Homenagem ao lendário herói ancestral dos ingleses que deu título a um dos considerados "Cem Maiores Livros do Mundo" e tido como o mais antigo escrito em "Old English".

quarta-feira, 22 de maio de 2024

A CONTURBADA FRANÇA PÓS-REVOLUÇÃO (Parte 3)

III – A MONARQUIA DE JULHO – 1830 A 1848
Louis Philippe I, o Rei Cidadão da
Monarquia de Julho

Louis Philippe d’Orléans era membro do ramo Orléans da família, filho de Philippe Égalité, que havia votado pela execução de seu primo Louis XVI, durante a Primeira República, após a Revolução Francesa de 1789 e que acabou sendo executado durante o “Reinado do Terror”.
Como Louis Philippe, Duque de Chartres, ele distinguiu-se comandando tropas durante as Guerras Revolucionárias (série de conflitos militares entre 1792 e 1802, consequentes da Revolução Francesa) quando foi promovido a Tenente General com a idade de dezenove anos. Rompeu com a Primeira República quando de sua decisão de executar o Rei Louis XVI, fugindo para a Suíça em 1793 após ser ligado a uma trama para restaurar a monarquia francesa, onde permaneceu no exílio por 21 anos até a Restauração Bourbon.
Proclamado rei em 1830 com a abdicação de Charles X, seu reino ficou conhecido como a “Monarquia de Julho” e ele como “Rei dos Franceses” ao invés de “Rei da França”, para enfatizar as origens populares do seu reino e fazer claro que o seu direito de mando vinha do povo e não por garantia divina.
O reino de Louis Philippe, que havia flertado muito com o liberalismo em sua juventude, rejeitou muito da pompa e circunstância dos Bourbon e foi dominado por ricos industrialistas e banqueiros (alta burguesia), pois ele entendia claramente a base do poder que o havia carregado durante a Revolução de Julho, mantendo seus interesses em mente. Prometeu seguir o centro, evitando os extremos dos apoiadores conservadores de Charles X e os radicais da esquerda. Reviveu a “Tricolor” como bandeira oficial da França, no lugar da bandeira branca Bourbon usada desde 1815, uma importante diferença já que a Tricolor era o símbolo da Revolução.
Contudo, a Monarquia de Julho permaneceu um tempo de tumulto. Um grande grupo de Legitimistas realistas adeptos da dinastia de sucessão da coroa francesa dos Bourbon, sacada do poder pela Revolução de Julho) da direita exigia a restauração dos Bourbon ao trono. À esquerda, os Republicanos e mais tarde os Socialistas, permaneceram uma força poderosa. Mais tarde em seu reino, Louis-Philippe tornou-se crescentemente rígido e dogmático e seu Presidente do Conselho, François Guizot, tornou-se muito impopular, sem que o Rei aceitasse removê-lo. A situação deteriorou-se gradualmente até que as “Revoluções de 1848” viram a queda de monarquia e a criação da “Segunda República”.
Contudo, durante os primeiros anos do seu reinado, Louis-Philippe pareceu mover seu governo em direção a uma legítima reforma baseada na tolerância. O governo encontrou sua fonte de legitimidade na “Carta de 1830”, escrita por membros da Câmara de Deputados focados na reforma sobre uma plataforma de igualdade religiosa, no empoderamento dos cidadãos pelo reestabelecimento da Guarda Nacional, na reforma eleitoral, na reforma do sistema de Pareato (o Pareato francês era uma distinção hereditária dentro da nobreza francesa surgida em 1180, durante a Idade Média) e a redução da autoridade real. De fato, Louis-Philippe e seus ministros aderiram a políticas que pareciam promover os princípios centrais da Constituição. Contudo, a maioria dessas políticas era velada tentativa para reforçar o poder e a influência do governo e da burguesia, ao invés de tentativas legítimas de promoção da igualdade e do empoderamento para um amplo eleitorado da população francesa. Mais uma ilusão do que um movimento real em direção à reforma.
Durante os anos da Monarquia de Julho, o direito ao voto mais que dobrou, de 94.000 sob Charles X para mais de 200.000 em 1848. Contudo isso representava menos de 1% da população e como as exigências para votar eram baseadas em impostos, somente os mais ricos obtinham o privilégio. Como consequência, o ampliado direito de voto tendeu a favorecer a rica burguesia mercante mais do que qualquer outro grupo. Além de simplesmente aumentar sua presença na Câmara de Deputados, esse aumento eleitoral propiciou à burguesia os meios de desafiar a nobreza em questões legislativas. Assim, embora parecendo honrar seu compromisso de aumentar o direito de voto, Louis-Philippe atuou primeiramente para fortalecer seus apoiadores e aumentar sua força sobre o Parlamento Francês. A inclusão apenas dos mais ricos também tendeu a minar qualquer possibilidade de crescimento de uma facção radical no Parlamento, que efetivamente servisse a fins socialmente conservadores.
