Eu tive um sonho! E esta é a pequena história deste sonho, um sonho tão perfeito que pareceu ter sido realidade. Foi como se o tivesse vivido. Era palpável, vivo, colorido, emocionante ... E por esta razão, gostaria de contá-lo aos meus amigos.
Sonhei que me veio à cabeça a idéia de organizar um grande encontro com todos os amigos da minha infância e adolescência, passada num bairro comum de Porto Alegre. Em meu sonho, eu claramente vislumbrava as dificuldades que haveria de encontrar na localização dos amigos remanescentes, no contato com eles e na sua aquiescência em participar do meu sonho; e eu precisava de parceiros que me ajudassem a tocar a empreitada; e temia pela receptividade que teria dos amigos contatados. E tudo era um monte de dúvidas ...
Mas no sonho, o sonho começou a tomar corpo! Um contato aqui, um contato ali e consegui juntar um pequeno grupo de amigos, ainda um pouco incrédulos, que de uma forma ou outra aceitaram participar da nossa aventura. E saímos em busca dos nomes dos nossos antigos, através de uma extensa relação que as nossas mentes ainda conseguiram devolver de um passado longínquo. Um encontro com este grupo num restaurante de Porto Alegre e lá selamos o compromisso de atingir o nosso objetivo, juntar os amigos do passado numa festa que chamar-se-ia: “COPA 50 Anos Depois”, em homenagem ao nosso “Clube Olímpico Porto Alegre”, criado naquela época, fonte de muitas das nossas alegrias e promotor de muitos casamentos entre amigos do bairro e fora dele.
E começamos a realizar os contatos com os amigos de cinqüenta anos atrás. E cada novo telefonema era uma nova preocupação sobre como seríamos recebidos; o amigo iria se lembrar de quem estava falando? Estaria ele disposto a participar de algo assim inusitado depois de cinquenta anos passados? E cada novo telefonema era sempre uma alegria renovada pela alegria do próprio interlocutor que não acreditava com quem estava falando; e aderia incondicionalmente ao convite, como se ele próprio estivesse esperando aquele convite, também por muitos anos.
E a lista dos amigos encontrados crescia e os próprios amigos contatados lembravam-se de novos nomes que nos eram repassados e o processo transformou-se numa cadeia que não mais parecia ter fim. No grupo de discussões especialmente criado para a troca de idéias e as discussões entre os amigos, as mensagens voavam em todas as direções trazendo e levando lembranças que há muito se encontravam olvidadas; e era lindo assistir ao entusiasmo de todos, mandando recados ora divertidos, ora evocativos, mas sempre emocionantes. O blog criado para a festa era o veículo de crônicas emocionadas, sobre acontecimentos passados nas décadas de 50 e 60, em que os autores eram, ora assistentes, ora participantes ou protagonistas principais. Criamos também dois álbuns de fotografias. Num deles eram postadas as fotos do passado e do presente, envolvendo os amigos e suas famílias e eram assim identificados por todos, pouco a pouco. No outro álbum, eram postadas pares de fotos: uma tirada na época da nossa juventude e outra atual, colocadas lado a lado. Com isso, os amigos se identificavam mutuamente, pelas fotos antigas, e ficavam conhecendo as suas aparências atuais. Foram muitas fotos maravilhosas enviadas!
Paralelamente, os preparativos para a festa avançavam. O local foi escolhido com muito cuidado de modo a agradar os amigos de cujo gosto nem mais nos lembrávamos, mas também pensando que o custo possivelmente influiria no atendimento aos convites que seriam enviados, pois não havia como prever e conhecer as condições financeiras de pessoas que não eram vistas há tanto tempo. Os mesmos fatores foram considerados quando se procurou o “buffett” e todos os demais itens que deveriam ser arranjados para a realização da tão almejada festa.
Finalmente, a data foi marcada! 18 de setembro do ano de 2010, seria o dia da realização do encontro dos amigos que não se viam há 50 anos. Muito próxima da entrada da primavera, seria como um novo desabrochar de uma amizade que nascera há muito tempo atrás, mas não morrera, quedando adormecida por vários invernos. E os convites foram enviados a todos os amigos que haviam sido localizados; por e-mail para aqueles que o possuíam, pessoalmente para os que não tinham e pelo correio para aqueles que moravam longe. E a cada nova confirmação de participação à festa, uma nova alegria a todos, pois que dela todos tomavam conhecimento e a ela todos aplaudiam. A alegria tomava conta de todos os participantes, que já se organizavam em mesas de acordo com as suas afinidades e preferências. Alguns sugeriam as companhias com receio de que não fossem ser reconhecidos pelos demais após tanto tempo passado, com a timidez típica da adolescência de 50 anos atrás. E o número de participantes crescia e as pessoas não acreditavam que o número final seria um redondo número 100!
