Homenagem ao lendário herói ancestral dos ingleses que deu título a um dos considerados "Cem Maiores Livros do Mundo" e tido como o mais antigo escrito em "Old English".

domingo, 1 de abril de 2012

HISTÓRIA DO BRASIL NA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XX (PARTE 4)

O BRASIL NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

Desde o início da segunda grande guerra, em 1º de setembro de 1939, Getúlio Vargas manteve o Brasil em posição neutra até 1941, de acordo com o Decreto Lei no 1.561, de 2 de setembro de 1939, que determinava a abstenção do Brasil sobre as ações dos beligerantes.
Após muita negociação, Brasil e Estados Unidos acabaram assinando um acordo pelo qual o governo norte-americano se comprometia a financiar a construção de uma grande usina siderúrgica brasileira - Companhia Siderúrgica Nacional - em Volta Redonda, estado do Rio de Janeiro, em troca da permissão para a instalação de bases militares e aeroportos nas regiões norte, nordeste e em Fernando de Noronha. Logo após, a marinha alemã foi autorizada por Berlim a estender a guerra submarina aos navios mercantes de bandeira brasileira e de todos os países que haviam ratificado o compromisso da Carta do Atlântico, compromisso esse de alinhamento automático com qualquer país do continente americano que viesse a ser atacado por um país de fora do continente, no que foi seguida pela marinha italiana, pondo fim de fato à neutralidade brasileira.
Em função do ataque japonês a Pearl Harbor, em 7 de dezembro de 1941, no início de 1942, durante a conferência dos países sul-americanos no Rio de Janeiro, tais países, a contragosto de Getúlio que temia represálias dos alemães, condenaram os ataques japoneses, rompendo relações diplomáticas com os países do Eixo - Alemanha, Itália e Japão – alinhando-se com os Estados Unidos.
Os aliados precisavam muito de borracha, pois a partir da ocupação japonesa do sudeste asiático, já não podiam contar mais com o vital suprimento vindo daquela região. Assim, houve no Brasil uma grande migração de nordestinos para a Amazônia para extrair o látex da borracha, que foram carinhosamente apelidados de "soldados da borracha", revitalizando a economia da região naqueles anos, que se encontrava estagnada desde o fim do 1º ciclo da borracha décadas antes.
Franklin D. Roosevelt e Getúlio Vargas em 1943
Em 28 de janeiro de 1943, Vargas e Franklin Delano Roosevelt (presidente dos Estados Unidos) participaram da Conferência de Natal, onde ocorreram os primeiros acordos que resultaram na criação da FEB (Força Expedicionária Brasileira) em agosto, um ano após a declaração de guerra.

