Homenagem ao lendário herói ancestral dos ingleses que deu título a um dos considerados "Cem Maiores Livros do Mundo" e tido como o mais antigo escrito em "Old English".

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

UMA PEQUENA HISTÓRIA DA INGLATERRA CONTADA POR UM GAÚCHO DE PORTO ALEGRE, DESCENDENTE DE PORTUGUESES E RESIDENTE EM GRAMADO - A HISTÓRIA PROPRIAMENTE DITA (18) (Vigésima Sexta Parte)

O AMBIENTE ARTHURIANO (ÚLTIMA PARTE)
E o que dizer sobre Avalon, a Ilha mística e lugar do repouso eterno do Rei Arthur da fábula? O primeiro escritor a mencionar Avalon foi Geoffrey of Monmouth quando, em sua Historia, ele a chama “Insula Avallonis”, referindo-se a ela duas vezes: quando ele diz que a espada Caliburn, de Arthur foi forjada em Avalon e quando, após sua última batalha, ele foi transladado para lá para que suas feridas pudessem ser curadas em um berço de ouro, em troca de sua promessa de lá permanecer com Morganna.
Localização de Glastonbury, vizinho da Cornwall, a oeste e de Wales, ao norte
O local que imediatamente emerge à mente, sempre que Avalon é mencionado, é a cidade de Glastonbury, na região oeste da England, vizinho à Cornwall e ao Wales e sua reivindicação tem sido sujeita a muita controvérsia. Aninhando-se entre um grupo de colinas, Glastonbury, a mais antiga cidade cristã da England, foi, no início da Cristandade, quase uma ilha, quando a maior parte da área circundante era submersa. É, certamente, um local imponente, com sua mais alta colina, Glastonbury Tor, tendo em seu pico, uma solitária torre de pedra que pode ser vista a milhas de distância, de toda a fértil planície de Somerset, marcando as ruínas da Igreja de Saint Michael. A Tor (em português, um rochedo pontudo, ou outeiro) foi uma ilhota durante séculos pois as águas das enchentes levavam um tempo enorme para retroceder.
Glastonbury, com a Glastonbury Tor, na colina à direita, com a flecha verde
 Somerset, a região onde se situa Glastonbury, é uma abreviatura para ‘Summer Settlement’ (povoado de verão) em virtude de ser a área totalmente inundada e impossível de ser habitada durante o inverno, exceção feita à Tor. Esta era originalmente chamada ‘Ynys Witrin’ ou ‘Ilha de Vidro’ (ou ainda ‘Ilha da Visão’), ligada à terra principal somente por uma estreita faixa de terra durante a maré baixa. As pessoas que acreditam ainda acrescentam o poder de um lugar sagrado. Esse longo período de semi-isolamento pode ter, não somente preservado a natureza extraterrestre da Tor, mas também aumentado a sua aura de excepcionalidade através dos olhos da população.
Glastonbury Tor e o caminho que conduz à Torre da Igreja de St. Michael
E como veio Glastonbury a ligar-se à mística Avalon? Não existe qualquer evidência de que antes de 1190 alguém a tenha ligado à Ilha. William of Malmesbury, no início do século XII, compilou a história de Glastonbury e nem uma só vez a ligou a Arthur ou a conectou de alguma forma a Avalon. Cerca de 1140, Caradoc of Llancarfan, escreveu o primeiro texto conhecido ligando Arthur a Glastonbury, dizendo que o Abade de Glastonbury ajudou na libertação de Guinevere do rei Malwas de Somerset, mas nunca mencionando Avalon. A ligação do Rei Arthur com Glastonbury resultou de uma descoberta que se diz ter ocorrida ao final dos anos 1100’s, nos terrenos da Abadia de Glastonbury, destruída por incêndio em 1184, quando os monges iniciavam a reconstrução. Segundo consta, os monges teriam encontrado um túmulo contendo os ossos de um homem alto além de ossos menores e restos de cabelos loiros, junto com uma cruz de chumbo com uma inscrição latina que traduziria da seguinte forma:

“Aqui jaz o renomado Rei Arthur, na Ilha de Avalon, com sua segunda esposa Guinevere.”

