Homenagem ao lendário herói ancestral dos ingleses que deu título a um dos considerados "Cem Maiores Livros do Mundo" e tido como o mais antigo escrito em "Old English".

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

FRANZ SCHUBERT E SUA SINFONIA INACABADA

Pois no último fim de semana, numa agradável conversa com o meu filho, durante as suas férias e as minhas, agora permanentes, eu fazia menção a uma expressão utilizada por minha mãe sempre que ouvia uma conversa muito comprida que o interlocutor não conseguia encerrar. A expressão era: ‘essa conversa está parecida com a "Sinfonia Inacabada” de Schubert’.
Essa expressão de minha mãe, com quem tanto aprendi ao longo da minha vida, quedou-se em minha cabeça de menino, intocada em sua forma original e nunca me dei ao trabalho de tentar descobrir a sua história. Principalmente porque - para ser totalmente honesto em minha crônica -, ela costumava usar a expressão sem fazer referência ao autor, embora soubesse, com certeza, de quem se tratava, tendo em vista a sua formação musical proporcionada pela família de sua mãe; possivelmente para poupar os nossos cérebros infantis, com nomes para nós, então, bastante complicados. Após a época em que vivíamos mais à sua sombra e luz, nunca mais tive a curiosidade aguçada para ir atrás da composição ou das razões que teriam criado a expressão. Agora, em férias permanentes, com mais tempo à disposição para, finalmente, fazer apenas aquilo que nos dá prazer, fui atrás da “Sinfonia Inacabada”.
Franz Seraph Peter Schubert foi um compositor austríaco que nasceu em 31 de janeiro de 1797 e morreu em 19 de novembro de 1828, com apenas 31 anos de idade. Embora morto em tão tenra idade, ele compôs cerca de 600 canções (“lieder”), nove sinfonias, música litúrgica, óperas, alguma música incidental e um grande corpo de música de câmara e solo de piano. Como ilustração da sua prolificidade, conta-se que encontrando-se um dia numa taberna vienense, com um grupo animado de jovens, a conversar, brincar e beber cerveja, de repente, ele pega o cardápio e escreve algo na sua parte posterior. Ao final da noite, todos saem e um dos jovens lembra-se do cardápio e volta para apanhá-lo, encontrando no verso algumas notas musicais traçadas com rapidez. Se este jovem não tivesse lembrado o cardápio, hoje o mundo talvez não conhecesse a famosa Serenata de Schubert. Aos 18 anos, já havia escrito 203 músicas. Nunca se casou e nunca foi realmente amado por nenhuma mulher, sua única aventura amorosa tendo-lhe resultado em sífilis.
De Schubert, costuma-se dizer que nunca fez parte do grupo mais seleto de compositores clássicos – Mozart, Bach e Beethoven -, embora eu não tenha mais esse preconceito desde que minha tia Ione, pianista concertista, com toda a propriedade me tenha explicado, quando ainda guri, que tal classificação, faz parte dos tempos modernos e que os compositores clássicos foram todos bons; apenas, como os vinhos, têm os seus adeptos e tornam-se questão de gosto muito pessoal. Um consolo especial para o meu gosto por Tchaikovsky! O fato é que a apreciação por sua música foi muito limitada ao tempo em que era ainda vivo, embora tenha crescido drasticamente durante as décadas que se seguiram à sua morte, quando Liszt, Schumann, Mendelssohn e o próprio Brahms, entre outros, tenham descoberto e promovido seus trabalhos durante o século XIX. Hoje ele é admirado como um dos líderes expoentes da música do início da era Romântica e um dos compositores mais frequentemente executados.
Em 1822, Schubert, então com 25 anos, iniciou a composição de uma sinfonia que nunca viria a terminar, sua famosa Sinfonia No. 8, em Si Menor, comumente conhecida como “Sinfonia Inacabada”, com apenas dois movimentos totalmente orquestrados, considerados completos, quando o normal, à época, eram quatro movimentos. É por essa razão que ela é chamada de “Sinfonia Inacabada”. Seis anos depois ele morreria, vítima da febre tifoide. Em seu leito de morte, desejando ouvir música, seus amigos executaram o Quarteto em Dó Sustenido Menor, de Beethoven. E foi a última música que Schubert ouviu.
Em 1823 a Graz Music Society deu a Schubert um diploma honorário. Sentindo-se obrigado a dedicar-lhes uma sinfonia como agradecimento, ele entregou ao seu amigo Anselm Hüttenbrenner, representante da Sociedade, a partitura da sua SinfoniaNo. 8, em Si Menor, escrita em 1822. Até aqui tudo é conhecido! O que não é bem conhecido e certamente nunca o será, é quanto da Sinfonia terá Schubert escrito e quanto do que foi escrito ele terá dado a Hüttenbrenner. Os primeiros dois movimentos existem na partitura completa, as duas primeiras páginas de um esboço em partitura completa e o restante do esboço na parte do piano; mas nada existe do quarto movimento.
O fato de que Hüttenbrenner não executou a peça ou mesmo deu ciência à Sociedade, de que ele possuía o manuscrito, é curioso e conduziu a várias teorias. Teria ele recebido uma partitura incompleta de Schubert e esperado pelo restante a ser entregue, antes de dizer qualquer coisa? Se assim foi, ele esperou em vão durante os cinco últimos anos da vida de Schubert. Após a morte de Schubert, porque Hüttenbrenner não teria dado a conhecer a existência do manuscrito? Por que a Inacabada teria apenas dois movimentos? Impossível saber. A morte de Schubert não foi a causa, pois depois da Inacabada, ele ainda escreveu mais uma sinfonia. Tampouco ele quis, deliberadamente, inovar o gênero das sinfonias, quebrando as regras vigentes de quatro movimentos. Prova disso são os primeiros compassos de um terceiro movimento. Terá sido culpa a razão pela qual Hüttenbrenner nada revelou sobre a existência do trabalho, durante 37 anos após a morte de Schubert? A idade avançada e a aproximação da morte parecem ter sido fatores para afinal revelar a existência do manuscrito, o que só teria acontecido em 1865, quando ele tinha 76 anos (morreria três anos após) de idade; a partitura só foi publicada em 1867.
A partir daí, historiadores e estudiosos da música têm labutado para provar que a composição era completa, em seus dois movimentos; e foi nessa forma que ela tornou-se uma das mais populares peças do repertório de música clássica do século XIX e permanece como uma das mais populares composições de Schubert.
Será que Schubert considerou que a obra não valeria o esforço? Ou simplesmente não se sentiu impelido a completar aquilo que iniciara? O fato é que a “Inacabada” reflete um pouco da vida de Schubert: simples e breve, sem muitos prazeres e de grande produção e amor pela música. Se Schubert não foi um compositor de obras grandiosas como as de Mozart, é inegável que ele criou músicas incrivelmente belas. Podemos perceber isso pela audição da “Sinfonia Inacabada”. É praticamente impossível fazer-se outra coisa quando esta música é executada. É necessário ouvi-la. Os dois "links" abaixo conduzirão o leitor ao Primeiro e ao Segundo Movimentos, respectivamente.
Primeiro Movimento da 'Sinfonia Inacabada'
Segundo Movimento da 'Sinfonia Inacabada'
Sobre o grande compositor, nunca esquecerei um comentário, feito por pessoa competente e admiradora de Schubert, sobre a sua Marcha Militar No. 1, que li enquanto a escutava pela primeira vez, aos meus quatorze anos. Dizia o analista algo mais ou menos assim: ‘Quando ouvimos a Marcha Militar No. 1 de Schubert e lembramos do seu temperamento terno e romântico, tudo o que ela consegue nos evocar é uma marcha alegre e disciplinada de muitos soldadinhos de chumbo’.   
Para finalizar, ilustrando o materialista mundo em que atualmente vivemos, tão diferente do mundo culto, romântico e humano em que viveu Schubert, uma historinha recolhida da “internet”, que a alguns fará rir e a outros ..., apenas lamentar.

Conta-se que um moderno administrador de empresas ganhou um convite para assistir a um concerto da “Sinfonia Inacabada” de Schubert. Como estivesse impossibilitado de comparecer, deu o convite ao seu gerente de Organização, Sistemas e Métodos. Na manhã seguinte, o administrador perguntou-lhe se havia gostado do concerto. Ao invés de comentários sobre o que ouvira e vira, recebeu do seu gerente o seguinte relatório:
"Circular Interna nº 13/03
De: Gerência de Organização, Sistemas e Métodos
Para: Diretoria
Ref: Sinfonia Inacabada
1-Por um período considerável de tempo, os músicos com oboé, não tiveram nada para fazer. O seu número deveria ser reduzido e o seu trabalho redistribuído pelos restantes membros da orquestra, evitando-se assim estes picos de inatividade;
2-Todos os violinos da primeira seção, doze ao todo, tocavam notas idênticas. Isso parece ser uma multiplicação desnecessária de esforços e o número de violinos, nessa seção, deveria ser drasticamente reduzido. Se for necessário um maior volume de som, isso poderá ser obtido através do uso de um amplificador;
3-Muito esforço foi despendido ao tocarem semitons. Isto parece ser um preciosismo desnecessário e seria recomendável que as notas fossem executadas no tom mais próximo. Se isso fosse feito, poderiam utilizar estagiários em vez de profissionais, reduzindo os custos significativamente;
4-Não há utilidade prática em repetir com os metais a mesma passagem já tocada pelas cordas. Se toda esta redundância fosse eliminada, o concerto poderia ser reduzido de duas horas para apenas vinte minutos;
5-Ao fim e resumindo as observações dos pontos anteriores, podemos concluir que se Schubert tivesse dado um pouco de atenção aos pontos mencionados, talvez tivesse tido tempo para acabar a sua sinfonia inacabada."

A "Sinfonia Inacabada" é uma homenagem póstuma à minha querida mãe, Mariazinha (Maria Sant'Anna de Azambuja).

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