DECLÍNIO E FIM DO ESTADO NOVO

Entre os pracinhas da FEB, havia oito estudantes de Direito da Universidade de São Paulo, participantes de manifestações pacíficas de oposição a Getúlio, como a Passeata do Silêncio, em que desfilaram com mordaças negras para simbolizar a falta de liberdade de expressão. "Fomos convocados por castigo — como se pudesse ser um castigo servir ao Brasil!", escreveu um desses estudantes, Geraldo Vidigal, no livro “O Aprendiz de Liberdade — do Centro XI de Agosto à Segunda Guerra Mundial”.
A partir de um boato sobre o acidente de carro sofrido por Getúlio em 1º de maio de 1942, que o imobilizou, segundo o qual ele levara uma pancada na cabeça e sofria das faculdades mentais, começou a preparar-se a escolha de um sucessor de Getúlio na chefia do Estado Novo, surgindo um bloco liderado pelo Ministro da Guerra Eurico Gaspar Dutra e outro pelo chanceler Oswaldo Aranha.
Getúlio e Alzira Vargas relatam, em seguida, desavenças entre ministros, intrigas e exonerações, e o distanciamento cada vez maior dos antigos aliados de 1930 da pessoa de Getúlio e do seu governo.
Em 24 de outubro de 1943, aniversário da vitória da Revolução de 1930, ocorre o primeiro protesto organizado contra o Estado Novo, em Minas Gerais, chamado Manifesto dos Mineiros, redigido e assinado por advogados mineiros, muitos dos quais se tornariam influentes juristas e importantes próceres políticos da UDN, como José de Magalhães Pinto, Pedro Aleixo e Bilac Pinto.
Com a aproximação do término da Segunda Guerra Mundial, em 1945, as pressões em prol da redemocratização ficam mais fortes.
A entrevista, em 22 de fevereiro de 1945, de José Américo de Almeida a Carlos Lacerda, publicada no jornal Correio da Manhã, do Rio de Janeiro, marca o fim da censura à imprensa no Estado Novo, e simbolizou o enfraquecimento do regime.
Em 28 de fevereiro de 1945, através do Ato Adicional nº 9, é feita uma reforma liberalizante da Constituição de 1937, estabelecendo, entre outras medidas, como uma maior autonomia para os estados e municípios, critérios e prazos para a eleição presidencial da república e criada uma Câmara dos Deputados.
Em 18 de abril de 1945, foi decretada a anistia geral para todos os condenados por crimes políticos praticados a partir de 16 de julho de 1934, data da promulgação da constituição de 1934.
Com o fim da segunda guerra mundial e a volta dos pracinhas, surgiu uma grande pressão política para o fim do Estado Novo. Foi, então, liberada a criação de partidos políticos e marcadas, em 28 de maio de 1945, as eleições para presidente da República (para 2 de dezembro) e para uma nova Assembleia Nacional Constituinte, concedida a anistia a Luís Carlos Prestes e outros presos políticos e a liberdade de organização partidária. Contudo, a pressão para que Getúlio renunciasse continuava forte.
Foi então que surgiu o “Queremismo” movimento liderado pelo empresário Hugo Borghi, que usava os slogans "Queremos Getúlio" e "Constituinte com Getúlio". O movimento propunha, primeiro, uma nova constituição e só depois a eleição para a presidência da república. O crescimento do Queremismo precipitou a queda de Getúlio, com a realização de um grande comício em 20 de agosto de 1945, no Largo da Carioca, Rio de Janeiro.

Getúlio Vargas e Ernesto Geisel em 1940
Getúlio Vargas foi deposto em 29 de outubro de 1945, por um movimento militar liderado por generais que compunham o próprio ministério, na maioria ex-tenentes da Revolução de 1930 que haviam dado o poder a Getúlio, como Góis Monteiro, Cordeiro de Farias, Newton de Andrade Cavalcanti e Ernesto Geisel, entre outros. Getúlio renunciou formalmente ao cargo de presidente da República, pondo assim fim ao “Estado Novo”. Terminava assim, o que Getúlio chamou, na comemoração do dia do trabalho de 1945, "um curto prazo de 15 anos" durante os quais, segundo ele, o Brasil muito progredira.
O general Eurico Gaspar Dutra já havia deixado o ministério da Guerra em 9 de agosto de 1945, para se candidatar à presidência da república. Sem Dutra, Getúlio ficou enfraquecido, o que facilitou sua deposição.
O pretexto para a deposição foi a nomeação do irmão de Getúlio, Benjamim Vargas, o Bejo, para chefe da polícia do Rio de Janeiro. O Coronel João Alberto Lins de Barros deixara o cargo por se opor às manifestações públicas do movimento “queremismo” pois, revolucionário da década de 1920, era amigo do também revolucionário Eduardo Gomes, candidato da UDN à presidência.
Getúlio foi substituído, interinamente, por José Linhares, presidente do Supremo Tribunal Federal e seu substituto legal, pois a Constituição de 1937 não previa a figura do vice-presidente. Permaneceu três meses no cargo, até passar o poder ao presidente eleito Eurico Gaspar Dutra, eleito em 2 de dezembro de 1945, e empossado presidente da república em 31 de janeiro de 1946.