Desejando ser mais do que apenas um testa-de-ferro de um parlamento eleito, o Rei era muito ativo na política. Um dos seus primeiros atos na formação do seu gabinete, foi indicar o conservador Casimir Perier como o Primeiro daquele corpo. Perier, um banqueiro, foi muito útil no fechamento de várias sociedades secretas republicanas e sindicatos que haviam sido formados durante os primeiros anos do regime. Além disso, ele inspecionou o desmembramento da Guarda Nacional após ter mostrado que apoiava demais ideologias radicais. Certamente, ele realizou todas essas ações com a aprovação real. Uma vez ele foi citado por dizer que a fonte da miséria francesa era a crença de que teria havido uma revolução. “Não senhor”, ele disse a outro ministro, “não houve revolução, houve simplesmente uma troca na cabeça do estado”.
Expressões adicionais dessa tendência conservadora vieram sob a supervisão de Perier e o então Ministro do Interior, François Guizot. O regime logo aprovou tal radicalismo e o republicanismo o ameaçou, sabotando suas políticas de não intervenção. Em 1834 a monarquia declarou ilegal o próprio termo, republicano. Guizot fechou clubes e publicações republicanas. Os republicanos dentro do Gabinete, como o banqueiro Dupont, foram todos excluídos por Perier e seu grupo conservador. Receando a Guarda Nacional, Louis-Philippe aumentou o tamanho do exército e o reformou, a fim de garantir sua lealdade ao governo.
Embora duas facções ainda persistissem no Gabinete, repartidos entre conservadores liberais como Guizot (o Partido da Resistência) e os reformadores liberais como o já mencionado Adolphe Thiers (o Partido do Movimento), este nunca ganhou proeminência. Após Perier, veio o Conde Molé, outro conservador. Após Molé veio Thiers, um reformador logo demitido por Louis-Philippe após tentar adotar uma política externa agressiva. Após Thiers veio o conservador Guizot, cuja administração foi marcada por sanções cada vez mais severas sobre republicanos e dissidentes e uma crescente política de não intervenção nos negócios. Essa política incluiu tarifas de proteção que defendiam o status quo e enriqueciam os homens de negócio franceses. O governo de Guizot privilegiou contratos de mineração e estradas de ferro aos apoiadores burgueses do governo e ainda contribuiu com alguns dos custos iniciais. Como os trabalhadores, sob essas políticas, não tinham direito de reunião, formação de sindicatos ou peticionar o governo para aumento de salários ou redução de horas, a Monarquia de Julho sob Perier, Molé e Guizot em geral mostrou-se danosa às classes inferiores. De fato, o conselho de Guizot àqueles que não possuíam o direito de voto pelas exigências eleitorais baseadas nos impostos, era um simplesmente “enriqueçam”. O próprio Rei tampouco era muito popular em meados dos 1840 e, devido à sua aparência, era muitas vezes chamado de “par coroado”. Havia, nessa época, uma grande adoração de herói por Napoleão e em 1841 seu corpo foi transportado de Santa Helena e enterrado condignamente na França.
Louis-Philippe conduziu uma política externa pacificadora. Logo após ter assumido o poder em 1830, a Bélgica revoltou-se contra o mando holandês, proclamando sua independência. O Rei rejeitou a ideia de intervenção lá ou quaisquer atividades militares fora das fronteiras francesas. A única exceção a isso foi a guerra na Argélia iniciada por Charles X poucas semanas antes de sua queda, sob o pretexto da supressão de pirataria no Mediterrâneo; o governo de Louis-Philippe decidiu continuar a conquista daquele país, que durou mais de uma década, declarando a Argélia parte integral da França em 1848.
Após alguma agitação, o Rei substituiu Guizot por Thiers, advogado da repressão. Saudado com hostilidade pelas tropas na “Place du Carrousel”, em frente ao Palácio das Tulherias, o Rei finalmente decidiu abdicar em favor de seu neto Philippe-d’Orléans, entregando a regência à sua nora Hélène de Mecklembourg-Schwerin. Seu gesto foi em vão, com a Segunda República sendo proclamada em 26 de fevereiro de 1848, na Praça da Bastilha, em frente à Coluna de Julho. 
A Coluna de Julho celebra os “Três dias Gloriosos”,
27-29 de julho, da Revolução de 1830

Louis-Philippe, o penúltimo monarca francês, que reivindicou ser o “Rei Cidadão”, ligado ao país por um contrato de soberania popular em que fundou sua legitimidade, não viu que o povo francês advogava pelo aumento do eleitorado, ou pela redução do imposto eleitoral ou pelo estabelecimento do sufrágio universal. Viveu pelo restante de sua vida no exílio no Reino Unido.

