Homenagem ao lendário herói ancestral dos ingleses que deu título a um dos considerados "Cem Maiores Livros do Mundo" e tido como o mais antigo escrito em "Old English".

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

UMA PEQUENA HISTÓRIA DA INGLATERRA CONTADA POR UM GAÚCHO DE PORTO ALEGRE, DESCENDENTE DE PORTUGUESES E RESIDENTE EM GRAMADO - A HISTÓRIA PROPRIAMENTE DITA (14) (Vigésima Segunda Parte)

A LENDA DO REI ARTHUR E SEU SÉQUITO

Até aqui tudo é histórico, se essa credibilidade podemos conceder a todos os documentos mencionados até então. Nesse caso, como e por quais razões teria ocorrido a evolução dos fatos históricos sobre Arthur, para esse magnífico conjunto de lendas que tanto encantou e continua empolgando milhões de pessoas em todo o mundo ao longo de vários séculos de civilização? Para que se chegasse até as fabulosas narrativas montadas em torno de tão ilustre personagem, uma longa caminhada teve que acontecer e desta tentaremos identificar pelo menos alguns passos, para mantermos acesa a chama da lenda.
Inicialmente é preciso que se diga que a impressão que se tem é que Arthur teria sido, alegadamente, o rei de cada Reino Celta conhecido. O Século VI certamente viu muitos homens chamados Arthur nascidos entre as famílias reais celtas da Britain, mas, a despeito das tentativas de identificar o grande homem entre eles, há pouca dúvida de que essas pessoas apenas foram assim chamadas em sua honra. Muitas vezes, príncipes com outros nomes eram identificados com a palavra “Arthwyr”, que muitos hoje têm certeza de ser um título, semelhante a “Vortigern”, ao invés de um nome próprio. Bem recentemente, um historiador chamado David Nash Ford, editor do Departamento de História da “Britannia”, uma companhia sediada no Delaware, USA, com mais de 80 prêmios desde que lançou sua publicação de mesmo nome em 1996, na WEB, adotou essa linha de raciocínio e publicou um artigo com uma série de Reis Arthur, Arthwyr e assemelhados que teriam governado pequenos reinos na England durante o final do Século V e início do Século VI. Trata-se de uma reunião de artigos de vários autores, que são analisados quanto à sua possibilidade de veracidade com relação ao Rei Arthur original. Suas conclusões foram muito pessimistas.
Deixando de lado os adornos aportados, da Renascença para a frente, em geral e por tudo quanto vimos até agora acredita-se que existiu um Arthur real: a grande figura do longo conflito entre British e Saxons foi Arthur, guerreiro de tradições romanas, líder de uma força móvel encarregado da proteção da integridade da província romana. Entretanto, é muito menos claro se ele realmente teria sido um rei ou apenas um guerreiro. Acredita-se que ele tenha sido o líder das forças “britonicas”, tendo sido morto após a batalha de Camlann, cerca de 515 DC.
Além disso, a favor da historicidade do Rei Arthur, o fato de que há documentos Welsh que narram lendas envolvendo o nome de Arthur, remontando ao Século VII. Há vários exemplos dessa afirmação. A figura de Arthur apareceu, pela primeira vez, na literatura Welsh. “The Gododdin”, um dos mais antigos poemas que sobrevivem, escritos em Welsh, pelo “bardo” (um poeta profissional) Aneirin, em torno do ano 594 DC, contém a referência conhecida mais antiga de Arthur. Teliesin, um contemporâneo de Aneirin, dito ter sido, ele próprio, um bardo de Arthur, em seu poema “O Trono do Soberano”, faz referência a “Arthur, o Abençoado”. Outro trabalho de Teliesin, “Preiddeu Annwn”, menciona o valor do guerreiro; e “Jornada para Deganwy” lembra um tempo “na Batalha de Badon com Arthur, principal doador de festas, com suas enormes espadas vermelhas da batalha que todos os homens lembram”.