O PERÍODO DE 1945 A 1950

GETÚLIO SENADOR DA REPÚBLICA E SEU APOIO À CANDIDATURA DUTRA

Getúlio, afastado do poder, não sofreu qualquer punição, nem sequer o exílio que ele próprio impusera ao presidente Washington Luís ao depô-lo. Não teve os seus direitos políticos cassados e não respondeu a qualquer processo judicial, retirando-se para sua estância, em São Borja, Rio Grande do Sul. 
Getúlio apoiou, forçado - como uma das condições negociadas para que não fosse exilado -, a candidatura do general Eurico Gaspar Dutra, seu ex-ministro da Guerra durante toda a vigência do Estado Novo, à presidência da República. Por sua vontade, Getúlio não apoiaria Dutra, pois o considerava um traidor que apoiara o golpe de 29 de outubro. Porém, Hugo Borghi fez Getúlio mudar de ideia, afirmando que se a UDN ganhasse, elegendo Eduardo Gomes presidente da república, haveria um desmanche das realizações do Estado Novo e uma possível retaliação a Getúlio.
Serviu de lema para a campanha eleitoral de Dutra, uma frase de Hugo Borghi, publicada em jornais e panfletos, logo após voltar de São Borja, em 24 de novembro de 1945, com o apoio de Getúlio à candidatura Eurico Dutra: “Ele disse: vote em Dutra!”. Dutra venceu a eleição, derrotando Eduardo Gomes.
Na formação da Assembleia Nacional Constituinte de 1946, Getúlio Vargas foi eleito senador por dois estados: Rio Grande do Sul e São Paulo, pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), legenda que ajudara a criar, e pela qual foi também eleito representante à Câmara dos Deputados por seis estados e pelo Distrito Federal, irônica e claramente mostrando a cultura do povo brasileiro, pelo menos em dois pontos: (1) tolerou e, de certa forma, aprovou o cerceamento das liberdades individuais dos cidadãos, movido apenas pela propaganda da máquina governamental; (2) aprovou a figura de um “ditador bonzinho”, populista, simpático e protetor dos pobres e oprimidos, com sua linguagem de fácil penetração nas massas.
Getúlio já participara também, em 1945, da criação do PSD, Partido Social Democrático, formado, basicamente, pelos interventores estaduais do Estado Novo, do qual chegou a ser eleito presidente, passando o cargo a Benedito Valadares. Getúlio participou muito pouco da Constituinte e foi o único parlamentar a não assinar a Constituição de 1946, fazendo um único discurso na Assembleia Nacional Constituinte em 31 de agosto de 1946.
Assumiu o cargo no Senado como representante gaúcho, e exerceu o mandato de senador durante o período 1946 - 1947, quando proferiu cinco discursos relatando as realizações do Estado Novo e da Revolução de 1930 e criticando o governo Dutra. O último discurso no Senado Federal foi em 3 de julho de 1947.
Deixando o Senado Federal, onde recebia muitas críticas, foi viver em suas estâncias Itu e Santos Reis (na qual passara a infância), em São Borja, sempre muito assediado por partidários para retornar à vida pública, especialmente por Ademar de Barros e Hugo Borghi. Também foi decisiva para sua volta à política, a amizade feita com o jornalista Samuel Wainer, editor chefe e diretor do jornal Última Hora.


 A CAMPANHA PRESIDENCIAL DE 1950 E A ELEIÇÃO

Sobre uma possível candidatura de Getúlio em 1950, João Neves da Fontoura, seu colega e amigo, teria dito a frase muito popular no Rio Grande do Sul: “Se o cavalo passar encilhado ele monta!”. Getúlio acabou aceitando voltar à política, lançando sua candidatura em 19 de abril, dia do seu aniversário, após o lançamento da candidatura de Eduardo Gomes.
Então, já com 68 anos, percorreu todas as regiões do Brasil, em campanha eleitoral, pronunciando, de 9 de agosto a 30 de setembro, em 77 cidades, discursos, nos quais relembrava suas obras nas regiões em que discursava. O primeiro discurso foi em Porto Alegre e o último em São Borja. Em 12 de agosto, na cidade do Rio de Janeiro, bem ao estilo getulista que tanto agradava ao povo brasileiro, prometeu: “Se for eleito a 3 de outubro, no ato da posse, o povo subirá comigo as escadas do Catete. E comigo ficará no governo!”
Getúlio foi eleito presidente da república, como candidato do PTB, em 3 de outubro de 1950, derrotando a UDN, que tinha como candidato novamente Eduardo Gomes, e o Partido Social Democrático, que tinha como candidato, o mineiro Cristiano Machado.
Fundamental para sua eleição foi o apoio do governador de São Paulo, Ademar de Barros, nomeado por Getúlio, durante o Estado Novo, em 1938, interventor federal em São Paulo e exonerado do mesmo cargo em 1941. Assim, a aliança com Ademar, mais um ato de reconciliação praticado por Getúlio, transferiu-lhe um milhão de votos paulistas, mais de 25% da votação total de Getúlio. Ademar esperava que, em troca desse apoio em 1950, Getúlio o apoiasse nas eleições de 1955 para a presidência da república. O resultado final deu a Getúlio, 3.849.040 votos contra 2.342.384 votos dados ao Brigadeiro Eduardo Gomes e 1.697.193 votos dados a Cristiano Machado.
João Batista Luzardo garantiu, em agosto de 1978, que Dutra teria garantido a posse de Getúlio, não permitindo nenhuma conspiração militar.

