizâncio, a fim de prevenir a expansão otomana através da Macedônia para o Mar Adriático, seu suporte de sobrevivência para o comércio com o resto do mundo. A guerra esteve indecisa por algum tempo, com Veneza desviada por conflitos na Itália e com poucos recursos para enfrentar os otomanos em terra, ao passo que os otomanos necessitavam de tempo para construir uma força naval que pudesse enfrentar Veneza. Além disso, Murad foi desviado por um esforço dos húngaros para estabelecer seu comando na Walachia, entre o Danúbio e os Alpes Transilvanianos, um movimento que inaugurou uma série de conflitos entre otomanos e húngaros, que ocupariam muito do restante do seu reinado. Finalmente, Murad conseguiu uma frota suficientemente forte para bloquear Salônica e conquistá-la em 1430, com seu exército. Ataques otomanos navais subsequentes contra portos venezianos nos mares Adriático e Egeu, forçaram Veneza, em 1432, a fazer uma paz em que ela abandonou seus esforços para evitar o avanço otomano no Adriático, mas obteve a liderança do poder comercial nos domínios do Sultão. 
Murad II, Sultão
do Império Otomano
(1421-1444 e 1446-1451)

Murad, que fora colocado no trono pelos “turcos notáveis” (que comandavam os exércitos otomanos) que haviam aderido ao Estado Otomano durante o primeiro século de sua existência, logo começou a ressentir-se do poder que eles haviam ganho de volta; o poder daqueles notáveis havia também aumentado pelos grandes novos estados que eles haviam construído nas áreas conquistadas da Europa e Anatólia. Para neutralizar seu poder, ele começou a estimular o poder de vários grupos não turcos a seu serviço, particularmente os compostos por escravos cristãos e convertidos ao islamismo, cujo braço militar foi organizado em uma nova estrutura chamada de Corpo de Janízaros[2]. Para fortalecer tal grupo, Murad começou a distribuir muitas de suas novas conquistas aos seus membros e, para adicionar novos apoiadores daquele tipo, ele desenvolveu o famoso sistema “devsirme” (sistema tributário), pelo qual jovens cristãos eram recrutados das províncias balcânicas para conversão ao Islam e serviço vitalício ao sultão. Com seu número e receita crescentes, os “homens devsirme” e seus apoiadores alcançaram um considerável poder político. Uma vez que as novas conquistas europeias estavam sendo usadas pelo sultão para fortalecer os “devsirme”, eles queriam que as conquistas prosseguissem e se expandissem, ao passo que os “turcos notáveis”, cujo poder era diminuído pelo status crescente dos “devsirme”, se opunham às conquista adicionais. Murad, desejando retornar às políticas agressivas de expansão europeia para auxiliar os “devsirme” a reduzirem o poder dos “turcos notáveis”, renovou o conflito com a Hungria na Sérvia e Walachia (região histórica da Romênia), em 1434. Aproveitou a morte de Sigismund, o rei húngaro, em 1437, para reocupar a Sérvia (exceto Belgrado) e devastar boa parte da Hungria. Anexou então a Sérvia em 1439, iniciando uma política de substituição dos vassalos com direto mando otomano por todo o Império. O controle húngaro de Belgrado tornou-se o obstáculo primeiro ao avanço em grande escala ao norte do Danúbio. Embora tendo conquistado a região em 1443, a crescente influência dos “turcos notáveis” na corte de Murad, levou o sultão a aceitar a Paz de Edirne, em 1444, por cujos termos a Sérvia recuperava sua autonomia, a Hungria mantinha Walachia e Belgrado e os otomanos prometiam cessar seus ataques ao norte do Danúbio. No mesmo ano Murad fez a paz com o Karaman, seu principal inimigo anatoliano, retirando-se para uma vida de contemplação religiosa, voluntariamente passando o trono ao seu jovem filho Mehemed II, que já mostrava suas qualidades de liderança que distinguiria seu longo reinado embora, à época, ele confiasse, principalmente, em seus apoiadores “devsirme” para aconselhamento e assistência.
Os Bizantinos e o Papa Eugênio IV aproveitaram a oportunidade criada pelo mando de um jovem e inexperiente sultão para expulsar os otomanos da Europa, organizando uma nova cruzada – junto com Hungria e Veneza – após a garantia do Papa de que eles não eram obrigados a honrar o tratado de paz assinado com os infiéis muçulmanos. Um exército cruzado se deslocou pela Sérvia através dos Balcãs, para o Mar Negro em Varna, Bulgária, onde ele seria abastecido e transportado para Constantinopla por uma frota veneziana que velejaria pelos estreitos, enquanto usavam seu poder para evitar que Murad retornasse da Anatólia com o grosso do exército otomano. Embora tendo atingido Varna, os cruzados lá ficaram retidos por uma decisão servia de se manter leal ao sultão e pela relutância veneziana de cumprir sua parte no acordo por medo de perder sua posição comercial no caso de uma vitória otomana. Brigas adicionais entre os líderes cruzados deram a Murad tempo para retornar da Anatólia e organizar um novo exército. A vitória turca na Batalha de Varna, em 10 de novembro de 1444, terminou com o mais importante esforço cruzado europeu contra os otomanos.
Murad reassumiu o trono e restaurou o poder do corpo “devsirme”, cujas insistentes demandas de conquistas o conduziram a gastar o restante do seu reinado eliminando os vassalos e estabelecendo seu mando direto em boa parte da Trácia, Macedônia, Bulgária e Grécia. No processo, ele dividiu as terras recém adquiridas em estados, cujas receitas aumentaram o poder dos “devsirme” às expensas dos turcos notáveis. Somente a Albânia resistiu, pela liderança de seu herói nacional, Skanderbeg (George Kastrioti), que foi finalmente derrotado pelo sultão na segunda Batalha de Kosovo (1448). À época da morte de Murad em 1451, a fronteira do Danúbio estava segura e parecia que o Império Otomano estava permanentemente estabelecido na Europa. Embora a vitória em Varna trouxesse mais poder ao corpo “devsirme”, o grande vizir (chefe consultor do sultão) Candarli Halil Pasa conseguiu reter uma posição dominante dos “turcos notáveis” a quem liderou pela manutenção da confiança do sultão e pela permanente divisão de seus oponentes. Em consequência, o príncipe Mehmed II tornou-se o candidato dos “devsirme” e somente com a sua ascensão eles puderam atingir o poder político e militar possível pela base financeira construída durante as duas décadas anteriores. 
Mehmed II, o conquistador
do Império Bizantino