A data tão esperada se aproximava e o nervosismo era visivelmente demonstrado nas manifestações da lista de discussões e nas postagens encaminhadas ao blog para publicação. Amigos de última hora, tão esperados, apresentavam-se quando já ninguém mais cria que eles compareceriam; e eram recebidos com uma alegria enorme que era imediatamente correspondida. A festa era uma certeza!
E o seu dia chegou! Eufóricos estávamos nós, da Comissão Organizadora, e mais eufóricos encontravam-se os amigos que dela participariam, antevendo e antegozando o momento maravilhoso em que voltariam a ver os companheiros de tantos tempos passados. Cedo fomos para o local da festa para a tarefa de decorar o salão. Os balões nas cores verde, preto e branco, as cores do COPA, cheios, começaram a se avolumar e logo foram pendurados em pontos estratégicos do grande salão de baile. As faixas e “banners” alusivos ao evento, nas mesmas cores, foram colocados à entrada principal, no saguão e no salão principal, com dizeres que muito bem espelhavam a amizade que perdurou por 50 anos. Os vasinhos de flores foram colocados sobre as mesas de seis lugares, com as cobertas brancas, onde as cadeiras traziam lindos laços brancos de fita. As luzes indiretas multicoloridas, alto-falantes e demais acessórios eram responsabilidade do DJ, já contratado, que faria a alegria da festa com as músicas cuidadosamente escolhidas por nós, representando todo o espírito da nossa época. Preparamos também uma maravilhosa seleção de “clips” com cantores de nossa época, executando as melodias que tantas vezes dançamos nas reuniões dançantes que o COPA organizava. Tudo estava preparado para a grande noite que viria e pudemos ir às nossas casas, para o merecido descanso que antecederia a festa do reencontro.
Chegamos cedo para os preparativos finais, para garantir que nada faltaria à noite memorável ... E dali para a frente, uma espécie de névoa adentrou o salão inteiro cobrindo todo o espaço disponível e o sonho, finalmente, começou a parecer-se muito mais com um sonho do que com a realidade; e as duas coisas se confundiram; e eu já não sabia mais o que era sonho e o que era realidade. Eu ficava, com outros amigos, na entrada do salão, recebendo os convidados que chegavam e nos quais eram imediatamente colocados os crachás, especialmente confeccionados, para identificá-los mutuamente. Outros amigos tratavam de conduzir os convidados às mesas previamente acordadas, sobre as quais eram colocadas pequenas papeletas indicando que aquela já estava reservada ao grupo que chegara primeiro. No sonho, a responsabilidade do mestre de cerimônias fora entregue à minha filha mais velha, romântica e sentimental, ao extremo desejosa de conhecer, ao vivo, os amigos que tanto e há tanto tempo conhecia das histórias de seus pais. E, no sonho, foi ela que veio, assustada, me contar - ao mesmo tempo em que pedia socorro -, que uma das amigas encontrava-se chorando, inconsolável, à entrada do saguão, emocionada pela constatação imediata da presença de vários amigos antigos. E ao atendê-la, fiquei também empapado pelas suas lágrimas de alegria. Os convidados faziam jogos de adivinhação escondendo os crachás, como se tivessem, subitamente, retrocedido 50 anos no passado. E os abraços e beijos calorosos se sucediam por todos os cantos do salão, as pessoas não acreditando que estavam encontrando amigos de adolescência, que não viam há cinquenta ou mais anos. Uma coleguinha de primário, no velho Grupo Escolar Otávio Rocha, postou-se à minha frente, bracinhos cruzados, escondendo o crachá e, sorrindo, desafiava a minha memória; alguns segundos foram necessários para que eu reconhecesse, no sorriso alegre, daquela senhora simpática, a minha coleguinha brilhante de primário, então com 10 anos de idade. E foram dezenas de alegrias semelhantes, com o mesmo entusiasmo, na recepção aos convidados. Mas a festa estava apenas começando ...
Assim que acomodados os primeiros participantes em suas mesas, onde raramente poderiam ser encontrados, diga-se de passagem, foi iniciada a exposição dos “clips” e os amigos assistiam, emocionados, à execução das músicas que tanto haviam dançado pelos cantores que tanto sucesso fizeram em nossa época; e desfilavam perante todos, artistas que variavam entre Neil Sedaka, Paul Anka e Billy Cafaro, até Ray Conniff e Starry Night Orchestra. O salão encheu-se total e rapidamente e ninguém parava sentado em sua própria mesa, na ânsia de cumprimentar pessoas que julgavam ter reconhecido ou confessar o seu engano.