O GOVERNO ELEITO (1951 - 1954)

UMA ADMINISTRAÇÃO POLÊMICA

Getúlio tomou posse na presidência da república, a 31 de janeiro de 1951, no Palácio do Catete, sucedendo ao presidente Eurico Gaspar Dutra, e seu mandato presidencial deveria estender-se até 31 de janeiro de 1956.
Getúlio trouxe para o ministério antigos aliados do tempo da Revolução de 1930, com os quais se reconciliou: Góis Monteiro (Estado Maior das Forças Armadas), Osvaldo Aranha, na Fazenda, João Neves da Fontoura e Vicente Rao, ambos nas Relações Exteriores, e ainda, Juracy Magalhães como o primeiro presidente da PETROBRAS e Batista Luzardo como embaixador na Argentina. O ex-tenente de 1930, Newton Estillac Leal, foi ministro da guerra até 1953. Reconciliou-se também com José Américo de Almeida que, na época, governava a Paraíba e que se licenciou do cargo de governador para ser ministro da Viação e Obras Públicas a partir de junho de 1953.
Luís Vergara, secretário particular de Getúlio, de 1928-1945, em sua obra "Eu fui secretário de Getúlio", conta que Getúlio chamou o ministério empossado em 1951, de "ministério de experiência", o que causou mal estar entre os ministros. Vergara diz que o "cochilo" revelava um enfraquecimento nos controles de auto vigilância e da contenção da linguagem", atribuído a um começo de envelhecimento e ao esgotamento com "quinze anos ininterruptos em atividade governamental, preocupações multiplicadas, trabalho incessantes, crises políticas, acidentes pessoais e com pessoas da família".
Getúlio teve um governo tumultuado devido a medidas administrativas que tomou e devido às acusações de corrupção que atingiram seu governo.
Um polêmico reajuste do salário mínimo, em 100%, ocasionou, em fevereiro de 1954, um protesto público, em forma de manifesto à nação, dos militares, (um dos quais foi Golbery do Couto e Silva), contra o governo. As mesmas ações populistas se repetiam.
Este "Manifesto dos Coronéis", também dito "Memorial dos Coronéis", foi assinado por 79 militares que, na sua grande maioria, eram ex-tenentes de 1930, significando uma redução do apoio ao governo Getúlio, na área militar e, também, na área trabalhista, por conta da demissão de João Goulart, ministro do trabalho.
Houve uma série de acusações de corrupção a membros do governo e pessoas próximas a Getúlio, o que levou Getúlio a dizer que estava sentado em um "mar de lama". O caso mais grave de corrupção, que jogou grande parte da opinião pública contra Getúlio, foi a comissão parlamentar de inquérito (CPI) do jornal "Última Hora", de propriedade de Samuel Wainer, acusado por Carlos Lacerda e outros de receber dinheiro do Banco do Brasil para apoiar Getúlio. O jornal "Última Hora" era praticamente o único órgão de imprensa a apoiar Getúlio.

O ATENTADO DA RUA TONELERO

Na madrugada de 5 de agosto de 1954, um atentado a tiros de revólver, em frente ao edifício onde residia Carlos Lacerda, em Copacabana, no Rio de Janeiro, mata o major Rubens Florentino Vaz, da Força Aérea Brasileira (FAB), e fere Carlos Lacerda, jornalista e ex-deputado federal da UDN, forte opositor de Getúlio. O atentado foi atribuído a Alcino João Nascimento e Climério Euribes de Almeida, membros da “Guarda Negra” de Getúlio. A crise política que se instalou foi muito grave porque, além da importância de Carlos Lacerda, a FAB, à qual o major Vaz pertencia, tinha como grande herói o brigadeiro Eduardo Gomes, da UDN, que Getúlio derrotara nas eleições de 1950. A FAB criou uma investigação paralela do crime e no dia 8 de agosto a “Guarda Negra” foi extinta. Alcino foi capturado no dia 13 de agosto e Climério no dia 17 de agosto.
Gregório Fortunato, chefe da guarda pessoal do presidente Getúlio Vargas, foi acusado e teria admitido, mais tarde, perante a justiça, ser o mandante do atentado contra Lacerda. Em 1956, os acusados do crime foram levados a um primeiro julgamento: Gregório Fortunato foi condenado a 25 anos de prisão como mandante, pena reduzida a vinte anos por Juscelino Kubitschek e a quinze anos por João Goulart.