III.1 – A REVOLUÇÃO FRANCESA DE FEVEREIRO DE 1848

Dada a sua importância histórica, antes de passarmos à Segunda República Francesa, apresentaremos algumas breves considerações sobre a revolução em si, que a ela conduziu.
A Revolução Francesa de 1848, também conhecida como a Revolução de Fevereiro, foi um período de agitação civil na França, em fevereiro de 1848, que conduziu ao colapso da Monarquia de Julho e ao estabelecimento da Segunda República Francesa. Foi a fagulha das revoluções de 1848. Ocorreu em Paris e foi precedida pelas severas sanções do governo contra a “Campanha dos Banquetes”, encontros políticos privados criados como maneira de burlar o Ato de 1835 que proibia a formação de assembleias públicas. Oficialmente, a campanha iniciou em Paris em 9 de julho de 1847 e iria até 25 de dezembro de 1847, mas continuou até a Revolução de 1848, espalhando-se por todas as províncias da França. Durante esta campanha, o trítico “Liberdade, Igualdade, Fraternidade” ressurgiu em vários locais. A proibição de um desses encontros por Guizot, que deveria ocorrer em 14 de janeiro de 1848 e de um outro conjunto marcado para 22 de fevereiro de 1848, foram a causa imediata dos levantes que conduziram à abdicação de Louis-Philippe.
Iniciando em 22 de fevereiro como um protesto em larga escala contra o governo de François Guizot, posteriormente desenvolveu-se num violento levante contra a monarquia. Após uma intensa luta urbana, grandes multidões conseguiram tomar o controle da capital, levando à abdicação de Louis-Philippe e a subsequente proclamação da Segunda República.

a) 22 de fevereiro

Ciente dos encontros políticos programados para o dia seguinte, o governo francês proibiu os banquetes pela segunda vez em 21 de fevereiro. A proibição teve sucesso como pressão sobre o comitê organizador para cancelar os eventos. Entretanto, os trabalhadores e os estudantes que se mobilizavam há alguns dias, recusaram a ordem e prosseguiram as manifestações. O 22 de fevereiro iniciou calmamente e às nove horas da manhã membros da Guarda Municipal que haviam sido designados para prender os líderes do Banquete foram chamados às suas obrigações normais pelo Prefeito de Polícia, com apenas um pequeno número de soldados permanecendo em pontos críticos. Pouco antes do meio-dia, grandes multidões começaram a inundar as ruas de Paris, vindos dos subúrbios orientais e do “Quartier Latin” em direção à Praça da Concórdia e Praça da Madeleine, como surpresa às autoridades após os eventos terem sido supostamente cancelados, conduzindo a uma resposta inicial confusa. As multidões, em geral desarmadas, facilmente dominaram os poucos Guardas Municipais, enchendo as praças e quase invadindo o Palais Bourbon, assento da Câmara dos Deputados. Essas demonstrações rapidamente se desenvolveram numa revolta popular em larga escala, fazendo do dia 22 de fevereiro o primeiro dia da Revolução. Com a chegada de reforços à tarde, os revoltosos foram dispersados da Praça da Concórdia e da Praça da Madeleine. As massas eram muito grandes para serem presas ou contidas e assim se espalharam pelos Champs-Élysées e de volta para o sudeste de Paris, construindo as primeiras barricadas. Ao entardecer, aconteceram as primeiras escaramuças com a Guarda Municipal.