Há, pelo menos, três elementos muito importantes que devem ser considerados nessa matéria que temos tentado relatar. Primeiramente, parece-nos suficientemente claro que, tal como nos foi pintado através de livros, filmes, relatos etc, o Rei Arthur realmente não existiu, infelizmente para nós que somos amantes de toda essa maravilhosa lenda Arthuriana. Se existiu – e tudo leva a creditar que, de fato, tenha existido – agora já sabemos que terá sido um chamado “dux bellorum” – “senhor das guerras” -, um guerreiro importante, certamente descendente dos romanos, que haviam recém deixado a Britain cerca de 410 DC, que teria vivido da última metade do século V para a frente, tendo deixado este mundo pela primeira metade do século VI. De forma alguma poderia ter tido a aparência com que nos brindaram os autores de suas façanhas do século XII e dos que se seguiram, muito menos aquela que nos foi apresentada através dos filmes modernos dos séculos XX e XXI. Muitos argumentos podem ser apresentados além dos vários que já o foram, para garantir essa afirmação. Naquela época em que ele teria vivido, a Britain não possuía ainda um rei único, mas apenas líderes tribais ou pequenos reinos; a nação continuava sem uma unicidade de comando, pela origem das várias tribos, pela presença dos anglo-saxons que a dominavam militarmente, pelas tentativas ainda presentes das invasões dos picts da Scotland, dos scots da Ireland, e pela grande diversidade cultural existente nas várias regiões do país. Além disso, o ambiente em que nos é apresentado o Rei Arthur que conhecemos e o seu próprio séquito, nada tem a ver com o meio em que vivia o Arthur de sua real época, quase de barbárie. Hoje ele nos é apresentado como são pintados - embora nem isso seja verdade -, os personagens da plena Idade Média.
Um outro aspecto que nos parece muito importante mencionar é a razão principal da criação do mito Arthuriano. Quando os Anglo-Saxons invadiram a Britain, no início do século V, os romanos havia estado por lá durante 4 séculos e haviam implantado uma cultura que se mesclou com a dos nativos britons ou celtas, como queiram, além de deixarem uma descendência romana, criando uma nova raça que rejeitaria, de qualquer forma, quaisquer novas tentativas de invasão. Sem o suporte do poderio bélico romano, na ocasião em que uma reação, de fato, esboçou-se aos invasores anglo-saxon, era muito importante o surgimento da figura de um líder, fisicamente real, mas com poderes sobre humanos, capaz de criar na nova raça British a sensação de que, lutando sob a sua liderança, seria capaz de resistir à ocupação e expulsar os potenciais novos invasores. Esse poderoso líder seria Arthur. Por outro lado, quando da Invasão Normanda, no Século XI, a tática utilizada foi exatamente a mesma, mas agora, ironicamente, pelos novos invasores normandos. Não podemos esquecer que o novo conquistador, William da Normandia, com os seus liderados, consideravam-se cristãos (de fato, haviam sido batizados), descendentes da cultura romana, que havia subjugado anteriormente toda a Gaul (França). Opondo-se a uma raça de pagãos considerados como bárbaros, com relação aos “civilizados” britons, eles representariam, de certa forma, o retorno ao cristianismo introduzido, originariamente, pelos romanos, dos quais Arthur seria um descendente direto. Dessa forma, o ressurgimento do mito Arthuriano nos séculos XI, XII e posteriores, teria vindo de encomenda para ligá-lo aos novos conquistadores, como se descendentes dele o fossem. E a figura de Arthur retornou com toda a força pelos escritos de Geoffrey de Monmouth, Thomas Malory e tantos outros da época e posteriores.
Outra característica importante, que chama a atenção de qualquer pesquisador do mítico Rei Arthur, é o fato de que a maior parte do romantismo da lenda, envolvendo os vários personagens e elementos místicos que compõem o seu círculo, tal como o conhecemos hoje, foram sendo incorporados ao longo do tempo, pelos vários autores que sobre ele escreveram. Entre esses elementos, estão incluídos os contos de Camelot, Avalon, o Cálice Sagrado, bem como os tão cantados e decantados Lancelot, Gawain e Galahad, que serão comentados mais adiante.
Em síntese, a moderna história Arthuriana foi popularizada pelo clérigo Welsh Geoffrey of Monmouth, através de sua obra “História dos Reis da Britain”, escrita em torno de 1135. De acordo com ele, Arthur teria nascido no Castelo de Tintagel, na Cornwall e, após vários feitos notáveis, teria sido finalmente transportado para a Ilha de Avalon, após ter sido ferido na Batalha de Camlann, na mesma Cornwall. O trabalho de Geoffrey of Monmouth rapidamente instigou a imaginação popular, inspirando escritores de toda a Europa a relatarem as aventuras do Rei Arthur.

