Homenagem ao lendário herói ancestral dos ingleses que deu título a um dos considerados "Cem Maiores Livros do Mundo" e tido como o mais antigo escrito em "Old English".

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

INCURSÃO NA GRAMÁTICA

De início já informo que este não é o meu forte. Se é que possuo algum...
Entretanto, tendo ouvido tanta barbaridade relacionada ao uso do infinitivo, na linguagem escrita ou falada, vinda de todos os setores – personalidades da mídia, políticos (estes, os mais freqüentes, mas quem estranha?) e outros – que resolvi fazer uma pequena incursão na gramática para aprender um pouco daquilo que apenas intuitivamente utilizei até hoje. Para descanso dos leitores, informo que na matéria não há qualquer invenção minha. O meu trabalho foi apenas coletar informação de algumas referências “de notório saber” e organizá-las, de forma a tornar mais simples e fácil a leitura e o seu entendimento.
No texto que segue, coloquei em fonte azul as explicações que, embora não se refiram explicitamente ao uso do infinitivo propriamente dito, creio serem necessárias para o bom entendimento da matéria como um todo. Os exemplos do uso do infinitivo, corretos ou não, foram colocados em vermelho para que sobre eles não reste qualquer dúvida. Feitas as preliminares, vamos ao que interessa ...


Inicialmente devo dizer que a escolha da forma infinitiva depende se desejamos cogitar somente da ação ou se desejamos pôr em evidência o agente da ação: no primeiro caso, damos preferência ao infinitivo não flexionado; no segundo, ao flexionado.

As flexões dos verbos são as variações que eles apresentam para indicar número, pessoa, modo, tempo e voz. Portanto, quando se fala em infinitivo não flexionado, se está querendo dizer apenas o uso do verbo no infinitivo impessoal.

Isto quer dizer que, muitas vezes, a opção entre a forma flexionada ou não flexionada é estilística e não gramatical. Quando o que mais importa é a ação, prefere-se a forma não flexionada; quando se quer dar realce ao agente da ação, usa-se a forma flexionada. Entretanto, em determinadas situações, há proibição ou obrigatoriedade de determinada construção.


Assim, é obrigatório o uso do infinitivo impessoal nas locuções verbais, e nelas não é lícito flexionar o infinitivo. Exs.:
a) "Os magistrados não podem fazer sozinhos o trabalho de administrar a justiça" (correto);
b) "Os magistrados não podem fazerem sozinhos o trabalho de administrar a justiça" (errado).

A locução verbal é uma construção formada por um verbo auxiliar (conjugado) + verbo principal (no infinitivo, gerúndio ou particípio). A locução constitui um todo, os verbos auxiliares apenas indicam as flexões.

Exemplo: Estava indo; Começaram a falar.

Entre as locuções verbais incluem-se os tempos compostos, formados pelos verbos auxiliares ter ou haver, seguidos do particípio do verbo que se quer conjugar.


É erro muito comum a utilização do infinitivo flexionado nesses casos, sobretudo quando, entre o verbo auxiliar e o verbo principal, existem outras palavras. Exs.:
a) "Os magistrados não podem, sozinhos, sem a participação de todos os segmentos envolvidos, fazerem o trabalho de administrar a justiça" (errado);
b) "Os magistrados não podem, sozinhos, sem a participação de todos os segmentos envolvidos, fazer o trabalho de administrar a justiça" (correto).


A esse respeito, Cândido de Figueiredo lembra o seguinte exemplo, encontrado em livro moderno, premiado oficialmente: "Podem entretanto esses serviços serem estabelecidos..."; e complementa: "Podem serem... não é linguagem de cá". Nem de cá, nem de lá, nem de lugar algum.


Em geral, quando os verbos componentes da locução estão próximos e o auxiliar é normalmente flexionado, é menos comum o equívoco de flexão, sendo, assim, incomum um erro como "As certidões deverão acompanharem o traslado da escritura".
Todavia, quando os verbos da locução se distanciam, a possibilidade de erro se acentua bastante, como ocorre no seguinte emprego equivocado: "As certidões deverão, sob pena de invalidade do ato e impedimento para o registro, acompanharem o traslado da escritura" (corrija-se para: deverão... acompanhar).

A possibilidade de erro aumenta quando, na locução verbal, o auxiliar se apresenta em forma invariável (como um gerúndio, por exemplo). Nesse campo, aliás, até dispositivos de lei acabam resvalando para o abismo dos equívocos, como se vê no seguinte caso: "O tabelião fica desobrigado de manter, em cartório, o original ou cópias autenticadas das certidões mencionadas nos incisos III e IV, do art. 1°, desde que transcreva na escritura pública os elementos necessários à sua identificação, devendo, neste caso, as certidões acompanharem (o correto seria acompanhar) o traslado da escritura" (art. 2° do Decreto 93.240, de 9.11.86, que regulamentou a Lei 7.433, de 18.12.85, que dispôs sobre os requisitos para lavratura de escrituras públicas). Um simples exercício de junção dos termos da locução verbal revela a necessidade de correção: ...devendo acompanhar... as certidões o traslado da escritura.


