Homenagem ao lendário herói ancestral dos ingleses que deu título a um dos considerados "Cem Maiores Livros do Mundo" e tido como o mais antigo escrito em "Old English".

segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

A REFORMA E OS REFORMADORES - PARTE 4

IV.2 – EVOLUÇÃO DAS IDEIAS ORIGINAIS E OBJETIVOS DOS REFORMADORES

Tornou-se costume comutar penitências com obras menos complexas, tais como orações, esmolas, jejuns e mesmo a doação de dinheiro, dependendo das várias espécies de ofensas (penitências tarifárias). Pelo século X, algumas penitências não foram substituídas, mas simplesmente reduzidas em função de doações pias, peregrinações e obras meritórias similares. Então, nos séculos XI e XII, o reconhecimento do valor desses trabalhos começou a ser associado não tanto com a penitência canônica, mas com a remissão da punição temporal devido ao pecado.
O primeiro registro de uma indulgência plenária foi a declaração do Papa Urbano II, no Concílio de Clermont (1095), pela qual ele perdoava toda a penitência em que haviam incorrido os Cruzados que haviam confessado seus pecados, considerando a participação na Cruzada equivalente a uma penitência completa.
À medida que o Purgatório se tornava mais proeminente no pensamento cristão e os termos das indulgências inflavam, passou a predominar a ideia de que o termo das indulgências se relacionava mais à remissão de tempo no Purgatório do que com as penitências que os primeiros cristãos teriam realizado. De fato, muitas indulgências do final da Idade Média foram concedidas por períodos que iam além de uma vida, reforçando essa crença. Por vários séculos os teólogos debateram se as indulgências concedidas seriam para a penitência ou o Purgatório, e a Igreja não definiu a matéria, evitando tomar essa decisão, por exemplo, no Concílio de Trento. Hoje a visão moderna da Igreja é taxativa: é penitência.
As indulgências se tornaram crescentemente populares na Idade Média como uma recompensa por atos de piedade e realização de boas obras, embora, doutrinariamente falando, a Igreja tenha estabelecido que a indulgência só era válida para a punição temporal por pecados já perdoados através do Sacramento da Confissão. Os fiéis pediam indulgências por dizer as suas orações, fazer atos de devoção, atender locais de adoração e realizar peregrinações; as confrarias queriam indulgências por apresentações e procissões; as associações queriam que seus encontros fossem recompensados com indulgências. As boas obras incluíam caridosas doações de dinheiro, quando o dinheiro levantado fosse usado para justas causas, religiosas ou civis; a construção de projetos financiados por indulgências incluía igrejas, hospitais, colônias de leprosos, escolas, estradas etc.
Contudo, o final da Idade Média viu o crescimento de abusos consideráveis. Representantes vorazes procuraram extrair a máxima quantidade de dinheiro para cada indulgência. “Perdoadores” profissionais, enviados para coletar esmolas para um projeto específico, praticavam irrestrita venda de indulgências. Muitos desses “perdoadores” excediam a doutrina oficial da Igreja, ou por cobiça ou por zelo ignorante, prometendo recompensas como salvação da condenação eterna em troca de dinheiro. Com a permissão da Igreja, as indulgências também se tornaram uma forma de governantes católicos financiarem caros projetos, como Cruzadas e Catedrais, mantendo uma porção significativa do dinheiro levantado das indulgências em suas terras. Forjando documentos que declaravam que indulgências haviam sido concedidas, sua magnitude cresceu extraordinariamente, em termos de longevidade e largueza de perdão.
O Quarto Concílio de Latrão (1215) estabeleceu alguns limites que logo foram novamente excedidos. Documentos falsos passaram a circular com indulgências ultrapassando todos os limites: indulgências com centenas ou milhares de anos. Em 1392, mais de um século antes de Martin Luther publicar suas 95 Teses, o Papa Bonifácio IX escreveu ao Bispo de Ferrara, condenando a prática de certos membros de ordens religiosas que falsamente declaravam-se autorizados pelo Papa para perdoar toda a sorte de pecados, obtendo dinheiro de fiéis mais inocentes mediante a promessa de eterna felicidade nesse mundo e glória no próximo. A Catedral de Rouen obteve o apelido de “Catedral de Manteiga” porque o dinheiro para a sua construção foi levantado pela venda de indulgências que permitiam o consumo de manteiga durante a Quaresma.
