Homenagem ao lendário herói ancestral dos ingleses que deu título a um dos considerados "Cem Maiores Livros do Mundo" e tido como o mais antigo escrito em "Old English".

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

OS BORGIA (Parte 2)

Havíamos encerrado a primeira parte, quando na Europa renascentista do Papa Alexandre VI se formara a "Santa Liga" contra o Rei Charles VIII da França, provocando sua partida da Itália e a recondução de Ferdinando II ao trono de Nápoles.
A partir daí, Alexandre VI iniciou a tendência geral de todos os príncipes de subjugar os grandes feudatários e estabelecer um despotismo centralizado, tornando assim possível tirar vantagem da derrota dos franceses para quebrar o poder dos Orsini. Com isso, ele pode construir uma efetiva base de poder nos Estados Papais.
Em 15 de junho do mesmo ano, seu filho, Giovanni Borgia, Duque de Gandia foi encontrado morto no rio Tibre. Alexandre VI, dominado pela dor, trancou-se no Castelo Sant’Angelo, declarando que, doravante, a reforma da Igreja seria o único objetivo da sua vida, uma decisão que não manteve. Dedicou-se, isso sim, a descobrir o assassino, tendo as suspeitas caído sobre altas personalidades. As buscas cessaram quando rumores apontaram na direção de Cesare, outro de seus filhos, embora nenhuma evidência conclusiva tivesse surgido. De Cesare falaremos, posteriormente, com bastante detalhe.

Para levar a cabo seus vários intentos, Alexandre VI necessitava de fundos que obtinha através de confiscos, dos quais não escapou nem seu próprio secretário. O processo era muito simples: qualquer Cardeal, nobre ou funcionário público sabidamente rico, era acusado de alguma ofensa, prisão e talvez assassinato imediato, e sua propriedade confiscada incontinenti. A menor oposição ao Papa era punida com a morte. O estado corrompido da Cúria era um enorme escândalo.
Monge Dominicano Girolamo Savonarola