II.2.2 – MEHMED II

Sob o comando do sultão Mehemed II, de 1451 a 1481, pouco a pouco os “devsirme” vieram a dominar e pressionar por seu desejo de novas conquistas, a fim de tirar vantagem da fraqueza europeia criada em Varna, tornando Constantinopla seu primeiro objetivo. Para Mehmed e seus apoiadores, os domínios otomanos na Europa não poderiam nunca alcançar sua plena extensão ou ser moldados em um império real, enquanto seu natural centro administrativo e cultural permanecesse fora de suas mãos. O grande vizir e outros “turcos notáveis” opuseram-se fortemente ao ataque, ostensivamente, porque ele poderia motivar a formação de uma nova cruzada, mas de fato, por seu medo de que a captura da capital bizantina pudesse trazer o triunfo final dos “devsirme”. Mehmed II construiu a Fortaleza Rumeli no lado europeu do Bósforo, a partir da qual conduziu o cerco (6 de abril a 29 de maio de 1453) e a conquista de Constantinopla. 
Localização da Fortaleza Rumeli
com relação a Istanbul
(então Constantinopla)

Vamos introduzir aqui um pequeno parêntesis que julgamos muito importante, como adicional esclarecimento para o assunto. Rumeli ou Rumélia foram as primeiras possessões otomanas nos Balcãs. O nome significa “terra dos romanos”, no caso os bizantinos, seus sucessores. Os turcos iniciaram suas conquistas nos Balcãs em meados do século XIV, quando a região era dividida em feudos de vários tamanhos administrados por oficiais de cavalaria; notáveis locais, convertidos ao islamismo também participavam da administração. A configuração administrativa da Rumélia variou frequentemente até 1846 quando a unidade da divisão administrativa foi definida como a província (ou vilayet), que foi por sua vez dividida em sancak (subprovíncias). 
Fortaleza Rumeli, cabeça de ponte
para a conquista de Constantinopla