A guerra contra os turcos e outras crises, a construção de igrejas e monastérios e numerosas outras causas conduziram à concessão de indulgências no século XV. Os abusos consequentes foram ainda maiores pelo fato de governantes seculares frequentemente proibirem a promulgação de indulgências em seus territórios, consentindo somente sob a condição de que parte do que fosse recebido fosse entregue a eles. Na prática, entretanto, e na mente pública, a promulgação de indulgências assumiu um aspecto econômico e, como eram frequentes, muitos vieram a vê-la como imposto opressivo. Em vão homens zelosos ergueram suas vozes contra este abuso que provocou grande amargura contra a ordem eclesiástica e, particularmente, a Cúria Papal.
Como dissemos acima, a promulgação de indulgências para a nova Catedral de São Pedro, pelo Papa Leão X, em 1517, forneceu a Martinho Lutero a oportunidade de atacar as indulgências e este ataque foi a ocasião imediata da Reforma na Alemanha. Um pouco mais tarde, o mesmo motivo conduziu Zwingli a lançar seus ensinamentos errôneos, com isso inaugurando a Reforma na Suíça Alemã. Ambos declararam estar atacando somente os abusos das indulgências; contudo, logo passaram a ensinar a doutrina de forma muito diversa dos ensinamentos da Igreja. Embora Lutero não negasse o direito ao Papa de conceder perdão por penitências impostas pela Igreja, ele deixou claro que pregadores que diziam que as indulgências absolviam, aqueles que as obtinham, de toda a punição e lhes garantiam salvação, estavam errados, de acordo com a teologia católica.
Muitos acreditaram que a Igreja Católica estivesse no negócio de venda de indulgências, embora a Igreja dissesse que todas essas transações eram oficialmente classificadas como doações. De qualquer forma, o Concílio de Trento tomou providências para acabar com aquilo. Em julho de 1562 o Concílio de Trento suprimiu o escritório dos encarregados das finanças e reservou a coleta das esmolas a dois membros canônicos do corpo eclesiástico que não receberiam remuneração por seu trabalho; também reservou a publicação das indulgências ao bispo da diocese. Então, em 4 de dezembro de 1563, em sua sessão final, o Concílio discutiu diretamente a questão das indulgências, declarando-as “muito salutares ao povo cristão”, decretando que “todo o mau ganho em sua obtenção deveria ser abolido” e instruindo os bispos a vigiarem quaisquer abusos relativos a elas.
Alguns anos mais tarde, em 1567, o Papa Pio V cancelou todas as garantias de indulgências envolvendo quaisquer taxas ou outras transações financeiras.
Após o Concílio de Trento, Clemente VII estabeleceu uma comissão de Cardeais para tratar das indulgências de acordo com as ideias do Concílio. Ela prosseguiu seu trabalho durante o pontificado de Paulo V, publicando várias bulas e decretos sobre o assunto. Mas somente Clemente IX estabeleceu uma verdadeira Congregação de Indulgências (e Relíquias), com uma síntese em 6 de julho de 1669. Em um documento pessoal de 28 de janeiro de 1904, Pio X uniu a Congregação das Indulgências com a dos Ritos, mas com a reestruturação da Cúria Romana, em 1908, todas as questões relativas às indulgências foram designadas à Santa Inquisição. Em um documento pessoal de 25 de março de 1915, Benedito XV transferiu a Seção de Indulgências da Santa Inquisição à Penitenciária Apostólica, mantendo a responsabilidade da Santa Inquisição para questões relativas à doutrina de indulgências. 