Assim que todos os cem convidados se fizeram presente, as luzes foram minimizadas e o membro mais ativo da Comissão subiu ao local dos discursos e contou, rapidamente, a história da origem da festa e terminou, como absoluta surpresa, me fazendo uma homenagem, como mentor do encontro. Com a surpresa, convidou-me a subir para dar as boas vindas aos nossos cem queridos amigos. E o sonho tomou conta da minha emoção quando declarei a minha alegria aos amigos presentes, pela homenagem aos amigos já partidos, quando relatei as declarações de amor recebidas, as emoções percebidas nos telefonemas e mensagens trocadas; e quando prestei uma singela homenagem ao idealizador do COPA e sua esposa. E o meu discurso foi, literalmente, para o espaço: mal pude balbuciar umas poucas palavras e cedi meu lugar a outros oradores, para ir abraçar os amigos com que ainda não havia falado. E pediu a palavra um querido amigo nosso, ex-presidente e um dos líderes do COPA à época. Ele lembrou vários episódios da época, envolvendo pessoas e acontecimentos e lembrando, através de uma gravação, o encerramento pontual e bem comportado das reuniões dançantes do COPA. E após algumas palavras, demonstrou a sua alegria em estar participando da festa e despediu-se visivelmente emocionado.
As luzes foram novamente acesas e fomos todos convidados, pela Mestra de Cerimônias, a participar de um maravilhoso jantar, servido e saboreado ao som das músicas da época, gravadas em CD especial, e iluminado por um “power point” especialmente preparado com todas as fotos – antigas e atuais - que haviam sido enviadas pelos amigos e publicadas em nosso álbum na Internet.
A partir daí, tudo começou, realmente, a ficar muito nebuloso, como um verdadeiro sonho sempre é. Todas as ações começaram a se tornar um pouco irreais. Lembro muito bem de ver as pessoas a se movimentarem pelo salão, buscando reconhecer nas várias mesas os amigos antigos. Era estranho constatar que, mesmo modificados pelos anos acumulados, rapidamente se transformavam, assim que identificados, nos mesmos adolescentes de cinquenta anos atrás, com a mesma forma de agir e de falar, alguns até mesmo com as mesmas brincadeiras de tantos anos passados. Não lembro, exatamente, da minha participação pessoal na festa. Lembro de ter tirado algumas fotos com alguns amigos, sentado em umas poucas mesas para uma rápida conversa com outros; mas nem as fotos foram todas as que eu gostaria de ter tirado, nem as mesas que visitei, uma vez que gostaria de te sentado e conversado com todos os meus amigos. Fiquei devendo a todos no sonho e sonhos não se repetem... Lembro perfeitamente que existiam amigos muito queridos e mais íntimos de nossa época, que gostaríamos muito de ter atendido melhor e não pudemos; sonhos não são sonhados totalmente sob o nosso controle. Lembro também de alguns que, por razões pessoais, tiveram que realizar um enorme esforço para estar presentes em nosso festa, sob a minha insistência até mesmo obstinada e teimosa, e não pude a eles dedicar o tempo que eu gostaria de ter dedicado; sonhos sempre deixam a desejar.
Nada faltou em meu sonho, pois a família do fundador do COPA, representada por seus filhos e pares, preparou-nos uma agradável surpresa, providenciando até mesmo um enorme bolo de aniversário, com as velinhas de 50 anos, maravilhosas, brilhando na penumbra do salão. A filha mais velha e o filho do idealizador fizeram discursos curtos e emocionados, em que agradeceram as homenagens prestadas a seus pais e demonstraram toda a sua alegria por terem participado da organização e estarem vivenciando a festa. Participei, emocionado, do apagar das velinhas, com os amigos da Comissão e os filhos do fundador do pequeno clube. E era tudo uma grande alegria, com todos os amigos aplaudindo, batendo fotos e confraternizando, como numa verdadeira grande reunião de amigos de 50 anos.
E chegou, finalmente, a hora tão esperada do baile dos 50 anos. E abrimos o baile, minha esposa e eu, com a alegria e a emoção de ver realizado um tão sonhado, construído e esperado sonho. E juntos, os nossos pares de amigos encheram o salão e dançamos todos embalados pelas vozes dos nossos cantores e orquestras preferidas das décadas de 50 e 60. E o sonho tornou-se um sonho realizado; e a névoa do sonho foi-se tornando mais densa e compacta à medida que o tempo passava e as pessoas iniciavam as suas despedidas; e as figuras conhecidas dos nossos amigos do passado se confundiam com a bruma e se desvaneciam na atmosfera do salão pouco iluminado, sem a realidade da despedida, como num verdadeiro sonho...
Eu tive um sonho, há pouco tempo atrás; e foi tão real ... Como eu gostaria que todos os meus amigos do passado pudessem ter compartilhado do meu sonho ....
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