b) 23 de fevereiro

Em 23 de fevereiro o Ministro da Guerra requisitou mais tropas regulares de fora de Paris. As multidões marcharam próximo à residência de Guizot aos gritos de “abaixo Guizot” e “viva a Reforma”. A Guarda Nacional foi mobilizada, mas seus soldados se recusaram a enfrentar as multidões, juntando-se a elas em suas demonstrações contra Guizot e o Rei Louis-Philippe. No início da tarde o Rei convocou Guizot ao Palácio das Tulherias, sua residência, solicitando sua resignação. Guizot retornou ao Parlamento onde anunciou sua renúncia como Primeiro-Ministro; o Rei então solicitou ao Conde Molé (Louis-Mathieu Molé, estadista francês e amigo próximo de Louis-Philippe) que formasse um novo governo.
Com a demissão de Guizot, os líderes do Partido Movimento (conhecidos como “oposição dinástica), Adolphe Thiers e Odilon Barrot se congratularam por alcançar uma troca do ministério preservando a monarquia; a luta gradualmente cessou e as turbas começaram a celebrar. Contudo à despeito da queda de tão impopular governo, as pressões sociais subjacentes permaneciam e os republicanos ainda buscavam a troca do regime.
Cerca de 21:30 horas um grupo de mais de 600 pessoas se reuniu fora do Ministro das Relações Exteriores no “Boulevard des Capucines”, prédio guardado por cerca de 200 homens da 14ª Linha do Regimento de Infantaria. O comandante ordenou à massa que não passasse, mas os soldados foram sendo pressionados até que o oficial ordenou aos soldados que calassem baionetas para manter o povo à distância. Enquanto faziam isso, uma arma não identificada disparou e, em resposta, os soldados abriram fogo contra a multidão. 52 pessoas foram mortas e 74 outras feridas, causando a dispersão da multidão em todas as direções.
As notícias do massacre logo se espalharam entre os parisienses e após o reagrupamento da massa no Boulevard des Capucines, alguns dos mortos foram carregados em vagões puxados a cavalo e um desfile foi realizado pelas ruas clamando por vingança e chamando o povo às armas. Durante a noite de 23 para 24 de fevereiro mais de 1.500 barricadas foram construídas em toda a Paris e muitas estradas de ferro que conduziam a Paris foram sabotadas.

c) 24 de fevereiro

Em 24 de fevereiro Paris era uma cidade em trincheiras e o Rei Louis-Philippe permanecia sem governo posto que Molé, primeiro, e Thiers então, falharam na formação de um gabinete. Após saber do massacre, o Rei chamou por um governo a ser formado por Barrot, uma substancial concessão aos reformistas. Ao mesmo tempo, entretanto, o Rei deu o comando das tropas em Paris ao Marechal Bugeaud, desprezado pelas massas por sua reputação de brutal supressão de protestos. Na manhã seguinte, Bugeaud enviou quatro colunas pela cidade, pretendendo derrotar os insurgentes nas barricadas. Contudo, Louis-Philippe tentando evitar mais derramamento de sangue, ordenou aos oficiais encarregados que tentassem negociar antes de abrir fogo. Várias barracas em Paris foram atacadas e um comboio de munições foi capturado pelos insurgentes em Vincennes. A sede da administração, Hotel de Ville, foi tomado pela revolucionária Guarda Nacional. Bugeaud ordenou a seus soldados que recuassem para consolidar a defesa do Palácio das Tulherias. Por toda a manhã luta encarniçada eclodiu em várias partes de Paris, com o maior combate ocorrendo na Praça do Castelo d’Água (Place de la République), onde insurgentes armados atacaram a fonte que foi tomada e incendiada após intensa luta, com os soldados sobreviventes jogando suas armas em sinal de rendição. 
Captura e incêndio do Castelo d’Água pelos revolucionários

Com os insurgentes se aproximando do palácio real, Thiers aconselhou Louis-Philippe a deixar Paris e esmagar a revolução do exterior com uma força mais importante das tropas regulares, estratégia logo rejeitada por seus colegas. Enquanto o Castelo d’Água ardia, o Rei recebia conflitantes conselhos de seus aliados. Émile de Girardin (editor, político e jornalista de maior sucesso da era) foi o primeiro de seus conselheiros a sugerir a renúncia. Cerca do meio-dia, percebendo que não havia mais defesa possível, Louis-Philippe retirou toda a resistência e formalmente abdicou em favor de seu neto de nove anos, Philippe, Conde de Paris.
Louis-Philippe e a rainha Maria Amalia, última rainha da França, embarcaram em uma carruagem que esperava na Place de la Concorde, de onde, escoltados por cavalaria, deixaram Paris. Após a partida do casal real, os revolucionários finalmente tomaram o então deserto Palácio das Tulherias, residência da família real em Paris. No trono do Rei, que seria queimado no dia seguinte, na Praça da Bastilha, escreveram: “O povo de Paris a toda a Europa: Liberdade, Igualdade, Fraternidade. 24 de fevereiro de 1848”. O Palácio Real, histórico assento da família Orléans em Paris, foi invadido e saqueado. Outra residência dos Orléans a oeste de Paris, o Castelo de Neuilly, foi pilhado e incendiado por uma turba no dia 25.
Após a abdicação de Louis-Philippe, sua nora Helena, Duquesa de Orléans, como regente presumida da França como mãe de Philippe, Conde de Paris, foi com seu filho, das Tulherias para a Câmara dos Deputados para tentar evitar a abolição da monarquia. Contudo, seguindo sua vitória nas Tulherias, a multidão revolucionária irrompeu na sala de reuniões. O esforço da oposição dinástica para garantir a regência foi derrotado pelos brados populares pela República e uma lista preliminar de membros de um governo provisório foi anunciado pelo Deputado Alphonse de Lamartine.

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