A queda de Constantinopla foi a captura da capital do Império Bizantino pelo Império Otomano. A cidade caiu em 29 de maio de 1453, culminando com um sítio de 53 dias que havia iniciado em 6 de abril do mesmo ano. O exército atacante otomano, de longe muito mais numeroso que os defensores de Constantinopla, era comandado pelo Sultão Mehmed II (mais tarde chamado “o Conquistador”), então com 21 anos de idade, ao passo que o exército bizantino era conduzido pelo Imperador Constantino XI Palaiologos. Após conquistar a cidade, Mehmed II fez de Constantinopla a nova capital otomana, substituindo Adrianópolis. A queda de Constantinopla marcou o fim do Império Bizantino e, efetivamente, o fim do Império Romano, um estado datava de 27 AC e durara cerca de 1500 anos. A captura de Constantinopla, uma cidade que marcou o divisor entre a Europa e a Ásia Menor, também permitiu que os otomanos mais efetivamente invadissem a Europa, finalmente conduzindo a Península Balcânica ao controle otomano.
A conquista de Constantinopla com a queda do Império Bizantino foi um evento chave do final da Idade Média, sendo considerado o fim do período Medieval, permanecendo também como um ponto decisivo na história militar. Desde tempos antigos, cidades e castelos haviam dependido de aclives e muralhas para repelir invasores. Contudo, as substanciais fortificações de Constantinopla foram dominadas com o uso da pólvora, especialmente na forma de grandes canhões e bombardas.
A transformação da cidade de Constantinopla na capital otomana de Istambul marcou um importante novo estágio na história dos otomanos. Internamente, marcou o fim do poder e influência da velha nobreza turca, cujos líderes foram executados ou exilados para a Anatólia e cujas propriedades europeias foram confiscadas, bem como o triunfo dos “devsirme” e seus apoiadores em Istambul e no Oeste. Externamente, a conquista tornou Mehmed II o mais famoso mandatário do mundo muçulmano, embora as terras do antigo califado ainda permanecessem em mãos dos mamelucos do Egito e sucessores de Timur, no Irã. Além disso, a posse de Constantinopla estimulou, em Mehmed II, o desejo de ter sob o seu domínio, não apenas os mundos islâmicos e turcos, mas também recriar o Império Bizantino e, talvez, todo o mundo cristão. Para perseguir tais objetivos, Mehmed II desenvolveu várias bases de poder. Internamente, seu primeiro objetivo foi restaurar Istambul, que ele havia poupado da devastação durante a conquista, como o centro político, econômico e social que havia anteriormente dominado. Ele trabalhou para repovoar a cidade, não somente com seus habitantes originais, mas também com elementos de todos os povos conquistados do Império, cuja residência e miscigenação forneceria um modelo para um império poderoso e integrado. Atenção especial foi dada à restauração da indústria e comércio de Istambul com substanciais concessões de impostos feitas para atrair mercadores e artesãos. Enquanto milhares de cristãos e muçulmanos eram trazidos para a cidade, gregos e armênios não eram propensos a aceitar o mando muçulmano otomano e procuravam conseguir novas cruzadas europeias. Mehmed deu então especial atenção à atração de judeus da Europa Central e Oeste, onde se encontravam sujeitos a crescente perseguição. A lealdade daqueles judeus aos otomanos foi induzida pela de seus correligionários do Bizâncio, que haviam apoiado e assistido as conquistas otomanas após a perseguição de longa duração a que haviam sido submetidos pela Igreja Ortodoxa Grega e seus seguidores. Sob o mando otomano, os principais grupos religiosos tinham permissão para estabelecer suas comunidades com governo próprio, chamadas millets, cada uma mantendo suas próprias leis religiosas, tradições e língua, sob a proteção geral do sultão. Os millets eram dirigidos por chefes religiosos que serviam de líderes religiosos e seculares e assim tinham um interesse substancial na continuação do mando otomano. Mehmed usou o exército conquistador para recuperar a estrutura física da cidade. Velhos prédios foram recuperados, ruas, aquedutos e pontes foram construídos, instalações sanitárias foram modernizadas e um vasto sistema de abastecimento foi estabelecido para fornecimento de bens aos habitantes da cidade.
Mehmed também devotou muito tempo à expansão dos seus domínios na Europa e Ásia, a fim de estabelecer sua pretensão à liderança mundial. Para isso, ele eliminou os últimos príncipes vassalos que poderiam disputar seus direitos a legítimo sucessor às dinastias Bizantina e Seljuk, estabelecendo uma administração otomana direta na maioria das províncias de todo o Império. Além disso, ele estendeu o mando otomano muito além dos territórios herdados de Murad II. De 1454 a 1463 ele concentrou-se principalmente no sudeste da Europa, anexando a Sérvia (1454-55) e conquistando a Morea[3] (1458-60), assim eliminando os últimos principais pretendentes ao trono bizantino. Quando Veneza recusou entregar seus portos importantes ao longo da costa da Morea, Mehmed