O monge agostiniano Martinho Lutero
O grande impulso que Lutero recebeu em sua primeira apresentação, nos círculos humanísticos e entre alguns teólogos e alguns leigos de mentes sérias, foi a insatisfação com os abusos existentes. Seus próprios pontos de vista errados e a influência de parte de seus seguidores logo guiaram Lutero contra a autoridade eclesiástica e, ao final, o conduziram à aberta apostasia e cisma. Seus principais partidários originais estavam entre os Humanistas, o clero imoral e os baixos graus da nobreza dos proprietários de terras imbuídos de tendências revolucionárias. Logo tornou-se evidente sua intenção de subverter todas as instituições básicas da Igreja. Começando por proclamar a falsa doutrina da “absolvição apenas pela fé”[1], ele posteriormente rejeitou todos os remédios supernaturais (especialmente os sacramentos e a missa), negou os méritos das boas obras (assim condenando os votos monásticos e o ascetismo cristão em geral) e, finalmente, rejeitou a instituição de um genuíno sacerdócio hierárquico (especialmente a linha papal) na igreja. Sua doutrina da Bíblia, como única regra de fé, com a rejeição da autoridade eclesiástica, estabeleceu subjetivismo em questões de fé. Por este assalto revolucionário, Lutero perdeu o apoio de muitas pessoas sérias indispostas a romper com a Igreja,
Martinho Lutero, a principal figura da Reforma
mas por outro lado, conquistou os elementos antieclesiásticos, incluindo numerosos monges e freiras que deixaram os monastérios para quebrar seus votos e muitos padres que se uniram à sua causa com a intenção de casar. O apoio de seu soberano, Frederico da Saxônia, foi muito importante. Logo príncipes temporais e magistrados municipais fizeram da Reforma um pretexto para interferência arbitrária em questões puramente eclesiásticas e religiosas, adonando-se de propriedades eclesiásticas e dispondo delas ao seu prazer e decidindo sobre a fé que seus súditos deveriam aceitar. Alguns seguidores de Lutero ainda foram mais longe. Os anabaptistas e os iconoclastas revelaram as possibilidades mais extremas dos princípios advogados por Lutero, enquanto que na “Guerra dos Camponeses”[2] os mais oprimidos elementos da sociedade alemã colocaram em prática a doutrina do reformador. As questões eclesiásticas foram agora organizadas à base dos novos ensinamentos; doravante o poder secular é cada vez mais claramente o supremo juiz nas questões puramente religiosas e despreza completamente qualquer autoridade eclesiástica independente. 
Zwingli, o reformador na Suíça Alemã
Um segundo centro da Reforma foi estabelecido por Zwingli, em Zurich. Embora ele diferisse em muitos detalhes, de Lutero, e fosse muito mais radical do que este na transformação do cerimonial da Missa, os objetivos de seus seguidores eram idênticos aos dos luteranos. As considerações políticas representaram um grande papel no desenvolvimento do Zwinglianismo e a magistratura de Zurich, após sua maioria ter-se declarado por Zwingli, tornou-se uma zelosa promotora da Reforma. Decretos arbitrários foram emitidos pelos magistrados relativos à organização eclesiástica; os conselheiros que permaneceram fieis à fé Católica, foram expulsos do Conselho e os serviços católicos proibidos na cidade. A cidade e o cantão de Zurich foram reformados pelas autoridades civis de acordo com as ideias de Zwingli. Outras partes da Suíça Alemã tiveram destino similar. A Suíça Francesa desenvolveu mais tarde sua Reforma peculiar, organizada, em Genebra, por Calvino (Jehan Cauvin). O calvinismo é distinto do luteranismo e do zwinglianismo por uma forma mais rígida e consistente de doutrina e pela exatidão de seus preceitos morais, que regulam toda a vida doméstica e pública do cidadão. A organização eclesiástica de Calvino foi declarada lei fundamental da República de Genebra e as autoridades prestaram inteiro suporte ao reformador no estabelecimento de sua nova corte de moral. A palavra de Calvino era a mais alta autoridade, ele não tolerava contradição aos seus pontos de vista ou regulamentos e sua doutrina foi introduzida em Genebra e nas vizinhanças com violência. Os padres católicos foram banidos e as pessoas oprimidas e compelidas a atender aos sermões de Calvino. 
