Homenagem ao lendário herói ancestral dos ingleses que deu título a um dos considerados "Cem Maiores Livros do Mundo" e tido como o mais antigo escrito em "Old English".

terça-feira, 25 de agosto de 2009

VISITA AO PASSADO

Pois vinha eu voltando - com minha esposa e o Nelson Jr. -, de uma de nossas viagens de Porto Alegre a Florianópolis, via Gramado, evitando a “Rota do Sol”, que em pouquíssimo tempo transformou-se numa verdadeira “Rota do Inferno”, devido ao péssimo estado de conservação em que se encontra quando, propositalmente evitando o pedágio da “Free-Way” (BR-290), como uma espécie de vingança, desemboco na estrada RS-030, antiga estrada que utilizávamos para fazer o caminho de Porto Alegre para as praias gaúchas, em nossos tempos de criança.
Essa estrada, hoje obsoleta em termos de aproveitamento da população como caminho às praias do norte do Rio Grande do Sul, sai de Porto Alegre, em direção ao norte, passa por Gravataí, Santo Antônio da Patrulha e Osório, quando inflete para o leste em direção a Tramandaí, uma das cidades balneárias mais concorridas em meus tempos de guri. Nosso curto passeio por parte dessa estrada, apenas utilizando o trecho de Santo Antônio até Osório, onde depois a abandonamos para encontrar a nova RS-389 (também chamada Estrada do Mar) e por ela prosseguir até Torres, trouxe-nos rapidamente à memória uma pequena fração de tempos que há muito já ficaram para trás. E porque um de nossos filhos estava conosco, minha esposa e eu resolvemos realmente transformar o curto espaço de tempo em que transitamos por essa estrada, numa pequena viagem ao passado, a ele contando fatos ocorridos naquela época e mesmo parando numa daquelas bancas tão conhecidas que ainda a margeiam, para comprar algumas especiarias da região.
É muito curioso como a memória retém com tanta clareza, alguns fatos ocorridos no passado. Com certeza absoluta eu não tinha mais de dezessete anos quando fui pela última vez a alguma de nossas praias por aquela estrada antiga; entretanto lembro-me perfeitamente daquele percurso e das peripécias que nele ocorriam, como se fosse ontem. Era - e é -, uma estrada simples com uma pista estreita de ida e outra de volta, que muito mal permitia qualquer ultrapassagem, principalmente devido ao tráfego intenso e pela grande quantidade de caminhões pesados que nela trafegavam. Durante os meses de verão o tráfego era, em geral, muito intenso, particularmente nos fins de semana quando os veranistas das praias mais próximas viajavam às sextas-feiras para a orla marítima e aos domingos à noite ou às segundas-feiras pela manhã para Porto Alegre. Nessas ocasiões a estrada se transformava numa fila ininterrupta, e muitas vezes estática, de automóveis e caminhões, onde a ultrapassagem era absolutamente impossível. Nessas condições, era também impossível prever o tempo necessário para realizar, por exemplo, o percurso entre Porto Alegre e Tramandaí.
Entretanto, apesar da precariedade da viagem, como em quase tudo que acontece quando se tem aquela idade, tanto a ida como a volta se transformavam sempre numa enorme farra, com muita alegria. O assunto começava com a forma então definida para realizar o controle de velocidade dos automóveis que trafegavam no percurso. A bem da verdade, naquele tempo, com os modelos de carro existentes e suas idades, em geral, nem seria muito necessário um controle de velocidade. Mas ela era realizada e muito eficientemente. Existiam, ao longo de toda a estrada, alguns “postos de controle” onde era entregue ao motorista um cartão oficial onde era registrada a hora da passagem no posto bem como a hora (mínima) da chegada no posto seguinte, calculada com base na distância conhecida entre os dois postos e a velocidade máxima permitida de 80 km/h. Se o motorista chegava antes da hora determinada, a multa pegava. A máxima burla que o motorista conseguia, era correr mais do que o limite entre os postos e depois parar algum tempo para deixar o tempo passar; convenhamos que não era uma grande vantagem, mesmo que o guarda rodoviário não desse o flagrante no motorista parado e fosse lhe pedir explicações. O processo se repetia entre os pares de postos até o destino final de cada família.
Um pouco além da metade do caminho, havia a paragem obrigatória na pequena cidade de Santo Antônio da Patrulha, para o sonho com café ou refrigerante. Ah! Aquele sonho era inesquecível e esperado como um dos grandes acontecimentos da temporadas das praias.Ele era praticamente oco, com muito acúcar e canela por fora e tinha um sabor inigualável. Até hoje sinto o gostinho daqueles sonhos na boca. Logo após Santo Antônio existia uma grande fábrica de açúcar conhecida como AGASA (acho que era Associação Gaúcha de Açúcar S/A), pois a região era conhecida como produtora de cana de açúcar e todos os seus derivados como o caldo de cana, rapadura, melado, cachaça etc.além do acúcar, primeiro produto (naquele tempo não se falava em álcool como combustível de automóveis).
E se a viagem já era boa sem a namorada, imaginem em sua companhia! Eu veraneava em Tramandaí e ela em Arroio Teixeira, distando uma meia hora além de Capão da Canoa. Naquele tempo não eram todas as praias que tinham acesso direto por estrada. Por exemplo, Tramandaí, Capão e Torres, eu me lembro que tinham, mas não me lembro de outras que tivessem. As praias que não tinham acesso direto eram atingidas através de uma praia mais importante, às vezes num bom trecho, pela beira da praia. É isso mesmo, a estrada era a areia da praia e é muito fácil de perceber que se o tempo estivesse ruim ou houvesse uma ressacada ou vento desfavorável, essa viagem se tornava inviável: perdia-se um carro na areia do mar em coisa de uma hora se ele chegasse a parar na beira da praia. Para se chegar a Arroio Teixeira, ia-se por estrada até Capão da Canoa e daí pela beira da praia por meia hora ou pouco mais. As famílias iam sempre com os carros abarrotados, pois os recursos eram mais escassos e caros nas cidades litorâneas e, em geral, elas passavam a temporada de verão (época dos três maravilhosos meses de férias) na praia. Meu futuro sogro tinha sempre a sua casa de praia cheia nessa época e eu era, indiscutivelmente, um dos "perús" mais assíduos. Nessas ocasiões, ele usava um Jeep que rebocava um pequeno carrinho com todo a carga e não foram poucas as oportunidades em que fizemos aquele percurso de três horas e mais de viagem chacoalhando dentro daquele arremedo de carro.  Mas como era divertido! E como era muito mais fácil encontrar diversão naquela época!

Quando iniciei essa crônica, era bem outro o meu objetivo principal. Entretanto uma visita ao passado deixa sempre essa possibilidade ao alcance. A gente entra e não quer sair mais por força das lembranças que são tantas e tão vivas. Foi muito boa essa rápida visita ao nosso passado. O assunto principal terá que esperar pela próxima crônica.

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