iniciou a segunda guerra Otomana-Veneziana (1463-1479). Em 1461 ele anexou Trebizond (também Trabzon e historicamente Trapezus, capital de província de mesmo nome da atual Turquia, margem sudeste do Mar Negro) e as colônias comerciais genovesas que haviam sobrevivido ao longo da costa do Mar Negro da Anatólia, incluindo Sinop e Kafa, iniciando o processo pelo qual os príncipes tártaros da Crimeia foram compelidos a aceitar o sultanato otomano. Em 1463 ele ocupou e anexou a Bósnia. Como a Albânia continuasse a resistir, ajudada por suprimentos enviados por mar, de Veneza, Mehmed enviou turcomanos irregulares em grande quantidade que, em processo de conquista da Albânia, lá se estabeleceram, formando o núcleo de uma comunidade muçulmana que permanece até hoje. Como o Papa e Veneza não conseguiam montar uma nova Cruzada na Europa, eles distraíram Mehmed encorajando ataques de seus inimigos do leste, o principado turcomano de Karaman e a dinastia tártara Ak-Koyunlu (“Ovelhas Brancas”), que sob a liderança de Uzun-Hasan tinha substituído os descendentes de Timur no Irã Ocidental. Mehmed, contudo, habilmente usou divisões dinásticas para conquistar o Karaman em 1468, assim estendendo o mando direto otomano na Anatólia, até o Eufrates. Quando Uzun-Hasan respondeu, invadindo a Anatólia com o apoio de muitos príncipes turcomanos que haviam sido despojados por Mehmed, Veneza intensificou seus ataques na Morea, a Hungria se deslocou à Sérvia e Skanderbeg (herói albanês) atacou a Bósnia. Mehmed, contudo, foi capaz de se defender de todos os inimigos. Em 1473 ele liquidou com Uzun-Hasan que reconheceu o mando otomano em toda a Anatólia e retornou ao Irã. Isso colocou os otomanos em conflito com o Império Mameluco da Síria e Egito que buscavam se expandir no sudeste da Anatólia. Mehmed neutralizou as foças mamelucas embora não as derrotasse. Voltou-se então para Veneza iniciando vários ataques navais ao longo da costa adriática, que conduziram à paz em 1479, pela qual Veneza entregava suas bases na Albânia e Morea e concordava em pagar um tributo anual regular em troca da restauração dos seus privilégios comerciais. Mehmed usou então sua nova força naval para atacar a ilha de Rodes e enviar uma grande força que aportou em Otranto, sul da Itália, em 1480. O sucesso era iminente, mas sua morte prematura em 1481 trouxe seu esforço a um fim. Contudo, Mehmed havia lançado as bases para o domínio otomano na Anatólia e sudeste da Europa, que sobreviveria pelos próximos quatro séculos.
Além de conquistar um enorme Império, Mehmed trabalhou para consolidá-lo e para codificar as instituições política, administrativa, religiosa e legal desenvolvidas durante o século anterior, pela promulgação de uma série de leis seculares (kanun) compiladas por assuntos em códigos legais chamados kanunnames. Contudo, a amplitude da tarefa e seu envolvimento em numerosas campanhas, retardaram o processo em tal extensão que ela só foi completada durante o século XVI. Mehmed também só teve sucesso limitado na construção das bases econômicas e sociais do seu império. Seu mais importante problema foi garantir recursos financeiros suficientes para as suas expedições militares e os novos aparatos do governo e da sociedade. Os sistemas de impostos herdados de seus predecessores não previam os recursos necessários, principalmente porque muitas das terras conquistadas tornavam-se Estados (Timars), cujos impostos revertiam integralmente aos seus detentores para serviços militares e administrativos. Mehmed então dedicou-se a vários expedientes financeiros que rapidamente atingiram seus objetivos imediatos, mas a custa de graves dificuldades econômicas e sociais. Regularmente retirava de circulação todas as moedas e emitia novas com maior proporção de ligas metálicas de baixo valor. Para forçar a aceitação das novas moedas, ele enviava bandos armados por todo o Império, com o direito de confiscar, sem compensação, todas as moedas antigas e mais valiosas que não eram voluntariamente trocadas pelas novas. A desvalorização da cunhagem logo causou inflação que muito perturbou a indústria e o comércio que o Sultão esperara promover. Além disso, em sua busca por receitas, Mehmed criou monopólios sobre a produção e o uso de bens essenciais, que distribuía entre os maiores pretendentes que, por sua vez, cobravam preços excessivamente altos e criavam escassez artificial que garantisse seus lucros. Finalmente, Mehmed estabeleceu o princípio de que toda a propriedade com produção de receita pertenceria ao Sultão. Na persecução de tal ideia, ele confiscou muita propriedade privada e terras de fundações religiosas, criando um tremendo ressentimento e oposição entre os que perderam suas receitas, incluindo membros da classe religiosa Ulama (teólogos), os “turcos notáveis” e mesmo de alguns “devsirme”, que ameaçaram minar tanto o Sultão como o Estado. Foi somente jogando um grupo contra o outro que Mehmed conseguiu manter sua própria posição e poder para continuar suas conquistas.