João Calvino, o reformador na Suíça Francesa
Na Inglaterra a origem da Reforma foi totalmente diferente. Lá, o tirânico Henrique VIII (rei de 1509 a 1547, sua morte) (Figura de Henry VIII), com o apoio de Thomas Cranmer, a quem o rei transformou no Arcebispo de Canterbury, separou seu país da unidade eclesiástica porque o Papa Clemente VII, como real guardião da lei Divina, recusou o pedido de divórcio do rei, de Catarina de Aragão, para casar com Ana Bolena, durante a vida de sua esposa legítima[3]. Recusando obediência ao Papa, o despótico monarca constituiu-se supremo juiz das questões eclesiásticas; a oposição de homens íntegros como Thomas More e John Fisher foi conquistada com sangue. O rei desejava, contudo, manter intactas as doutrinas da Igreja e a hierarquia eclesiástica, e produziu uma série de doutrinas e instituições rejeitadas por Lutero e seus seguidores. Na Inglaterra, também o poder civil se constituiu juiz supremo em questões de fé, usando a Reforma para inovações religiosas arbitrárias adicionais. Sob o rei seguinte, Edward VI (1547-1553), o partido Protestante ganhou a supremacia e começou a promover a Reforma na Inglaterra segundo os princípios de Lutero, Zwingli e Calvino. A força foi empregada novamente para espalhar as novas doutrinas. Este último esforço do movimento reformista ficou confinado praticamente à Inglaterra e transformou-se no Anglicanismo. 
Henry VIII, chefe
da Igreja Anglicana

V - MÉTODOS DE DIFUSÃO DA REFORMA

Na escolha dos meios para estender a Reforma, seus fundadores e apoiadores não foram econômicos, valendo-se de qualquer fator que pudesse ampliar o seu movimento.
A denúncia de abusos, reais ou supostos, na vida religiosa e eclesiástica foi, especialmente no início, um dos métodos principais empregados pelos reformadores para promover seus projetos. Pela denúncia eles conquistaram muitos insatisfeitos com as condições existentes, que se dispuseram a apoiar qualquer movimento que prometesse uma mudança. Mas foi o difundido ódio de Roma e dos membros da hierarquia, encorajado pelas queixas de abusos incessantemente repetidas e apenas poucas vezes justificadas, que muito eficientemente favoreceram os reformadores que logo violentamente atacaram a autoridade papal, nela reconhecendo a suprema guardiã da fé católica. Daí a imensa quantidade de sátiras, frequentemente muito vulgares, contra o Papa, os Bispos e, em geral, contra todos os representantes da autoridade eclesiástica. Tais panfletos circulavam em todos os lugares, promovendo ainda mais o desrespeito pela autoridade. Pintores preparavam caricaturas desrespeitosas e degradantes do Papa, clero e os monges, para ilustrar o texto dos panfletos hostis. Travado com todas as armas possíveis, este combate contra os representantes da Igreja, supostos geradores de todos os abusos eclesiásticos, preparou o caminho para a aceitação da Reforma. Não havia mais uma marcada distinção entre abusos temporais e corrigíveis e as fundamentais verdades cristãs supernaturais; junto com os abusos, importantes instituições eclesiásticas, baseadas em fundações divinas, foram simultaneamente abolidas.
Os reformadores tiraram também vantagem das divisões existentes em muitos locais entre as autoridades eclesiásticas e civis. O desenvolvimento do Estado, em sua forma moderna, entre os povos cristãos do Ocidente, deu origem a muitas disputas entre o clero e o poder civil, entre os bispos e as cidades, entre os monastérios e os lordes territoriais. Quando os reformadores retiraram do clero toda a autoridade, especialmente toda a influência nas questões civis, eles permitiram que os príncipes e as autoridades municipais terminassem todas as disputas de longa duração em seu próprio favor, arbitrariamente usurpando todos os direitos disputados, banindo a hierarquia cujos direitos eles usurparam, assim estabelecendo por sua própria autoridade uma organização eclesiástica totalmente nova. O clero reformado assim possuía, de início, somente direitos que as autoridades civis concordavam em ceder-lhe. Consequentemente, as Igrejas Nacionais Reformadas eram totalmente subordinadas às autoridades civis e os reformadores, que haviam confiado ao poder civil a execução real de seus princípios, não possuíam agora meios de se libertarem de tal servidão.