A ÚLTIMA REUNIÃO MINISTERIAL, O SUICÍDIO E A CARTA TESTAMENTO

Como consequência, Getúlio foi pressionado, pela imprensa e por militares, a renunciar ou, ao menos, licenciar-se da presidência. O “Manifesto dos Generais”, de 22 de agosto de 1954, assinado por 19 generais de exército, entre eles, Castelo Branco, Juarez Távora e Henrique Lott, pede a renúncia de Getúlio:

"Os abaixo-assinados, oficiais generais do Exército ... solidarizando com o pensamento dos camaradas da Aeronáutica e da Marinha, declaram julgar, como melhor caminho para tranquilizar o povo e manter unidas as forças armadas, a renúncia do atual presidente da República, processando sua substituição de acordo com os preceitos constitucionais".

Esta crise levou Getúlio Vargas ao suicídio na madrugada de 24 de agosto de 1954, em seus aposentos no Palácio do Catete, logo depois de sua última reunião ministerial, em que fora aconselhado, por seus ministros, a licenciar-se da presidência. Entretanto, em sua agenda de compromissos, na página do dia 23 de agosto de 1954, segunda-feira, ele registrara a falta de uma conclusão do ministério e a sua determinação aos ministros militares de manutenção da ordem pública, com a qual ele entraria com o seu pedido de licença.
Tal gesto foi, segundo alguns analistas, o maior golpe de marketing político da história brasileira. Até aquela manhã, o ex-ditador estava acuado. Acusado de protetor de ladrões e tendo dois filhos, o irmão e o chefe da guarda pessoal envolvidos na tentativa de assassinato do principal líder da oposição a seu governo, a situação política de Getúlio Vargas era insustentável. A opinião pública acompanhara os detalhes das investigações do atentado da Rua Toneleros e estava chocada com as revelações. O coronel João Adil de Oliveira, que ficara encarregado do Inquérito Policial-Militar, havia declarado, a 19 de agosto, que o atentado contra Lacerda fora planejado dentro do Catete. O Vice-presidente e os militares pressionavam Getúlio para que renunciasse. Se deixasse a Presidência, o ex-ditador teria um destino muito parecido ao reservado ao ex-presidente Fernando Collor: teria respondido a vários processos e correria o risco de ser condenado, junto com parentes e pessoas de sua estrita confiança. Teria tanto apoio da opinião pública quanto o ex-Presidente Collor obteve durante o processo do impeachment, ou seja, nenhum.
Segundo as informações da época, Getúlio teria deixado duas notas de suicídio, uma manuscrita e outra datilografada, que receberam o nome de "carta-testamento". A manuscrita, assinada ao final da reunião ministerial, foi divulgada somente em 1967, por Alzira Vargas, à revista “O Cruzeiro” e nela Getúlio explicaria o seu gesto; na verdade, nenhuma explicação foi dada ao povo brasileiro que tanto gostaria de conhecer as razões do suicídio de um homem público. A versão datilografada, feita em três vias e mais extensa que a manuscrita, foi lida por João Goulart, no enterro de Getúlio, em São Borja. Nesta versão datilografada aparece a frase "Saio da vida para entrar na história" e é, até hoje, alvo de discussões sobre a sua autenticidade. Nela, chama muito à atenção, a frase em castelhano: "Se queda desamparado". Assim, tanto na vida quanto na morte, Getúlio foi motivo de polêmica.
Assumiu então a presidência da república, no dia 24 de agosto, seu vice-presidente João Café Filho, de oposição a Getúlio, que nomeou uma nova equipe de ministros e deu nova orientação ao governo.