Nem os ossos nem a cruz existem hoje, de forma que nada pode ser provado, mas a descoberta do túmulo foi muito oportuna, para dizer o mínimo, já que a Abadia necessitava desesperadamente de dinheiro para a reconstrução e a atração de peregrinos era uma maneira segura de conseguir dinheiro de contribuições para ver, não apenas o túmulo de uma lenda, mas também para conhecer a Ilha de Avalon. A menção à sua segunda esposa teria sido também um golpe de sorte, pois à época dizia-se que a esposa de Arthur chamava-se Guinevere ou Ganhumara; a existência de uma segunda esposa satisfaria a todos. Alguns anos mais tarde, quando se tornara aceito que Arthur tinha tido apenas uma esposa, foi alegado que a cruz tinha escrito apenas:


“Aqui jaz o renomado Rei Arthur, na Ilha de Avalon.”

Em 1962 o arqueólogo Dr. Ralegh Radford escavou o local em que os monges diziam ter cavado e, de fato, acharam indicações de um túmulo antigo que, sem a cruz para examinar serviria para muito pouco. Sobraria apenas a inscrição, ela própria muito controversa, pois, de acordo com o linguista de Oxford, James Hudson, o latim utilizado nada tinha a ver com o latim do século VI. Finalmente, os monges da época disseram também ter desenterrado St. Patrick, St. Gildas, e o Arcebispo Dunstan, que por mais de duzentos anos jazia em paz em Canterbury. Todas essas relíquias dúbias foram dispostas ao público e renderam generosas doações de seus adoradores para a construção da nova abadia. Consequentemente, este famoso local associado ao Rei Arthur pela Ilha de Avalon não suporta um escrutínio histórico científico.
A torre das ruínas da Igreja de St. Michael, no topo da Glastonbury Tor
Embora Geoffrey possa ter baseado sua Avalon em antigas lendas Celtic, muito pouco há de Celtic na sua descrição de Avalon, que muito tomou emprestado da mitologia clássica. A existência das nove mulheres, da deusa Celtic Morrigan (Morgan) e do próprio nome Avalon determinam a origem Celtic do tema, que por isso pode ter sido associado com a lenda Arthuriana original; mas tentar localizar Avalon é um assunto bem mais complexo e se tivéssemos que buscar uma ilha real, poderia ser praticamente em qualquer lugar. Existe, por exemplo a Ilha de Man, tomando o seu nome do deus Manannan, que teria sido o seu lar. Há também a própria Ireland, que o conto de Culhwch and Olwen identifica como Annwan. Ao sudoeste encontram-se as Ilhas Scilly que aparecem numa lenda datando do princípio da Idade Média, que teria Morganna como sua rainha. Na Scotland, Iona era chamada “A Ilha dos Sonhos”, um nome aplicado a Avalon em mis de um romance medieval. O disputante Welsh seria a Ilha Bardsey, por séculos o local de enterros de Santos e outros homens cristãos sagrados; uma lenda registrada no século XIII conta que Merln dorme numa caverna, preservando para sempre um calderão com os tesouros dos vencedores Britons.
Mas não vale à pena buscar por Arthur em qualquer desses lugares. De acordo com Geoffrey, Arthur vai a Avalon apenas para ser curado de suas feridas, sem que diga que ele foi enterrado lá ou pudesse inventar um local para tal. Antes de Geoffrey, William of Malmesbury escreveu que o túmulo de Arthur ainda não havia sido encontrado e o poema Welsh The Stanzas of the Graves (As Mansões dos Túmulos), que trata dos locais de enterros dos heróis Celtic, admite que o túmulo de Arthur permanece um mistério.
Sir Thomas Malory decidiu minimizar sues riscos sobre o assunto e partiu do ponto em que Geoffrey conduz Arthur em um barco para Avalon, buscando alívio para suas feridas, sem especificar que teria sido enterrado lá. Algumas linhas adiante, Bedivere chega a Glastonbury onde descobre um eremita pranteando um túmulo recente e pergunta quem estava enterrado ali, ao que lhe é respondido: ‘Nessa mesma noite, à meia-noite, aqui veio um grupo de damas trazendo um morto e rogou-me que o enterrasse’.  Bedivere então supõe que o corpo seja de Arthur embora o eremita não o confirme. Parece que Malory se empenhava em satisfazer os seus leitores no que se refere à Abadia de Glastonbury, sem estar convencido de que tal local poderia ser uma ilha. De fato, ele não se compromete com Glastonbury e inclui uma nova versão em que a sepultura de Arthur permanece incógnita. Infelizmente, os contos de Avalon poderiam conduzir a qualquer lugar e a qualquer conclusão.