Ao longo dos séculos um imenso patrimônio se formara a partir de objetos religiosos, de caridade e educacionais. Igrejas, monastérios, hospitais e escolas tinham, com frequência, grandes rendas e amplas posses; isto originou a inveja secular de governantes. A Reforma capacitou tais governantes secularizarem este vasto patrimônio eclesiástico, pois seus líderes constantemente censuravam a centralização de tais riquezas nas mãos do clero. Com isso, os príncipes e autoridades municipais foram convidadas a confiscar a propriedade eclesiástica e emprega-la em seu proveito próprio. Principados eclesiásticos que eram encarregados pelos proprietários, somente como pessoas eclesiásticas, para administração e usufruto foram, em oposição à lei real, com a exclusão dos beneficiados, transformados em principados seculares. Desta forma, os reformadores tiveram sucesso em despojar a Igreja de sua riqueza temporal para várias necessidades, desviando-a para sua própria vantagem.
As emoções humanas às quais os reformadores apelaram de várias formas, foram outra ferramenta de difusão da Reforma. As principais ideias que esses inovadores defenderam – liberdade Cristã, licença de pensamento, o direito e a capacidade de cada indivíduo para encontrar sua própria fé na Bíblia e outros princípios similares – eram muito sedutoras para muitos. A abolição de instituições religiosas que atuavam como freio sobre a pecadora natureza humana (confissão, penitência, jejum, abstinência, votos) atraíram os lascivos e frívolos. As hostilidades contra as ordens religiosas, a virgindade e o celibato, e as práticas de uma vida cristã superior, conquistaram para a reforma grande número daqueles que, sem uma séria vocação, haviam abraçado a vida religiosa por motivos puramente humanos e mundanos e que desejavam livrar-se das obrigações para com Deus, - tornadas demasiadamente pesadas -, assim pudessem ficar livres para atender seus desejos sensuais. Isso poderiam fazer mais facilmente, na medida em que o confisco da propriedade das igrejas e monastérios facilitava o avanço material de ex-monges e ex-freiras e de padres que apostatavam. Nos inúmeros escritos e panfletos dirigidos ao povo, os reformadores empenhavam-se em excitar os instintos humanos mais básicos. Contra o Papa, a Cúria Romana, bispos, padres, monges e freiras que haviam permanecido fieis às suas convicções católicas, foram disseminados as mais incríveis difamações e libelos. Em linguagem da maior rudeza, as doutrinas e instituições católicas foram distorcidas e ridicularizadas. Entre os elementos inferiores, menos educados e abandonados da população, as paixões e instintos mais vis foram estimulados e recrutados a serviço da Reforma.
De início, muitos bispos mostraram grande apatia frente aos reformadores, não dando ao movimento maior importância, mas permitindo aos seus chefes tempo maior para a difusão de suas doutrinas. Mesmo mais tarde, muitos bispos mais inclinados ao mundano, embora permanecendo fieis à Igreja, foram muito frouxos no combate à heresia e no emprego de maneiras adequadas que evitassem o seu avanço. O mesmo pode ser dito do clérigo paroquial que era, em grande extensão, ignorante e indiferente, vendo à toa a deserção das pessoas. Os reformadores, por outro lado, demonstraram o maior zelo por sua causa, utilizando todos os meios por palavra e pena, por permanente contato com pessoas que pensavam da mesma forma, por eloquência popular em que os líderes da Reforma eram especialmente habilidosos em empregar, por sermões e escritos populares que apelavam à fraqueza do caráter popular, incitando ao fanatismo das massas, em resumo, pela utilização inteligente e zelosa de cada oportunidade que se apresentasse para a difusão de suas doutrinas. Ao mesmo tempo, com grande astúcia, mostravam aderir estritamente às verdades essenciais da fé Católica, mantendo muitas das cerimônias externas da adoração Católica e declarando sua intenção de abolir somente as coisas baseadas na invenção humana, assim enganando as pessoas com relação aos reais objetivos de suas atividades. Muitos oponentes pios e zelosos nas fileiras do clero regular e secular se opuseram, mas a necessidade real, especialmente no início, seria uma resistência organizada e sistematicamente conduzida contra esta falsa reforma; e esta não aconteceu.