CONSEQUÊNCIAS IMEDIATAS DO SUICÍDIO DE GETÚLIO

Há quem diga que o suicídio de Getúlio Vargas adiou um golpe militar que pretendia depô-lo e que tornou-se, então, desnecessário, pois assumira o poder um político conservador, Café Filho. O golpe militar, cujos simpatizantes chamam de Revolução, viria, por fim, em 1964, ironicamente concretizado, essencialmente, pelo lado militar, por ex-tenentes de 1930.
Para outros, o suicídio de Getúlio fez com que passasse da condição de acusado à condição de vítima. Isto teria preservado a popularidade do trabalhismo e do PTB e impedido Café Filho, sucessor de Getúlio, por falta de clima político, de fazer uma investigação profunda sobre as possíveis irregularidades do último governo de Getúlio.
E, por fim, o clima de comoção popular devido à morte de Getúlio, teria facilitado a eleição de Juscelino Kubitschek (JK) à presidência da república e de João Goulart (o Jango) à vice-presidência, em 1955, derrotando a UDN, adversária de Getúlio. JK e João Goulart são considerados, por alguns, como dois dos "herdeiros políticos" de Getúlio, além de Leonel Brizola.

IMPACTO POPULAR

Getúlio foi o primeiro a fazer, no Brasil, propaganda pessoal em larga escala, chamada "culto à personalidade", típica do nazismo-fascismo e do stalinismo, e ancestral do marketing político moderno. Por essa razão, no dia seguinte ao suicídio, milhares de pessoas saíram às ruas para prestar o "último adeus" ao “pai dos pobres”, chocadas com o que ouviram no noticiário radiofônico mais popular da época, o Repórter Esso. Enquanto isso, retratos de Getúlio eram distribuídos para o povo durante o dia.
A aliança elite-proletariado, criada por Getúlio, e modernamente recriada por Lula, tornou-se típica no Brasil, com a Aliança PTB-PSD, apoiada pelo clandestino PCB na fase de 1946-1964 e, atualmente, com a aliança PT-PP (de Maluf, Esperidião Amin e Delfim Neto, entre outros)-PMDB (de Sarney, Pedro Simon, Renan Calheiros, Jarbas Vasconcellos e outros)-Partido Republicano Brasileiro (Marcelo Crivella entre outros).
O estilo conciliador de Getúlio foi incorporado à maneira de fazer política dos brasileiros, e teve o maior adepto no ex-ministro da Justiça de Getúlio, Tancredo Neves que, obviamente, muito aprendeu com ele. Como conciliador, Getúlio reatou amizade e aliança com inúmeros políticos que com ele romperam ao longo dos 50 anos de vida pública. Uma só reconciliação jamais teria ocorrido: com o presidente Washington Luís. Getúlio Vargas teria sido, segundo algumas versões, o criador do populismo no Brasil, embora, na versão de Tancredo Neves, o populismo fosse uma deformação do getulismo.

HERANÇA ECONÔMICA E SOCIAL

A política trabalhista é alvo de polêmicas até hoje e foi taxada de "paternalista" por intelectuais de esquerda, que acusavam Getúlio de tentar anular a influência desta esquerda sobre o proletariado, desejando transformar a classe operária num setor sob controle, nos moldes da Carta do Trabalho (Carta del Lavoro) do fascista italiano Benito Mussolini. Os defensores de Getúlio Vargas contra-argumentam, dizendo que em nenhum outro momento da história do Brasil houve avanços comparáveis nos direitos dos trabalhadores. Os expoentes máximos dessa posição foram João Goulart e Leonel Brizola, sendo o último considerado o herdeiro político final do "getulismo". A crítica de direita, ou liberal, argumenta que, a longo prazo, estas leis trabalhistas prejudicam os trabalhadores porque aumentam o chamado "custo Brasil", onerando muito as empresas, criando emprego informal e gerando a inflação que corrói o valor real dos salários. Neste caso, o Custo Brasil faz com que as empresas brasileiras contratem menos trabalhadores, aumentem a informalidade, criando receio entre as empresas estrangeiras para investir no Brasil. Assim, segundo a crítica liberal, as leis trabalhistas gerariam, além da inflação, mais desemprego e subemprego entre os trabalhadores.
O intervencionismo estatal na economia, iniciado por Getúlio, só cresceu com o passar dos anos, atingindo o máximo no governo do Presidente Ernesto Geisel. Somente a partir do Governo de Fernando Collor foi iniciado o desmonte do estado intervencionista.
Segue a Parte 5

Nenhum comentário: