Homenagem ao lendário herói ancestral dos ingleses que deu título a um dos considerados "Cem Maiores Livros do Mundo" e tido como o mais antigo escrito em "Old English".

terça-feira, 8 de março de 2016

A REVOLUÇÃO RUSSA DE 1917 (Parte 10 - Última)

X - CONCLUSÃO


E aqui encerramos esta verdadeira empreitada. Mais longe não importa ir, já que o objetivo da postagem era apenas a Revolução Russa. O que segue é a continuação de um regime que se foi gradativamente atenuando, com uma brusca reviravolta ao final da década de 1980, em direção a um capitalismo econômico, embora ainda mantendo um sistema autoritário de governo, com imprensa controlada e restos do famoso regime comunista, relativamente recente e plenamente documentado para uma busca fácil. Entretanto, à guisa de conclusão, eu gostaria de colocar uma séria pergunta aos meus leitores, para motivar uma discussão adicional: A Revolução Russa terá valido à pena?
Em primeiríssimo lugar, eu mesmo que coloco a pergunta já me antecipo e digo que de pouco adianta colocar essa questão, porque ela, boa ou ruim, de fato aconteceu e nada mais se pode fazer a respeito, além do fato de que uma quantidade significativa de pessoas pondera que “nada neste mundo acontece por acaso”.
Em segundo lugar, tal questão deveria ser colocada ao povo russo e a mais ninguém, porque foi ele que sofreu a revolução e porque, segundo os líderes revolucionários, foi em nome desse povo russo que ela foi realizada. É conversa aceita, em geral pelos profissionais revolucionários, que as revoluções são produto do povo. Entretanto, é muito fácil de entender, que Povo nenhum faz revoluções se não contar com líderes carismáticos e, principalmente, sem meios materiais importantes: armas principalmente, mas também transportes, meios de comunicação, alimentos e recursos financeiros. Na minha modestíssima opinião, a revolução russa não teria sequer acontecido – e muito menos saído vitoriosa – se os seus líderes não se tivessem aproveitado do fato de que a Rússia estava participando da Primeira Guerra Mundial. E, na falta de outras provas, a maior delas foi o fracasso de todos os seus movimentos anteriores visando melhorar as condições de vida do atrasado povo russo daquela época e substituir o poder absoluto do Czar por um poder menos tirano. Isso foi conseguido? 
Ruínas de instalações de Gulag, Sibéria
De tudo o que li e pesquisei para a realização do presente trabalho, nunca entendi que o povo russo sequer pretendesse sacar do poder o Czar, quanto mais transformar o regime vigente (fosse qual fosse à época) num regime marxista/socialista/comunista. O povo russo da época era extremamente ignorante em sua grande maioria e não é preciso rever estatísticas para aceitar essa assertiva. Não podemos confundir a nobreza, o clero e os militares russos da época do Czar, que viviam em São Petersburgo e Moscou, com o povo russo, vivendo num país rude, de clima inclemente e solo pouco produtivo (o solo mais produtivo da Rússia encontrava-se na Ucrânia)! O povo russo era composto de 95% de camponeses que habitavam uma nação de fantásticas dimensões territoriais, em sua maioria muito afastados do poder central e, em consequência, sem poder ser devidamente atendido por esse mesmo poder; além disso, a imensa maioria desse povo não possuía a menor ideia do que fosse socialismo, marxismo ou comunismo. O que esse povo queria era o que o povo de qualquer país ou região sempre desejou: alimento, moradia, educação para os seus filhos, mínimas condições de saúde e segurança. E o povo russo não possuía absolutamente nada disso. Isso poderia ter sido conseguido sem a revolução russa? Obviamente que sim! Nem o mais maquiavélico marxista / comunista se atreveria a dizer que não. Todos os países antigos ou modernos que não adotaram o comunismo, estão aí para demonstrar que sim. Alguns desses países possuíam condições de vida até mesmo piores que os russos, tiveram as suas revoluções e não fizeram essa escolha. E aí, na minha opinião, reside a grande maldade que os líderes revolucionários russos perpetraram contra o seu povo. Esses líderes, todos com problemas pessoais brutais, viveram longe do povo russo, na Europa; eram estudiosos das doutrinas marxistas e usaram esse mesmo povo para implementar a sua ideologia, na melhor das hipóteses, porque acreditavam, possivelmente, que poderiam resolver os seus problemas dessa forma. Mas não apenas isso. Não vou ao ponto de dizer que tivessem agido de má intenção, para prejudicar o povo, já que eram parte da nação. A menos da seríssima intenção de derrubar o Czarismo, até mesmo por fortes razões