III – O APOGEU DO PODER OTOMANO (1481 - 1566)

Durante o século que seguiu o reinado de Mehmed II, o Império Otomano alcançou o auge do seu poder e riqueza. Novas conquistas estenderam seus domínios bem além da Europa Central e por toda a porção árabe do velho Califado Islâmico e uma nova mistura de organizações e tradições políticas, religiosas, sociais e econômicas foram institucionalizadas e desenvolvidas num todo vivo e trabalhador. 0
Bayezid II, o consolidador do
Império Otomano

O reino do sucessor imediato de Mehmed II, Bayezid II, foi em grande parte um período de descanso. As conquistas prévias foram consolidadas e muitos dos problemas políticos, econômicos e sociais causados pelas políticas internas de Mehmed foram resolvidos, deixando uma base firme para as conquistas dos sultões do século XVI. A escassez financeira, imposta para financiar as campanhas de Mehmed II, haviam conduzido o Império, durante o ano final do seu reinado, a uma virtual guerra civil entre as principais facções em Istambul, os “devsirme” e a aristocracia turca. Bayezid II foi instalado no trono pelos Janízaros, por sua dominação militar da capital, enquanto seu irmão mais militante, Cem, fugiu para a Anatólia onde preparou uma revolta inicialmente apoiada pelos “turcos notáveis”. Bayezid tentou a conciliação expondo a eles seus planos essencialmente pacíficos, o que minorou a influência dos “devsirme”, deixando Cem sem apoio importante e obrigando-o a fugir então, em exílio, para a Síria mameluca, no verão de 1481. Ele retornou no ano seguinte com a ajuda dos mamelucos e o último governante turcomano do Karaman, mas seu esforço para garantir o apoio dos nômades turcomanos falhou por sua atração às políticas religiosas heterodoxas de Bayezid. Cem permaneceu no exílio, primeiro na corte dos Cavaleiros Cruzados de Rhodes e então com o Papa, em Roma, até sua morte em 1495. Os esforços europeus para usá-lo como ponta de lança de uma nova cruzada para recuperar Istambul fracassaram. Enquanto isso, a ameaça de que Cem pudesse liderar o ataque estrangeiro, compeliu Bayezid a concentrar-se numa consolidação interna. A maior parte das propriedades confiscadas por seu pai para campanhas militares, foi devolvida aos seus antigos proprietários. Impostos iguais foram estabelecidos por todo o Império de maneira que todos os súditos pudessem cumprir suas obrigações com o governo sem o tipo de interrupção ou insatisfação que caracterizavam o antigo regime. Particularmente importante foi o estabelecimento do imposto do “tesouro de guerra”, que arcava com as despesas extraordinárias de guerra sem confiscações especiais ou pesadas taxações. O valor da cunhagem foi restaurado e os planos de expansão econômica de Mehmed II finalmente se concretizaram. Para isso, milhares de judeus expulsos da Espanha pela Inquisição durante o verão de 1492, foram encorajados a imigrar ao Império Otomano. Eles se estabeleceram principalmente em Istambul, Salônica (atual Tessalônica, Grécia) e Edirne, onde se juntaram aos seus irmãos de religião, numa idade áurea do Judaísmo Otomano que durou até o século XVII, quando o declínio otomano e a ascensão do poder dos diplomatas e mercadores europeus permitiu-lhes