Homenagem ao lendário herói ancestral dos ingleses que deu título a um dos considerados "Cem Maiores Livros do Mundo" e tido como o mais antigo escrito em "Old English".

sábado, 19 de novembro de 2011

“FAUSTO” COM TODAS AS SUAS IMPLICAÇÕES (QUARTA E ÚLTIMA PARTE)

IV – A ÓPERA DE BERLIOZ

A Danação de Fausto, Opus 24, é um trabalho para quatro vozes solo, sete partes de coro completo, um grande coro de crianças e orquestra, elaborado pelo compositor francês Hector Berlioz. Denominada por ele “lenda dramática”, a obra foi pela primeira vez encenada em 6 de dezembro de 1846, no “Opéra Comique”, em Paris.

Hector Berlioz
 O compositor francês foi inspirado por uma tradução do poema dramático Fausto, de Goethe, e produziu uma obra musical que, como o trabalho original em que se baseou, desafia uma categorização simples. Concebida como como um oratório em forma livre e como uma ópera, sua forma de narrativa de viagem e perspectiva cósmica, tornaram um desafio extremo a sua encenação como ópera. O próprio Berlioz estava ansioso por vê-la encenada, mas uma vez que a viu, admitiu que as técnicas de produção do seu tempo não tinham condições de trazer a obra à vida dramática. A maior parte de sua fama veio das apresentações de concertos.
Berlioz impressionou-se tanto com o trabalho de Goethe que o seu Opus 1 (1829) foi uma suíte chamada “Oito Cenas de Fausto”, embora mais tarde ele tenha recolhido todas as cópias que pode encontrar. Em 1845 ele retornou ao material, para ampliá-lo, com algum texto adicional de Almire Gandonnière às especificações de Berlioz, que ele primeiro chamou de “ópera concerto” e então expandiu para a sua “lenda dramática”.
Sua primeira apresentação não teve aclamação crítica, o público esteve apático e duas apresentações (além de uma terceira cancelada), renderam a Berlioz um revés financeiro inesperado.
A Danação de Fausto é apresentada regularmente em salas de concerto, desde a sua primeira apresentação completa, de sucesso, em 1877, em Paris. Foi encenada como ópera, pela primeira vez, em 18 de fevereiro de 1893, na “Opéra de Monte Carlo”, produzida por seu diretor Raoul Gunsbourg, com Jean de Reszke cantando o papel de Fausto. O “Metropolitan Opera” estreou a obra como concerto em 2 de fevereiro de 1896 e então no palco, em 7 de dezembro de 1906. E desde então, as apresentações sempre foram um sucesso.
O elenco da apresentação de 6 de dezembro de 1846, sob a condução do autor Hector Berlioz, foi o seguinte:

PERSONAGEM     TIPO DE VOZ      ATOR
Margarete                                   Mezzo Soprano                       Hortense Dufflot Maillard
Fausto                                        Tenor                                       Gustave Hippolyte Roger
Mefistófeles                                 Barítono ou Baixo                   Léonard Hermann-Léon Brander
Um Estudante                             Baixo                                       Henry Deshaynes

Camponeses, gnomos e sílfides, soldados e estudantes, demônios e condenados, espíritos celestiais.


IV-1 ENREDO DA ÓPERA

PRIMEIRA PARTE
O velho sábio Fausto contempla a renovação da natureza. Ouvindo camponeses cantar e dançar, ele vê que a simples felicidade deles é algo que nunca experimentará. Um exército marcha próximo (Marcha Húngara). Fausto não entende porque os soldados são tão entusiasmados pela glória e a fama.

SEGUNDA PARTE
Deprimido, Fausto retornou ao seu estúdio. Mesmo a busca pela sabedoria não é mais capaz de inspirá-lo. Cansado da vida ele está prestes a cometer suicídio quando o som de sinos de igreja e um hino da Páscoa o relembra da sua juventude, quando ele ainda possuía fé na religião. Subitamente Mefistófeles aparece, ironicamente comentando sobre a aparente conversão de Fausto. Ele se oferece para leva-lo a uma jornada, prometendo-lhe a restauração da sua juventude, o conhecimento e a satisfação de todos os seus desejos. Fausto aceita.
Mefistófeles e Fausto chegam à taverna de Auerbach, em Leipzig, onde Brander, um estudante, canta uma canção sobre um rato cuja boa vida, em uma cozinha, termina com uma dose de veneno. Os demais convidados retrucam com um irônico “Amém” e Mefistófeles continua com uma outra canção sobre uma pulga que traz seus parentes para infestar uma completa corte real (Canção da Pulga). Desgostoso com a vulgaridade de tudo aquilo, pede para ser levado a outros lugares.
Numa relva do rio Elba, Mefistófeles mostra a Fausto uma visão de sonho de uma linda moça chamada Margarete, fazendo com que Fausto se apaixone por ela. Mefistófeles promete conduzir Fausto a ela. Junto com um grupo de estudantes e soldados, eles entram na cidade onde ela vive.