pessoais. Porque, na verdade, tiveram inúmeras oportunidades para resolver os problemas do povo de forma pacífica, sem matança e refugaram essas oportunidades, como ficou claramente demonstrado por tudo quanto se escreveu nessa postagem. No início da Revolução em fevereiro de 1917, o Czar já havia renunciado, havia um governo provisório constituído, pronto para formar um regime social democrático. Mas para os bolchevistas isto não era suficiente; o mais importante era a vitória da ideologia comunista. Além disso, não apenas não devemos desprezar, como devemos colocar como razão principal, a ambição pessoal de todos os líderes revolucionários da história, não apenas da revolução russa, pelo poder. Se não fosse assim, eu pergunto, por que os líderes revolucionários tornaram-se ditadores ao final da revolução ao invés de entregarem o poder ao povo? Por que um Stalin tornou-se o ditador que, na história, mais concentrou poder em suas mãos e mais matou amigos e inimigos, antes, durante e após o período revolucionário? Por que o mesmo fato ocorreu na revolução francesa, a mais decantada e celebrada revolução da história e ícone para os próprios revolucionários russos, onde os líderes, em ondas sucessivas se devoraram uns aos outros, passaram de uma monarquia a uma república, até o surgimento de um Napoleão, imperador absoluto de uma nação que fez uma revolução para tirar um rei e que, em menos de 30 anos retornava à monarquia? Que também teve um “Reino do Terror”, mas onde, pelo menos, as mortes foram contadas aos milhares e não aos milhões! Os líderes russos se aproveitaram da ignorância do povo russo para impor à nação russa a sua ideologia, adquirida durante os seus anos de exílio no exterior, uma ideologia estrangeira, importada, com duplo objetivo, se quiserem, nessa ordem: resolver, sim, o problema social do povo russo, mas implementar a ideologia marxista, em que acreditavam e, com ela, a tomada do poder com a queda do Czarismo. 
Aleksandr Solzhenitsyn,, Vladivostok
(extremo sudeste da Rússia), verão de 1994
A entrada da Rússia na 1ª Grande Guerra, grandemente favoreceu os objetivos de tais líderes. As condições de vida do povo foram agravadas por todas as razões deste mundo: recursos financeiros e materiais necessários à guerra, envio de soldados do povo para serem mortos, carência cada vez maior de recursos na pátria em alimentos e todas as demais consequências de uma guerra dessas proporções, em que o exército russo estava sendo fragorosamente derrotado. Tais líderes usaram exatamente essas bandeiras para contarem com a adesão e colaboração do povo: o término da guerra e alimentos para o povo. Notem a coincidência das datas da revolução russa com o início da derrocada da Rússia na 1ª Grande Guerra: 1917. E esses líderes saíram vencedores, em nome do povo, do mesmo povo que, posteriormente, foi brutalmente morto aos milhões, por fome e por fuzilamentos, em nome da mesma revolução que os redimiria.
Voltando à pergunta “Valeu à Pena?”, a história encarregou-se de contar o que aconteceu, através da desintegração da União Soviética em 15 países independentes, formalmente decretada em 26 de dezembro de 1991, como resultado da declaração No 142 do Soviete Supremo da União Soviética, reconhecendo a independência das antigas Repúblicas Soviéticas e criando a Comunidade dos Estados Independentes (CEI), seu colapso sendo saudado pelo oeste como uma vitória da liberdade e um triunfo da democracia sobre o totalitarismo, após 74 anos de sofrimentos. Entretanto, a desintegração soviética já se iniciara em março de 1985, com a eleição de Mikhail Gorbachev para o cargo de Secretário Geral, pelo Politburo. Mas o mais importante não foi, propriamente, o fim do regime, mas sim o reconhecimento do seu fracasso pelos novos líderes que emergiram, do ponto de vista social, econômico e político, como amplamente divulgado pela mídia internacional. De uma certa forma, um replay ampliado do que já acontecera com a morte de Stalin e a ascensão de Khrushchev, em 1953. Some-se a tudo isso, o fato de que são vários os autores que já disseram e têm dito, que Marx e Engels, criadores da teoria comunista, teriam se horrorizado se tivessem vivido para ver o que os líderes da revolução russa fizeram em nome do Marxismo/Socialismo/Comunismo. Ainda muito mais apoiados pelo fato de que tal tipo de revolução somente poderia ocorrer a partir de países desenvolvidos, com a indústria e o proletariado já bastante avançados. Tal seria o caso da Alemanha e Inglaterra, principalmente, razão pela qual tais líderes muito tempo viveram na Alemanha e Suíça, por exemplo.