promover os interesses dos súditos cristãos do Sultão às expensas dos muçulmanos e judeus igualmente. Bayezid II completou os esforços iniciados por Mehmed II para substituir os vassalos com administração direta otomana por todo o Império. Pela primeira vez o governo central operava regularmente sob um orçamento equilibrado. Culturalmente, Bayezid estimulava uma forte reação contra as tendências de cristianização da primeira metade do século. A língua turca e as tradições muçulmanas foram enfatizadas.
Embora Bayezid preferisse manter a paz – para ter tempo e recursos para concentrar no seu desenvolvimento interno – ele foi forçado a realizar um bom número de campanhas pelas exigências do período e pelas demandas de seus seguidores “devsirme” mais combativos. Na Europa, ele completou o Império ao sul dos rios Danúbio e Sava, tomando Herzegovina (1483), ficando apenas Belgrado fora do comando Otomano. O rei húngaro Matthias Corvinus (reinou entre 1458 e 1490) estava principalmente interessado no estabelecimento do seu controle sobre a Bohemia e concordou na paz com os otomanos (1484); após a sua morte, conflitos pela sucessão deixaram aquela frente relativamente calma pelo restante do reinado de Bayezid. Para o nordeste, o sultão estendeu o território otomano ao norte do Danúbio, ao longo das margens do Mar Negro, capturando em 1484, os portos de Kilia (atual Kiliya) e Akkerman (Bilhorod-Dnistrovskyy) – ambos no que é hoje a Ucrânia – que controlavam as fozes do Danúbio e do Dniester. Assim, os otomanos controlavam os principais entrepostos do comércio do norte da Europa com o Mar Negro e o Mediterrâneo. Esses avanços conflitaram com as ambições da Polônia e a guerra aconteceu, até que as ameaças de Moscou, sob Ivan III, sobre a Polônia, deixassem também aquela frente calma após 1484.
Bayezid então virou-se para o leste, onde as conquistas anteriores até o rio Eufrates haviam levado os otomanos até o Império Mameluco. O controle sobre o pequeno principado turcomano de Dulkadir e o desejo otomano de disputar com os muçulmanos o controle das cidades santas de Mecca e Medina, conduziu a uma guerra intermitente entre 1485 e 1491, inconclusiva, que conduziu à dissenção crítica por parte dos seus seguidores mais aguerridos. Para se opor a isso, Bayezid apoiou as lutas internas húngaras para tomar Belgrado, sem sucesso. Forças enviadas à Transilvânia, Croácia e Carinthia (atual Áustria) foram rechaçadas. Em 1495 Cem morreu e uma nova paz com a Hungria esvaziou os objetivos de Bayezid que então voltou-se contra Veneza, seu outro principal inimigo europeu, que encorajava revoltas contra o sultão em várias regiões. Em 1489 Veneza ganhara o controle de Chipre, construíra uma importante base naval, recusando a Bayezid o seu uso contra os Mamelucos e usando-a como base para ataques piratas contra navios e praias otomanas. Na guerra que se seguiu contra Veneza (1499-1503), todos os objetivos de Bayezid foram alcançados, com exceção da ilha de Chipre. A frota otomana emergiu, pela primeira vez, como o principal poder naval do Mediterrâneo e os otomanos tornaram-se uma parte integrante das relações diplomáticas europeias. 
Selim I, ampliador do
Império Otomano