EPÍLOGO

Depois de tudo o que escrevemos, após mais de um ano de postagens sobre este assunto, concluir sobre a veracidade ou não da figura do Rei Arthur nos parece uma questão totalmente supérflua e desnecessária. A verdade apresenta-se por si própria, naturalmente. O personagem certamente existiu e teve, inquestionavelmente, um papel muito importante na história da formação da nação e do povo da Britain. Se a própria história encarregou-se de supervalorizar a figura e a sua importância, é questão de somenos importância. É parte e desejo da natureza humana criar os seus mitos, porque deles necessita. Toda a humanidade usou dessa prerrogativa desde o início dos tempos e seria inevitável que uma nação da importância e com uma história tão brilhante como a que possui a Britain, também possuísse os seus próprios heróis, dos quais o Rei Arthur é, certamente, o mais potente deles. É, sem qualquer dúvida, uma figura majestosa, que encantou e continua a encantar não apenas o povo britânico, mas a população mundial de todos os tempos e épocas e para sempre permanecerá na memória desta e das futuras gerações.
Gostaria de encerrar essa imensa matéria, de cujo sucesso de publicação eu mesmo duvidei muitas vezes, dado o seu imenso escopo, com um texto que é apresentado na primeira e segunda páginas do livro “King Arthur – The True Story”, escrito por Graham Phillips e Martin Keatman. Nessas duas páginas, os autores foram, em minha opinião, de uma felicidade imensa na apresentação da essência da lenda do Rei Arthur e os Cavaleiros da Távola Redonda, tal como a conhecemos hoje e como gostaríamos que fosse lembrada essa maravilhosa história de realidade/ficção, mas sobretudo de caráter e honra, características cada vez mais raras e difíceis de serem encontradas no mundo moderno.

Em um tempo muito distante, quando a Britain era dividida e sem um rei, hordas bárbaras devastaram aquilo que havia sido um dia um fértil território. O trono apresentou-se vago para um homem certo e justo, que poderia libertar o povo do seu jugo servil e expulsar os invasores da sua terra. Mas apenas aquele, que arrancasse da pedra uma magnífica espada, provaria a si mesmo a sua herança por direito. Os anos passaram e muitos tentaram, mas a misteriosa espada permanecia firme e inflexível na velha e decomposta pedra. Então, um dia, um jovem emergiu da floresta e, para o assombro de todos, teve sucesso na missão que até o mais forte havia falhado. A multidão regozijou-se; o rei havia chegado e seu nome era Arthur!
Na ascensão do mais alto posto na terra, Arthur tomou as primeiras providências para restaurar o destroçado país. Após construir a inexpugnável fortaleza de Camelot e fundar a ordem dos destemidos cavaleiros, os Cavaleiros da Távola Redonda, o rei cavalgou adiante para varrer o demônio que havia devastado a terra. Os camponeses libertados rapidamente o tomaram em seus corações e Arthur reinou com justiça sobre seu novo e próspero reino, tomando por esposa a linda Lady Guinevere.
Até mesmo uma terrível praga que grassou pelo país foi derrotada pela recente decisão sobre os assuntos de Arthur, pois eles prepararam uma busca para descobrir o Santo Graal, um fabuloso cálice que portava o segredo da cura para todos os males. Mas como acontece frequentemente durante uma época de plenitude, sempre existem aqueles que são corrompidos pelo poder. Logo uma rebelião dividiu o reino, através de um levante armado conduzido por Mordred, o traiçoeiro sobrinho de Arthur. Contudo, havia uma, possuída pelas forças do mal, que se dispôs no coração da contenda: a misteriosa e satânica feiticeira Morganna. Na batalha final Mordred foi finalmente derrotado e Morganna destruída por Merlin, o mago da corte. Mas nem tudo correu bem, pois Arthur fora mortalmente ferido.
Enquanto jazia à morte, no campo de batalha, a última demanda feita pelo poderoso rei, foi que a Excalibur, a fonte de todo o seu poder, fosse lançada em um lago sagrado e perdida para sempre ao homem mortal. Quando a espada mágica caiu à água, o braço de uma sílfide elevou-se da superfície das águas, agarrando-a pelo punho e levando-a para baixo, nas profundezas cristalinas.
O último sono do Rei Arthur, pintura de Edward Burne-Jones, iniciada em 1881
 Quando o grande rei encontrava-se próximo da morte, ele foi, com regozijo, conduzido em uma barca à mística Ilha de Avalon, acompanhado por três misteriosas donzelas integralmente vestidas de branco. Muitos dizem que ele morreu e foi enterrado na Ilha, embora outros haja que creem que a alma de Arthur não será encontrada entre os mortos. Diz-se que ele apenas dorme e que retornará um dia.

Bons sonhos e bom descanso, Rei Arthur, nobre e valoroso cavaleiro.

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