Finalmente, mesmo considerando que a Revolução Comunista da Rússia tivesse valido à pena, não poderíamos deixar de perguntar: valeu à pena para quem? Para os líderes revolucionários que já estão todos mortos e nem sequer viveram para ver o resultado final? Para o povo, que vivenciou a revolução e sentiu na carne o seu drama particular, ou que viu os seus parentes, filhos, mães e pais morrerem de fome ou assassinados por um pelotão de fuzilamento, ou ainda morrerem esgotados num campo de trabalhos forçados? Ou para os que ainda viveram para ver a queda de Stalin, a esperança renovada ou ainda o fim da União Soviética, sonho de muitos russos? Que os leitores cheguem às suas próprias conclusões.
Afirmo aos meus leitores que foi imensa a bibliografia consultada para a elaboração dessa pesquisa (e daí não relacioná-la toda), que resultou nessas cinquenta e três páginas de texto, muito condensadas. Entretanto, para os que ainda quiserem se aprofundar mais no assunto que, obviamente, possui uma quantidade imensa de material produzido, apresento abaixo apenas alguns poucos títulos, que tratam de assuntos mais específicos, deixando para os meus leitores a tarefa de buscarem os mais genéricos, até mais fáceis de serem encontrados. 
Nem o grande líder Lenin escapou à derrocada da URSS:
março de 1990, na Romênia, após o fuzilamento do líder
comunista Nicolae Ceausescu.
1) “A Carta Testamento de Lenin”: Nesta carta escrita pelo próprio Lenin, em 1923, ele propõe, entre outras coisas, alterações à estrutura do governo soviético, critica os membros líderes da liderança soviética e sugere que Joseph Stalin seja removido de sua posição como Secretário Geral do Partido Comunista Soviético.
2) "Since Lenin Died" (Desde que Lenin Morreu): Neste ensaio, escrito em 1925, Max Forrester Eastman (04/01/1883 – 25/03/1969) descreveu “O Testamento de Lenin”, cópia que ele retirara da URSS clandestinamente, durante sua estadia na Rússia, onde viveu por um ano e nove meses entre 1922 e 1924 (fim da guerra civil, primeiro ano de Lenin e ano de sua morte). Eastman foi influenciado pela rivalidade mortal entre Leon Trotsky e Joseph Stalin, que culminou com o assassinato de Trotsky, e pelos indiscriminados abusos cometidos durante o “Grande Expurgo” de Stalin. Enquanto na União Soviética, Eastman iniciou uma amizade com Trotsky que durou até o seu exílio e assassinato no México. Tendo dominado a língua russa em pouco mais de um ano, Eastman traduziu vários trabalhos de Trotsky para o inglês, incluindo sua monumental “História da Revolução Soviética”, em três volumes. Após retornar aos EUA, em 1927 (depois de ficar três anos na Europa), Eastman publicou vários trabalhos que foram muito criticados pelo sistema stalinista. Em outros ensaios, Eastman descreveu as condições existentes para artistas e ativistas políticos na Rússia. Tais ensaios o tornaram muito impopular entre americanos esquerdistas da época. Posteriormente, entretanto, seus escritos sobre o assunto foram citados por muitos, da esquerda e da direita, como sóbrios e realistas retratos do sistema soviético sob Stalin. As experiências de Eastman na União Soviética e seus estudos, fizeram-no mudar sua visão do Marxismo sob os russos, mas seus compromissos com as ideias políticas esquerdistas não se abateram.
3) “A História da Revolução Soviética”: Escrito por Leon Trotsky, em 1930. E traduzido para o inglês, em 1932, por Max Eastman, em três volumes: “A Derrubada do Czarismo”; “A Tentativa da Contrarrevolução”; “O Triunfo dos Soviéticos”. É a história da Revolução Russa de 1917 escrita por um dos seus líderes. Em sua nota sobre o autor, na primeira tradução inglesa, Max Eastman escreveu que "esta presente obra ... vai tomar o seu lugar de importância na vida de Trotsky ... como uma das realizações suprema desta mente versátil e poderosa”.
4) “O Discurso Secreto”: de Nikita Khrushchev, apresentado em 25 de fevereiro de 1956, com o título “Sobre o Culto da Personalidade e suas Consequências”, foi proferido durante o 20º Congresso do Partido Comunista da União Soviética. Num discurso secreto, diante de plenário fechado, Khrushchev denunciou o culto à personalidade de Stalin. Além disso, revelou que Stalin havia prendido milhares de pessoas e enviado a um imenso sistema de campos de trabalhos políticos (o famoso Gulag). Essa revelação foi atendida com assombro por muitos dos presentes ao discurso, mas ajudou a quebrar um pouco do poder que Stalin ainda tinha sobre o povo.