Bayezid nunca pôde usar a situação para fazer novas conquistas na Europa porque novas revoltas na Anatólia oriental ocuparam muito de sua atenção durante os últimos anos de seu reinado. No final, a natureza crescentemente mística e pacífica de Bayezid, levaram os Janízaros a destroná-lo em favor de seu aguerrido e ativo filho Selim I.
Durante o século XVI a expansão do Império Otomano prosseguiu com a derrota dos Mamelucos no Egito e Síria, em 1517, Algiers em 1518 e Hungria em 1526 e 1541. Além disso, partes da Grécia também caíram sob o controle dos otomanos no século XVI. 
O ápice do Império Otomano

Em 1535, o reinado de Suleiman I começou e a Turquia ganhou mais poder do que já tinha tido sob seus líderes precedentes. Durante o reinado de Suleiman I, o sistema jurídico turco foi reorganizado e a cultura turca cresceu significativamente. Com sua morte, o Império começou a perder força quando o seu poder militar foi derrotado durante a Batalha de Lepanto, em 1571, pela “Liga Santa” (formada por potências cristãs do Mediterrâneo), que definitivamente impediu sua influência para o oeste e marcou o início da queda do Império Otomano. 
Suleiman I, o imperador do
auge do Império Otomano


IV – CONCLUSÃO

O objetivo principal desta postagem, como explicado em nossa introdução, era mostrar aos leitores a origem de império tão formidável a ponto de conseguir derrubar de uma vez por todas o Império Romano, que sobreviver a mais de quinze séculos. Consideramos que isto tenha sido conseguido e apresentamos a seguir apenas mais algumas muito resumidas linhas, até a constituição da República da Turquia. O permanente declínio do Império Otomano ocorreu com participações importantes em várias guerras, que incluíram a Guerra da Crimeia e a Primeira Guerra Mundial quando, derrotado em todas as frentes de batalha, assinou o Armistício de Mudros em 30 de outubro de 1918. A divisão do Império Otomano foi finalizada sob os termos do Tratado de Sèvres que, projetado na Conferência de Londres, permitiu ao Sultão reter sua posição e título. O status da Anatólia tornou-se problemático dada a ocupação aliada de Constantinopla e Smirna, quando ocorreu uma oposição nacionalista no Movimento Nacional Turco, que acabou vencendo a Guerra Turca de Independência (1919-1923), sob a liderança de Mustafá Kemal. O Sultanato foi abolido em 1º de novembro de 1922 e o último Sultão, Mehmed VI (reinou de 1918 a 1922) deixou o país em 17 de novembro de 1922. A nova e independente Grande Assembleia Nacional da Turquia foi internacionalmente reconhecida com o Tratado de Lausanne, em 24 de julho do mesmo ano e oficialmente declarada a República da Turquia em 29 de outubro de 1923, com sua nova capital em Ankara. O Califado foi constitucionalmente abolido vários meses após, em 3 de março de 1924.

[1] Um vassalo, na sociedade feudal ou feudalismo (termo historiográfico que designa as condições social, econômica e política na Europa Ocidental durante o início da Idade Média, longo período de tempo entre os séculos V e XII), era alguém investido com um feudo (pedaço de terra) como recompensa por serviços prestados a um lorde superior. Alguns vassalos não possuíam feudos e viviam na corte de seus lordes como cavaleiros da corte. Alguns vassalos que recebiam seus feudos diretamente da coroa, eram usuários principais e formavam o mais importante grupo feudal, os barões.

[2] Significando “nova força” ou “novos soldados”, eram membros de uma força de elite no exército permanente do Império Otomano. Altamente respeitados por sua bravura militar nos séculos XV e XVI, os Janízaros tornaram-se uma poderosa força política dentro do estado otomano. Durante períodos de paz eles eram usados como guarnições de cidades de fronteira e polícia da capital. Constituíram o primeiro exército permanente moderno na Europa.

[3] O Despotado da Morea era um principado autônomo localizado no Peloponeso Grego (Morea). Foi estabelecido no meio do século XIV pelo imperador bizantino João VI Cantacuzenus (que reinou entre 1347 e 1354), como um apanágio ao seu filho Manuel Cantacuzenus, que consolidou seu território contra as pretensões dos latinos (europeus ocidentais) e as investidas dos turcos.

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