Muitas instituições introduzidas pelos reformadores estimularam a multidão, por exemplo, o recebimento do cálice por todo o povo, o uso do vernáculo no serviço divino, os hinos religiosos populares usados durante os serviços, a leitura da Bíblia, a negação da diferença essencial entre clero e laicidade. Nessa categoria podem ser incluídas doutrinas atrativas para muitos, como a justificação apenas pela fé, sem referência às boas obras, a negação do livre arbítrio, que fornecia uma desculpa para lapsos morais, a certeza pessoal da salvação na fé (confiança subjetiva nos méritos de Cristo), o sacerdócio universal, que parecia dar a todos uma participação direta nas funções sacerdotais e administração eclesiástica.
Finalmente, um dos principais métodos empregados para a difusão da Reforma foi o uso da violência pelos príncipes e autoridades municipais. Os padres que permaneciam católicos eram expulsos e substituídos pelos que aderiam à nova doutrina e as pessoas eram obrigadas a atender aos novos serviços. Os fiéis à Igreja eram perseguidos de formas variadas e as autoridades civis de tudo faziam para que a fé dos descendentes daqueles que se haviam fortemente oposto à Reforma fosse gradualmente solapado. Em muitos lugares as pessoas foram afastadas da Igreja por brutal violência; em outros, para enganar as pessoas, mantinham, externamente, o rito católico por um longo tempo e prescreviam para o clero reformado as vestimentas eclesiásticas da adoração católica. A história da Reforma mostra, incontestavelmente, que o poder civil foi o principal fator de sua dispersão por todas as terras e que, em última análise, os motivos não foram religiosos, mas interesses dinásticos, político e sociais é que foram decisivos. Some-se a isto o fato de que os príncipes e magistrados municipais que se juntaram aos reformadores, totalmente tiranizaram a consciência de seus súditos e burgueses. Todos deviam aceitar a religião prescrita pelo governante civil. O princípio de que “a religião vai com a terra” é um fruto da Reforma e foi colocado em prática por ela e seus aderentes onde eles possuíam o poder necessário.




[1] A doutrina da “Absolvição apenas pela Fé” ou sola fide, afirma que o perdão de Deus ao pecador é garantido pela e recebido unicamente através da fé. Ela declara que a humanidade é caída e pecadora, incapaz de salvar-se a si própria; mas Deus, pela vida, morte e ressurreição de seu Filho, Jesus Cristo, garante aos pecadores justo perdão, recebido unicamente pela fé.
[2] A Guerra Alemã dos Camponeses foi uma revolta popular em áreas de língua alemã da Europa Central, de 1524 a 1525. Iniciada com objetivos econômicos, embora não apoiada por Lutero – que foi por isso criticado -, incorporou sua doutrina. Dos 300.000 mal armados camponeses, 100.000 foram mortos e os sobreviventes multados, alcançando poucos, se algum, dos seus objetivos. Foi o maior e mais amplo levante da Europa antes da Revolução Francesa de 1789.
[3] De acordo com a doutrina da Igreja, evidentemente o Papa estava com a razão. Entretanto, a bem da verdade, é importante mencionar que Catarina de Aragão era sobrinha do Imperador Carlos V, da Espanha, que, após o Saque de Roma, em maio de 1527, sitiava Roma e mantinha o Papa como prisioneiro. Tal situação ainda tornava muito mais remota a possibilidade de Henrique VIII obter de Clemente VII o divórcio pretendido.

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