Também se emprega o infinitivo impessoal, se o sujeito do infinitivo é pronome oblíquo átono. Ex.: "Deixei-os sair".

Os pronomes pessoais oblíquos são aqueles que, na sentença, exercem a função de complemento verbal, ou seja, objeto direto ou objeto indireto. Na verdade, o pronome oblíquo é uma forma variante do pronome pessoal do caso reto. Essa variação na forma do pronome indica tão somente a função diversa que eles desempenham na oração: o pronome reto marca o sujeito da oração; o pronome oblíquo marca o complemento verbal da oração. Os pronomes oblíquos sofrem variação de acordo com a acentuação tônica que possuem. Dessa forma eles podem ser átonos ou tônicos.

Pronomes oblíquos átonos são aqueles cuja acentuação tônica é fraca. Os pronomes oblíquos átonos apresentam flexão de número, gênero e pessoa (apenas na terceira pessoa), sendo essa última a principal flexão porque marca a pessoa do discurso. Dessa forma, o quadro dos pronomes oblíquos átonos é assim configurado:
- 1ª pessoa do singular (eu):me
- 2ª pessoa do singular (tu):te
- 3ª pessoa do singular (ele, ela): o, a, lhe
- 1ª pessoa do plural (nós):nos
- 2ª pessoa do plural (vós):vos
- 3ª pessoa do plural (eles, elas): os, as, lhes
O lhe é o único pronome oblíquo átono que já se apresenta na forma contraída, ou seja, houve a união entre o pronome o ou a e preposição a ou para. Por acompanhar diretamente uma preposição, o pronome lhe exerce sempre a função de objeto indireto na oração. Os demais pronomes átonos em geral funcionam como objeto direto.

Pronomes oblíquos tônicos são aqueles cuja acentuação tônica é forte. O quadro dos pronomes oblíquos tônicos é assim configurado:
- 1ª pessoa do singular (eu): mim, comigo
- 2ª pessoa do singular (tu): ti, contigo
- 3ª pessoa do singular (ele, ela): ele, ela
- 1ª pessoa do plural (nós): nós, conosco
- 2ª pessoa do plural (vós): vós, convosco
- 3ª pessoa do plural (eles, elas): eles, elas


Aplica-se também o infinitivo impessoal, se o infinitivo não se refere a sujeito específico. Ex.: "Navegar é preciso".


Por fim, usa-se o infinitivo impessoal, se tal infinitivo funciona como complemento de adjetivo. Ex.: "Ordens difíceis de obedecer".

Já o infinitivo pessoal é usado, se o infinitivo tem sujeito diferente do sujeito da outra oração. Ex.: "O magistrado repreendeu os patronos, por não procederem com urbanidade na audiência".


Também se emprega o infinitivo pessoal como recurso para indeterminar o sujeito. Ex.: "Ouvi falarem inverdades por aí".


Silveira Bueno resume algumas regras para o uso do infinitivo, quer pessoal, quer impessoal.
I) "Quando na frase o verbo principal e o verbo infinito tiverem o mesmo sujeito, o infinitivo deve ser impessoal". Ex.: "Queremos ser felizes".

II) "Quando os dois verbos possuem sujeitos diferentes, usa-se o modo pessoal". Ex.: "Napoleão viu caírem as armas das mãos de seus soldados".


III) Neste último caso, porém, "quando a frase do infinito serve de objeto direto ao verbo principal, podemos empregar o infinito impessoal ainda que ambos tenham sujeitos diferentes", opção essa que fica à escolha do usuário. Ex.: "Napoleão viu cair as armas das mãos de seus soldados".


Finalmente, para comprovar a complexidade da matéria, Artur de Almeida Torres ensina que "o infinitivo poderá variar ou não, a critério da eufonia, se vier precedido das preposições sem, de, a, para ou em". Exs.:


a) "Vamos com ele, sem nos apartar um ponto" (Padre Antônio Vieira);


b) "... os levavam à pia batismal sem crerem no batismo" (Alexandre Herculano);

c) "Careciam de obstar a que se escrevesse o que faltava do livro" (Alexandre Herculano);


d) "Os manuscritos de Silvestre careciam de serem adulterados" (Camilo Castelo Branco);


e) "Obrigá-los a voltar o rosto contra os árabes" (Alexandre Herculano);


f) "... obrigava a trabalharem gratuitamente" (Alexandre Herculano);


g) "... fanatizados que aparecem sempre para justificar o bom quilate da novidade" (Camilo Castelo Branco);


h) "... tantos que nasceram para viverem uma vida toda material" (Alexandre Herculano).


Desta feita era isso. Espero que tenham se divertido e que esse material tenha alguma finalidade para vocês. Se ele ajudar a diminuir as atrocidades que se cometem todos os dias contra a língua mãe, eu estarei mais um pouco realizado.

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