TERCEIRA PARTE
Fausto e Mefistófeles se escondem no quarto de Margarete. Fausto sente que encontrará nela seu ideal de uma mulher pura e inocente (Obrigado, doce crepúsculo). Margarete entra e canta uma balada sobre o Rei de Thule, que sempre permaneceu tristemente fiel ao seu amor perdido (Outrora, um Rei de Thule). Mefistófeles convoca os espíritos para encantar e enganar a moça e canta uma serenata sarcástica de fora de sua janela, profetizando sua perda da inocência. Quando os espíritos desaparecem, Fausto entra. Margarete admite ter sonhado com ele, da mesma forma que ele com ela; e eles declaram o seu amor recíproco. Mefistófeles então irrompe, avisando-lhes que a reputação da moça deve ser preservada: os vizinhos ficam sabendo que há um homem no quarto de Margarete e chamam sua mãe para a cena. Após um apressado adeus, Fausto e Mefistófeles saem.

QUARTA PARTE
Fausto seduz e então abandona Margarete, que ainda espera por seu retorno (A ardente chama do amor). Ela ouve soldados e estudantes à distância, que a lembram da primeira noite em que Fausto foi à sua casa. Mas desta vez, Fausto não está entre eles. Fausto invoca a natureza para curá-lo da sua exaustão do mundo (Natureza imensa, impenetrável e feroz). Mefistófeles aparece e lhe diz que Margarete está na prisão. Acidentalmente, ela havia dado à sua mãe uma poção para dormir, em quantidade exagerada, causando a sua morte e, por isso, seria enforcada no dia seguinte. Fausto entra em pânico, mas Mefistófeles alega que pode salvá-la, se Fausto renunciar à sua alma em seu favor. Incapaz de pensar em qualquer coisa além de salvar Margarete, Fausto concorda. Os dois cavalgam um par de cavalos negros.
Imaginando que estão indo salvar Margarete, Fausto fica aterrorizado quando vê aparições demoníacas. A paisagem torna-se mais e mais horrível e grotesca e Fausto  finalmente vê que Mefistófeles o havia conduzido diretamente ao inferno. Demônios e espíritos codenados saúdam Mefistófeles numa linguagem infernal misteriosa e dão as boas vindas a Fausto. O inferno cai em sepulcral silêncio após a chegada de Fausto e os tormentos que ele sofre são inexprimíveis. Margarete é salva e saudada no Céu.
V - CONCLUSÃO

Sendo um arquétipo da alma humana, o mito de Fausto jamais se esgotou, simbólica e literariamente, de modo que diversos artistas, contemporâneos e posteriores a Goethe, reagiram criativamente à personagem.
Na área literária, o poeta russo Puchkin escreveu, em 1826, um Fausto notável pelo diálogo com Mefistófeles. Christian Dietrich Grabbe também compôs, em 1836, uma tragédia onde confrontava Don Juan e Fausto. No século XX, o poeta francês Paul Valéry escreveu a peça Mon Fausto (Meu Fausto), sem todavia concluí-la. Em seguida foi a vez do poeta português Fernando Pessoa escrever Fausto: Uma Tragédia Subjectiva, inusitadamente narrado na primeira pessoa. Posteriormente, Thomas Mann publicou seu romance Doktor Faustous, em 1947. Recentemente, em 2008, o escritor Rafael Dionísio lançou os seus Cadernos de Fausto, revisitando também este mito. Fausto também foi tema para as peças musicais de vários compositores clássicos como Wagner (Fausto), Schumann (Szenen aus Goethes Fausto), Liszt (Fausto-Symphonie), além dos já mencionados Gounod (Fausto) e Berlioz (La Damnation de Fausto). Desta última, há também um sem número de gravações de três de suas secções: a Marcha Húngara, o Balé das Sílfides e o Minueto das Fadas.
Todos os assuntos relacionados ao mítico Fausto ainda foram e continuam a ser mencionados em filmes modernos, contos e até mesmo histórias em quadrinhos, como foi o caso do famoso personagem-detetive Tim-Tim. Entretanto, considero que o material apresentado nessa postagem é mais do que suficiente para mostrar aos nossos leitores que, quando uma obra verdadeiramente apresenta valor real, a humanidade é capaz de reconhece-la e preservá-la por séculos, como é o caso da lenda de Fausto. Infelizmente, imagino serem muito poucos os trabalhos da presente época, que possuem a pretensão a semelhante reconhecimento.
A minha curiosidade sobre o assunto foi satisfeita. Sinceramente espero que o mesmo tenha sucedido com relação ao meu amigo Raul Mesquita. E na próxima vez que alguém nos pergunte quem é o autor de Fausto, possamos responder, com toda a propriedade: “Qual deles?”

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