Castelo de Tintagel, berço do Rei Arthur, segundo Geoffrey of Monmouth
O primeiro deles foi o poeta Wace (para saber mais sobre Wace, siga o link), da Ilha de Jersey, na costa da Normandia, que compôs, em 1155, o poema “Romance de Brut”, que contém uma importante adição à história Arthuriana de Geoffrey, qual seja, a “Távola Redonda”; apta a acomodar 50 cavalheiros de Arthur, seu objetivo principal, segundo Wace, era promover um senso de igualdade entre os nobres da época.
Entretanto, foi o escritor francês Chrétien de Troyes o principal responsável pelo estabelecimento do Rei Arthur como um assunto da moda da literatura romântica. Nas suas cinco histórias Arthurianas, escritas entre 1160 e 1180, Chrétien imaginativamente desenvolveu a narrativa introduzindo noções de cavalaria e romance palaciano medievais. Foi ele que introduziu muitos dos cavalheiros (incluindo Sir Lancelot), além de introduzir o som mais lírico Guinevere para o nome da rainha e Camelot como o nome da corte do Rei Arthur.
O Rei Arthur presidindo à Távola Redonda

Nas décadas seguintes, o Rei Arthur foi a grande moda e ao final dos anos 1190, Robert de Boron compôs uma trilogia de versos Arthurianos e foi responsável por introduzir um dos temas mais populares da história, o Santo Graal, ganhando com isso credibilidade cristã. Em consequência, o padre English Layamon, escrevendo em torno de 1200, foi o primeiro a relatar a saga em inglês nativo. Seu trabalho “Brut” foi uma adaptação da obra de Wace e na sua versão Arthur sobrevive como um imortal na sagrada Ilha de Avalon, com a promessa de que retornará um dia.
Pelo início do Século XIII, o restante dos temas já haviam sido adicionados ao que viria a tornar-se a história Arthuriana aceita. Entre 1215 e 1235 um número de histórias Arthurianas, coletivamente conhecidas como “Vulgate Cycle” (Ciclo da Vulgata) foram reunidas anonimamente e tornaram-se responsáveis por muitos dos adornos complementares, em particular a noção de que Mordred seria o filho incestuoso de Arthur com sua irmã Morgause. Também conhecida como “Lancelot – Graal”, “Prosa sobre Lancelot” ou ainda “Ciclo do Pseudo-Map”, o “Vulgate Cycle” é a maior fonte da lenda Arthuriana escrita em francês e em prosa, em vez de verso. Trata-se de uma série de cinco volumes - sobre cuja autoria os estudiosos divergem -, que narram a história da busca pelo Santo Graal e do romance de Lancelot e Guinevere. O “Post-Vulgate Cycle” (O Ciclo da Pós Vulgata) é, essencialmente, um remanejo do “Ciclo da Vulgata” anterior, com retiradas de alguns trechos e adição de outros. Os dois ciclos de trabalhos são considerados uma das mais importantes fontes da obra “A Morte de Arthur”, de Thomas Malory.
Seguindo o “Ciclo da Vulgata”, sucessivos escritores adicionaram outros temas, até que o final do Século XV produziu a mais conhecida versão da lenda Arthuriana, “Le Morte Darthur” (A Morte de Arthur), por Sir Thomas Malory (para saber mais sobre Thomas Malory, siga o link), de Newbold Revel, em Warwickshire. Completada em 1470, a obra foi impressa por William Caxton em 1485 e, como tal, foi um dos primeiros livros publicados com ampla circulação. A obra consiste de oito contos separados que Malory originalmente intitulou “The Whole Book of King Arthur and his Noble Knights of the Round Table” (O Livro Completo do Rei Arthur e seus Nobres Cavalheiros da Távola Redonda). “A Morte de Arthur” era, originalmente, o título do último conto, que sobreviveu até o dia de hoje como o título simplificado da obra completa. “Le Morte Darthur” inicia com Arthur concebido como o filho ilegítimo de Uther Pendragon e, tendo crescido em segredo, prova ser o legítimo pretendente ao trono inglês ao conseguir retirar a espada de uma pedra (falaremos sobre essa espada, que nada tem a ver com a espada Excalibur). Ele desposa Guinevere, cria os Cavalheiros da Távola Redonda em Camelot – que Malory identifica como Winchester -, gera Mordred (ou Modred, em Welsh Medraut ou Medrod), de um provável incesto com sua meia irmã Morgause (ou Anne ou Ana). Após um período de prosperidade, os Cavalheiros de Arthur iniciam a busca pelo Santo Graal, durante a qual Lancelot consuma uma relação adúltera com a Rainha Guinevere. Finalmente a relação é descoberta por Arthur que persegue Lancelot já em território francês, deixando Mordred como regente do trono, que tenta usurpar. Na batalha final de Camlann, Mordred morre e Arthur é mortalmente ferido, sendo transportado em barco para o Vale de Avalon. Após a batalha, a espada Excalibur é, relutantemente, lançada à Lady do Lago por Sir Bedivere, enquanto Lancelot e Guinevere entram para ordens religiosas, terminando suas vidas em paz.
A morte de Arthur segundo James Archer. pintando a lenda desde 1859

Esta foi a evolução da história Arthuriana na literatura. Mas é ela totalmente ficção ou possui alguma base histórica? Embora possam ter usado exagero artístico em seus épicos Arthurianos, os romancistas medievais parecem aceitar a realidade histórica de Arthur, conforme já exposto anteriormente, embora não tenham certeza quanto às datas dos eventos que descrevem, infelizmente, ponto crítico para descobrir quando Arthur teria vivido. Para completar a nossa apresentação, daremos uma caminhada pelo ambiente gerado por todos esses romancistas em torno do Rei Arthur e seus Cavalheiros da Távola Redonda.

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