Oponentes poderosos, como o demagógico monge dominicano florentino, Girolamo Savonarola, lançavam invectivas contra a corrupção papal, apelando por um concílio geral que confrontasse os seus abusos. Em 1497, Savonarola e seus seguidores realizaram a “Fogueira das Vaidades”, onde queimaram itens relacionados à falta de moral, coletados de porta em porta, como livros pagãos, esculturas consideradas imorais, além de outros itens. Esses esforços de Savonarola vieram a gerar conflito com Alexandre VI. O Papa, como todos os príncipes de cidades italianas, à exceção de Florença, era um oponente da política francesa e Carlos VIII o ameaçava frequentemente com a convocação de um concílio em oposição. Além disso, o pregador dominicano falava com violência crescente contra o papa e a Cúria, fatos que terminaram por precipitar a exigência papal de que Savonarola pregasse obediência, além de ir a Roma para defender-se. Savonarola desculpou-se, alegando estar com a saúde danificada. As consequências seguintes foram a proibição de o dominicano fazer pregações e a devolução do mosteiro de São Marcos à congregação da Lombardia. Procurando justificar-se e declarando que ele sempre se havia submetido ao julgamento da Igreja, o mosteiro foi retirado da congregação da Lombardia e a conduta de Savanarola foi julgada suavemente, mas a proibição de suas pregações foi mantida.
Morte e incineração de Savonarola
Em seus novos sermões atacou violentamente os crimes do Vaticano, o que fez crescer as paixões em Florença. Um cisma começou a se prefigurar e o papa foi forçado outra vez a agir. Mesmo assim, Savonarola prosseguiu com suas pregações cada vez mais violentas contra a Igreja de Roma, recusando-se a obedecer as ordens recebidas. Em 12 de maio de 1497, Savonarola foi excomungado, terminou preso e condenado à morte em 1498, por ordem papal. Foi torturado e, em 25 de maio, foi enforcado e o seu corpo queimado em praça pública (Piazza della Signoria) em Florença junto com Fra Silvestro e Fra Domenico da Pescia, seus principais assessores. 
Alexandre VI sentia cada vez mais que podia confiar apenas em seus parentes e tentou de todas as formas o engrandecimento de sua família.
Certo de que Luís XII lhe daria mais lucro do que Charles VIII, seu antecessor, a despeito das queixas da Espanha e de Sforza, em janeiro de 1499 Alexandre VI aliou-se com a França e foi seguido por Veneza.
Surge então um novo perigo, em forma de uma conspiração entre os déspotas depostos, os Orsini e alguns dos próprios aliados de Cesare. No início as forças do Papa foram batidas e tudo parecia desanimador para a casa dos Borgia. Mas uma promessa de ajuda dos franceses rapidamente forçou os confederados a um acordo. Por ato de traição, Cesare prendeu os líderes do movimento em Senigallia e condenou à morte Oliverotto da Fermo e Vitellozzo Vitelli, em 31 de dezembro de 1502. Assim que soube das notícias, Alexandre VI iludiu o Cardeal Orsini e prendeu-o em um calabouço onde ficou até a sua morte. Seus bens foram então confiscados, sua velha mãe posta na rua e muitos outros membros da clã em Roma foram presos, enquanto Goffredo Borgia conduzia uma expedição na Campanha e confiscava seus castelos, aumentando o poder dos Borgia. Pelo mês de abril, nada restava aos Orsini além da Fortaleza de Bracciano; e eles imploraram por um armistício. A humilhação da aristocracia romana era completa; pela primeira vez na história do papado, o Papa era, no máximo sentido, soberano dos seus Estados.
As vítimas dos Borgia cresciam, fazendo crescer também sua fortuna. A guerra entre França e Espanha, pela posse de Nápoles, eclodiu e Alexandre VI ofereceu ajuda a Luís XII com a condição de que a Sicília fosse dada a Cesare; ao mesmo tempo, ofereceu ajuda à Espanha em troca de Siena, Pisa e Bologna. 
Burchard registrou de forma crua os eventos que culminaram com a morte de Alexandre VI. Cesare preparava outra expedição em agosto de 1503 quando após jantar com seu pai, o Papa, e o Cardeal Adriano Corneto, tiveram febre. Cesare acabou por recuperar-se mas o Papa já estava muito velho para ter qualquer chance. De acordo com o relato, sua morte foi terrível e após uma semana de sangramento intestinal e febre convulsiva, tendo aceito os últimos ritos e confessar-se, o desesperado Alexandre VI morreu em 18 de agosto de 1503 aos 72 anos de idade. Sua morte foi coberta de mistérios. Boatos surgiram de que ele teria sido acidentalmente envenenado por seu filho Cesare, com uma variante de arsênico denominada Cantarella, quando a vítima pretendida era o Cardeal Adriano. Outra versão diria que o Papa morrera com malária, então prevalente em Roma. Mas nada ficou provado.
A impopularidade de Alexandre VI era tão grande que os padres da Basílica de São Pedro recusaram-se a aceitar o corpo para enterro até que forçados pelo estafe papal, tendo apenas quatro prelados atendido à Missa de Réquiem. Após uma breve permanência, o corpo foi removido da cripta de São Pedro e instalado numa igreja menos conhecida, a igreja nacional espanhola de Santa Maria em Monserrato degli Spagnoli.

LEGADO DO PAPA ALEXANDRE VI
A elevação ao papado, de alguém que durante 35 anos havia conduzido os trabalhos da chancelaria Romana com rara habilidade e indústria, teve a aprovação geral. Os romanos, especialmente, que já viam os Borgia como um deles próprios e que previam um pontificado esplêndido e enérgico, a escolha era muito aceitável. Para justificar a boa opinião dos romanos a seu respeito, imediatamente ele iniciou o fim da ilegalidade que dominava a cidade, cuja extensão, pode-se inferir da declaração de Stefano Infessura, advogado e historiador da época, de que apenas em alguns poucos meses mais de duzentos e vinte assassinatos teriam ocorrido. Alexandre VI ordenou as investigações de forma que cada culpado era enforcado no local e sua casa arrasada ao nível do solo. A cidade foi dividida em quatro distritos, cada um deles subordinado a um magistrado com plenos poderes para a manutenção da ordem, reservando a terça-feira de cada semana para que cada homem ou mulher pudesse, pessoalmente, expor-lhe suas queixas e, diz o relator, “dispensava justiça de uma maneira admirável”. 
Embora não clamasse pelo aprendizado, ele fomentou a literatura e a ciência. Reconstruiu a Universidade Romana e fez generosas doações para o sustento dos professores. Cercou-se de homens cultos e tinha uma especial predileção por juristas. Seu apego por apresentações teatrais encorajaram o desenvolvimento do drama. Amava as cerimônias pontificais, às quais sua figura majestosa figura emprestava graça e dignidade. Ouvia a bons sermões com ouvido crítico e admirava a boa música.
Alexandre VI em oração (Pinturicchio)
 Alexandre VI ficou conhecido pelo patrocínio das artes e nos seus dias uma nova era arquitetural foi iniciada em Roma, com a chegada de Donato Bramante, considerado o autor do projeto de reconstrução da Basílica de São Pedro. Rafael Sanzio, Michelangelo Buonarroti e Pinturicchio (Bernardino di Betto) trabalharam para ele. Pinturicchio foi incumbido pelo Papa de prodigamente pintar um conjunto de quartos no Palácio Apostólico no Vaticano, que até hoje é conhecido como Apartamento Borgia. 
Alexandre VI também encorajou o desenvolvimento da educação emitindo, em 1495 uma bula papal, por solicitação de William Elphinstone, Bispo de Aberdeen e o Rei James IV da Escócia, fundando a Faculdade Real, Aberdeen, hoje parte integrante da Universidade de Aberdeen.
Segundo seu rival Giuliano dela Rovere, o Papa Julius II, que o sucedeu, Alexandre VI teria dado um afável tratamento aos judeus, acolhendo em Roma, em torno de 9.000 empobrecidos judeus expulsos da Península Ibérica e chegados aos limites dos Estados Papais. Declarou na ocasião que “poderiam conduzir suas vidas livres da interferência dos Cristãos, continuando com seus ritos particulares, seus negócios e usufruindo de outros privilégios. Da mesma forma, ele agiu com relação aos judeus expulsos de Portugal em 1497 e da Provence em 1498.
Sem que isso possa servir de justificativa, deve-se observar que os crimes de Alexandre VI foram similares, em natureza, aos praticados por outros príncipes do Renascimento, com a diferença de sua importante posição na Igreja. Como disse o filósofo francês Joeph-Marie de Maistre, em seu trabalho “Du Pape”: “Aos demais príncipes nada havia a perdoar, pois tudo era deles esperado, razão pela qual os vícios que rapidamente passaram por um Luís XIV, tornaram-se muito mais ofensivos e escandalosos num Alexandre VI”. E não poderia ser de outra forma, digo eu.
Entretanto, uma apreciação imparcial dessa pessoa extraordinária deve, imediatamente, distinguir entre o homem e o ofício. Como diz o Dr. Pastor (op. cit., III, 475): “Um engaste imperfeito não afeta o valor intrínseco da joia, como tampouco a moeda de ouro perde o seu valor ao passar por impuras mãos. Na medida em que o padre é um servidor público da Santa Igreja, espera-se dele um vida sem mácula porque ele é, por seu ofício, o modelo de virtude a quem o leigo busca e porque sua vida, quando virtuosa, inspira nos espectadores respeito pela sociedade da qual ele é um ornamento. Mas os tesouros da Igreja, seu caráter divino, sua Santidade, revelação Divina, a graça de Deus, autoridade espiritual, tão conhecidas, são independentes do caráter moral dos agentes e servidores da Igreja. O mais notável de seus padres não pode minimamente diminuir o valor intrínseco dos tesouros espirituais a ele confiados”. Em todos os tempos, sempre existiram homens perversos nas fileiras eclesiásticas.

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