5) “The Great Terror”: Este livro, do historiador britânico Robert Conquest (1917-2015), de 1968, popularizou a frase “O Grande Terror”. O título de Conquest foi uma alusão ao período que foi chamado “Reino do Terror”, ocorrido durante a Revolução Francesa de 1789, durante o seu período mais sangrento, de junho a agosto de 1794, bem como um título alternativo ao período da história soviética conhecida como “O Grande Expurgo”. Uma versão revisada do livro, com o título “O Grande Terror: Uma Reavaliação”, foi editada em 1990, após a possibilidade que teve de atualizar o texto com a consulta dos recém-abertos arquivos soviéticos.
6) “The Harvest of Sorrow (A Colheita do Sofrimento) – A Coletivização e o Terror SoviéticosFome”: É um livro de 1987, de Robert Conquest, a primeira história completa da mais horrenda tragédia do século XX. Entre 1929 e 1932, o Partido Comunista Soviético aplicou um duplo golpe no campesinato russo: a extinção dos Kulaks (Camponeses, para evitar a confusão com os Gulag), tomada de suas terras e deportação de milhões de famílias camponesas; e a coletivização, a abolição da propriedade privada da terra e a concentração dos camponeses restantes em fazendas coletivas controladas pelo Partido. Tais medidas foram seguidas, em 1932-1933, por uma “fome do terror’, infligida pelo Estado sobre os camponeses coletivizados da Ucrânia e certas outras áreas, tornando impossível altas quotas de grãos, removendo quaisquer outras fontes de alimentação e proibindo ajuda de outros locais, mesmo de outras áreas da União Soviética, para alcançar e atenuar a fome da população esfaimada. A quantidade de mortos, estimada, resultante dessas medidas de Stalin descritas nesse livro, chegou a 14,5 milhões de pessoas, mais do que o número total de mortes de todos os países na 1ª Guerra Mundial. Ambicioso, meticulosamente pesquisado e lucidamente escrito, “A Colheita do Sofrimento” é um testamente profundamente comovente àqueles que morreram, que registrará na consciência ocidental um sentimento do lado escuro da história desse século.
7) “Age of extremes - The short twentieth century: 1914-1991” (Era dos Extremos - O Breve Século XX: 1914 – 1991): Este é um livro de História escrito por Eric Hobsbawm, o maior historiador esquerdista de língua inglesa, em 1994, que discorre sobre o século XX, mais precisamente do início da Primeira Guerra Mundial, em 1914, até a queda da União Soviética, no ano de 1991. É muito interessante apreciar a forma como Hobsbawm - um marxista irredutível que defendeu o indefensável, quando numa entrevista que chocou leitores, críticos e colegas, alegou que o assassinato de milhões orquestrado por Stalin na União Soviética teria valido à pena se dele tivesse resultado uma "genuína sociedade comunista" – apreciou a Revolução de 1917, principalmente quando comenta a atuação de Stalin.
8) “Le Livre Noir du Communisme – Crimes, terreur, répression” (O Livro Negro do Comunismo – Crimes, terror, repressão): Stéphane Courtois, Nicolas Werth, Jean-Louis Panné, Andrzej Paczkowski, Karel Bartosek e Jean-Louis Margolin constituem a equipe de historiadores e universitários - que permanecem ou estiveram ligados à esquerda – que trazem a público, em 1999, o saldo estarrecedor de mais de sete décadas de história de regimes comunistas: massacres em larga escala, deportações de populações inteiras para regiões sem a mínima condição de sobrevivência, expurgos assassinos liquidando o menor esboço de oposição, fome e miséria provocadas que dizimaram indistintamente milhões de pessoas, enfim, a aniquilação de homens, mulheres, crianças, soldados, camponeses, religiosos, presos políticos e todos aqueles que, pelas mais diversas razões, se encontraram no caminho de implantação do que, paradoxalmente, nascera como promessa de redenção e esperança. Os autores não hesitam em usar a palavra genocídio, pois foram cerca de 100 milhões de mortos! Esse número assustador ultrapassa amplamente, por exemplo, o número de vítimas do nazismo e até mesmo o das duas guerras mundiais somadas. Genocídio, holocausto, portanto, confirmado pelos vários relatos de sobreviventes e, principalmente, pelas revelações dos arquivos hoje acessíveis.
Finalmente, àqueles que ainda acharam pouco e possuem estômago suficientemente forte, eu recomendo que assistam ao documentário abaixo, de uma hora e vinte e seis minutos de duração, que eu assisti. Afinal, é muito pouco tempo quando comparado ao tempo de sofrimento de todos os que são apresentados no documentário: “A VERDADEIRA HISTÓRIA DO COMUNISMO SOVIÉTICO”


Assim como esse documentário, eu dedico essa minha postagem aos vinte ou trinta milhões de vítimas russas que a União Soviética fez ao longo de sua existência.

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